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Marxismo Vivo: nova época. v. 12, n. 17, agosto, 2021. São Paulo: Liga Internacional dos
Trabalhadores: 2021.
Quadrimestral
ISSN: 1806-1591
Nota: circulou no período de setembro de 2000 até setembro de 2009 com o título Marxismo Vivo
1. Marxismo - teoria revolucionária
edições
marxismo
vivo Assinaturas e pedidos de números avulsos: marxismovivo.org
n ova
é poca
edições
t
06 Aos nossos leitores
81 As bases socioeconômicas
da ditadura do proletariado
Marcos Margarido - Brasil
t
Dossiê:
Seminário sobre Materialismo Histórico
Los editores
*
Bibliografia:
ENGELS, Friedrich. O papel do trabalho na transformação do macaco em
homem.
LENIN, Vladmir. Cadernos sobre a dialética de Hegel. Editora UFRJ: Rio
de Janeiro, 2011. Disponível em:
<http://www.afoiceeomartelo.com.br/posfsa/Autores/Lenin,%20Vladimir%2
0Ilyich/Cadernos%20sobre%20a%20dial%C3%A9tica%20de%20Hegel.pdf
>
MARX, Karl. O Capital. Livro I. Boitempo: São Paulo, 2013.
VIGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e linguagem. 2011.
Disponível em:
<https://www.marxists.org/portugues/vygotsky/ano/pensamento/index.htm>
***
São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 8‐52 ‐ Agosto de 2021 ‐
A DIALÉTICA DA NATUREZA E DO TRABALHO
EM FRIEDRICH ENGELS:
UM DEBATE A PARTIR D’O PAPEL DO TRABALHO NA
HOMINIZAÇÃO DO MACACO *
*
Este é um artigo de debate publicado no site Teoria e Revolução. Nas edições em es-
panhol, o nome do livro de Engels é El papel del trabajo en la transformación del
mono en hombre (nde.).
1
Ver: https://litci.org/pt/assista-o-video-200-anos-de-engels-parte-1/. Acesso em: 12
dic. 2020.
2
Ver: https://teoriaerevolucao.pstu.org.br/apontamentos-sobre-a-questao-evolutiva-e-
a-origem-da-linguagem-em-engels/, de Romerito Pontes. Acesso em: 13 de dez. 2020.
‐ São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 8‐52 ‐ Agosto de 2021
Um debate sobre Engels e o papel do trabalho na questão evolutiva 29
7
O artigo supracitado menciona repetidas vezes a importância da descoberta do DNA
para a Teoria da Evolução, mas não menciona a importância das descobertas do monge
Johann Gregor Mendel acerca da transmissão hereditária de características entre os in-
divíduos para a elevação da teoria darwiniana no panteão das ciências. Em 1857, Men-
del realizou experimentos cultivando ervilhas e, ao cruzá-las, observou a transmissão
hereditária de certas características para as novas gerações de ervilhas. Seus estudos
só foram descobertos no início do século XX e, com justiça, é considerado o pai da
genética. Essa era a explicação para a hereditariedade das modificações que faltava a
Darwin.
‐ São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 8‐52 ‐ Agosto de 2021
Um debate sobre Engels e o papel do trabalho na questão evolutiva 35
A mão de Darwin
O artigo Apontamentos sobre a questão evolutiva e a origem da
linguagem em Engels é novamente categórico: 1) uma determinada
atividade pode mudar indivíduos, mas não uma espécie; 2) o tra-
balho não operou mudanças morfológicas na espécie humana; 3)
o trabalho “deu-se em um animal cuja a natureza biológica, mor-
fológica, já existia como condição para isso”.
Isto é, o trabalho já encontrou um ser pronto para manejar as
ferramentas e pensar no que fazer. Donde sentencia: “Não é por
desenvolver o trabalho que o macaco pôde assumir determinada
constituição, mas foi por ter determinada constituição que o ma-
caco pôde desenvolver o trabalho” (PONTES, 2020).
Mas, quando Darwin defendeu a tese de que todos os indivíduos
de uma espécie – e até mesmo as espécies e grupos – não nascem
8
Na quinta edição da Origem das Espécies, Darwin passa a considerar a possibilidade
de que algumas características estruturais nos seres vivos possam não ter serventia,
mas reitera que “com base nos conhecimentos colhidos nos últimos poucos anos estou
convencido de que se poderá demonstrar depois a utilidade de muitíssimas estruturas
que agora nos parecem inúteis e que entrarão consequentemente no âmbito da seleção
natural” (DARWIN, 1974, p. 78).
9
Darwin, por exemplo, aceitava a hipótese da hereditariedade de caracteres também
aceita por Lamarck, mas com uma diferença: secundada pela Seleção Natural.
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Um debate sobre Engels e o papel do trabalho na questão evolutiva 37
prontos e descendem de ancestrais comuns, ele dá o exemplo… da
mão:
“Dada a existência da mesma disposição óssea na mão do homem,
na asa do morcego, na barbatana do boto e na pata do cavalo,
assim como o mesmo número de vértebras compondo o pescoço
da girafa e do elefante, além de inúmeros outros fatos desse tipo,
a única explicação plausível e imediata reside na teoria da descen-
dência com modificações lentas, ligeiras e sucessivas” (DARWIN,
2012, p. 374).
10
“A palavra inglesa coulter, que é um cognato de cultura, significa ‘relha de arado’.
Nossa palavra para a mais nobre das atividades humanas, assim, é derivada de trabalho
e agricultura, colheita e cultivo” (EAGLETON, 2011, p. 09).
11
Na academia brasileira, o sociólogo Ricardo Antunes teve o mérito de combater as
posições do filósofo Jürgen Habermas que colocava como centro a esfera comunica-
cional, pondo a linguagem e a cultura no núcleo do que chamava de “mundo da vida”.
