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Romanos Exposigao sobre Capitulo 8:17-39 A PERSEVERANGA FINAL DOS SANTOS D. M. Lloyd-Jones FES PUBLICAGOES EVANGELICAS SELECIONADAS Caixa Postal 1287 0059-970 - Sao Paulo - SP Titulo original: The Final Perseverance of the Saints Editora: The Banner of Truth Trust Primeira edigdo em inglés: 1975 Copyright: D. M. Lloyd-Jones Tradugao do inglés: Odayr Olivetti Revisao: Antonio Poccinelli Cooperadores: José Serpa Luis Christianini Capa: Sergio Luiz Menga Permissao gentilmente concedida pela Banner of Truth Trust para usar a sobrecapa da edicio inglesa Primeira edigao em portugués: 2002 Impressao: Imprensa da Fé NDICE PLeLECIO vessssssssssssesssessssssssssesseseeeesssesseeseess woe LL Glorificagao, o fim principal e supremo da salvagao — restauragaéo completa em Cristo — a nossa posi¢ao como filhos de Deus—o sofrimento atual a luz da gloria futura. Reagées erréneas ao sofrimento —surpresa, dividas, otimismo falso, refor- ma do mundo ¢ resignagio — a singularidade do ensino de Paulo - uma deducdo légica da doutrina crista — somente para cristaos. Razées da confianga de Paulo — uma correta avaliagéo da presente €poca — um entendimento da revelagao que se dar4 na vinda de Cristo - confirmagao apostélica — participagao pessoal na gléria. Reduzindo as proporgGes do sofrimento — peso leve, por contraste—o pecado do homem no estado atual da criagdo — futilidade, corrupgio e escravidao — a maldigao. Dedugées importantes acerca da evolugao — a esperanga de libertagaéo da criagéo — as bases dessa esperanga — a gléria de Cristo, do Seu povo e da criagdo. A manifestago dos filhos de Deus — a glorificagéo do corpo - perfeigao fisica e espiritual — nossa heranga reservada —a participagao da criagdo em nossa gléria — 0 Paraiso reconquistado. a 112 O estado eterno e 0 milénio — a morte ¢ 0 céu — corpos glorificados numa terra glorificada—a derrota final de satands — efeitos sobre a nossa perspectiva neste mundo — gemendo e esperando. Entendendo e regozijando-nos — a esfera da esperanga~ os tempos verbais da salvac4o — reivindicando muito pouco ou demais — um anelante olhar ao futuro. 9 143 Aesperanga na pratica — 4vida expectagao e paciéncia infatigdvel — equilfbrio entre a mente e as emogées — alcangando esta condigao. 10 .... coneeeeanaeees seer 160 Aobra suplementar do Espirito: Santo—a a fraqueza decorrente da Queda — sabendo pelo que orar —a perplexidade dos santos — a experiéncia de Cristo. ll. 174 Uma prova adicional da nossa filiacao — 0 auxilio do Espirito — intercessao mediante gemidos sem palavras — o entendimento de Deus - 0 plano de Deus para os santos. 2 sessseeee 190 Lig6es praticas — 0 mistério da oragéo - os incrédulos ea oragio — tipos de oracao — regras e cuidados sobre a oracao — a oragao da fé. 13... 209 Um consolo para os que amam a Deus — a obra de Deus para 0 nosso bem — coisas boas e coisas més — os efeitos das provagées — despertando, humilhando eensinando. O controle e o uso que Deus faz do mal — castigo — cortes da béngéo — iluminacdo — 0 conhecimento do cristéo — suas fontes nas Escrituras e na histéria da Igreja. 15 ... were 241 Aplicagao pessoal da consolagéo — 0 Deus de amor — a vocagao eficaz — testes da nossa vocagio. 16 esses .- 257 A perseveranga final dos santos —a necessidade det reveréncia-a predes- tinagdo nao é para os incrédulos — colocagio pastoral — a chave do entendimento. 17... . 271 O propésito de Deus anterior 4 fundacgdo do mundo ~seu desenvolvimento na realidade objetiva — a certeza da sua completago ~ o plano visto no Velho Testamento ~ sua garantia no carater de Deus. O erro do universalismo — conformidade com a imagem de Cristo — semelhanga derivada—irméos de Cristo — 0 ultimo Adao e Sua humanidade glorificada. 19... seeseeneen wee 300 A glorificagao de Cristo, o objetivo principal ea suprema garantia da nossa salvacao — 0 propésito de Deus executado em detalhe — pré-conhecimento determinado ~ preordenagio — amor sempiterno. Predestinag&o — vocag4o ou chamado, 0 elo médio da corrente — 0 poder do Espirito Santo com a vocacao ~ vivificando a fé — a nova disposigao e a vontade. 21... 7 . sesssesssssessensense 327 Justificagéo - novo estado ¢ nova relagao — glorificagao ~ 0 uso feito por Paulo do verbo no passado — a omissao da mengao da santificagao. Dificuldades ce com a doutrina day perseveranca— ajudandoc os genuinamente perplexos — problemas teolégicos e praticos — pretensas provas biblicas do cair da graga. DB sssccssnseeesersnsnes aoe seseesessees 358 Regras: dei interpretagio de passagens problematicas.- evitandoa filosofia— comparando Escritura com Escritura — textos provas — detalhes e contexto —John Gill sobre 2 Pedro 2:1. TA seossaee ssssssseeees 378 Mais principios de interpretagao — individuos, igrejas ¢ oficios — mais outras passagens examinadas — submetendo & prova a nossa profissio de cristianismo. Passagens de adverténcia — a Igreja, visivel ¢ invisivel - 0 perigo det uma falsa profissao de fé — as pardbolas de Mateus, capitulo 25 - negando a justificagéo pela fé. Consideragio de Hebreus 4-8 e 10:26- 29 expressées dificeis explicadas — experiéncias extraordindrias sem a regeneragao — negacao do evangelho—o propésito triplice das passagens de adverténcia. DD ssssssnesesonecssnsernasecssnusenenersnnanesecoaseecsseesnenscessaneceensestannessnneeecansesnaees srswvneeeee 430 A corrente inquebrantavel — énfase a atividade de Deus na salvagaio — recordacao de assergées anteriores registradas na Epistola—a morte para o pecado ea lei—o novo nascimento — a uniao com Cristo. B on. aoe we 445 Argumentos adicionais pré-perseveranga final —a vida eterna —a natureza da Igreja—a fungo do castigo — a doutrina do remanescente. Implicagoes da negagio ‘da doutrina— -a Arn da ‘capacidade do homem — falha em nao glorificar a Deus ~ negagao da obra de Cristo — alinhamento com incrédulos e desacordo com os mais importantes membros da igreja. BO seeeseetseren coveseanasensenseccaneseonareranzensenseseusoreees 473 O método de argumentagio seguido pelo apéstolo — os desafios expostos - as forgas que estao contra nés — Deus por nés. BL sesee . sossssssessssneseses 487, A certeza de que a obra de Deus estd sendo realizada até completar~ Se — seguranga proveniente da doutrina-o sentido da cruz—aacao de Deus no Calv4rio ~ 0 proprio Filho de Deus. 501 Os sofrimentos de Cristo - abandonado pelo Pai — por nés ~ a medida do amor de Deus — a inevitabilidade da conclusao de Paulo. 33 7 S15 Discussao sobre a relagao entre perguntas e respostas — os eleitos de Deus — 0 diabo e suas acusagées — Deus, o Justificador — a importancia chave da doutrina da justificagao. He oan soseees soe S81 Condenagio inimagin4vel — A morte de Cristo, a base da nossa "justificagao —ajustiga de Deus na justificagao —a ressurreigéio e a seguranga. BS ese 547 A ascensio de Cristo e Suasessio” no ce nosso grande Sumo Sacerdote —acompletacao da Sua obra —a natureza da Sua intercessao — a garantia da miseric6rdia e da graga. 3 .. 564 Orisco de fracasso sob Provagoes Figorosas— seguranga no amor de Cristo por nés - “mais que vencedores”**~o amor de Deus em Cristo —inimigos vencidos —a certeza absoluta do apéstolo. * B interessante manter (ou recuperar) essa palayra com referéncia a Cristo “sentado 4 mo direita de Deus Pai”, como diz 0 Credo (cf. Hebreus 1:3). “Sessio” vem do termo latino “sessio”, cujo sentido primario é “agao de se assentar” (Torrinha). Nota do tradutor, “* ARAeNVI. PREFACIO Pouco é preciso dizer a titulo de introdugio deste volume. Em geral se concorda que os versiculos considerados nele séo uma das mais sublimes porgées das Escrituras. Nele 0 apdstolo leva 0 seu argumento concernente 4 seguranga da salvacao a um grandioso climax. O modo seguro como ele avanga de argumento a argumento, empilhando uns sobre os outros, é estupendo. E constitui o exemplo supremo de Il6gica inspirada. Ao fazer isso ele nos coloca face a face com o tema fundamental da Biblia —o plano e propésito de redengao de Deus, concebido antes dos tempos e antes da fundagao do mundo, e estendendo-se por toda a histéria humana, desde a criacao original até a gloria final. O que talvez seja a caracteristica mais estupenda é que tudo isso foi feito a partir de um interesse pastoral primordial, sendo o principal objetivo do apdéstolo consolar e ajudar aqueles primeiros cristéos em Roma, que estavam suportando o que ele chama “aflicdes deste tempo presente”. Como é tipico de todas as cartas de Paulo, a doutrina e a aplicagao pratica estéo entrelagadas, lembrando-nos que a doutrina ea teologia nunca devem ser tratadas de forma isolada, ou consideradas como tema académico. O tnico conforto ¢ consolo que o apéstolo tem para oferecer aos seus leitores baseia-se na doutrina. Cada passo e detalhe importa, e é de crucial importancia no desenvolvimento do grande argumento. Colocar em oposicao os detalhes e os principios amplos é sinal de incapacidade de entender o método do apéstolo. Es6 quando 0 acompanharmos “tendo iluminados os olhos Il do nosso entendimento” que poderemos entender e ser “mais que vencedores” ao defrontar-nos com os sofrimentos do nosso préprio tempo. Queira Deus conceder-nos que estas exposicdes ajudem muitas pessoas nesse sentido! Nao posso imaginar nenhum privilégio maior do que o de tentar explicar estas verdades profundas semana apés semana auma congregacao de cristaos 4vidos e anelantes; e nao posso desejar nada melhor aos leitores do que experimentarem algo da alegria e da exultag4o que eu tive o privilégio de experi- mentar no preparo € na transmissdo destas mensagens. Elas foram proferidas nas noites de sexta-feira, na Capela de Westminster, durante 0 periodo que se estendeu de maio de 1961 a maio de 1962. Mais uma vez fico feliz em registrar e expressar a minha grande e cada vez maior gratidao a Sra. E. Burney, ao Sr. S. M. Houghton e 4 minha esposa por seu interminavel auxilio e encorajamento. Londres 1975 D. M. Lloyd-Jones 1 “E, se nés somos filhos, somos logo herdeiros também, her- deiros de Deus e co-herdeiros de Cristo: se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados.” — Romanos 8:17,18 Como ja vimos em nossos estudos anteriores, 0 propésito de todo este capitulo 8 da Epistola aos Romanos é mostrar aos crist&éos o caminho para uma plena seguranga da salvacao. Eles 1ém em seu ser um novo espirito, que opera pela justiga, um espirito que também garante a sua glorificacao final, até dos seus corpos, inclusive. Além disso, eles so “filhos de Deus” e devem ter dentro deles “o espirito de adogao pelo qual clamamos: Aba, Pai”. Acima e além disso tudo, é-lhes possivel experimentarem o Espirito Santo dando testemunho com o seu espirito de que sao “filhos de Deus e, se filhos, entao her- deiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo”. Este conhecimento, em particular, ajuda-nos a entender por que devemos estar sujeitos a provagées ¢ sofrimentos. Tais experiéncias, longe de abalarem a nossa fé, devem fortalecé-la, e devem constituir mais uma prova da nossa salvacao final. Elas provam que estamos unidos a Cristo e que, assim como Ele sofreu neste mundo, assim nds sofremos também. Portanto, quando nos virmos sofrendo como cristaos, disso devemos deduzir o fato de que somos pessoas cristas. “Se assim andou Cristo, o Senhor, nao deve o servo andar assim?” Ele foi um “homem de dores e que sabe 0 que € padecer” (ARA). Também vemos que 0 apéstolo usa os nossos sofrimentos ¢ provagées de uma segunda maneira para provar que somos filhos de 13 A Perseveranca Final dos Santos Deus, qual seja, que os sofrimentos sio uma prova de que estamos sendo preparados para a gléria 4 qual estamos sendo levados. Muitas passagens biblicas ensinam claramente que “por muitas tribulagdes nos importa entrar no reino de Deus” (Atos 14:22). “O Senhor corrige o que (ele) ama, e acgoita a qualquer que recebe por filho” (Hebreus 12:6). E um grande mistério, mas nao pode haver diivida de que o sofrimento é um dos meios utilizados por Deus para preparar-nos para a gléria que nos aguarda. Por isso traduzimos a segunda parte do versiculo 17 assim: “Visto que sofremos com ele, a fim de que sejamos glorificados juntos”. Sofremos “a fim de que” sejamos preparados para aquela gléria. Isto langa grande luz sobre 0 terrivel e devastador poder do pecado, o que torna necessario que 0 sofrimento seja utilizado desta maneira a fim de preparar-nos para a gloria. Poderiamos pensar que a simples apresentacao da verdade seria suficiente; mas nao é. Esse é 0 ponto ao qual chegamos no fim do volume ante- rior. O apéstolo estd interessado em acentuar que o fim princi- pal da salvacdo, 0 objetivo, é a nossa glorificagio; e é esse ponto que ele vai desenvolver agora. Ele 0 exp6e nestes termos — que seremos glorificados “juntos”; junto com Ele. Tudo o que acontece conosco é “em Cristo”, e devido estarmos unidos ao Senhor Jesus Cristo. Devemos recordar constantemente 0 argumento profundo que 0 apéstolo vem desenvolvendo desde o comeco do capitulo 5 desta Epistola, onde ele introduz este grande tema da certeza e seguranga, e, na verdade, da glori- ficagdo. “Sendo, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo.” Nao somente isso, porém “pelo qual também temos entrada pela fé a esta graca, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperanga da gloria de Deus”. E isso que deve sempre estar acima de tudo mais na mente do cristao. A glorificacao é 0 fim supremo e 0 alvo final da salvacdo; ¢ jamais devemos ficar aquém disso. Nunca devemos pensar em nossa posig&o crista como a de meramente perdoados. Esse € apenas o come¢o dela, nao € 0 fim. O fim é a glorificagao; e 14 Romanos 8:17,18 este € 0 grande tema no qual 0 apéstolo esta prestes a introduzir- -nos agora. Que é que significa “glorificagio”? Que é que o apéstolo quer dizer quando afirma que seremos “glorificados juntos”? Glorificagao é a plena e completa libertagdo do jugo do pecado e do mal, em todos os seus efeitos e em todos os seus aspectos — corpo, alma e espirito. O homem completo serd inteira e integralmente libertado de todos os danosos efeitos do pecado, de todos os efeitos maculadores e corruptores do pecado. Nao somente isso, mas também nos tornaremos semelhantes ao Senhor Jesus Cristo, homens perfeitos, homens glorificados. Ele ja esté glorificado; nés seremos glorificados. E a nossa glorificagéo, como todas as outras coisas que nos acontecem na vida crista, é resultado de estarmos ligados a Ele. Lembremos de novo a crucial importancia do capitulo 5 desta Epistola aos Romanos. O apéstolo introduz este tema no versiculo 10 desse capitulo: “Porque se nés, quando éra- mos inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte do seu Filho, muito mais, estando reconciliados, seremos salvos por sua vida” (VA). Contudo j4 vimos que a tradugao deveria ser: “seremos salvos em sua vida”. Estamos “em Cristo”, estamos na vida de Cristo. Depois 0 apéstolo elabora esta grande doutrina da nossa uniao com Cristo nesse mesmo capitulo, do versiculo 12 ao 21. Jamais nos esquegamos de que essa porcao do referido capitulo é absolutamente essen- cial. Estavamos em Adfo, agora estamos “em Cristo”. Este capitulo 8 é tao-somente um desenvolvimento dessa doutrina. Derivamos de Adao todos os dolorosos efeitos