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Um debate sobre Engels e o papel do trabalho na questão evolutiva 41
13
“É por ter sido faber (artesão), que o homem tornou-se sapiens (inteligente). Com
as mãos livres da necessidade de apoiar o corpo, o homem estava apto a aliviar os mús-
culos e os ossos do maxilar e do crânio de numerosos trabalhos. Daí a liberação e o
crescimento da caixa craniana, onde os centros sensitivo-motores do córtex se desen-
volvem. Além disso, a mão confronta o homem com o mundo natural. É uma antena
que capta um número infinito de mensagens, as quais organizam o cérebro e o fazem
chegar ao julgamento, particularmente através do conceito de meios apropriados para
alcançar um dado fim (princípio de identidade e causalidade)” (KI-ZERBO, 2010, p.
835-836).
14
No Estado e a Revolução, Lenin rebatia aqueles que tentavam opor a noção de Estado
em Marx e Engels: “No entanto, seria um profundo erro crer numa divergência de
opiniões entre Marx e Engels. Um estudo mais atento mostra que as ideias de Marx e
Engels a respeito do Estado e do seu definhamento são absolutamente idênticas, e que
a expressão de Marx aplica-se justamente a um Estado em vias de definhamento”
(2010, p. 104).
15 Ver: https://litci.org/pt/bicentenarioengels/. Acesso em: 11 de dez. 2020.
16
Como visto, há também uma riquíssima contribuição de Engels à chamada questão
ambiental que pode ser extraída nestemanuscrito.
Os limites de Darwin
Em O papel do trabalho na hominização do macaco, Engels faz
uma pequena mas contundente crítica aos cientistas naturais:
“cada coisa atua sobre a outra e vice-versa, e na maioria das vezes
é o esquecimento desse movimento e dessa interação universais
que impede nossos pesquisadores da natureza de ter uma visão
clara sobre as coisas mais simples” (2020, p. 346). Uma crítica
que bem podemos aplicar a Darwin.
Afinal, ele cometeu grandes equívocos em A Origem do Homem.
18
Galton e Malthus são mencionados em Origem das Espécies, mas nem de longe têm
tamanho relevo quanto nesta obra. As elaborações acerca da população de Malthus
lhe inspiraram. Mas, se eram razoáveis para se pensar o crescimento sustentável de
uma determinada espécie – isto é, a capacidade de sustentabilidade “associada à má-
xima população de uma espécie que pode manter-se indefinitivamente em um território
sem provocar uma degradação na base de recursos que possa fazer diminuir essa
mesma população no futuro” (MOREIRA, 2007, p. 202) – não faziam o menor sentido
quando aplicadas às sociedades humanas.
‐ São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 8‐52 ‐ Agosto de 2021
Um debate sobre Engels e o papel do trabalho na questão evolutiva 51
Referências
***
‐ São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 8‐52 ‐ Agosto de 2021
A
E d u c a ç ã
na Rússia depois de
Outubro de 1917
o
54 Daniel Henrique Rodrigues
4
O modelo de educação omnilateral, nas palavras de Bordin é “O primeiro passo para
garantir uma mudança social e evitar o retorno ao momento histórico anterior é fazer
com que todo o povo esteja bem preparado intelectualmente, com uma cultura por ele
formada, esteja ciente dos obstáculos por vir e tenha sabedoria e entendimento para se
posicionar na nova forma de conceber o mundo. (…)”, nde.
São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 53‐79 ‐ Agosto de 2021 ‐
56 Daniel Henrique Rodrigues
5
Relação que se dá entre os instrumentos de trabalho, a força humana e os recursos
sobre os quais se trabalha. O homem trabalha sobre a natureza e a transforma. Para
isso, utiliza de suas ferramentas e das técnicas de manuseio para o seu ofício.
6
Esta última faz referência à forma como a vida é organizada de acordo com as con-
dições de existência, mantendo uma interação com as forças produtivas: que se rela-
cionam à força de trabalho humana junto aos meios de produção e seus instrumentos
de trabalho. À medida que as forças produtivas avançam, entram em contraposição às
relações de produção, o que pode ou não levar a uma mudança estrutural.
10
Ainda assim, é preciso fazer “jus” à história e situar o pouco que sabemos sobre
Anátoli Lunatcharski. Isso porque, apesar, de início, se opor à velha burocracia do cza-
rismo para tratar da educação, acaba, depois, se convencendo por ela. Em 1930 é eleito
para a Academia de Ciências, quando a burocracia já era vitoriosa na União Soviética,
e, em 1933, é nomeado primeiro embaixador soviético na Espanha (Dicionário Político,
2019).
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64 Daniel Henrique Rodrigues
11
Princípios estes que compõem uma moral comunista, a qual deve desmascarar e su-
perar a velha moral burguesa. Assim, é a moral que deve servir à revolução. É a moral
que deverá destruir a opressão que se dava pela burguesia, legitimada pela crença no
divino. Assim, tratam-se de princípios voltados para fincar a moral sobre a própria so-
ciedade, estabelecendo sua compreensão como algo que não está à margem da socie-
dade de classes e da materialidade. O trabalho coletivo é um dos princípios
revolucionários para se edificar uma sociedade comunista. “O marxista revolucionário
não pode enfrentar sua tarefa histórica sem ter rompido moralmente com a opinião
pública da burguesia e de seus agentes no seio do proletariado. Esta ruptura exige
coragem moral de calibre bem diferente daquela dos que andam berrando ‘abaixo
Hitler, abaixo Franco!’. E é precisamente esta ruptura decisiva, profundamente me-
ditada, irrevogável, dos bolchevistas com a moral conversadora, seja da grande como
da pequena burguesia, que incute um medo mortal aos palavreadores da democracia,
aos profetas de salão, aos heróis de escrivaninhas” (TROTSKY, 1969, p. 33). A ques-
tão é que, diante disso, os agentes da moral permaneciam no seio da revolução como
uma condição da herança czarista, o que deveria ser causa de atenção dos revolucio-
nários.