da Queda. “Como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram.” Por causa da nossa conexdo com Adio, colhemos as terriveis conseqiiéncias do seu ato pecaminoso; mas, por outro lado, “a graca foi muito mais abundante”. Posto que estamos “em Cristo”, recebemos todos os beneficios das coisas que sao préprias dEle. Assim, 15 A Perseveranga Final dos Santos “onde o pecado abundou, superabundou a graca”. O apéstolo desenvolve o tema ainda mais elaboradamente no capitulo 6, que também fala sobre a nossa uniao com Cristo. “Nao sabeis que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte? De modo que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo ressuscitou dos mortos, pela gléria do Pai, assim também andemos nés em novidade de vida. Porque, se fomos plantados juntamente com ele na semelhanga da sua morte, também o seremos na da sua ressurrei¢ao.” E aqui, no capitulo 8, versiculo 17 em diante, Paulo continua tratando do mesmo assunto; e sua tese é que, visto que estamos “em Cristo”, e, portanto, ligados a Ele, somos “filhos de Deus”, e, se agora estamos sofrendo com Ele e como Ele sofreu, “seremos glorificados com ele”. E vital e essencial que entendamos claramente esta doutrina da glorificag4o, pois este é o fim supremo da nossa salvagéo. Nao permita Deus que algum de nds pare no perdao dos pecados, ou veja a salvacéo negativamente, como mera- mente sendo salvo do inferno. Nao é meu desejo menosprezar o valor desse aspecto da salvacao; jamais conseguiremos agradecer suficientemente a Deus a béngao de livrar-nos da morte, do inferno e da punig&o eterna. Entretanto, de acordo com 0 ensino das Escrituras, esse é apenas 0 primeiro passo, 0 simples comego. O fim é a glorificagao. A maneira escrituristica de apresentar esta doutrina é ao longo das seguintes linhas: Deus fez o homem a Sua “imagem” e “semelhanga”. E o que nos é dito no livro de Génesis, e € 0 ensino da Biblia em todas as suas partes. Disse Deus: “Facamos o homem 4a nossa imagem, conforme 4 nossa semelhanga”. Sempre devemos lembrar-nos de que no principio o homem tinha uma espécie de gléria. Ele foi feito o senhor da criagdo; tinha dominio sobre toda a criacao animal, na verdade sobre a totalidade da criacao. Tudo existia por causa do homem, e este, tendo em si a imagem de Deus, era seu senhor. Pois bem, 16 Romanos 8:17,18 tudo isso nos faz pensar em algo da gléria que pertence ao proprio Deus. Ele deu algo de Sua gléria ao homem; Ele revestiu o homem desta dignidade especial. Era assim 0 homem quando Deus o fez. Mas, desafortu- nadamente, o homem deu ouvidos a tentagao do diabo, e pecou ecaiu. O terrivel resultado da Queda foi que o homem perdeu a posigdo que tinha originariamente. O apéstolo tinha declarado isso j4 no capitulo 3 desta Epistola, no versiculo 23: “Todos pecaram e destituidos estéo da gléria de Deus”. Nunca fomos destinados a estar “destituidos da gloria de Deus”, porém foi o que aconteceu conosco, em conseqiiéncia do pecado. Essa éa verdade que diz respeito a todos nés, que nascemos neste mundo, O homem nfo € 0 que foi destinado a ser. Esse é 0 ensino biblico basico. O homem perdeu a gléria que possuia originalmente, e tende a demonstrar sua perda em cada aspecto do seu comportamento. Essa é, em esséncia, a tragédia do homem; este é 0 real problema da humanidade. Temos ai 0 tnico modo de entender verdadeiramente o homem, a tinica maneira de entender 0 mundo como este é hoje. O homem ainda tem uma espécie de lembranga, uma recordagao do que ele foi outrora, e esté sempre tentando voltar aquele estado e persuadir-se de que esta tendo sucesso nisso. Todavia o fracasso esté em seus calcanhares. Dai sua frustragaéo. Agora, essa é a chave para entendermos toda a historia humana, a explicacéo de todo o intenso esforgo em que o homem se empenha ao procurar a gloria que sente que lhe pertence. Mas nunca a consegue, néo pode encontré-la.- Temos af aexplicagao da intrangiiilidade e da infelici- dade do homem. Nao ha nada mais caracteristico do homem pecador do que a intranqiiilidade. Isaias expressa esta verdade desta maneira: “Os impios séo como o mar bravo que se nao pode aquietar” (57:20). Vemos isso no mundo que nos cerca. Que € que causa essa intranqitilidade? O fato é que ninguém est satisfeito com o que tem. O mundo esté cheio de ambi¢ao, rivalidade, inveja e orgulho. Por qué? E justamente a questao 17 A Perseveranca Final dos Santos de tentarmos ser o que no intimo sentimos que fomos destinados a ser e que deverfamos ser. Certa ocasiao 0 nosso Senhor expés a questéo aqui em foco com muita objetividade e clareza aos judeus que com tanta insisténcia discutiam com Ele. Refiro-me ao que se acha no capitulo 5 do Evangelho Segundo Jodo, versiculo 41 e seguintes: “Eu nao recebo gléria dos homens; mas bem vos conhego, que nao tendes em vés 0 amor de Deus. Eu vim em nome de meu Pai, e nao me aceitais; se Outro vier em seu proprio nome, a esse aceitareis. Como podeis vés crer, recebendo honra uns dos outros, eno buscando a honra que vem s6 de Deus?” A palavra aqui traduzida por “honra” poderia ser traduzida por “gloria”: “Como podeis vés crer, recebendo gléria uns dos outros, e nao buscando a gléria que vem sé de Deus?” O homem est4é sempre em busca de gloria, sempre tentando tornar-se superior aos seus compa- nheiros. Ele quer estar por cima, quer ser elogiado, quer obter honra. Todos em geral buscam honra. O mundo pecaminoso anseia por posicao, por elevacao, por senhorio. Noutras pala- vras, o homem esta em busca de gléria. E a explicago disso € que o homem sente no intimo que foi destinado a gléria, que deveria té-la, mas n4o a tem. Essa compulsao interna o torna inquieto; e em grande parte isso explica as provacées, as dificuldades, as tribulagées ¢ a infelicidade da vida. Que tragica criatura decaida o homem é! E uma mescla de contradigdes. Nem a si mesmo ele entende; nao consegue explicar a sua intranqitilidade, este sentimento de que ele foi feito para coisa melhor. Ele nao tem idéia de como explicar isso; em decorréncia desse fato ele constantemente acredita que pode consegui-lo por seus préprios esforgos. Mas nao consegue. Através dos longos séculos ele vem trabalhando duro nessa tarefa, porém vem topando com fracasso 0 tempo todo. Vejam entaéo o homem em sua relacéo com o mundo. E evidente que ele nao é “senhor da criagéo”. Nem as suas realizagdes tecnoldégicas todas provam que ele é senhor da criagdo. Ele esté apenas tocando uma pequena parte da orla 18 Romanos 8:17,18 do grande cosmos. E matéria de fato que o homem tem medo da criagéo. As descobertas dos cientistas sio em extremo terrificantes. Longe de ser o senhor da criagio, o homem é dominado por ela. As coisas que ele esté descobrindo poderao acabar levando a sua prépria destruicao. Ele nao é senhor. Ele descobriu muitas coisas, entretanto as suas descobertas nao lhe dao o controle. A criag&o é vasta demais, grande demais para ele; e o homem se torna vitima da criagdo, da qual originaria- mente ele foi nomeado senhor e controlador. Isso é parte integrante da gléria que o homem perdeu em conseqiiéncia do pecado. Na verdade, podemos ver isso no que se relaciona com 0 corpo humano. No princfpio o corpo humano nfo era o que é agora. Nao padecia moléstias, nado sentia dor, nao era fragil, nao era o que o apéstolo chama “corpo abatido” (ou, VA: “corpo da nossa humilhacao”), em Filipenses 3:21. Na melhor das hip6teses, o nosso corpo é muito pobre; ha nele um fator de decadéncia. Fisicamente, o homem esté em petigao de miséria; contudo nao foi criado assim. Originariamente havia beleza, havia perfeigéo, havia um tipo de gloria, mesmo com relagdo ao corpo humano. Mas quando 0 homem caiu, ele caiu em todos os aspectos; a gléria primeva desapareceu de cada uma das partes componentes dele — do seu espirito, da sua alma, do seu corpo. O homem todo, inteiro, néo €é mais 0 que se pre- tendeu que fosse. Es6 quando entendemos isso que podemos dar-nos conta de duas coisas. A primeira relaciona-se com o estado e condigao do homem e seu mundo hoje. Devido faltar ao homem o entendimento desta verdade, ele esté sempre apresentando' esquemas, sempre formulando propostas, sempre confiante e seguro de si, sempre acreditando que esta prestes a chegar 14. De repente, tudo arrebenta de novo; ¢ ele se vé de volta onde estava antes, ou até mais atras. A hist6ria da humanidade ilustra este principio de ciclos. Nao ha avanco incessante; por algum tempo parece que vamos progredindo; entaéo, subitamente, 19 A Perseveranca Final dos Santos comegamos a experimentar retrocessos. Vemos que os eventos sao ciclicos; civilizagdes se erguem e caem de igual maneira. No entanto, elevando-se ou caindo, o homem retém o senso de que foi criado para a gléria. A segunda licéo que aprendemos disso tudo é que a pes- soa s6 podera entender plenamente a salvacao cristé quando captar estas consideragées e compreender a sua veracidade. O que nos é oferecido em Cristo é nada mais nada menos do que a glorificacao. E, naturalmente, a luz do que acabei de dizer, isso é absolutamente essencial. Se o homem fosse meramente perdoado, mas fosse deixado sem mudanga, significaria que 0 diabo foi vitorioso e que Deus falhou. A salvagéo nao é salvagao se, no minimo, nao colocar 0 homem de volta onde ele estava antes. Considerem 0 homem como Deus 0 fez—perfeito! Entra 0 diabo, e desfigura a obra e a mutila. Que é salvagdo? A res- tauracao, a recuperacao do que foi perdido! Imediatamente vocés véem que a salvacao nao pode parar em nenhum ponto anterior a esta perfeicao integral, nao somente com relag4o ao espirito, porém também com relacdo 4 alma e ao corpo. Esse é 0 significado do termo glorificagao. Eis aqui, pois, o tema que o apéstolo introduz neste ponto: o homem vai ser completa e inteiramente restaurado no Senhor Jesus Cristo, e como resultado da sua unido com Ele. Aqui devemos salientar um ponto adicional, a saber, que, segundo este ensino, o homem nao é somente restaurado ao que eraem Adao, mas é levado para além daquela condicaéo. O minimo, eu afirmo, é ser restaurado aquele estado de Ad&o nao decaido; porém isso certamente nao ¢ 0 maximo. Adao era perfeito como homem, mas a sua perfeic&o carecia da glorificagéo. Havia lugar para desenvolvimento, e é evidente que a glorificagéo era o fim supremo tencionado para o homem. Como homem, ele era perfeito; nao havia mancha nele, nao havia pecado nele, nao havia defeito nele. Seu estado era de inocéncia, mas a inocéncia fica aquém da glorificagéo. O que, porém, é posto diante de nés € nos é oferecido em Cristo, e nos é prometido 20 Romanos 8:17,18 nEle, é nada menos que a glorificagéo. Aquilo a que o homem teria chegado, se tivesse continuado a guardar os mandamentos de Deus, e lhe teria sido dado como recompensa por sua obediéncia, é o que agora nos é dado livre e gratuitamente em nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, e por intermédio dEle. Por isso torno a citar dois versos de Isaac Watts, que por alguma estranha razao foram omitidos na maioria dos hin4rios: Em Cristo as tribos de Addo se gloriam Eim mais béncaos que o pai deles perdeu. Essa é uma clara exposicéo da verdade. Nao somente somos restaurados a posigéo em que Ado estava; somos levados para além dela, ao lugar ao qual Adao teria chegado, se tivesse continuado no estado de inocéncia e de obediéncia. Adéo pecou e caiu, e com isso perdeu até o que ja possuia. Ele nao pode recuper4-lo. Os querubins e a espada flamejante foram colocados ao oriente do Jardim do Eden, proibindo o regresso do homem. Desde entéo o homem vem tentando vencer aquele obst4culo. Nao pode. Mas aqui, em Cristo, justamente aquilo que era impossfvel a Addo, apds a Queda, e a toda a progénie de Adio, desde a Queda, nos é dado livremente como dadiva de Deus. E assim, quando pensarmos na glorificagaéo, devemos pensar desta maneira: que o homem nao somente fica livre de todos os efeitos da Queda, e do pecado e da transgressao de Adao, mas também lhe é concedida uma béngao muito supe- rior ¢ lhe é dado algo da gléria do préprio Senhor Jesus Cristo. E é isso que 0 apdstolo diz com as palavras que se acham no fim do versiculo 17: “Se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados”. Teremos ocasido de considerar a questao em maior deta- Ihe 4 medida que o apéstolo desenvolver o seu tema. Mas permitam que eu faca um resumo do argumento do fim do versiculo 17. Qual sera, pois, a situagéo do homem “em Cristo” até este ponto? J4 fomos libertados da tirania e do dominio do 21 A Perseveranca Final dos Santos pecado, j4 “morremos com Cristo”, estamos “mortos para 0 pecado”, estamos “mortos para a lei”. Jé ndo estamos debaixo do dominio do pecado. Diz-nos o capitulo 6, versiculo 11: “Considerai-vos como mortos para 0 pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso senhor”. Em espirito j4 estamos em Cristo, e seguros. Morremos com Ele, fomos sepultados com Ele, ressuscitamos com Ele, estamos “sentados com ele nos lugares celestiais” neste momento. Nao ha divida quanto aisso; é certo, é absolutamente seguro. Estamos salvos, estamos seguros, mas ainda nao fomos glorificados. De que maneira, entao, nos relacionamos com a glorificagao? Temos vislumbres dela, temos notificagdes dela. E-nos dado o privilégio de saborear algo dos seus primeiros frutos, recebemos uma prelibagao dela. Ainda nao glorificados, porém conhecendo algo dela; vendo-a de longe, sendo preparados para ela. Numa gloriosa declaragéo registrada no fim do capitulo trés da Segunda Epistola aos Corintios, versiculo 18, 0 apéstolo expressa essa realidade nestes termos: “Todos nés, com cara descoberta, refletindo como um espelho a gléria do Senhor, somos transformados de gléria em gléria na mesma imagem, como pelo Espirito do Senhor”. Essa é a nossa situacao atual. A propria glorificagdo ainda nao chegou. Estamos justificados, estamos sendo santificados, vamos ser glorificados. Essa é a maneira de ver o assunto. E, portanto, “nos gloriamos na esperanga da gloria de Deus”. Sabemos dela o bastante para aspira-la, regozijar-nos nela e antecipa-la. Nao a entendemos plenamente; nem sequer nos é dado uma descrigéo completa dela na passagem que temos diante de nés. Contudo, 0 apéstolo nos dizo suficiente para compreendermos que se trata de uma realidade que verdadeiramente frustra toda tentativa de descricio. Nés “nos gloriamos na esperanga da gléria de Deus”. Ainda resta pecado no corpo, neste nosso corpo mortal, e temos que mortificar os feitos do corpo, como j4 fomos lembrados no versiculo 13 deste capftulo. “Se pelo Espirito mortificardes as obras do corpo, vivereis.” Ainda hé luta, ainda hé combate, 22 Romanos 8:17,18 € 0 préprio corpo esta decaindo e morrendo. Isso nao € glorificagao; é o processo de santificagdo preparatério para a entrada no estado de glorificagéo eterna. Essa é a presente situagao do cristao. Que teré 0 apéstolo provado, entdo, ao chegarmos ao fim do versiculo 17? Ele demonstrou que ha certas provas do fato de que somos filhos de Deus, e de que estamos sendo pre- parados para a gloria. Eis as provas: no versiculo 14, 0 fato de que estamos sendo “guiados pelo Espirito de Deus”. Essa é uma prova de que “somos filhos de Deus”. Se vocé pode dar prova de que esta sendo levado, dirigido e guiado pelo Espirito de Deus, pode estar certo de que é filho de Deus. Se vocé deriva real gozo da consideragao destas coisas, pode estar seguro de que é filho de Deus. Mas se isso tudo lhe parece algo como um palavreado sem nexo, melhor ser4 examinar-se com bastante seriedade e cuidado. Considere as palavras que se acham em 1 Pedro 2:2: “Desejai ardentemente, como criangas recém-nas- cidas, o genuino leite espiritual, para que, por ele, vos seja dado crescimento para salvagéo” (ARA). Essa é uma exortagao dirigida a criangas, a filhos, e, se vocé tem esse desejo, isso é prova de que vocé nasceu de novo. O homem natural nao tem esse desejo; ele nao vé nada nisso, ¢ tudo absurdo para ele, nao lhe interessa. Se vocé realmente tem amor por esta Palavra e quer conhecé-la mais, isso é prova de que vocé é filho de Deus, de que vocé é guiado pelo Espirito. Somente Ele nos leva a isso. A segunda prova, que se encontra no versiculo 15, é que perdemos “o espirito de escravidéo” e que temos em nds “o Espirito de adogio, pelo qual clamamos: Aba, Pai”. Se vocé tem em seu ser esse Espirito, se dentro de vocé jorra algo que o leva aclamar: “Aba, Pai”, vocé s6 pode ser um filho de Deus! Isso estd fora de discussao. Mas, além disso, como j4 vimos no versiculo 16, “O mesmo Espirito testifica com 0 nosso espirito que somos filhos de Deus”. Vocé experimentou o testemunho do Espirito? Se experimentou, pode estar certo de que € filho 23 A Perseveranca Final dos Santos de Deus. Somente o Espirito dé testemunho dessa maneira aos filhos. Permitam-me lembrar-lhes que n4o estou dizendo que, se lhes faltarem estas coisas, vocés nao sao cristaos. Vocés precisam ter algo da direcaéo do Espirito, porém podem nao ter o Espirito de adocéo, podem nunca ter conhecido o testemunho do Espirito. Devem continuar a buscar a béngdo até obté-la. Mas, se a tiverem, essa é uma prova absoluta de que vocés sao filhos de Deus. E, finalmente, vimos que 0 apéstolo usa até 0 sofrimento: “Visto que com ele padecemos”. Se vocé realmente esta sofrendo como cristo, isso € prova de que vocé € cristao, de que € filho de Deus. E um fato inevitavel. Se somos cristaos, temos que sofrer. E uma regra absoluta. Assim como Ele sofreu, assim também serd conosco. Portanto, se estamos sofrendo por causa da nossa relagéo com Cristo, e como cristaos, isso é uma prova absoluta da nossa relagao com Ele. Temos ai, pois, o argumento do apéstolo, no curto para- grafo que vai do versiculo 14 até o fim do versiculo 17. Ao deixarmos essa porgio, devo salientar um ponto. Vocés alguma vez notaram que este apdstolo e, na verdade, todos os demais apéstolos, nunca falam em gléria sem imediatamente falarem ao mesmo tempo em sofrimento? E uma justaposigao deveras estranha, nao é? No momento em que eles comegam a falar sobre gloria, sempre passam a falar sobre sofrimento. Mesmo o nosso Senhor fazia isso, como vemos registrado no Evangelho Segundo Jodo, capitulos 15 e 16. E j4 vimos o tema do sofri- mento no capitulo 5 desta Epistola. Nés “nos gloriamos na esperanca da gléria de Deus. E nao somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulagées”. Paulo é incapaz de mencionar gléria sem imediatamente ser levado a pensar no fator sofri- mento. Vemos isso outra vez neste capitulo oito, e em muitos outros lugares no ensino do apéstolo. Vejam, por exemplo, a Segunda Epistola aos Corintios, capitulo 4, versiculo 17: “A nossa leve e momentanea tribulagao produz para nés um peso eterno de gléria muito excelente”. Sofrimento e gloria — gloria 24 Romanos 8:17,18 e sofrimento; sempre a mesma coisa! No capitulo 5 dessa mesma Epistola aos Corintios vemos: “Sabemos que, se a nossa casa terrestre deste taberndculo se desfizer, temos de Deus um edificio, uma casa nao feita por mos, eterna, nos céus”. Ai estd a gloria. “E por isso também gememos, desejando ser revestidos da nossa habitac&o, que é do céu; se, todavia, estando vestidos, ndo formos achados nus. Porque também nés, os que estamos neste tabernaculo, gememos carregados: nao porque queremos ser despidos, mas revestidos, para que 0 mortal seja absorvido pela vida”. Gléria e sofrimento! Sempre colocados juntos. E de fato vemos a mesma coisa na Epistola aos Colossenses, capitulo primeiro, versiculos 24 a 27. Dizo apéstolo: “Regozijo-me agora no que padeco por vés, e na minha carne cumpro 0 resto das afligdes de Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja”. E depois passa a falar do “mistério que esteve oculto desde todos os séculos, e em todas as geragées, e que agora foi manifesto aos seus santos; aos quais Deus quis fazer conhecer quais sao as riquezas da gléria deste mistério entre os gentios, que é Cristo em vés, esperanga da gléria”. Sofrimentos e gléria juntos, mais uma vez! Entao, finalmente, na Segunda Epistola a Timéteo, capitulo 2, versiculo 12, lemos: “Se sofrermos, também com ele reinaremos”. Pois bem, isso é extraordindrio, nao é? E, todavia, tem sido uma das maiores pedras de tropego para os cristaos atra- vés dos séculos, apesar deste ensino claro e direto. Muitos crentes ainda parecem supor que, desde o momento em que se tornam cristaos, nunca mais vao ter quaisquer dificuldades e tribulagées, e, se as experimentam, dizem: “Eu pensava que nunca mais teria dificuldades, que as doengas do corpo seriam curadas e desapareceriam, os problemas. se desvaneceriam e tudo seria absolutamente perfeito” — apesar deste ensino! Isto sempre foi uma pedra de tropeco. Sem dtivida acontece isso porque no ensino do Novo Testamento sempre vemos estas duas coisas mencionadas juntas. Toda vez que a Palavra fala sobre a gléria, imediatamente fala sobre 0 sofrimento, a fim 25 A Perseveranca Final dos Santos de que os cristéos nao iluminados se corrijam nesta questao , assim, nunca sejam presa facil do diabo e das suas manhas eastticias. E exatamente isso que o apéstolo esta fazendo neste capitulo 8 de Romanos. Visto que vocés estao sofrendo com Cristo, diz ele aos cristaos, estejam certos de que serao glori- ficados com Ele. E para que sejam glorificados que vocés estao sofrendo. E depois ele parece dizer: “Algum de vocés esta preocupado com isto? Alguém esta infeliz com este sofri- mento? Pois bem”, diz o apéstolo, “vou falar-lhes sobre isso”. Assim, no comeco do versiculo 18 ele realmente passa a ocupar- -se do tema do sofrimento 4 luz da gloria que vira. Aqui estamos de fato partindo do que constitui uma nova secao da Epistola. Comega no principio do versiculo 18, € continua até ao fim do versiculo 25. Concluimos o assunto especial sobre a filiagéo da qual tratam os versiculos 14 a 17; mas aqui hé um novo paragrafo, e sua conex4o com 0 anterior €bem clara. Acaso vocés notam o método do apdstolo? Nao os deixa fascinados? Ele vinha desenvolvendo esta grande idéia de filiac4o, e tinha mostrado que a filiacdo leva a glorificacao. Todavia ele resolveu expressar essa idéia desta maneira: “Se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados”. Essa é, ent4o, a introdugao do tema deste proximo pardgrafo — o tema do sofrimento, e da glorificagao 4 luz do sofrimento. Confesso que, para mim, este seu argumento € maravilhoso. Observem esta arquitetura perfeita, por assim dizer, o projeto, a grandiosa planta se desdobrando a medida que Paulo expée o seu plano. Portanto, nao se deve considerar esta segdo como uma digress4o; 0 apdstolo nao est4 meramente mudando de rumo para tratar do problema do sofrimento. Ele faz isso porque era pastor e tinha coragao pastoral. Ele nao era um confe- rencista, era um pregador, era sempre um pastor. Ele nao poderia deixar no ar a questao da glorificagao e do sofrimento. Ele quer ajudar estes cristaos, ¢ assim lhes dé uma palayra de 26 Romanos 8:17,18 explicagaio. Mais que isso, porém, ele apresenta uma nova e maravilhosa concepgao; ele nos mostra que a nossa glorificagéo é apenas parte de uma glorificagéo ainda mais sublime e mais grandiosa, que vai incluir o cosmos todo. Até aqui ele nao havia tocado nisso, mas aqui vai tratar desse tema. E, enquanto o faz, da-nos mais uma prova da absoluta certeza e seguranca da nossa salvacao individual. Se ele puder provar para nés que é propésito de Deus que o cosmos todo seja glorificado em Cristo, e como resultado da Sua obra, entéo todos nés que pertencemos a Cristo estamos destinados a participar disso. E justamente o que Paulo faz. Assim, neste paragrafo nos é dado uma prova adicional da absoluta certeza, seguranga e finalidade da nossa definitiva e completa libertagao e glorificagéo. No entanto, ao mesmo tempo, nos é dado certo entendimento quanto a natureza da nossa vida crista neste mundo, especial- mente a luz do sofrimento que inevitavelmente nos é imposto por sermos filhos de Deus. Esse é, pois, o tema com que nos defrontamos neste novo paragrafo, que comeca no versiculo 18 e vai até o versiculo 25; éna verdade 0 mesmo tema até o fim do capitulo. E um pano- rama glorioso que se descortina diante de nés. O apdstolo quer que estejamos certos e seguros de que a nossa glorificagao vira; ele quer que a aguardemos anelantes, com emogao e em éxtase. Ele quer que sejamos capazes de responder a todos os argumentos que o diabo lance sobre nds, principalmente quando diz: “Veja o seu sofrimento. Seria possivel vocé ser filho de Deus? Seria isso que Deus faz?” Paulo nos da a resposta, e nos faz duplamente certos e seguros. Para o nosso bem-estar como crist4os, para a nossa felicidade como cristaos, e, acima de tudo, para 0 nosso testemunho como cristéos no mundo como ele é hoje, é essencial que tenhamos claro entendimento deste ensino, que diz respeito 4 associagéo do sofrimento presente a gléria futura “junto com Cristo”. Agora estamos em condigées de dar inicio 4 consideragéo deste novo e grande tema, que comega no versiculo 18. 27 2 “Porque para mim tenho por certo que as aflicdes deste tempo presente nao séo para comparar com a gléria que em nds hd de ser revelada.” — Romanos 8:18 Tendo o apéstolo mostrado que, devido sermos filhos de Deus e co-herdeiros com Cristo, participamos agora do Seu sofrimento e participaremos da Sua gloria futura, ocupa-se agora de toda esta questao do sofrimento presente na vida do crist&o, ea coloca sob a luz da gléria vindoura. Este paragrafo, do versiculo 18 ao 25, é.a exposigao classica sobre a questao do sofrimento. Nao é a tnica, claro, mas, em muitos aspectos, éa exposigéo mais profunda sobre o sofrimento do cristéo na presente vida. Nenhum outro assunto é mais urgentemente importante para 0 povo cristéo na atualidade. Com 0 mundo como esta hoje, e com as possibilidades que vao ficando cada vez mais claras, certamente nada é mais importante para ndés do que sabermos como exatamente vamos reagir as dificuldades e pro- vagoes, as tribulagées e ao sofrimento que teremos que suportar enquanto vivermos neste mundo. Ao examinarmos a exposigio feita pelo apdstolo, podemos subdividi-la melhor da seguinte maneira: primeiro, vejamos de relance algumas das caracteristicas negativas deste ensino. Como 0 cristao deve reagir 4 realidade do sofrimento? A pri- meira resposta é que ele nao deve ficar surpreso diante disso, nunca deve ser pego de surpresa. Por qué nao? Principalmente pelas razdes que j4 estivemos considerando. Vimos claramente que nao podemos estar unidos ao Senhor Jesus Cristo sem de B Romanos 8:18 um modo ou de outro experimentarmos algo da “comunhiao dos seus sofrimentos” (Filipenses 3:10, ARA). E algo inevita- vel na vida do cristao. Portanto, colocando o ponto nos termos mais simples, nao devemos ficar surpresos ante esse fato. Vé- -se com bastante clareza, porém, que muitos daqueles primeiros cristaéos se mostraram surpresos e ficaram trans- tornados diante disso. Mas isso é totalmente errado, como o apdéstolo mostra aqui, e como o Novo Testamento mostra em toda parte. Passo, pois, ao segundo ponto. Nao somente nao devemos ficar surpresos diante do sofrimento; muito menos devemos deixar-nos abalar ou abater por ele. E justamente aqui que toda esta quest&o se torna tao urgentemente importante. Se n6s, como cristaos, formos derrubados e abalados pelo sofri- mento, 0 efeito disso sobre os outros, que nos observam, sera devastador. Fazemos certas afirmagées a favor da fé crista, e os outros testam o valor da nossa fé e do nosso testemunho vigiando-nos e observando-nos quando passamos por prova- gdes € sofrimentos; assim, se falharmos, causaremos grande dano ao evangelho. E um fato simples da histéria que nao havia nada que fosse mais poderoso para levar as pessoas 4 convicgao de pecado e a convers4o no tempo da Igreja Primitiva do que a observacgéo da maneira pela qual aqueles cristéos suporta- vam o sofrimento. Quando os crentes eram submetidos a provagées, nao ficavam confusos. Mesmo quando eram condenados e langados aos ledes na arena, longe de se lamen- tarem e se queixarem, eram vistos dando gracas a Deus pelo fato de que, afinal, foram considerados dignos de sofrer humilhag&o pelo Seu nome. Eles costumavam dizer que a coroa de gloria neste mundo é 0 martirio, e “o sangue dos martires é a sementeira da igreja”. Esse é 0 grandioso testemunho da histéria. Nada tem abalado tanto os incrédulos, fazendo-os sentir que afinal de contas ha algo no cristianismo, como o fato de que lhes parece que o cristéo tem algum poder, alguma capacidade secreta e misteriosa para cnfrentar 0 sofrimento até 29 A Perseveranca Final dos Santos jubilosamente, regozijando-se nas tribulacdes. Portanto, o oposto € verdade, que nao devemos deixar-nos abalar pelo sofrimento, que nao nos deixemos abater por ele. Noutras palavras, jamais devemos ser levados a duvidar da veracidade da salvacao porque sofremos. H4 exemplos de pessoas piedosas que se tornaram cul- padas de falhar nesse ponto. Um deles se vé no Salmo setenta e trés. Vemos ali um homem em dificuldade, e ele diz: por que € que est4 acontecendo isto comigo? Eu estou com problemas, mas esses impios prosperam, “os olhos deles estao inchados de gordura”, “erguem a sua boca contra os céus, ea sua lingua percorre a terra” — passam a vida maravilhosamente bem, e eu vivo uma vida virtuosa, mas estou em dificuldades. “Na verdade que em vao tenho purificado o meu coragao.” De nada vale, entao, esta vida piedosa? Quando um cristéo age dessa maneira est4 negando a fé, como o homem do Salmo 73 também percebeu que fazia. Ele nos conta que, quando estava pensando desse modo, entrou na casa de Deus e viu que com essa atitude ofenderia a geracéo dos filhos de Deus. Ele nao conseguia entender 0 que se passava, estava aturdido; mas, afortunadamente, encontrou a explicacao na casa de Deus, e tudo ficou bem. Todavia ele nunca teria estado nesse tipo de dificuldade se primeiro tivesse procurado orientar 0 seu pensamento, antes de permitir que aquelas idéias se alojassem nele, e antes de abrigd-las. Também é evidente que as pessoas as quais foi escrita a Epistola aos Hebreus estavam em semelhante conjuntura e situacao. Por isso o autor lhes escreveu. Aqueles crentes estavam propensos a dizer: bem, agora, se o evangelho que nos foi pregado e no qual cremos é verdadeiro, por que toda essa dificuldade esta acontecendo conosco? Estavam abalados por seus sofrimentos, provagoes € tribulagées. Alguns deles estavam até sendo levados a questionar a veracidade do evangelho cristao. O propésito do paragrafo