Entre aquilo que um comunista deve saber, aquilo que deve apren-
der para ser um comunista, encontra-se a necessidade de entender o
que está acontecendo em sua volta, as leis do desenvolvimento para
compreender o avanço das forças produtivas na história da humani-
dade, etc. (KRUPSKAYA, 2017, p. 91 – 92). Isso implica conhecer
as formas de fazer avançar as forças produtivas. É preciso que o co-
munista entenda a sua relação no mundo da produção, e isso cabe a
uma educação que se proponha a ser socialista: compreender que as
lutas de classes ainda permanecem em um período de transição, e que
essas lutas precisam ser compreendidas para serem superadas.
Por isso, uma educação que se propõe a ser comunista não pode
se limitar à escola, tem o dever de prezar por uma vida coletiva no
campo, indústria e outros meios de produção. “Devemos ensinar as
crianças a abordar todos os fenômenos da vida social do ponto de
vista do ativista social coletivo” (Ibidem, p. 132). Uma educação que
se propõe a superar a lógica de produção individual, também, dos pe-
quenos proprietários.
Era preciso, a partir do pequeno camponês russo, que usufruía da
propriedade comum ao mesmo tempo em que seu trabalho era indi-
vidualizado, fazer superar essa relação e caminhar para a coletiviza-
ção da produção.
Algo concreto, na busca de superar a lógica da produção indivi-
dual, contrapondo-a ao ativismo coletivo, tratava-se da Colônia
Gorki: uma escola, localizada em uma zona rural da província de Car-
cóvia, que tinha como seu principal objetivo educar jovens infratores
e adolescentes que haviam perdido seus familiares durante o processo
revolucionário. Expressada a partir da direção do educador Anton Se-
mionovich Makarenko, propunha-se a aprender o comunismo na re-
lação entre a escola e o trabalho da vida cotidiana. Com isso, além
do ensino que recebiam, a leitura, as artes teatrais etc., todos os dias
precisavam lidar com o trabalho no campo e outras funções. Mais
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66 Daniel Henrique Rodrigues
“Já que não se pode sequer falar de uma ideologia independente, ela-
borada pelas próprias massas operárias no curso de seu movimento,
o problema põe-se unicamente assim: ideologia burguesa ou ideolo-
gia socialista. Não há meio termo (porque a humanidade não elaborou
nenhuma “terceira” ideologia; ademais, em geral, na sociedade cor-
tada pelas contradições de classe, não pode nunca existir uma ideo-
logia à margem das classes ou acima das classes). Por isso, tudo o
que seja rebaixar a ideologia socialista, tudo o que seja afastar-se
dela, significa fortalecer a ideologia burguesa. Fala-se de esponta-
neidade. No entanto, o desenvolvimento espontâneo do movimento
operário marcha precisamente para a subordinação à ideologia bur-
guesa, marcha precisamente pelo caminho do programa do “Credo”,
pois o movimento operário espontâneo é trade-unionismo, é Nur-Ge-
werkschaftlerei, e o trade-unionismo implica exatamente na escravi-
dão ideológica dos operários pela burguesia. Por isso, a nossa tarefa,
a tarefa da social-democracia, consiste em combater a espontanei-
dade, em fazer com que o movimento operário abandone essa ten-
dência espontânea do trade-unionismo a se abrigar sob a asa da
burguesia e em atraí-lo para a asa da social-democracia revolucioná-
ria” (LENIN, 2015, pp. 90-91).
Trata-se dessa disciplina revolucionária uma organização que en-
volva as forças de seus militantes para se pensar, a todo instante, as
necessidades históricas da classe, os conflitos e a construção de uma
sociedade comunista. Assim, a formação de quadros, ou seja, profis-
sionais revolucionários que possam garantir o alcance às necessidades
das massas (Ibidem, p. 175).
Diante disso, a necessidade de partido centralizado – com base na
organização dos militantes, e democrática no sentido de discussão in-
terna. Primeiro se discute, horizontalmente, e a partir disso tira-se
uma política hierarquicamente centralizada. É tarefa das direções ga-
rantir que as políticas mantenham-se e se efetivem.
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74 Daniel Henrique Rodrigues
13
Uma crise histórica faz referência ao fato de que, diante das contradições históricas
da humanidade, o que inclui a contradição entre forças produtivas e relações de pro-
dução, o sujeito revolucionário, no caso a classe trabalhadora, vê-se perdido e sem
uma direção política que o faça compreender a necessidade de uma mudança estrutural
que possa ir de acordo com as novas necessidades que surgem em relação ao avanço
da tecnologia, das técnicas de trabalho e da produção humana. Logo, a humanidade
encontra-se perdida em meio às suas crises, deparando-se com a ausência de perspec-
tiva histórica e tendo que lidar com aquilo que acredita ser inevitável. “A crise histórica
da humanidade reduz-se à crise da direção revolucionária” (TROTSKY, 2017. p. 1).
Consideraciones finales
É neste sentido que nossa proposta compreende a Revolução
Russa, tal como a educação que se buscou desenvolver, contrapondo-
a à velha educação e aos problemas que assolavam a maior parte da
população da Rússia. Junto disso, a importância de tratar a revolução
em seus elementos estruturais, considerando as lutas de classes, os
estágios de desenvolvimento e o seu atraso tecnológico para, diante
de suas contradições, pensar o desenvolvimento de uma educação
que, para além da sala de aula e da formação de uma intelectualidade,
fizesse relação direta com a vida prática; ou seja, uma educação que
conviesse a uma mudança estrutural. A Revolução Russa, diante dessa
proposta e tratando-se de algo histórico concreto com relação a essa
São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 53‐79 ‐ Agosto de 2021 ‐
76 Daniel Henrique Rodrigues
Referencias bibliográficas:
***
4
Esta categoria dá margem a muita confusão, mas a utilizo no contexto afirmado por
Lenin, o de um estado onde o poder operário está assegurado.