que estamos considerando é mostrar-nos quao terrivelmente errada é essa reacao. O cristao 30 Romanos 8:18 jamais deve ser pego de surpresa pelo sofrimento, e jamais devera ser levado a questionar e a por em diivida a veracidade da salvagao por estar sofrendo. Se ele agir assim, hé algo errado em seu conceito sobre a salvacio. Pode ser que ele tenha ouvido um tipo superficial de evangelizacao, que lhe deu a impressio de que, se tao-somente dissesse que cria no Senhor Jesus Cristo, nunca mais teria qualquer problema, nunca mais estaria em qualquer dificuldade, toda a sua vida seria sempre um es- plendoroso dia de sol e nunca mais teria que sofrer. E natural que, se a sua idéia de salvacio é essa, é inevitavel que logo fique decepcionado. Entretanto, isso nao deveria acontecer com ocristao. Menos ainda deveriam os cristdos que estéo em difi- culdade, ou sofrendo ser levados a duvidar do amor de Deus. “Onde esté o amor de Deus?” eles perguntam. E os seus ami- gos incrédulos 0 instigam nisso, dizendo: “Se Deus é um Deus de amor, por que Ele permite que suceda tal coisa com vocés?” Esse é um pensamento que o cristéo nunca deve deixar pas- sar por sua cabega. Se o diabo o langar sobre vocé, vocé deve dar-lhe resposta imediata. Acontega o que acontecer, nunca duvide do amor de Deus. Todo o paraégrafo que estamos estudando tem 0 objetivo de nos mostrar por que essa atitude éerrada. Outros duvidam do poder de Deus. “Ah”, dizem eles, “o amor de Deus no negamos, mas Lhe falta poder. Se Deus tem poder para impedir que o Seu povo sofra, por que nao 0 usa, por que Ele nao o exerce? Tera Ele poder?” O diabo esta pronto a sugerir esse questionamento, mas ele deve ser rejeitado a luz do ensino do apéstolo. Ou talvez a divida venha na forma de uma insinuagao de que, afinal de contas, ndo somos cristaéos. O argumento pode seguir esta linha: obviamente, os que pertencem a Deus s&o as pessoas que vao ser guardadas; Cristo disse que “até mesmo os cabelos da vossa cabeca est&o todos contados” (Mateus 10:30), que nada pode acontecer com os Seus discipulos sem que Deus 31 A Perseveranga Final dos Santos interfira. Mas vejam 0 que esta acontecendo comigo! E ébvio que eu no sou cristaéo. O diabo diré isso a vocé, vira insinuar esse pensamento. O objetivo do ensino de Paulo aqui é colocar vocé em condigées de poder rejeitar esses pensamentos no instante em que eles vém. Nunca se lhes deve permitir que entrem na mente. Se o diabo os atirar em vocé, devem ser imediatamente repelidos e dissipados pelo escudo da fé. Finalmente, o cristéo nunca deve deixar-se abalar pelos sofrimentos, provagées e tribulagées ao ponto de sentir rancor contra Deus, ou de se queixar do seu fadario. Pois 0 cristao queixar-se ou ressentir-se contra Deus é uma coisa terrivel. Seja qual for o sofrimento do cristéo, por maior, por mais intenso que seja, se ele entende este ensino, nunca tera ressentimento ou queixa contra Deus. Ele nunca lamentar4 o seu fadario, nunca dira: por que é que esta acontecendo isso comigo? Por que devo ser requisitado para suportar isso? O cristao jamais deve permitir que tal pensamento entre em sua mente e em seu coracao. Passemos, porém, a outro aspecto negativo. Nenhuma promessa foi feita, nenhuma expectativa foi fomentada, de algum alivio ou melhoramento do nosso fadario. Pois bem, é dbvio que isso é muito importante. O apéstolo esta escrevendo acristdos que estao sofrendo e passando dificuldades, mas nao ha o mais leve indfcio de sugestéo, por parte do apdstolo, de que as coisas vao melhorar logo, de que os cristéos podem esperar alivio em breve, de que as coisas simplesmente nao podem continuar como estao. Nao é feita nenhuma insinuagao desse tipo, nem aqui nem em nenhum outro lugar do Novo Testamento. Para algumas pessoas, essa € uma idéia alarmante, e muitas delas tropecam nela. Mas, falemos claro: isso faz parte do ensino do nosso Senhor. Por certo vocés se lembram do homem que um dia O procurou. Queria segui-1O, e Lhe disse: “Senhor, seguir-te-ei para onde quer que fores”. O nosso Senhor, sabendo bem qual era a mentalidade e a condigaéo daquele homem, disse-lhe: “As raposas 16m covis, e as aves do céu 32 Romanos 8:18 ninhos, mas o Filho do homem nfo tem onde reclinar a cabeca” (Lucas 9:57,58). Ele desafiou o homem e lhe mostrou que era preciso que ele estivesse disposto a passar por muitos sofri- mentos e provagées, se verdadeiramente era seu propésito segui-l1O. O Senhor jamais prometeu vida facil a Seu povo. O ensino da Biblia jamais oferece conforto geral. Um motivo pelo qual dou énfase a este ponto é que 0 cristianismo tem sido descrito como “6pio do povo”, uma espécie de droga, e ha muitos que buscam uma igreja crista com 0 fim de serem ajudados a sentir-se um pouco mais felizes ea esquecer os seus problemas. Contudo nem a Biblia nem os apéstolos tratam dos problemas dessa forma. A Biblia nao nos diz que dentro de um ano ou dois as coisas vao melhorar; diz, antes, que “havera guerras e rumores de guerras”. A Biblia nunca prometeu que, sob a influéncia do ensino cristao, os homens iriam banir a guerra, e que o mundo iria tornar-se gradativamente perfeito. Ao contrario, ela diz: “Os homens maus e enganadores irao de mal para pior” (2 Timéteo 3:13). Ela nao promete que os homens vao se tornar pessoas amaveis e bondosas 4 medida que a civilizagao e a educagao progre- direm, que nao haverd mais perseguicées, dificuldades e problemas, que tudo na vida ser4 mais facil para os cristaos. Nada disso! Na verdade, basta que vocés leiam 0 capitulo 24 do Evangelho Segundo Mateus, onde o nosso Senhor faz uma previsao da histéria, para que vejam que Ele advertiu os Seus seguidores daquele tempo e, por meio deles, a todos nés e a todos os cristaos de todos os tempos, de que niéo devemos esperar neste mundo nada sendo sofrimentos e provacées de todos os tipos e formas. Vocés encontrarao 0 mesmo ensino na Segunda Epistola a Timéteo, capitulo trés: “Sabe, porém, isto: que nos tltimos dias sobrevirao tempos trabalhosos. Porque haverd homens amantes de si mesmos, avarentos, presungosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e maes, ingratos, profanos, sem afeto natural, irreconcilidveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, sem amor para com os bons, traidores, 33 A Perseveranga Final dos Santos obstinados, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que ami- gos de Deus” (versiculos 1-4). Que acurada descrigao da vida atual! E é isso que a Biblia ensina! Nao que o mundo vai ficar cada vez melhor, mas que vai ser um lugar de pecado, problemas, lutas e mal. O livro do Apocalipse em particular salienta este ensino. E um livro que fala aos cristdéos desde o princfpio da nossa era, e que ensina a todas as geracdes de cristaos que fomos colocados num mundo no qual estamos cercados de inimigos poderosos comparaveis a diversas feras. Suas atividades no se limitam ao futuro, mas j4 comecaram. Poderao assumir formas piores, porém sempre estiveram aqui. Os cristdos tém sofrido sob as maos do Estado, tém sido levados a sofrer por certas formas falsas da Igreja, nas quais a Igreja fez alianca com o Estado e se mundanizou. Todos esses poderes tém se manifestado no passar dos séculos. O livro do Apocalipse é um livro que fala a todas as geragées de cristaos, eo fard até o fim. Noutras palavras, nao hé aqui nenhum falso otimismo, nao ha aqui nenhum ensino sobre alguma espécie de evolugao ou de progresso gradual, de um gradativo melho- ramento do estado e das condigées do mundo. Nao é esse o tipo de conforto que nos é dado. Esse tipo de conforto tem sido sempre dado (nao tem?) em nome da Igreja e do cris- tianismo; sempre tem sido pregado um tipo de otimismo falso. Mas nao é 0 que se vé no livro do Apocalipse; nao é 0 que se vé em Romanos; tampouco é 0 que se vé nas declaragées parale- las ou semelhantes registradas nas Escrituras. Partamos, entao, para mais uma verdade apresentada em termos negativos. Nao ha aqui nenhum chamado aos cristéos para que tentem mudar as condigdes ou melhoré-las. Este é outro ponto muito importante; e € uma questao crucial na presente hora. O apéstolo afirma que ha sofrimento nesta vida para 0 cristao, todavia nem por isso ele exorta os cristéos a se juntarem, a se levantarem e a fazerem algo para diminuir os sofrimentos. Leiam atentamente o pardgrafo, e nao encontrarao nem uma sé palavra nesse sentido; tampouco a encontrario 34 Romanos 8:18 em nenhum outro lugar no Novo Testamento. Desejo salientar isso. O que a Biblia ensina sobre esta questéo acha-se no capitulo 13 desta Epistola, onde Paulo se expressa nestes termos: “Toda alma esteja sujeita 4s potestades superiores; porque nao h4 potestade que nao venha de Deus; e as potestades que ha foram ordenadas por Deus. Por isso quem resiste 4 potestade resiste 4 ordenagdo de Deus; eos que resistem trarao sobre si mesmos a condenagao. Porque os magistrados nao so terror para as boas obras, mas para as m4s. Queres tu, pois, nao temer a potestade? Faze o bem, e terds louvor dela. Porque ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois nao traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador para castigar o que faz o mal. Portanto é necessdrio que lhe estejais sujeitos, nao somente pelo castigo, mas também pela consciéncia”. Noutras palavras, seu ensino leva a isto: 0 cristéo deve ser cumpridor da lei. Como cidadao, ele deve desempenhar o seu papel, nao somente cumprindo e obser- vando as leis, normas e regulamentos, porém até participando na elaboragao deles e em sua produgao. Mas 0 que estou muito desejoso de acentuar é que 0 cristao nao deve acreditar que por meio de legislagéo, ou de qualquer espécie de atividade semelhante, pode livrar-se das causas de sofrimento. Este é um crucial tema de discussao na atualidade. Ha muitos bons cristaéos que parecem cair em erro neste ponto. Dizem eles que 0 cristianismo é a tinica esperanca do mundo no sentido de que sé ele pode levar as nacgées a reformarem o mundo ea vidaem geral. Alguns deles parecem acreditar que 0 testemunho cristao, por exemplo, pode persuadir os governos a abolirem a fabricacéo de bombas. Alguns ensinam que, se uma nagao puder ser persuadida a agir dessa maneira, todas as outras ficaréo tao admiradas diante desse gesto moral que passarao a destruir suas bombas também, e assim o mundo ficar4 livre de bombas, e talvez fique completamente livre da guerra. Entretanto isso néo somente nAo é ensino cristao; é 35 A Perseveranca Final dos Santos também uma tdcita negacao do ensino cristéo. A questao esta perfeitamente clara. Ha outros que se expressam da seguinte maneira: dizem eles que a tarefa do cristianismo consiste em exercer influéncia moral sobre os governantes do mundo, e que, se ta0-somente exercermos essa influéncia do jeito certo e nos organizarmos adequadamente, poderemos persuadir as pessoas a darem cabo das causas dos nossos sofrimentos. Digo mais uma vez que nao ha tal ensino nas Escrituras. O apdéstolo nao exorta os cristaos ase juntarem para enviar uma peticao ao imperador romano, ou a sede do poder de algum outro lugar, na tentativa de influenciarem nos fatores que produzem o sofrimento. O ensino cristéo nunca fala desse modo; nao ha nada dessa espécie em toda a Biblia. Devemos ser cumpridores da lei, mas, se acreditarmos que a fungao do cristianismo é abolir as causas do sofrimento, entéo direi que estamos de fato negando precisamente 0 ensino que temos diante de nds. Isso abso- lutamente ndo se encontra aqui. O cristianismo nao é um movimento pela reforma do mundo. A Biblia é bastante explicita sobre isso. Como ja citei, “havera guerras e rumores de guerras”. “Os homens maus e enganadores irao de mal para pior.” O tempo do fim ser tao terrivel que o nosso Senhor fez a pergunta: “Quando vier o Filho do homem, porventura acharé fé na terra?” (Lucas 18:8). E, contudo, em nome do cristianismo, alguns dizem que o principal dever do cristia- nismo é acabar com todos os problemas, e que se tio-somente nos unirmos, teremos sucesso. Ora isso envolve uma negagado de todo o programa de Deus, como veremos. Passemos ao quinto e tiltimo aspecto negativo. Entao, que € que somos exortados a fazer, 4 luz de tudo o que tenho dito? A resposta nao é meramente resignacao. Muitos tém deduzido isso, mas é uma dedugao falsa. Dizem eles: ah, bem, em vista do quadro que vocé estd pintando da histéria do mundo, e da relacdo do cristianismo com ele, supomos que 0 seu ensino é que nao temos que fazer coisa nenhuma, senao conviver com 36 Romanos 8:18 as coisas; temos que resignar-nos ao nosso destino; temos que dizer que num mundo como este s6 pode haver sofrimento, que nao ha propésito em fazer bulha sobre isso, ou em tentar fazer alguma coisa a respeito; s6 temos que acomodar-nos as coisas e continuar na vida o melhor que pudermos. Respondo que tal atitude nao é de modo algum 0 ensino que encontramos aqui. Nao se pode ver resignacao nas palavras do apéstolo: “Para mim tenho por certo que as aflig6es deste tempo presente nao sao para comparar com a gléria que em nds ha de ser revelada”. Isso nao é resignacao! Ha aqui algo que nos faz, como ele diz no versiculo 37, “mais do que vencedores”. A idéia de mera resignacaéo tem freqiientemente penetrado no pensamento da Igreja. Muitos tém reagido desse modo. Mas 0 apéstolo é positivo. Ele nao esta meramente defendendo a idéia de que devemos “acomodar-nos a isso”; ele nao esta dizendo, como se costumava dizer aquiem Londres, durante a Segunda Guerra Mundial: “Londres pode agiientar isso”. Nao, 0 que temos aqui é€ positivo, é triunfante, é glorioso. “Nao sao para comparar com a gloria que em nds ha de ser revelada”. E, pois, importante que captemos as duas caracteristicas negativas deste ensino, e da atitude cristaé para com o sofrimento na presente existéncia. Tendo tratado dos aspectos negativos, passo agora a considerar as caracteristicas positivas do ensino de Paulo. Precisamos falar com clareza sobre os principios, antes de passarmos as minticias. As caracteristicas positivas gerais do ensino do apéstolo sao claras. A primeira é que é um ensino completa e absolutamente singular. E 0 Gnico ensino do mundo que encara o problema desta maneira particular. Literalmente, nao ha nenhum outro ensino que o encare como este o faz. Pensem no ensino do estoicismo, que era tao popular quando © apéstolo estava escrevendo esta sua Epistola. O estoicismo é inteiramente negativo, é uma resignacdo ser esperanca; ao passo que este € positivo, triunfante, glorioso. Nao somente o ensino de Paulo no é estoicismo; também nao é budismo. O 37 A Perseveranga Final dos Santos budismo est4 se tornando popular; esta aumentando na Inglaterra, e est aumentando rapidamente na India. Ea religiao oficial do Ceilao; * esta crescendo em muitas partes do mundo: nao poucos estado se convertendo ao budismo. Por qué? Por causa do estado em que se encontra 0 mundo! Os muitos sofrimentos e tribulagdes levam as pessoas a se converterem a ele. Mas, que é que o budismo ensina? Em tltima anilise, nada mais que escapismo. Ele também é inteiramente negativo. Nele nao ha esperanga; é completamente pessimista. Temos que ser cautelosos ao tragarmos a distingao entre o elemento de pessimismo presente no ensino crist&o e 0 cabal e completo pessimismo do estoicismo, do budismo, do hinduismo, de qualquer das grandes religides do mundo, assim chamadas. Cada uma delas é destituida de esperanga. Elas julgam que a matéria € m4 e que, portanto, a nossa tinica esperanga esta em livrar-nos da matéria. Algumas delas nos dizem que esse processo pode envolver numerosas reencarnacées; que expur- gamos certa monta do mal cada vez que reaparecemos, e que finalmente imergiremos, assimilados e absorvidos pelo Absoluto, numa espécie de nirvana.