A revolução traída
A dúvida lançada acima talvez tenha sido resolvida por Trotsky
em A revolução traída, sua obra maior de análise da União Sovié-
tica. Trotsky afirma:
“Atrasando a industrialização e prejudicando a grande maioria dos
camponeses, a política a favor do kulak, desde 1924-1926, revelou
inequivocamente as suas consequências políticas: inspirou na pe-
quena burguesia das cidades e dos campos uma consciência de
classe extraordinária, levou-a a apoderar-se de numerosos Sovietes
locais; assim aumentava a força e a segurança da burocracia; opri-
mia cada vez mais pesadamente os operários; acarretava a repres-
são total de toda democracia no partido e na sociedade soviética.”7
(grifos meus)
Isso se deu pouquíssimo tempo após as advertências de Lenin e
logo após sua morte, mas antes da consolidação da burocracia sta-
7
TROTSKY, L. A revolução traída. San Pablo: Editora Sundermann, 2005, pp. 59-60.
Las demás citas de Trotsky en esta sección son parte de la misma obra, excepto que se
indique otra fuente.
São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 80‐100 ‐ Agosto de 2021 ‐
92 Marcos Margarido
O imperialismo
Há acordo total em que o imperialismo é uma das razões de exis-
tência da burocracia, tanto o cerco imperialista na guerra civil
quanto o cerco comercial, seja o bloqueio, sejam mecanismos de
comércio como o da dívida externa. Também, que é necessário de-
rrotar o imperialismo, o que é o mesmo que dizer derrotar o capi-
11
Idem, p. 34.
São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 80‐100 ‐ Agosto de 2021 ‐
98 Marcos Margarido
***
13
Hernández, Martín. O veredicto da história. São Paulo: Ed. Sundermann, 2008, p.
218.
4
LENIN, V. I. Obras Escogidas, T II Pág. 591 — ELE — La Tercera Internacional y
su lugar en la historia.
‐ São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 101‐123 ‐ Agosto de 2021
A Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado em debate 107
5
LENIN, V. I., 1915.
6
Seção estadunidense da Oposição de Esquerda Internacional, na época, nda.
São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 101‐123 ‐ Agosto de 2021 ‐
108 Bernardo Cerdeira
9
TROTSKY, L. Op. cit.
São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 101‐123 ‐ Agosto de 2021 ‐
110 Bernardo Cerdeira
10
Ídem.
“ (...) seria mais correto dizer que toda história da humanidade é re-
gida pela lei do desenvolvimento desigual. O capitalismo encontra
várias partes da humanidade em diferentes estágios de desenvolvi-
mento, cada qual com profundas contradições internas. A extrema di-
versidade de níveis atingidos e a extraordinária desigualdade no ritmo
de desenvolvimento das diferentes partes da humanidade durante vá-
rias épocas são o ponto de partida do capitalismo. Apenas gradual-
mente este ganha o controle sobre a desigualdade herdada,
quebrando-a e alterando-a, empregando seus próprios fins e métodos.
Em contraste com os sistemas econômicos que o precederam, o ca-
pitalismo tem a propriedade de procurar continuamente a expansão
econômica, penetrar em novas regiões, vencer as diferenças econô
micas, transformar as economias provinciais e nacionais, fechadas
em si mesmas, em um sistema de vasos comunicantes, de reaproxi
mar, assim, de igualar, os níveis econômicos e culturais dos países
mais avançados e dos mais atrasados.
“Ao aproximar economicamente os países e nivelar seus estágios de
desenvolvimento, o capitalismo, no entanto, usa seus próprios méto-
dos, quer dizer, métodos anárquicos que constantemente minam seu
próprio trabalho, joga um país contra o outro e um ramo da indústria
contra o outro, desenvolvendo algumas partes da economia mundial
enquanto dificulta e atrasa o desenvolvimento de outras. Apenas a
combinação dessas duas tendências fundamentais, centrípeta e
centrífuga, nivelamento e desigualdade, consequências da própria
natureza do capitalismo, explicam o tecido vivo do processo histó-
rico”.11
13
Trotsky, L. Três concepções da Revolução russa, 1936.
São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 101‐123 ‐ Agosto de 2021 ‐
114 Bernardo Cerdeira
***
20
MORENO, Nahuel. Atualização do Programa de Transição, Tese XXXIX.
***
12
“Cuba, Nicarágua e Venezuela continuam jogando um papel fundamental nesta du-
ríssima batalha pela mudança das correlações de forças a favor dos Povos”. Docu-
mento do XXVI Congresso Nacional do PC Chileno.
13
“Devemos caminhar até a definição de que o Partido Comunista, além de definir-
se marxista-leninista …caminhará até a formação e adscrição do feminismo como ex-
pressão política da luta antipatriarcal e da perspectiva de gênero que nos permita a
transformação das e dos militantes para estabelecer relações entre os gêneros sem
discriminação, assimetria nem violência”.
14
Em especial a partir da década de 30, e se expressa claramente no texto Sobre ma-
terialismo dialético e histórico de Stalin, de 1938, que daí em diante foi a bíblia do
chamado DIAMAT.
São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 124‐250 ‐ Agosto de 2021 ‐
154 Dossiê
15
MARX, K. O 18 brumário de Luís Bonaparte, parte III.
‐ São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 124‐250 ‐ Agosto de 2021
Seminário Materialismo Histórico 155
***
17
TROTSKY, L. Las tendencias filosóficas del burocratismo.
São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 124‐250 ‐ Agosto de 2021 ‐
158 Dossiê
fórmula: “os homens fazem sua própria história, mas não como que-
rem.”
A evolução de Lenin:
de reformista tosco a revolucionário hegeliano?
8
DUNAYEVSKAYA, Raya. Marxismo y Libertad, 1959.
‐ São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 124‐250 ‐ Agosto de 2021
Seminário Materialismo Histórico 171
solvendo o marxismo no “humanismo”. Por isso, é tão importante
desacreditar a visão de Lenin desenvolvida em Empiriocriticismo.