™ Mas essa € a idéia mais sem esperanga, mais pessimista e mais desalentadora que se pode imaginar. E 0 oposto do ensino do apéstolo Paulo. No tocante a outras formas de ensino, é a mesma coisa. Alguns séo nada mais nada menos que puros fatalistas. Certamente alguns recordarao como isso era expresso durante a guerra acima referida ~ “Se o seu nome estiver escrito na bomba, ela é para vocé”. La estd ela, nao pense nisso, nao se aborrega, nao se preocupe: € “para vocé”, vocé vai “recebé-la”. Fatalismo! Nao é esse o ensino que Paulo nos oferece; ele diz outra coisa, muito diferente. Consideremos ainda as grandes * Amual Sri Lanka. Nota do tradutor. “Do sanscrito. Significa “extingéo”, implicita a idéia de extingao da vida. Ou, segundo Larousse, “fuga da dor”. Nota do tradutor, 38 Romanos 8:18 filosofias atuais, assim chamadas. Perguntem aos seguidores de Bertrand Russell que esperanga eles tém para oferecer a vocés. Ele ensinava que nao ha lugar para esperanga; tudo 0 que ele esperava é que os males que haveriam de vir fossem pospostos por algum tempo. Para ele a humanidade est louca, o mundo esta louco. Ele esperava que pudéssemos fazé-lo um pouco mais tolerdvel, por muito ou pouco tempo. No entanto, se nado conseguirmos persuadir os governos de que devem parar de fazer certas coisas, entéo nao haver4 nenhuma esperanca! E a mesma coisa se pode dizer dos demais, sejam puros filésofos, como Bertrand Russell foi, sejam filésofos cientificos e humanistas, como outros sao; eles nfo tém esperanca nenhuma para oferecer-nos, absolutamente nenhuma. Tudo 0 que podemos fazer, dizem eles, é tentar fazer que o mal perca as forcas e desfalega, e, se nao tivermos éxito, nao restard mais nada. As seitas, naturalmente, nao tém espe- ranga alguma; elas apenas e deliberadamente ensinam a pessoa ase iludir a si mesma, a persuadir-se de que é feliz, apesar do que esteja acontecendo — uma filosofia de “fechar as venezia- nas, esquecer tudo”. Pena é que ha muitos cristéos que fazem algo parecido com isso. Consideram sua igreja tao-somente como um lugar no qual podem fugir dos seus problemas por um pouco de tempo. Mas nao é isso que Paulo ensina neste capitulo 8 de Romanos. Seu ensino é tinico, singular; nenhuma outra coisa do mundo pée diante de nds o ensino que encontramos aqui. O segundo ponto geral é que o ensino singular de Paulo é algo que se deduz da totalidade do ensino cristao. Este é 0 aspecto significativo e interessante do seu ensino, 0 aspecto que o distingue dos demais. O ensino do apéstolo quanto ao sofrimento é uma deducio de tudo o que ele dissera anterior- mente nesta grande Epistola. Ele o expde claramente com a palavra: “Considero” (VA). E importante dar-Ihe seu verda- deiro significado, pois freqiientemente a empregamos mal. Quando alguém diz: “Vocé sabe que considero isto assim e 39 A Perseveranca Final dos Santos assim...”, ele quer dizer: “sou de opiniao que...”. Nao é isso que o apéstolo quer dizer com a palavra aqui em foco. Devemos retornar ao seu sentido mais antigo. A palavra aqui traduzida por “considero”,* significa que a pessoa chegou a uma conclu- sdo, a uma dedugao, por um processo de pensamento e raciocinio légico. Jé4 topamos com a palavra no capitulo 6, versiculo 11, e ali salientamos este ponto. “Assim também vés considerai-vos como mortos para 0 pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor.” Ressaltamos que nao significa que vocé se persuade a si mesmo de algo que nao é verdade. Significa, antes, compreender que, se vocé esta “em Cristo”, quando Ele morreu, vocé morreu, quando Ele ressuscitou, vocé ressuscitou. Esse verbo significa raciocinar sobre algo e, a luz de tudo 0 que foi dito, chegar a uma deduc4o e conclusao. Por isso Paulo faz uso dele, e declara: “Porque para mim tenho por certo” (ou: “Porque j4 me certifiquei”, ou: “Porque ja conclui”). A importancia disso deveria ser 6bvia. Se 0 crist&o esta sofrendo, o ensino de Paulo nao lhe ministra apenas uma palavra geral de conforto e de bom 4nimo, dizendo-Ihe que tudo esta bem, que as coisas nao estao tao ruins como ele pensa, que logo véo melhorar, que as nuvens nao persistirao para sempre, ¢ que sempre o fundo é de ouro! Esse tipo de ensino é freqiientemente apresentado em nome do cristianismo, e nado passa de uma mescla de psicologia ¢ de tratamento por sugestao. Contudo, nao é cristianismo! “Certifiquei-me”, diz 0 apéstolo; estou tirando esta dedugio; é a conclusao légica e inevitavel a que cheguei e que resulta do trabalho que fiz examinando todas as grandes doutrinas da fé. E se havemos de experimentar verdadeiramente o conforto cristéo em nosso sofrimento, devemos fazer exatamente a mesma coisa. *No original inglés o termo € “reckon”, cujo sentido atual é“considerar”, esemelhantes. A Versdo de Almeida aproxima-se do sentido defendido pelo autor: “tenho por certo”. Nota do tradutor. 40 Romanos 8:18 Noutras palavras, temos o direito de dizer que qualquer cristéo que se sinta infeliz por estar sofrendo, ou que seja culpado de alguma das coisas que mencionei nos pontos negativos de que acima tratei, acha-se nessas condicées por uma s6 razao, a saber, que ele nao raciocinou bem. O dever da pregagao nao é meramente fazer com que 0 ouvinte se sinta um pouco mais feliz enquanto a ouve ou enquanto canta determinados hinos; nao é seu propésito ser um meio para a producao de uma atmosfera reconfortante. Se eu fizer isso, serei um quacre,* e na verdade um amigo muito falso. Nao, o dever da pregacao é ensinar o ouvinte a pensar. Pode ser que precisemos ser severos com vocé, disciplin4-lo e mostrar que o seu modo de pensar tem sido completamente errado. E nao somente isso, mas pode ser também que precisemos mostrar- -Ihe que vocé nao compreendeu as doutrinas, porque o conforto dado por elas é uma dedugio que vocé tira delas, estudando-as pessoalmente. O préximo ponto é que, obviamente, o ensino aqui considerado é€ s6 para cristaéos. Aqui também a declaragéo em foco é uma proposigéo muito importante. Diz o apéstolo: “Certifiquei-me de que as afligdes deste tempo presente néo sao para comparar com a gloria que em nds ha de ser revelada”. Quem est4 incluido em “nés”? Cada pessoa do mundo? Somente os cristAos; 0 apdstolo e os demais cristéos. Esta questo est4 inteiramente restrita a “eu” e “nds”, aos cristaos. Este ensino nada tem a dizer aos incrédulos. Nao deveria haver nenhuma dificuldade sobre isso, porque diz respeito a considerar e deduzir por parte dos crentes. Se eu, um crente, chego a ter este conforto, chego a essa condigao que me habilita a prosseguir apesar do meu sofrimento, e chego a isso gragas a *Quacres (“Quakers”) € como eram chamados os membros da Sociedade de Amigos, fundada no século 17 na Inglaterra por George Fox. Em suas principais énfases eram pacifistas e humanitérios, e insistiam na quietude ou serenidade interior. Nota do tradutor. 41 A Perseveranca Final dos Santos este processo légico de elaborar e desenvolver a doutrina, é 6bvio que aquele que nao cré na doutrina nao pode fazer a deducgao conclusiva. E pura matéria de fato, pois a Biblia nao tem nenhum conforto para dar aos que nao sdo cristéos — absolutamente nenhum; na verdade, ocorre exatamente o contrario. A Biblia néo tem nada para dizer a tais pessoas, exceto adverti-las de que devem “fugir da ira futura” (Mateus 3:7; cf. 1 Tessalonicenses 1:10). Ele diz a essas pessoas que os sofrimentos desta hora presente nao tém comparacao com os sofrimentos que elas iréo padecer. Os sofrimentos atuais séo apenas uma amostra experimentada por antecipagao daquilo que lhes sobrevira, que as narrativas do Diltivio, da destruigao de Sodoma e Gomorra e de todas as calamidades similares so apenas palidas descrig6es do sofrimento que vir4 aos que n4o pertencem ao Senhor Jesus Cristo. Aqui néo hé nenhum conforto para o incrédulo ~—absolutamente nenhum! Antes do homem poder ter este conforto, ele tem que ser crente; e isso necessariamente, porque, como tenho dito, é questo de “deduzir conclusivamente”. Colocando noutros termos, se nao entendermos bem a doutrina que vimos considerando até aqui nesta Epistola aos Romanos, n4o conseguiremos acompanhar 0 apéstolo quando ele diz: “Porque me certifiquei”. E assim que eu encaro isso, diz ele, esta 6 a minha maneira de abordar esta questao. Ele estabelece uma ligacao entre o problema do sofrimento e tudo quanto se passou antes, desde o primeiro versiculo da Epistola. Ele quer dizer que precisamos ter claro entendimento de toda a doutrina de Deus e de todo o propésito de Deus em nosso bendito Senhor e Salvador Jesus Cristo e por meio dEle. Se ndo crermos em tudo o que esta escrito, nao haveré conforto para nés. E o apéstolo, naturalmente, foi elaborando e desenvolvendo tudo isso para nés. Ele comecou a fazé-lo logo no comego. A Epistola aos Romanos foi escrita para crentes: “Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para apéstolo, separado para o evangelho de Deus, o qual antes havia prometido pelos 42 Romanos 8:18 seus profetas nas Santas Escrituras, acerca de seu Filho, que nasceu da descendéncia de Davi segundo a carne, declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espirito de santificacao, pela ressurreicao dos mortos, — Jesus Cristo nosso Senhor”. Se a pessoa n4o crer nisso, no capitulo primeiro, esta passagem do capitulo 8 nao teré nada para dizer-lhe. Nao ha aqui nenhum conforto para essa pessoa; serd um absurdo para ela. A Epistola fala unicamente para cristéos. Fala para aqueles que, crendo em Deus, aceitaram a revelacao que na Biblia temos do propésito de Deus concernente a este mundo ea todos quantos nele estaéo. Pressupée-se uma aceitagaéo basica da revelagao segundo a qual Deus fez um plano “antes da fundagado do mundo” com relagao a este mundo e aos seus habitantes. No Velho Testamento vocés podem ver duas coisas feitas por Deus. Ele comega a p6ér o plano em operagao e em pratica, e também faz promessas e profecias, e dé indicagdes de coisas ainda maiores que Ele intenta fazer. O Velho Testamento é a narrativa que mostra Deus chamando um povo para Si, formando esse povo, fazendo-o multiplicar-se. Depois ha também maravilhosas profecias sobre o Messias, o Libertador que havia de vir, por meio de quem Deus realizaria a coisa mais grandiosa de todas. Passando ao Novo Testamento, vocés podem ler: “Vindo a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para remir os que estavam debaixo da lei” (Gélatas 4:4,5). Essa é a doutrina, e foi isso que estivemos considerando nesta Epistola: “Acerca do Filho, que nasceu da descendéncia de Davi segundo a carne, declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espirito de santificagao, pela ressurrei¢aéo dos mortos”. O evangelho inclui tudo o que Ele fez, tudo o que Ele ensinou, mas supremamente a Sua morte. “Em Cristo Jesus, ao qual Deus propés para propiciagao pela fé no seu sangue” (Romanos 3:25). Esse € 0 estilo da justiga de Deus. Somente as pessoas que créem nestas verdades é que podem derivar o prometido conforto delas. Nao ver e nao 43 A Perseveranca Final dos Santos compreender isso causa intermindvel confusao. Hé4 pessoas que, estando em dificuldades, tentam esta filosofia, aquela seita, mas continuam em condigées miseraveis. Entao elas dizem: “Pergunto se a Igreja Crista podera ajudar-me”. E vém a igreja; tudo 0 que elas querem é um ministério de conforto, uma atmosfera agradavel ¢ tranqililizadora. Querem um culto brilhante, wm banquete de especiarias e de entretenimento, algo que as ajude, algo que as tranqitilize e as conforte. De repente se véem confrontadas por um homem que, do pilpito, prega sobre um Deus santo, que odeia o pecado e que esta cheio de ira contra o pecado. E aquelas pessoas dizem: “As coisas j4 estavam suficientemente ruins; isto sé me deixa em pior estado. Eu queria receber algum conforto”. Masa resposta do evangelho é essa; nao ha nele nenhum conforto, exceto para aqueles que créem que Jesus Cristo é 0 Filho de Deus, que Ele morreu para fazer expiacao por nossos pecados, que Ele foi sepultado, que ressuscitou literalmente, triunfando gloriosa- mente sobre o tamulo, tendo vencido o iiltimo inimigo, e que Ele ascendeu aos céus. Se vocés nao crerem nisso, a passagem que estamos estudando n4o tera nada para dizer-lhes. “Cer- tifiquei-me” — deduzi logicamente de tudo o que atras ficou. Esta é a tinica conclusaéo a que eu posso chegar, a luz das doutrinas que estive colocando diante de vocés. E isso que o apdstolo esta realmente dizendo. Isso imediatamente nos introduz em toda a questéo do método pelo qual se vive a vida crista. Nao é algo que chega a vocés de repente, nao é meramente um sentimento, nao é algo que vocés “pegam”, por assim dizer. O cristianismo nao é “um espirito que vocés podem pegar”. O cristianismo é uma fé que vocés tém e experimentam; e a qual entdo vocés desen- volvem pelo raciocinio. Vocés “certificam-se”, deduzem logicamente. E se nao fizerem isso, tero outra coisa. Estaria claro este principio? Ele constitui a caracteristica mais importante deste ensino. Temos nisto a introdugao aos por- menores aos quais chegaremos. O que 0 apéstolo esté dizendo 44 Romanos 8:18 6, efetivamente: “A luz da doutrina e das proposigées sobre as quais vocés ja concordaram comigo, deduzo os seguintes pontos: um, dois, trés e quatro. Todavia nao havera proveito em examinar “um, dois, trés e quatro” se nao compreendermos © que estamos fazendo. Pode-se salientar isto na forma de perguntas. Como vocé reage ao sofrimento? Como reagia no passado? Que é que vocé faz consigo mesmo quando esta sofrendo, e quando 0 diabo vem e —atrevido como ele é - se aproveita de vocé quando vocé est4 doente ou sofrendo de uma forma ou de outra? Como vocé lida com ele quando ele langa varias insinuagdes sobre vocé? Vocé simplesmente procura sacudi-lo de si, ou apanha um livro e 1é, ou toca piano, ou canta — seria esse 0 seu método? Até certo ponto pode haver algum valor nessas coisas, porém esse ndo é o verdadeiro método cristéo. A maneira de lidar com ele é pensar, racioci- nar, argumentar logicamente, elaborar as doutrinas em que vocé cré, e depois dizer: “Certifiquei-me”. “Esta é uma conclusao a que cheguei.” E assim que se lida com o diabo. E a tinica maneira. gE, igualmente, a Gnica maneira de lidar com os sofrimentos, provagoes e tribulagées. Temos aqui, pois, um ensino que é singular, que é sé para os cristéos auténticos, e que é sempre resultado de fé c certeza com relacao as grandes doutrinas fundamentais da fé crista. 