Essa caricatura é reproduzida por muitos autores na atualidade,
que não tiveram o cuidado sequer de ler o que Lenin escreveu a res-
peito.
A obra Materialismo e Empiriocriticismo foi republicada em se-
tembro de 1920, com um prólogo de Lenin:
“A presente edição, com exceção de algumas correções no texto, não
difere da edição anterior. Estou confiante que será útil, independen-
temente da polêmica com os "machistas" russos, como um manual
que ajudará a conhecer a filosofia do marxismo, o materialismo dia-
lético...”
Alguém crê que Lenin, com seu rigor científico, republicaria tal
obra se acreditasse que se trata de uma obra de “materialismo vul-
gar”?
Pode-se afirmar que o estudo de Hegel realizado por Lenin apri-
morou seus conhecimentos. Porém, extrair daí uma visão de um
Lenin “antes” e “depois” desta leitura é uma caricatura.
Evidentemente que nossos camaradas da LIT não compartem essa
caricatura. Porém, simpatizam com uma parte dela.
A versão “trotskista” dessa caricatura é que depois de ler Hegel,
em 1914, Lenin teria superado a visão reformista e etapista da revo-
lução russa, expressada na palavra de ordem de “ditadura democrá-
tica...”.
(...)
Eu respondo: os slogans e as ideias bolcheviques foram, em geral,
plenamente confirmados pela história, mas, concretamente, as coisas
se tornaram diferentes, de uma forma mais original, mais peculiar,
mais variada.
(...)
A ‘ditadura democrática revolucionária do proletariado e dos cam-
poneses’ já foi realizada (de certa forma e até certo ponto) na revo-
lução russa, uma vez que esta ‘fórmula’ só prevê uma correlação de
classes e não uma instituição política concreta chamada a realizar
esta correlação, esta colaboração. O Soviete dos Deputados Operários
e Soldados já é a realização, imposta pela vida, da ‘ditadura demo-
crática revolucionária do proletariado e dos camponeses’.
Esta fórmula tornou-se obsoleta. A vida transferiu-a do reino das fór-
mulas para o reino da realidade, tornando-a carne e osso, concreti-
zando-a e, com isso, transformando-a."
A fórmula Todo poder aos sovietes, até setembro de 1917, era uma
fórmula de compromisso que o proletariado lançou ao campesinato
dizendo: rompa com a burguesia e vamos tomar o poder. Não era uma
fórmula pura da ditadura do proletariado. É por isso que a revolução
russa não começou com a expropriação e formou um governo instável
de unidade com os SRs de esquerda, representantes do campesinato.
Os acontecimentos posteriores da Rússia, com a degeneração sta-
linista, assim como a forma contraditória das revoluções do pós-se-
gunda guerra, não tiveram muito a ver com as elaborações de Lenin,
especialmente o papel da pequena burguesia nestes processos?
A linha de Lenin e Trotsky foi a mesma que Marx ofereceu a Vera
Zasulich em 1882: a comuna russa pode ser uma alavanca para a re-
volução europeia. Em 1917: concessões ao campesinato enquanto
desenvolvia a revolução mundial.
Lenin falou sobre o assunto no 3º Congresso do POSDR, em 1905:
São Paulo ‐ Ano XII ‐ N.° 17, p. 124‐250 ‐ Agosto de 2021 ‐
174 Dossiê
***
NOTAS SOBRE
MATERIALISMO DIALÉTICO
LENIN E A DIALÉTICA
OPRESSÕES
Dialética materialista
Lenin e a dialética
Há uma corrente internacional, não orgânica, com muitos segui-
dores que, embora tenham diferenças, concordam que teria havido
dois Lenin, um materialista “em estado bruto” e outro materialista
dialético. A mudança teria ocorrido em 1915, a partir de seus estudos
das obras de Hegel, e estaria evidenciada em suas anotações, os Ca-
dernos Filosóficos.
A figura mais conhecida desta corrente é Raya Dunayevskaya
(russo-americana), que foi secretária de Trotsky e que, mais tarde,
rompeu com o trotskismo. Seus primeiros trabalhos são do final dos
anos 50 do século passado, mas, atualmente, essas posições têm se
espalhado bastante, tornando-se uma moda, com autores como Kevin
Anderson1, Peter Hudis,2 Eugene Gogol3, Cyril Smith4, …...que se
referenciam em suas posições.
Dadas essas proposições, minhas conclusões são:
1. É falso que, a partir de 1915, há uma mudança qualitativa em
Lenin causada por seus estudos de Hegel, o que permitiria falar de
um Lenin pré-hegeliano (materialista mecânico) e um Lenin pós-
hegeliano (materialista dialético).
2. Aqueles que falam dos dois Lenin questionam suas obras anterio-
res como sendo produtos de seu "materialismo bruto", e argumen-
1
Autor de Marx nas margens: nacionalismo, etnias e sociedades não ocidentais. Boi-
tempo Editorial.
2
Editor, com K. Anderson, de “Selected writings on the dialectic in Hegel and Marx”
(textos de R. Dunayevskaya).
3
Autor de Raya Dunayevskaya. Filósofa del humanismo marxista.
4
Autor de Marx en el Milenio (chega à conclusão de que o discurso de Lenin em ho-
menagem a Plekhanov demonstra que ele nunca rompeu com o mesmo, e que não man-
teve o avanço mostrado nos Cadernos Filosóficos).
tam que Lenin, a partir de 1915, teria rompido com seu passado
filosófico. Esse passado encontraria sua expressão máxima no Ma-
terialismo e Empiriocriticismo (1908). Embora o ataque concen-
tre-se nesse trabalho, seu objetivo político é questionar suas obras
Que fazer e Quem são os verdadeiros amigos do povo (polêmica
com os narodniks), que expressam as bases centrais do leninismo.
3. Nada disso tem a ver com a realidade. Obviamente, Lenin não nas-
ceu "leninista", mas foi se construindo através da práxis. A partir
de 1914-15 constata-se correções, e esclarecimentos de algumas
de suas posições, para responder a novos fatos da realidade: a Pri-
meira Guerra Mundial, a traição da Segunda Internacional, a época
imperialista. Provavelmente, a necessidade de responder a esses
novos fatos motivou seus estudos de Hegel, e o aprofundamento
do seu conhecimento da dialética é parte de seu progresso. Mas, o
crescimento de Lenin não veio do domínio das ideias e sim dos
desafios colocados pelos processos centrais da luta de classes.
4. A mudança mais importante ocorreu no que se refere à teoria par-
tidária: novo partido e nova Internacional em consonância com
a época imperialista, com a ruptura orgânica com o oportunismo
social-chauvinista. Isso não tem nada a ver com deixar de lado o
Que fazer, pelo contrário, é um aprofundamento de suas proposi-
ções que, no terceiro congresso da Internacional Comunista, em
1921, são generalizadas para toda a Internacional. Também apa-
recem, em 1915-16, os primeiros esboços de mudança em relação
à dinâmica da revolução russa, que será concluída após fevereiro
de 1917 nas Teses de Abril, que não tem nada a ver com o aban-
dono de suas posições em relação aos narodniks, mas com o apro-
fundamento de sua visão sobre o caráter capitalista da Rússia e
sobre o sujeito social da revolução.
A teoria do reflexo
Uma das críticas mais difundidas é que, no Materialismo e Empi-
riocriticismo, Lenin utiliza a teoria do reflexo, ou seja, as ideias, o
conhecimento, como reflexo da realidade. Nos Cadernos Filosóficos,
Lenin teria explicitado essa definição, afirmando tratar-se de um re-
flexo ativo, não passivo. Há os que interpretam esta definição de 1908
como uma indicação de que ele teria praticado um materialismo con-
templativo, desconsiderando o papel subjetivo, sendo, portanto, mais
parecido com o de Feuerbach do que com o de Marx.
Não concordo com essa crítica e interpretação. Embora nos Ca-
dernos Filosóficos a definição de reflexo seja mais correta, no texto
de 1908 ele dedica os três primeiros capítulos para explicar a teoria
do conhecimento do Materialismo Dialético. Lutando contra o novo
idealismo e agnosticismo, defende a existência da verdade objetiva,
que pode ser conhecida, embora sempre como uma aproximação da
8
LENIN, V. I. Materialismo… op. cit., cap IV Dos clases de crítica de Dühring.
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184 Dossiê
das e oprimidas...”9 , não deixa claro qual deve ser a relação entre
a participação na luta e a denúncia das direções.
O que deve ser tomado como referência é o que está indicado nas
Teses da Fração Bolchevique, onde não há tal confusão: os trots-
kistas, a vanguarda revolucionária do proletariado, são os in-
imigos mortais da opressão em todas as suas formas. É por isso
que estamos na vanguarda das lutas pelas reivindicações contra
a opressão das mulheres, e dispostos a participar de todas estas
lutas, em unidade de ação com todos aqueles que as promovam.
5. Finalmente, é necessário incorporar em elaborações futuras o con-
ceito de que, assim como a exploração divide os oprimidos, as
opressões dividem os explorados e que, especificamente, a opres-
são às mulheres divide a classe trabalhadora. Este conceito não
está no livro e, tampouco, explicitamente, nas teses da Fração Bol-
chevique ou nas teses da Terceira Internacional.
10
CARRASCO-PETIT. Op. cit., p. 45.
11
Idem, p. 43.
12
Idem, p. 91.
13
Tesis para la propaganda entre las mujeres, Tercer Congreso de la Tercera Interna-
cional, Los cuatro primeros congresos de la Internacional Comunista, ediciones
Pluma, p. 172.
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188 Dossiê
24- Por motivos das limitações de tamanho desse texto, não poderei
desenvolver vários temas relacionados a esse ponto. Aqui, vou sinte-
tizar minhas opiniões apenas sobre alguns desses temas.
25- O livro de Carmen Carrasco e Mercedes Petit foi a expressão de
uma dura e justa luta contra o frente-populismo no terreno das opres-
sões, presente no SWP dos EUA. Isso evitou que seguíssemos o ca-
minho seguido pelo próprio SWP, que viveu grandes crises por suas
capitulações ao nacionalismo negro e ao reformismo feminista.
No entanto, é necessário corrigir explicitamente erros grosseiros pre-
sentes nesse livro. Não se pode justificar esses erros em função dos
acertos. Como estamos fazendo em todos os debates teóricos, man-
temos nossas posições acertadas e corrigimos nossos erros, em busca
de uma síntese superadora.
26- Em seu capítulo III, “Opressão e exploração”, o livro afirma:
“E, então, temos que começar por dizer que, na luta pelo socialismo
e pelo comunismo, estabeleceram-se duas grandes etapas: A primeira,
que se abriu em 1917 e estendeu-se até a derrota mundial do impe-
rialismo e da contrarrevolução. É a etapa da luta pelo triunfo da re-
29- Ao cometer esses dois erros (o determinista e por não ver a opres-
são no seio da classe), o livro aponta uma visão mecânica da relação
entre exploração e opressão, priorizando a luta contra a exploração e
secundarizando a luta contra as opressões.
Não estamos aqui fazendo balanço da LIT ou de qualquer um de seus
partidos. Temos uma história marcada pela luta contra as opressões
em todos os terrenos. Estou debatendo com um livro que expressa
erros teóricos sobre o tema.
***
que realizamos não é uma peça solta, mas adquire seu pleno sentido
em um marco teórico que a enquadra.