45 3 “Porque para mim tenho por certo que as afligdées deste tempo presente ndo sdo para comparar com a gloria que em nds hé de ser revelada.” —- Romanos 8:18 Chegamos agora ao desenrolar da argumentagao do apdstolo concernente ao sofrimento; isto é, agora vamos observa- -lo enquanto ele se move passo a passo e ponto a ponto, a fim de chegar 4 conclusao declarada neste versiculo. E interessante, mais uma vez, notar o seu estilo. Muitas vezes ele expde primeiro a conclusdo, e depois nos conta como chegou a ela. Todos os seus argumentos e arrazoados, vistos em detalhe, podem ser encontrados neste paragrafo especifico. Reitero que certamente n4o hé nada que seja mais importante para nés, como cristaos, na época atual, do que justamente este ensino. Com o mundo como esta, e com todas as possibilidades com que nos defrontamos, que é que pode ser mais importante para nés do que saber exatamente como enfrentar as provagées, as dificuldades, as tribulagées e os sofrimentos, que sao a porgao prépria do povo de Deus enquanto se acha nesta vida? Gostaria de lembré-los de novo que os sofrimentos aqui referidos, ao menos alguns deles, sao peculiares aos cristaos. Ha aspectos em que somente 0 cristao pode sofrer. Por exemplo, ninguém que nao seja cristao vai sofrer perseguigao por causa de Cristo. Mas hé outras formas de sofrimento, e mais amplas, que o cristéo comparte com todos os demais seres humanos. Creio que o apéstolo, no versiculo 17, trata dos sofrimentos peculiares aos cristéos, mas penso que mais adiante podemos ver que ele tinha em mente outros tipos de sofrimento também. 46 Romanos 8:18 Eis ai, pois, as proposigdes, as declaragées da doutrina por meio das quais ele péde chegar a conclusdo a que chegou. Examinemos essa questéo da seguinte maneira: 0 que € que capacita o homem que se acha no meio de sofrimentos e provagoes, de tribulagées e decepcdes, e de tudo quanto 0 cristao esta sujeito a experimentar num mundo como este, 0 que o capacita a dizer no meio disso tudo, e quando tudo isso esta acontecendo: “Para mim tenho por certo que as afligdes deste tempo presente nao séo para comparar com a gléria que em nds ha de ser revelada”? O que lhe da este tom de triunfo? O que o habilita — para usar a linguagem do apéstolo mais adiante, no versiculo 37 — a ser “mais que vencedor (em todas estas coisas) por aquele que o amou”? A primeira resposta é que o apéstolo tem uma idéia correta deste tempo e desta vida neste mundo. Notem que ele diz: “Tenho por certo que as afligGes deste tempo presente nao séo para comparar com a gléria que em nds hd de ser revelada”. Vemos af os dois pontos que nos habilitam a entender a viséo que 0 cristao tem do tempo. Todo o problema do homem nao cristao, isto é, do homem do mundo, é que, para ele, esta presente vida e este mundo sao a tinica vida e o inico mundo. Ele s6 conhece 0 tempo chamado cronolégico, o tempo medido pelo relégio ou pelo calendario. Toda a sua perspectiva é inteiramente circunscrita pelo temporal, pelo presente, pelo que se vé, pelo visivel; e para ele nao ha divisdo do tempo. Sua idéia € que o homem vem a este mundo, vive nele e sai dele. Isso é tudo 0 que ele sabe a respeito do tempo. O conceito do cristéo, porém, nao é esse; é por isso que o cristao pode encarar o sofrimento de um modo que ninguém mais pode. Vale a pena colocar isso em termos do contraste entre o cristo e o nao cristéo. Quando as coisas vao mal para 0 nao cristo ele nao tem onde se recostar; nao tem nenhum conforto, nenhuma consolacao; e néo tem nada para contemplar no fu- turo. Tudo o que ele pode esperar é que tais coisas melhorem enquanto ele est4 aqui; mas, se nado houver sinal de melhora, 47 A Perseveranca Final dos Santos ele ficar4 totalmente sem consolo. Como o expressa 0 apéstolo, escrevendo aos efésios, capitulo 2, versiculo 12: “Naquele tempo estdveis sem Cristo... nao tendo esperanga” — sem esperanga! —“e sem Deus no mundo”. O nao cristao nao tem nada que o conforte agora, e néo tem nada que possa esperar do futuro. O motivo predominante disso é que ele ignora este ensino cristao referente ao tempo. Em que consiste esse ensino? O cristo esté ciente de uma divisio do tempo. Nao é algo rigorosamente preciso, como veremos num instante, e contudo é uma boa maneira de examinar este assunto, a principio. O cristao fala sobre “este tempo presente”, e ent4o sobre algo que est4 além dele. Veremos que 0 que esté além, absolutamente no pertence ao tempo; mas 0 ponto é que 0 cristaéo reconhece uma diviséo que 0 néo cristéo nao reconhece. Examinemos a expressao “tempo presente”. E importante entender que nfo significa “por algum tempo”. Nao devemos traduzir este versiculo como se segue: “Porque para mim tenho por certo que as afligées que nos sobrevém por algum tempo nao sao para comparar com a gléria que-em nds ha de ser revelada”. A referida expressdo nao significa apenas “por algum tempo”. Que € que significa, entéo? Significa realmente “a presente era”, “toda esta era na qual vivemos”, “a presente existéncia”. Costumamos falar em algo que ocorre “por algum tempo”. Dizemos: “As coisas nao vao indo bem comigo no presente”, “por ora”. Com isso queremos dizer: “Espero que amanha ou pouco depois vao melhorar”. E uma pequena divisdéo que fazemos do tempo. Nao é isso que temos no versiculo que estamos estudando. Aqui a divisao é feita no fim do tempo. “O tempo presente” é a era em que vivemos, era que se estende desde a ressurreigdo do Senhor Jesus Cristo até o Seu retorno. “Este tempo presente” aqui significa “esta era presente”. O apéstolo n4o est4 pensando somente em sua morte, nao est4 apenas dizendo: “Os sofrimentos que estou padecendo enquanto ainda estou vivo e que continuarei 48 Romanos 8:18 padecendo até morrer nao séo para comparar com a gloria que ha de ser revelada”. Nao é nada disso. O “tempo presente” nao termina na morte; 0 tempo presente terminar4 quando “a era vindoura” for introduzida. Aqueles que estéo bem familiarizados com a Biblia logo reconhecerao que ha um principio de divisao e de ensino que se vé em toda parte na Biblia. Acha-se no Velho Testamento, bem como no Novo. No Velho Testamento os crentes viviam em grande parte na esperanca da era que viria quando 0 Messias Se manifestasse. Eles consideravam a sua era como um perfodo preparatério, e olhavam para o futuro aguardando outra era, que haveria de vir. O Senhor Jesus Cristo veio, e entéo o Seu povo tomou conhecimento de que aquela era futura, esperada pelo povo do Velho Testamento, j4 tinha chegado. Mas, por sua vez, olhava para o futuro, esperando algo ainda além desta. E isso que 0 apédstolo tem em mente. Vocés poder4o ver isso em quase toda parte na Biblia, e eu devo salientar este ponto porque, se nao estivermos certos quanto ao fator tempo, jamais experimentaremos o particular conforto e consolacdo das Escrituras. Estamos vivendo nesta “era presente”, porém, como cristéos, sabemos que nao é a tnica. Sabemos de algo que ha além do tempo, temos algo para o que olhar no futuro e 0 que esperar; e ésomente a luz deste ensino que podemos regozijar- -nos nas provacoes e nos sofrimentos. Esse aspecto também pode ser exposto na forma de um segundo principio. O cristéo néo somente tem um conceito certo acerca do tempo e da vida neste mundo, mas também captou e sabe algo sobre o ensino das Escrituras com relacéo aquela era vindoura. Essa verdade 0 apéstolo nos apresenta com a frase “ha de ser revelada”. Todo o nosso pensamento deve ser governado por esses dois pontos. Um focaliza este “tempo presente”; o outro “ha de ser revelado”. “As afligdes deste tempo presente nao sao para comparar com a gloria que em nds hd de ser revelada.” Examinemos isso. A palavra “revelada” explica realmente 49 A Perseveranca Final dos Santos © que o apéstolo tem em mente. E 0 Apocalipse. E uma referéncia ao que hé de vir. E o principio da era por vir. Eo grande evento que toda a Biblia contempla no futuro. E 0 faz, como 0 apéstolo nos vai explicar, por causa do que aconteceu com 0 mundo e com o homem em conseqiiéncia da Queda, a miséria, a frustragéo, 0 pecado e a vergonha que se intro- duziram. A primeira promessa que Deus fez 4 humanidade depois da Queda foi que finalmente haveria uma restauragao. “A semente da mulher esmagaré a cabega da serpente” (Génesis 3:15). Essa foi a grande promessa, e a Biblia inteira, o Velho Testamento e 0 Novo Testamento, contempla o seu cumpri- mento futuro, manifestado como ser pela Segunda Vinda do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Esse é 0 evento de todos os eventos. Quem quer que seja cristao o deverd estar contem- plando e aguardando. Esse é 0 grande tema que percorre a Biblia toda, do comego ao fim. E interessante notar que esta é a primeira vez que ele € mencionado nesta Epistola em par- ticular. O apéstolo nos-tinha dado uma leve idéia disso no versiculo dois do capitulo 5, onde ele diz: “...e nos gloriamos na esperanga da gléria de Deus”. Mas nao passou de uma ligeira aluséo; nao houve ali uma declaragao explicita. Mas aqui ele coloca o tema clara e patentemente diante de nés. No restante do capitulo ele passa a ser o seu tema de maior importancia, e ele 0 vai elaborar e desenvolver. Ele faz a mesma coisa no fim do capitulo 11, onde o repete. E, de novo, no fim do capitulo 13, onde ele diz: “A nossa salvacéo est4 agora mais perto de nds do que quando aceitamos a fé. A noite é passada, eo dia é chegado”. E isso que significa “a gloria que em nés ha de ser revelada”. Isso constitui uma téo importante parte do ensino do Novo Testamento, e uma tao vital e essencial parte do conforto e consolagao que s6 0 cristao pode conhecer, experimentar e gozar, que eu devo fazer uma breve digressao para mostrar quao constantemente as Escrituras ressaltam precisamente essa verdade. Vejamos alguns exemplos. Tomemos o ensino 50 Romanos 8:18 do nosso Senhor, no capitulo 19 do Evangelho Segundo Mateus, versiculos 27 e 28: “Entéo Pedro, tomando a palavra, disse-lhe: eis que nés deixamos tudo, e te seguimos; que receberemos? E Jesus disse-lhes: em verdade vos digo que vés, que me seguistes, quando, na regeneraciio, o Filho do homem se assentar no trono da sua gléria, também vos assentareis sobre doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel”. Ele fala sobre a “regeneracao” que ocorrerd quando o Filho do homem voltar, quando tudo seré restaurado e renovado. Essa é “a gloria que ha de ser revelada”. Depois vocés véem o Senhor expressar a mesma idéia no contetido global dos capitulos 24 e 25 do Evangelho Segundo Mateus e nas passagens paralelas de Marcos, capitulo 13 e de Lucas, capitulo 21. Em todos esses discursos 0 nosso Senhor estava preparando os Seus. Ele lhes disse: “No mundo tereis tribulag6es” (Joao 16:33); Ele os advertiu de que nao esperassem dias faceis nesta vida. O que Ele desfralda e mantém diante deles é esta gloria vindoura; e continua a manté-la diante deles. Vejam Joao 14:1: “Nao se turbe 0 vosso coracao; credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai ha muitas moradas; se nao fosse assim, eu vo-lo teria dito: vou preparar-vos lugar. E, se eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vés também”. Mas este tema nao esta confinado nos Evangelhos. Acha- -se em Atos dos Apéstolos, capitulo primeiro, versiculo 11. Dois varées se puseram ao lado dos apéstolos, que assistiam ascensdo do nosso Senhor ao céu, e lhes disseram: “Varées galileus, por que estais olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vés foi recebido em cima no céu, ha de vir assim como para o céu 0 vistes ir”. Ele voltara, disseram eles, e, portanto, nao fiquem ai desconsolados e espantados; saiam e vao realizar a obra que lhes cabe. Outra declaragéo notavel acha-se no capitulo 3 de Atos, onde se lé que o apéstolo Pedro estava pregando depois que 0 homem que estivera junto 4 Porta Formosa do templo tinha sido curado. Aplicando a sua 51 A Perseveranca Final dos Santos mensagem, Pedro diz no versiculo 19: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e venham assim os tempos de refrigério pela presenga do Senhor, eenvie ele a Jesus Cristo, que jA dantes vos foi pregado, o qual convém que ao céu contenha até aos tempos da restauracao de tudo, dos quais Deus falou pela boca de todos os seus santos profetas, desde o principio”. Isso foi dito pelos profetas desde © principio, diz Pedro. Havera este tempo grandioso, este grande evento da “restauragao de tudo”. Toda a criagao move- -se rumo a esse evento e, Como veremos, 0 esté contemplando eesperando. O apéstolo Paulo pregou a mesma mensagem em Atenas, como mostra a narrativa do capitulo 17 de Atos. Ele advertiu os seus ouvintes de que chegaria “um determinado dia”, este “dia de Cristo”, este “dia do Senhor”, este “dia do juizo”. Suas palavras se referem 4 “gléria que ha de ser revelada”. Vejam a mesma coisa exposta na Primeira Epistola aos Corintios. O apdstolo a menciona logo no inicio porque € doutrina vitalmente importante. No capitulo primeiro, versiculo 7, lemos: “Nenhum dom vos falta, esperando a manifestagao de nosso Senhor Jesus Cristo, 0 qual vos con- firmar4 também até ao fim, para serdes irrepreensiveis no dia de nosso Senhor Jesus Cristo”. Com relagao 4 Ceia do Senhor, ele ensina aqueles cristaéos que eles devem participar regu- larmente do pao e do vinho porque, ao fazerem isso, diz ele, “anunciais a morte do Senhor até que (ele) venha” (1 Corintios 11:26). Eles devem continuar essa pratica neste “tempo presente”, nesta “era presente”, “até que (ele) venha”. O capi- tulo 15 da Primeira Epistola aos Corintios é, obviamente, dedicado inteiramente a este mesmo assunto. “A trombeta soara, € os mortos ressuscitarao incorruptiveis”, e Ele apareceré. E um s6 € 0 mesmo tema. Vemos outro exemplo notdvel em 1 Corintios, capitulo 16, versiculo 22: “Se alguém nao ama ao Senhor Jesus Cristo, seja andtema; maranata”. Aqueles pri- meiros cristaos estavam sofrendo terrivel perseguicgao, tinham 52 Romanos 8:18 inimigos ferozes, muitos deles estavam sendo levados 4 morte; suas casas estavam sendo destruidas, seus bens estavam sendo roubados, mas a palavra que proferiam quando se encontravam era “maranata”, “o Senhor vem”. Tudo o que lhes acontecia eles sempre consideravam a luz do referido evento: o fim deste tempo presente, a era vindoura que se iniciaré com a vinda do Senhor. “Maranata”! Na Segunda Epistola aos Corfntios, capitulos 4 e 5, ha precisamente o mesmo ensino. Na Epistola aos Efésios, no versiculo 10 do capitulo pri- meiro, Paulo declara que 0 objetivo final do plano de Deus é “tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensagao da plenitude dos tempos, tanto as que estao nos céus como as que esto na terra”. A expressao “tornar a congregar” significa realmente “levar a juntar-se”, ou “fazer convergir” (ARA). Todas as coisas dos céus ¢ da terra serao “levadas a convergir” nEle na grande era futura. Tudo o que Deus se propés fazer leva a essa conclusio final. Néo devemos parar no perddo e na justificagéo, e nem mesmo na santificagéo. Devemos olhar para frente, para o futuro, para esta gléria que ainda havera de ser revelada. Encontramos exatamente 0 mesmo ensino no versiculo 14 deste mesmo capitulo, onde Paulo ensina que o Espirito Santo nao somente é 0 selo da promessa, mas tam- bém é “o penhor da nossa heranga, para redencdo da possessao de Deus”. A “possessao” serd redimida quando Cristo vier. Nos temos agora “o penhor do Espirito” para nos manter seguros até entao; é-nos concedida uma prelibacao das primi- cias da nossa grande heranga. Vejam também Filipenses 1:6: “Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vés come- cou a boa obra a aperfeicoard até ao dia de Jesus Cristo”. Paulo nao diz, “enquanto viverdes neste mundo”, mas sim, “até ao dia de Jesus Cristo”. Ele o diz outra vez em Filipenses, capitulo 3, versiculos 20 e 21: “Mas a nossa cidade esta nos céus, donde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformard 0 nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder de sujeitar 53 A Perseveranca Final dos Santos também a si todas as coisas”. Na Epistola aos Colossenses, capitulo primeiro, versiculos 21 e 22, lemos: “A vés também... vos reconciliou no corpo da sua carne, pela morte, para perante ele vos apresentar santos, e irrepreensiveis, e inculpdveis”. E entéo, mais adiante, o apdéstolo continua e diz: “Aos quais Deus quis fazer conhecer quais sao as riquezas da gloria deste mistério entre os gentios, que é Cristo em v6és, esperanga da gléria”. E depois, em Colossenses 3:4: “Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, entéo também vés vos manifestareis com ele em gléria”. Na Primeira Epistola aos Tessalonicenses, capitulo primeiro, versiculo 10, lemos: “E esperar dos céus a seu Filho, a quem ressuscitou dos mortos, a saber, Jesus, que nos livra da ira futura”. E ainda, os capitulos 4 e 5 dessa Epistola sao prin- cipalmente dedicados a esse mesmo tema. Os capitulos 1 e 2 de 2 Tessalonicenses continuam interessados neste “dia do Senhor Jesus Cristo”, neste “dia do Senhor”. Alguns dos crist4os primitivos estavam confusos sobre isso, pelo que Paulo quer corrigi-los, quer ajuda-los a ter a posicao certa, porque é justamente esta verdade que habilita o cristéo a regozijar-se até no meio das suas tribulagées. O mesmo ensino acha-se nas Epistolas pastorais. Em 1] Timéteo 6:14: “Que guardes este mandamento sem macula e repreensao, até a aparigao de nosso Senhor Jesus Cristo, a qual a seu tempo mostraré o bem-aventurado, e tinico poderoso Senhor, Rei dos reis e Senhor dos senhores”. Também no versiculo 19 desse capitulo, falando aos ricos como devem portar-se, Paulo diz: “Que entesourem para si mesmos um bom fundamento para o futuro, para que possam alcangar a vida eterna”. Na Segunda Epistola a Timéteo, capitulo pri- meiro, versiculo 12, ele escreve: “Por cuja causa padeco também isto, mas néo me envergonho; porque eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que é poderoso para guardar © meu depésito até aquele dia”. E sempre “aquele dia”. No ultimo versfculo desse mesmo capitulo temos: “O Senhor lhe 54 Romanos 8:18 conceda (a Onesiforo) que naquele dia ache misericérdia”. Esse homem tinha sido bondoso para com Paulo na prisao, e Paulo, agora, nao poderia desejar-lhe nada melhor do que isso. Ainda no capitulo 4 da sua ultima Epistola, a Segunda Epistola a Tim6teo, ele escreve: “Conjuro-te pois diante de Deus e do Senhor Jesus Cristo, que ha de julgar os vivos e os mortos, na sua vinda e no seu reino” (versiculo primeiro). Tudo devera ser feito 4 luz daquele grande “dia”. Isso nos anima e nos adverte. O apéstolo diz precisamente a mesma coisa a Tito, no capitulo primeiro, versiculo 2: “Em esperanga da vida eterna, a qual Deus, que nao pode mentir, prometeu antes dos tem- pos dos séculos, mas a seu tempo manifestou a sua palavra que me foi confiada segundo o mandamento de Deus, nosso Salador”. No capitulo 2 dessa Epistola, comegando no versiculo 11, vemos: “Porque a graca de Deus se ha manifestado, trazendo salvac4o a todos os homens, ensinando-nos que, renunciando & impiedade e 4s concupiscéncias mundanas, vivamos neste presente século sébria, e justa, e piamente, aguardando a bem- -aventurada esperanca e 0 aparecimento da gléria do grande Deus e nosso Senhor Jesus Cristo; o qual se deu a si mesmo por nés”, Devemos viver nesta presente vida, neste mundo presente, aguardando “o aparecimento glorioso”, ou “o aparecimento da gléria” do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Contudo, este ensino nao se limita aos escritos do apéstolo Paulo. Em Hebreus 9:28 lemos: “Assim também Cristo, oferecendo-se uma vez, para tirar os pecados de muitos, aparecerd segunda vez, sem pecado, aos que 0 esperam para a salvacio”. “Salvacao”, ali, significa esta gloria, esta glorificagéo que vird. Tiago, no capitulo primeiro, versiculo 12, da sua Epistola, escreve: “Bem-aventurado 0 varao que suporta a tentagio; porque, quando for provado, receberé a coroa da vida, a qual o Senhor tem prometido aos que o amam”. Notem igualmente o capitulo 5, versiculo 7, onde ele oferece conforto 55 A Perseveranca Final dos Santos aos cristéos que estavam sofrendo, e diz: “Sede, pois, irmaos, pacientes até a vinda do Senhor. Eis que o lavrador espera 0 precioso fruto da terra, aguardando-o com paciéncia, até que receba a chuva tempor e (a) serddia. Sede vés também pacientes, fortalecei os vossos coragées; porque j4 a vinda do Senhor est4 proxima”. Nas Epistolas de Pedro vocés verao que esse € 0 seu grande tema, de varias maneiras. Em 1 Pedro 1:3- 5 ele diz: “Bendito o Deus ¢ Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua grande misericérdia, nos gerou de novo para uma viva esperanga, pela ressurreigéo de Jesus Cristo, dentre os mortos, para uma heranga incorruptivel, inconta- minavel, e que se ndo pode murchar, guardada nos céus para vés, que mediante a fé estais guardados na virtude de Deus para a salvagao, ja prestes para se revelar no Ultimo tempo”. Ele continua: “Em que vés grandemente vos alegrais, ainda que agora importa, sendo necessdrio, que estejais por um pouco contristados com varias tentagdes, para que a prova da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro que perece e € provado pelo fogo, se ache em louvor, e honra, e gléria na revelacdo de Jesus Cristo”. No versiculo 13 ele da seqiiéncia ao tema: “Portanto, cingindo os lombos do vosso entendimento, sede sdbrios, e esperai inteiramente na graga que se vos ofereceu na revelacdo de Jesus Cristo”.” No capitulo 4 dessa Primeira Epistola, versiculo 7, Pedro escreve: “E ja esta préximo o fim de todas as coisas; portanto, sede sdbrios e vigiai em oragao”. Versiculo 13: “Alegrai-vos no fato de serdes participantes das afligdes de Cristo, para que também na revelacao da sua gléria vos regozijeis e alegreis”. Todos estes apdstolos dizem a mesma coisa. Eles ficam * Quanto & parte final do versiculo 13: “VA: “que vos hé de ser trazida na revelacao de Jesus Cristo”; ARA: “que vos esta sendo trazida na revelagao de Jesus Cristo”; NVI: “que lhes seré dada quando Jesus Cristo for revelado”. Nota do tradutor. 56 Romanos 8:18 repetindo isso, e todos eles empregam linguagem quase idéntica. Pedro, novamente, no capitulo 5 dessa Primeira Epistola diz, no versiculo primeiro: “Aos presbiteros que estado entre vés, admoesto eu, que sou também presbitero com eles, e testemunha das afligées de Cristo, e participante da gloria que se ha de revelar”; e no versiculo 4: “Quando aparecer 0 Sumo Pastor, alcangareis a incorruptivel coroa de gloria”; e também no versiculo 10: “E o Deus de toda a graga, que em Cristo Jesus vos chamou & sua eterna gléria, depois de haverdes padecido um pouco, Ele mesmo vos aperfeigoara, confirmar4, fortificaré e fortaleceré”. A Segunda Epistola de Pedro em grande parte é dedicada a este tema, especialmente o capitulo 3, que o examina em detalhe. Vocés encontrarao o mesmo tema também na Primeira Epistola de Joao, capitulo 2, versiculo 28. Igualmente no capitulo 3, versfculos 1-3: “Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda nao é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como (ele) é 0 veremos”. Mais uma vez vocés véem o tema ali, em toda a sua gléria. E, obviamente, o livro do Apocalipse, o derradeiro livro da Biblia, é dedicado inteiramente a este assunto. O brado registrado no fim é: “Ora vem, Senhor Jesus”. Esta claro que esta “gloria que em nés ha de ser revelada” sera introduzida pela Segunda Vinda, o reaparecimento e a manifestagio do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Os anjos disseram aos discipulos no Monte das Oliveiras: * “(Ele) ha de vir assim como para 0 céu o vistes ir”. Ele voltara corporalmente, voltard fisicamente. Nao viré apenas como uma aparicao; voltaré em Seu corpo glorificado, “todo olho o vera” (Apocalipse 1:7). Ele sera visivel, abertamente visivel. A narrativa da Palavra implica 0 retorno pessoal, visivel e cor- poral do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Que sera que a Sua vinda introduzir4? Serd o fim deste “tempo presente”, desta presente era. Sé6 0 cristéo pode entender verdadeiramente a S7 A Perseveranca Final dos Santos histéria. Todos os demais parecem pensar que a historia é intermin4vel, que sempre houve e que continuar4 para sempre. Mas nao € esse 0 ensino da Biblia, a qual nos ensina que Deus fez o mundo e que Ele deu inicio ao processo do tempo. Ele criou este mundo presente. Mas, lastimavelmente, ocorreu a Queda. Desde 0 momento da Queda temos “este presente mundo”. Mas a Biblia ensina que haveré fim para tudo isso, e que o dia vindouro, “o dia do Senhor”, serd o fim do tempo. O tempo terminaré, “o tempo nao mais existir4”; a presente era, o tempo presente, chegar4 ao fim, e a eternidade sera intro- duzida, a gloriosa e infindavel era por vir. Dizo apéstolo: “Para mim tenho por certo que as afligdes deste tempo presente nao sao para comparar com a gloria que em nés ha de ser revelada”. Ele esté dizendo que num sentido a gloria existe. Nao é algo que precisa ser feito, ja tem existéncia. Ele est4 dizendo que, quando chegar este grande dia, a gloria j4 existente sera revelada. Para usar uma com- paracao ébvia, é exatamente como se vocé estivesse num teatro e nao visse nada, seno a cortina do palco. Vocé nao tem idéia do que ha por tr4s dela. Mas ha algo ali; de repente sobe 0 pano, ou a cortina se abre, e vocé se vé contemplando uma cena grandiosa. Essa é a idéia. Nao é algo que esta para ser criado, nao é algo que ainda vai ser produzido; a gloria ja existe. O que vi suceder é que esta gloria sera “revelada”, sera “tornada manifesta”, seré “mostrada”. O Senhor ensinou pessoalmente esta verdade em Mateus, capitulo 25, versiculo 34, onde lemos: “Entdo diré o Rei aos que estiverem & sua direita: vinde, benditos de meu Pai, possuf por heranga o reino que vos esta preparado desde a fundagao do mundo”. O Reino ja existe, foi preparado para nés desde a fundagéo do mundo. A “nova Jerusalém” existe, e vird para c4, “descera do céu”. Portanto, esta gloria nao é algo que vai ser criado, é algo que j4 est4 em existéncia. Sera revelada. O mundo nada sabe sobre isso, claro. Nao cré nisso e 0 ridiculariza. “Ah”, diz ele, “vocés, cristaos, acreditam em 58 Romanos 8:18 quimeras. E 0 épio do povo”. Este ensino é ridicularizado, é odiado, é deixado de lado; o mundo nfo sabe coisa alguma a seu respeito. Qual é a situagao do cristéo? Nao sabemos muito sobre esta verdade, mas cremos nela, e devemos crer. E uma parte essencial do nosso evangelho. E 0 que os primeiros cristaéos aguardavam, como foi demonstrado por nossas numerosas citagGes. Certamente o apéstolo Paulo estava numa posic¢io privi- legiada, quanto a esta quest4o. Nao admira que ele fale sobre a gléria que nos vai ser revelada. Ele tivera vislumbres dessa gléria de que falamos. Lembrem-se do que aconteceu com ele no caminho de Damasco. Ele viu o Senhor ressurreto em Sua gloria! Viu-O como Ele é agora! Viu a gléria do Senhor! E nunca mais a esqueceu. Essa era a realidade futura que ele esperava. Ver de novo o Senhor, e vé-1O permanentemente! Ele tivera um vislumbre da gloria. Em 2 Corintios, capitulo 12, ele nos fala de um tipo semelhante de experiéncia que teve mais tarde: “Conhego um homem em Cristo que hé quatorze anos (se no corpo n4o sei, se fora do corpo n4o sei; Deus 0 sabe) foi arrebatado até ao terceiro céu. E sei que 0 tal homem (se no corpo, se fora do corpo, nao sei; Deus o sabe) foi arrebatado ao paraiso; e ouviu palavras inefaveis, de que ao homem no é licito falar. De um assim me gloriarei”. Noutras palavras, tinha sido dada a ele uma antevisao desta gléria, pelo que sabia por experiéncia prépria que ela existe, e por isso disse que no devido tempo ela seria revelada. A cortina se abrira, e entéo a veremos. Tendo Paulo tido aquelas experi- éncias, passa o seu conhecimento a nés; e nés, sabendo que estas experiéncias sio auténticas, e que ele é um apéstolo inspirado, cremos em sua mensagem. Aceitamo-la pela fé! “Andamos por fé, e nao por vista” (2 Corintios 5:7). Ainda nao a vimos, mas, gragas a Deus, nao somente cremos nesta gloria, e Deus, por Sua graga, da-nos uma idéia dela por intermédio do “testemunho do Espirito” e do espirito filial dentro de nés. Sao insinuagées da gléria, e sio suficientes para 59 A Perseveranga Final dos Santos fazer-nos certos e seguros. O Espfrito Santo nos da “testemunho” disto; o Espirito “sela” isto em nés; o Espirito Santo é o “penhor” disto; Ele constitui, por assim dizer, a primeira prestagao da gloria propriamente dita. Por isso nés sabemos algo desta gloria vindoura. E isso, dizo apéstolo, que vocés devem ter em mente enquanto sofrem neste “tempo presente”. Concluo salientando algo que facilmente pode passar despercebido neste mesmo versiculo. “Para mim tenho por certo”, diz ele, “que as afligdes deste tempo presente nao sio para comparar com a gléria que em nés ha de ser revelada.” Esta velha Versio Autorizada (inglesa) é muito boa aqui, mas uma das novas tradugées é realmente melhor. Em vez de “revelada em nés”, diz: “a qual esta em depésito para nés”. Nao devemos pensar que somos meros espectadores desta gloria. Nao teremos apenas o privilégio de atuar como “obser- vadores”. Vamos ser participantes, vamos ter parte, vamos estar envolvidos nela. Vai acontecer conosco, vai estar “em nés”, “a gléria que em nés hé de ser revelada”, revelada “com vistas a nos”. E uma gloria que nos sera concedida, e seremos de fato participantes dela. O apdstolo ja nos dissera isso no versiculo 17: “Herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo: se é certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados”. Naturalmente, estaremos contemplando a Sua gléria, mas também seremos participantes dela; “como (ele) € o veremos”, e seremos “semelhantes a ele”. O apéstolo Pedro expée perfeitamente esta verdade em 1 Pedro 5:1, que jé citei: “Aos presbiteros, que estao entre vés, admoesto eu, que sou também presbitero com eles, e teste- munha das afligdes de Cristo, e participante da gléria que se ha de revelar”. Participante é aquele que comparte, compar- tilha. “Eu”, diz Pedro, “nao sou tao-somente um homem que foi testemunha ocular dos sofrimentos de Cristo; também vou compartilhar a gléria que ha de ser revelada.” E isso é verdade que diz respeito a todos nés que somos cristaos. E 60 Romanos 8:18 uma gléria que ha de ser revelada “em nés”. Noutras palavras, uma parte da gloria que vai ser revelada a todo o cosmos é 0 que acontecerdé conosco. Seremos uma parte da gléria, da gléria de Cristo. Seu povo é Sua gléria. Eo que Ele vai fazer conosco fard de nés uma parte desta extraordinéria demon- stragdo da Sua prépria gléria quando “este tempo presente” se acabar e Ele, por Sua vinda, nos introduzir nesta “era vindoura”, com toda a sua gloria indescritivel. Sao