Portanto, mesmo a melhor formulação teórica contém erros e im-
precisões, e seu contraste com a realidade permitirá corrigi-la e mel-
horá-la, em um processo contínuo de avaliação da interação entre
teoria e prática. Neste ponto de correção, cabe, por um lado, deter-
minar a natureza do erro e, ao mesmo tempo, definir que parte deve-
mos corrigir e o que reafirmamos do conjunto (ou seja, o que
chamamos negar afirmando). Por exemplo, foi o que Moreno fez ao
criticar a formulação fechada das Teses da Revolução Permanente e
incorporar suas conclusões sobre os processos revolucionários do
pós-segunda guerra. Negou uma parte da teoria e reafirmou e enri-
queceu a essência do conjunto.
Considero que o marxismo é a ciência que tenta compreender a
transformação e o surgimento do novo. Por isso, contra a caricatura
feita pelo stalinismo, é o oposto do determinismo: o futuro não está
pré-determinado. No entanto, por um lado podemos formular hipó-
teses possíveis baseadas na combinação das tendências complexas da
realidade. Por outro lado, construímos determinações, conceitos pro-
vados pelo curso e estudo da história, que se transformam em pilares
da nossa compreensão da realidade e, a partir daí, da nossa orientação
programática e política. Vejamos algumas delas:
a) As premissas do valor de Marx, que se aplicam a diversos tipos
de sociedade no decorrer da história, com diversas formas de apro-
priação do produto excedente. A teoria do valor-trabalho é um
exemplo de sua aplicação na sociedade capitalista.
b) A história da humanidade é a história da luta de classes e de frações
de classe, sobre uma determinada base de desenvolvimento das
forças produtivas. Esta determinação também se aplica no decorrer
da história. Entre outras conclusões, leva-nos a rejeitar e combater
todos aqueles que nos propõem a colaboração entre classes anta-
gônicas, como a burguesia e o proletariado.
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Seminário Materialismo Histórico 211
c) Para mudar a estrutura socioeconômica do capitalismo é necessário
fazer uma revolução operária e socialista, tomar o poder, destruir
o Estado burguês e iniciar a construção de um Estado de novo tipo
que, cumprida sua missão, poderá “desaparecer”, etc. Isso nos leva
a rejeitar e combater toda formulação reformista de transformar o
sistema capitalista e seu Estado através de reformas, ou de disputá-
lo ou humanizá-lo
Na constatação dos erros teóricos e políticos que cometemos,
abrem-se dois debates. O primeiro é que, em função de corrigir um
erro, alguns camaradas passam dos limites e afetam partes que deve-
mos conservar. Acredito que é o que se passa com o tema de opres-
sões e a relação e interação entre estrutura e superestrutura. Em
função de corrigir uma visão que havia sido determinista e mecânica
sobre a interação entre ambas, acabam dissolvendo-as em uma uni-
dade praticamente indiferenciada. No entanto, não vou aprofundar
esse tema neste artigo. No seminário e em elaborações posteriores,
vários camaradas defenderam com profundidade um ponto de vista
que compartilho.
O segundo debate se abre com alguns camaradas que exacerbam
tanto a fase da aplicação que chegam à conclusão de que não há um
sistema geral, mas apenas sistemas que surgem da aplicação concreta
e que, fora disso, falar de leis da dialética é “metafísica” (na Mar-
xismo Vivo – Nova Época n.15 há um artigo de Gustavo Lopes Ma-
chado com essa visão). O marxismo ficaria então reduzido a uma
lógica dos processos concretos. Na Marxismo Vivo – Nova Época n.
16 há um primeiro artigo de resposta escrito por Alicia Sagra, com
cujo conteúdo geral eu tenho acordo.
Lenin e Trotsky
Em seu artigo na revista Marxismo Vivo – Nova Época n. 16, Alicia
Sagra apresenta várias citações de textos de Lenin, de diferentes épo-
cas, nos quais ele considera o marxismo como uma teoria do conhe-
cimento, de aplicação muito mais geral, não se limitando ao sistema
capitalista. Uma delas, tirada dos Cadernos Filosóficos (1915) é
muito significativa:
“Da mesma forma deve ser o método de exposição (ou de estudo) da
dialética em geral (pois, para Marx, a dialética da sociedade burguesa
é somente um caso particular da dialética)”.
Nahuel Moreno
Em 1973, Nahuel Moreno escreve Lógica Marxista e Ciências
Modernas que acredito ter feito novas contribuições ao campo do
marxismo como teoria do conhecimento. O contexto em que esse
livro foi escrito é o seguinte: havia acabado de traduzir para o espan-
hol um trabalho de George Novack (Introdução à Lógica Marxista).
Este livro tinha alguns problemas deterministas e esquemáticos
(definição que escutei do próprio Moreno em um curso sobre lógica).
Inicialmente, Moreno pensou em escrever um prefácio, mas logo che-
gou à conclusão de que deveria escrever um material específico, com
outro ponto de vista. Ou seja, seu livro é, na realidade, uma crítica a
Novack. Só que, como Moreno gostava e respeitava muito Novack,
não o fez de forma polêmica, mas pela positiva.
Quatro temas centrais são abordados nesse livro. O primeiro é a
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Seminário Materialismo Histórico 215
reivindicação da influência de Hegel em Marx contra diversos autores
que consideravam que esta influência era negativa (idealista). O se-
gundo é a abordagem de um debate entre os que reivindicavam o as-
pecto hegeliano do marxismo: se o que primava em Marx era o
conceito de “totalidade” ou o de “contradição”. Moreno diz que
ambas as interpretações eram polos de uma unidade dinâmica. Sua
conclusão é brilhante: “A totalidade existe como verdade, mas é uma
verdade relativa”. Ao mesmo tempo, formula uma imagem da relação
entre as ciências como uma constelação de formação circular e espi-
ral, com relações próximas entre algumas e de todas com o conjunto,
com a lógica (a teoria do conhecimento) no centro do processo.
Piaget e Vygotsky
Até aqui, estamos no campo de interpretação do marxismo. Qual
é a contribuição de Moreno, então? A reivindicação de Piaget, de sua
epistemologia e de sua lógica hipotética-dedutiva como análoga ao
marxismo, embora sem origem nele.
Considero que Piaget é profundamente materialista e dialético,
desde a sua visão do “conhecimento” como uma função imanente à
vida e como um mecanismo de adaptação até a construção de ferra-
mentas do conhecimento, como os conceitos de estrutura e gênese (e
sua inter-relação), análogas à que Moreno considera para a totalidade
e a contradição.
Mas, acredito que o salto (e a grande contribuição que devemos
adicionar ao marxismo) é dado por Piaget ao formular o conjunto de
seu sistema (a lógica hipotética-dedutiva), que permite estabelecer
várias hipóteses possíveis do curso da realidade futura a partir da es-
trutura atual. Como diz Moreno, esse “real” (futuro) passa a ser “um
momento do possível”. Para mim, esta é uma contribuição extraordi-
nária, porque resolve a tensão existente entre o fato de o futuro não
estar pré-determinado e o de que há tendências que podem ser pre-
vistas a partir do que conhecemos hoje, e operar sobre elas.
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***
3
É a ideia do conhecimento como teoria do reflexo, para a qual o conhecimento é ter
uma imagem da coisa adequada à coisa, saber relacionar cada ideia com sua referência,
etc. A dificuldade dos cursos de formação em materialismo histórico é justamente tentar
superar esta concepção empírica do conhecimento, onde os conceitos não são mais ape-
nas "cópias mentais" ou "imagens" das coisas, mas sim conceitos analíticos que pensam
as relações entre as coisas. Porque, não esqueçamos que o conceito de estrutura em Marx
não é a imagem de uma coisa da realidade, mas uma abstração do todo social do ponto
de vista das relações de produção, é um conjunto de relações.
4
MORENO, Nahuel. Conceptos elementales del materialismo histórico (1984).
5
Idem.
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224 Dossiê
***
um direito natural que faz do homem, por natureza igual, livre e pro-
prietário.
De onde viria essa razão natural e comum que regula todos os do-
mínios da realidade, já que nós não somos capazes de demonstrá-la,
mas apenas de constatar seus efeitos e, por meio deles, atingir sua
forma puramente lógica e conceitual? Ora, para os autores da época
seria Deus o seu criador. Mas o Deus moderno não é aquele do perí-
odo anterior: um Deus concreto que intervem diretamente no mundo.
O Deus moderno dotou o universo e a sociedade humana de uma ra-
cionalidade própria, de uma razão suficiente. Deus torna-se uma es-
pécie de legislador do mundo. Ele criou o melhor mundo possível,
com uma racionalidade impressa em seus caracteres, e foi dormir. É
a religião deísta. Não sem razão, até mesmo a religião altera-se pro-
fundamente no período moderno. Dirá Marx: o “cristianismo, com
seu culto do homem abstrato, é a forma de religião mais apropriada,
especialmente em seu desenvolvimento burguês, como o protestan-
tismo, o deísmo etc.”1
Como se vê, as concepções modernas, empiristas ou racionalistas,
nada mais fazem do que expressar, de modos distintos, o mundo du-
plicado em que vivem: as coisas particulares e as representações uni-
versais dessas coisas. O direito natural converte as pessoas abstratas
do modo de produção capitalista no modo de ser eterno de todo indi-
víduo humano. O mercado universal, com sua suposta razão de alocar
os recursos de forma ótima, converte-se em uma economia natural,
diante da qual todas as demais seriam artificiais. E assim sucessiva-
mente. Cabe a nós examinarmos os fenômenos do mundo e encontrar
os conceitos que nos permitem, em seguida, tudo avaliar, julgar e ad-
ministrar. É a época do método autônomo e a priori. Os conceitos
não são mais extraídos do mundo e o método não segue as exigências
do objeto investigado. Ao contrário, são os conceitos que criamos que
1
MARX, K. O Capital – I. Rio de janeiro: Boitempo Editorial, 2013, p. 154.
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Seminário Materialismo Histórico 243
organizam o mundo. O método é aplicado como algo posto de fora,
que somente então organiza os conteúdos. Como vimos, tais conceitos
e tais métodos não passam da naturalização das formas gerais típicas
do modo de produção capitalista.
Mas não é apenas isso. Ao lado da razão universal que tudo dirige,
emergem as filosofias da história. Também esse aspecto é fomentado
pelo capitalismo em desenvolvimento. O capitalismo, ao colocar em
contato e intercâmbio as forças produtivas antes dispersas em todo o
mundo, ao submeter tudo e todos a um processo impessoal de auto-
valorização do capital, possibilitou uma elevação sem precedentes da
capacidade produtiva humana. Até a chamada Idade Moderna, as con-
cepções da história comumente se baseavam em uma visão predomi-
nantemente pessimista e binária da história: um passado em que se
situa a idade de ouro, o paraíso perdido, e um presente marcado pelo
penar, pelo pecado e pelo sofrimento que sempre e uma vez mais re-
torna. Não há nada de novo no front. A visão da história como eterno
penar expressava sociedades marcadas por um lento e instável des-
envolvimento na capacidade humana de produzir riquezas; socieda-
des sempre e uma vez mais assoladas por toda e qualquer variação
natural ou social.
Já no capitalismo ganha coro, principalmente nos séculos XVIII e
XIX, as concepções de progresso. A humanidade caminha rumo à
perfectibilidade, rumo ao progresso. Foi Hegel o autor que forjou uma
teoria que procurou fundir dialeticamente a razão universal e única
que tudo preside com o progresso e a história em permanente muta-
ção. Ao fazê-lo, criou categorias e significações inéditas, de grande
valor. No entanto, o fez para, uma vez mais, justificar a sociedade
existente, como produto de uma razão universal e transparente que
se manifesta e se realiza no tempo e nas águas barrentas da história.
O que este itinerário, que tracejamos aqui em seus contornos mais
gerais, tem que ver com pós-modernismo? Tudo e mais um pouco.
***