esses, entao, os primeiros postulados que 0 apéstolo formula, e que é onde devemos comegar. Que coisa mara- vilhosa! Haverd alguma coisa tao dificil como o problema do tempo? Examinem o ponto da seguinte maneira: imaginem um casal que perdeu 0 seu tinico filho na ultima guerra. O que eles freqiientemente dizem um ao outro €: “Como vamos poder suportar isso? Parece impossivel continuarmos vivendo ano apés ano, década apés década; 0 tempo parece longo demais!” Toda a razio da sua vida se fora, perderam o seu tesouro, como poderao viver? Tempo! Que fardo o tempo é quando esperamos algo! Parece arrastar-se! O incrédulo n4o tem resposta para esse problema; tem que resignar-se a seu destino, e “ir adiante com isso”. Mas nao é assim que 0 crist4o vé o tempo. O cristao tem um conceito que o habilita a manejar o tempo como este deve ser manejado. Ele diz: “Sim, aqui estou neste mundo, Pode ser que eu tenha que viver mais dez, vinte, trinta, quarenta, cinqiienta, sessenta, e até setenta anos. Olho isso como homem, e em termos terrenos, e me parece um tempo terrivelmente longo. Mas, quando penso na eternidade, quando penso na gléria que vird na eternidade, tudo muda”. Eternidade! Sem fim! Vocés podem imaginar um milhao de anos? Bem, multipliquem isso por um milhao, multipliquem por mais um milhdo, e assim por diante, para sempre e sempre, e ainda nao haveria fim. Eternidade! Quando pensamos nisso, que é esta nossa vida? “Vida breve €a nossa porcado aqui”, cantamos em nosso hino; e assim é de fato. “Que é a vossa vida?”, pergunta Tiago; e responde: “E 61 A Perseveranca Final dos Santos um vapor” (4:14). E apenas como um sopro, como uma exala- gao. Nao é nada, em comparagao com a eternidade. E € desse modo que 0 ensino crist&o nos ajuda, seja qual for o sofrimento, seja qual for o mal que tenhamos que suportar. “A nossa leve e momentanea tribulagéo”, diz 0 apéstolo (2 Corintios 4:17). “Momentanea.” E apenas um lampejo, por assim dizer; estamos hoje aqui, e amanha jé teremos partido. Mas aguardamos “a gloria que seré revelada”. Hoje e amanha séo somente “este tempo presente”, esta presente era, este presente mundo passageiro. A grande realidade é a gléria que vem, o fim do tempo, 0 estado eterno para o qual vamos, a gléria que “ha de ser revelada”, a era vindoura. Apeguem-se a esta idéia: realmente nao pertencemos a esta presente era, “a nossa cidadania esta no céu” (VA). Este mundo presente é passageiro, é transitério, é tempordrio. “O mundo vindouro” é0 mundo real, permanente. Eo que tem substAncia e que durard para sempre. E certamente vird; nada o poderé deter. Temos assim examinado 0 primeiro passo do argumento que habilita o cristao, seja o que for que lhe acontega, a dizer: “Para mim tenho por certo que as aflicdes deste tempo presente nao séo para comparar com a gléria que em nds ha de ser revelada”. 62 4 “Porque para mim tenho por certo que as aflicdes deste tempo presente nao sio para comparar com a gloria que em nos hd de ser revelada. Porque a ardente expectacao da criatura espera a manifestagao dos filhos de Deus. Porque a criagao ficou sujeita a vaidade, nao por sua vontade, mas por causa do que a sujeitou. Na esperanca de que também a mesma criatura seré libertada da servidio da corrupgéo, para a liberdade da gloria dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criacéo geme e estd juntamente com dores de parto até agora. E nao sé ela, mas nés mesmos, que temos as primicias do Esptrito, também gememos em nés mesmos, esperando a adogao, a saber, a redengao do nosso corpo.” ; — Romanos 8:18-23 Estamos estudando e analisando este processo de “chegar auma firme conclusao”, no qual o apéstolo nos diz que ele se engaja como cristao. Ele pode lidar com os sofrimentos, com as suas provacées, dificuldades e tribulacées, na verdade pode ser “mais que vencedor”, apesar dessas afligdes, porque ele “chegou & conclusio” sobre certas coisas. Estamos analisando a sua maneira e o seu método de raciocinar, e aquilo que ele conclui. Estamos examinando, as doutrinas que, diz-nos ele, ajudam-no particularmente a suportar isso tudo. A primeira foi, como jd vimos, a doutrina cristé do tempo, que ele divide em “tempo presente” e uma era por vir, que “ha de ser revelada”. O apéstolo nao diz simplesmente que sabe que os sofrimentos deste tempo presente cessaréo quando morrermos. Ele faz um contraste entre a vida nesta era e a vida como ser4 numa era futura. Isso nos levou a uma segunda 8 A Perseveranga Final dos Santos doutrina concernente a gléria que ha de ser revelada por oca- sido da segunda vinda e do aparecimento do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Terminamos salientando que 0 apéstolo afirma que os crist&os nao vao ser meros espectadores do evento. Euma gloria que haveré de ser revelada “em nds”; somos uma parte dela. A f€ crista, diz-nos 0 apéstolo, toma os seus problemas, sofrimentos e dificuldades presentes e os olha 4 luz do glorioso estado de coisas que h4 de ser revelado ao mundo inteiro por ocasiao da segunda vinda do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Esse é, entao, o método do apéstolo, ¢ € muito importante entendé-lo. Nunca o cristianismo fornece um conforto pré- -fabricado. Vocé sé vai gozar o conforto ea consolagao que a fé cristé propicia quando puser em pratica este processo de “chegar a uma firme concluséo”. Nao é uma coisa feita por outrem para vocé. O cristianismo néo é como uma droga que age em vocé; nao é como os sacramentos, segundo 0 conceito catélico romano. Os sacramentos, dizem os catélicos romanos, agem ex opere operato, o que significa que agem em si e por si, independentemente do que vocé faga ou deixe de fazer. Nada disso! O conforto cristéo nao é mecanico, nao é auto- miatico. Vocé sé obtém conforto da mensagem cristé quando vocé faz o que ela lhe diz que faga. Por isso diz o apéstolo que, quando sofre, vé os seus sofrimentos 4 luz deste glorioso evento que ainda esta por ocorrer. O resultado imediato disso, diz- -nos ele, é que ele descobre que “as afligées deste tempo presente nao s4o para comparar com a gléria que em nés hé de ser revelada”. Focalizemos sua frase, “nao sio para comparar com” (VA: “nao merecem comparagéo com”). Ela tem dois sentidos. E uma expressdo que se refere a preco ou valor (idéia presente na palavra traduzida por “merecem”). Vocé pode ter um objeto que julga muito valioso; mas ent&éo lhe mostram um objeto semelhante, e no momento em que 0 vé, vocé percebe que 0 64 Romanos 8:18-23 seu, comparado com 0 outro, nao tem valor nenhum. Eu posso pensar que o meu relégio tem muito valor; mas, se me mostram um relégio de ouro pertencente a outra pessoa, vejo que o meu vale pouco. Isso é 0 que expressa a frase “nao séo para com- parar”, “nao merecem comparac4o com”. A coisa nao tem valor nenhum. Podia parecer ter algum valor intrinseco, mas, no momento em que € posta ao lado deste padrao, vé-se que é nula, nao vale nada. Vocé simplesmente se desfaz daquilo que antes julgava ter tanto valor. Mas a frase tem outro sentido, que se refere 4 questéo de peso. Uma coisa nao tem peso, quando comparada com outra. O apéstolo faz uso da mesma idéia em 2 Corintios 4:17: “A nossa leve e momentanea tribulagao” (note-se o termo “leve”, de pouco peso) “produz para nés um peso eterno de gléria mui excelente”. Com outras palavras o apéstolo diz: por mais pesada que seja a carga de sofrimento que possam estar carregando agora, ela é nada, comparada com o peso de gléria que ha de ser de vocés. Isso é tipico do método cristo, e, ao mesmo tempo, ajuda aassinalar o notdvel e extraordindrio contraste entre o método cristéo de ministrar conforto aos sofredores, e todas as outras forgas do mundo que tentam fazer a mesma coisa. O que 0 mundo Ihe faz quando vocé esté sofrendo? Vocé tem um problema terrivel, esté levando nos ombros um grande peso, um grande fardo; vocé esta carregando o fardo, esta sofrendo, e a opressao é grande. Que é que o mundo faz? Ele tende a dizer: “Anime-se, nado fique deprimido; logo as coisas vao melhorar”. Mas isso realmente nao ajuda. De fato, a tendén- cia disso é fazer-nos sentir pior. Vocé diz a si mesmo: “E facil para ele dizer isso. Nao ha nada de errado com ele no momento, e assim ele despacha ligeiro o meu problema. Se ele tio- -somente soubesse a carga que estou carregando nao falaria desse jeito”. O método das seitas também é esse. Agem como as drogas. Esforcam-se para fazer com que este “peso” parega 65 A Perseveranca Final dos Santos mais leve do que de fato é. Fazem alguma coisa com as suas faculdades e tornam vocé menos sensivel ao que est4 acon- tecendo. E sempre esse o efeito das drogas. O homem que est4 com problemas comega a beber, e, conforme vai bebendo, comeg¢a a sentir-se mais animado e mais alegre, e j4 ndo se sente deprimido. Assim, o pobre sujeito continua a beber. O alcool nao muda o problema, de forma alguma; muda a apreciagaéo dos fatos. O homem esta se drogando, esta se prejudicando, e se acha numa espécie de paraiso dos loucos, como costumamos dizer. Mas esse jamais 6 0 método da fé crista. Sei que a acusacao feita freqiientemente contra ela é que € 0 “narcético do povo”, ou 0 “épio do povo”, mas essa acusagéo é totalmente falsa. Admito que h4 representagées do cristianismo que justificam tal acusagao, e aceito igualmente que certas pessoas usam 0 cristianismo como dpio. Todavia o que elas apresentam nao passa de uma mascara do cristianismo. Séo completamente diferentes do apdéstolo, que ensina 0 cristianismo genuino. Notem como ele 0 faz. Ele nao alivia o peso do problema. Ele admite plenamente que o sofrimento é muito forte. Dentre todos os homens, este apéstolo faz isso repetidamente. J4 nos referimos a 2 Corintios, capitulo 4. Leiam o que ele diz ali sobre os seus sofrimentos. Comecem no versiculo 7 e vao até o fim do capitulo; e veréo que ele naéo menospreza nem subtrai nada dos terriveis sofrimentos que tinha sofrido ou que estava suportando. Ha listas semelhantes nos capitulos 1] e 12 da mesma Segunda Epistola aos Corintios, e noutros lugares. De modo nenhum ele procura diminuir a natureza real eo carater concreto dos sofrimentos. Em vez disso, vemo-lo dizer que, apesar dos sofrimentos serem terriveis como eles sio, nao sao nada quando vistos 4 luz da gléria que ainda esta por vir. Uma ilustragio singela nos ajudard nesta altura. Pensem num homem sentado a uma mesa com uma balanga em sua frente. Num dos pratos estao os seus sofrimentos. O homem olha para eles e vé que sao muito pesados. Mas ent4o ele coloca 66 Romanos 8:18-23 no outro prato todo o imenso peso da gloria ainda por vir, eo que antes parecia muito pesado agora parece leve como uma pluma. Nao é que seja leve por sim mesmo; s6 fica leve em contraste com 0 peso muito maior daquilo que estd no outro prato. E isso exatamente que o apéstolo esta dizendo aqui, e é também o seu ensino sobre esta questao em todos os seus outros escritos. Nao considerem os sofrimentos coisas de somenos importancia. Os sofrimentos s40 muito reais, e é um falso consolador aquele que apenas diz: “Anime-se, logo tudo vai estar bem para vocé”. Nao hé nenhum valor nessas palavras; sabemos disso. Menos ainda, néo recorram a drogas de nenhum tipo ou espécie. Aqui esta a resposta. Sejam realistas, encarem o problema como ele é, e em sua pior forma. Entao, quando se sentirem téo por baixo que nao podem agiientar mais, olhem para o outro lado, olhem para a gléria que ha de ser revelada. E, diz o apéstolo, se a enxergarem direito, chega- rao a uma 86 conclus4o ~ que, sejam quais forem os sofrimentos deste tempo presente, nao merecem comparacao com a gloria que em nos ha de ser revelada. Essa é a esséncia do método cristéo de ministrar consolo e fortalecimento. Vocés verao este método em uso em toda parte na Biblia. Considerem o argumento de Hebreus, capitulo 11. Qual erao segredo de Abrado, que teve que sofrer tanto? Foi que ele “esperava a cidade que tem fundamentos, da qual o artifice e construtor é Deus”. Observem Moisés e tudo o que ele teve que suportar. Qual era o segredo dele? Nao foi que ele tinha os olhos postos na “recompensa” que viria, “escolhendo antes ser maltratado com o povo de Deus do que por um pouco de tempo ter o gozo do pecado”? A “recompensa” que viria}! Considerem agora o exemplo supremo, em Hebreus, capftulo 12, versiculo 2: “Olhando para Jesus, autor e consumador da fé, 0 qual pelo gozo que lhe estava proposto suportou a cruz, desprezando a afronta”. Foi o “gozo que lhe estava proposto” que habilitou o nosso Senhor, Ele proprio, a passar pelo Getsémani e pela agonia, pela vergonha e pelos sofrimentos da cruz. Ele sabia 67 A Perseveranca Final dos Santos para onde estava indo, e, & luz disso, pode suportar tudo. E, igualmente, é esse mesmo caminho, diz aqui 0 apéstolo, que vocés, como cristéos, devem percorrer também durante esta vida. Seguramente nao ha necessidade de acrescentar mais nenhuma demonstragao de que aquilo de que devemos estar certos € seguros, e no que devemos concentrar-nos como cristdos, € que conhecemos algo da grandeza da gléria que ha de vir. Esta € uma doutrina vital. E a Gnica maneira pela qual os cristéos podem ser “mais que vencedores” numa vida como a presente. Notem que Paulo mantém seu apego 4 palavra “Porque”, ou “Pois” — “Porque para mim tenho por certo que as aflig6es deste tempo presente nao s4o para comparar com a gloria que em nés ha de ser revelada. Porque a ardente expectacao da criatura...”. Ele esté prestes a demonstrar para nds a grandeza desta gléria vindoura. Esse é 0 propédsito da palavra conectiva “Porque”; é uma ampliagao do que ele tinha dito, uma demonstragéo da grandeza da gléria que est4 por vir. Se dela tivermos um sé vislumbre que seja, esse lampejo nos fara considerar tudo o que agora estamos sofrendo como indigno de comparac&o com a gléria futura. A grandeza da gléria vindoura é 0 tema. Nao somente a sua certeza, nao somente a sua futuridade, mas também a sua grandeza, a sua magnitude, a sua vastidao! E, naturalmente, é esta verdade que extrai e induz todas as grandes reservas deste extraordindério homem de Deus e o leva a superar-se em eloqiiéncia e no ousado cardter da sua exposigao. Paulo demonstra a grandeza da gloria de maneira deveras extraordindria, e, para nds, de maneira inesperada. Ele o faz introduzindo sua terceira doutrina. Jé tivemos a doutrina crista do tempo; j4 examinamos também a doutrina crista das dlti- mas coisas, da segunda vinda ea gléria que ela trard. A terceira importante doutrina é a explicacéo do presente estado do universo. Neste tempo presente em particular, quando consideramos as grandes tensdes que hé no mundo, como as 68 Romanos 8:18-23 que existem entre os dois lados da “cortina de ferro”,* quando vemos os sofrimentos de grandes comunidades e contemplamos a incerteza e o carater precério da vida,” nao ha nada mais importante para nés do que termos clara idéia quanto a por que as coisas s40 como sao. Nao posso imaginar ninguém que, tendo algum conforto final, nao entenda porque o mundo esta como esta. As pessoas mais deprimidas do mundo atual sao os filésofos, porque estavam tao confiantes, principalmente no fim do século 19, em que 0 mundo estava progredindo e se desenvolvendo. Eles gostavam de falar sobre a evolugio e sobre a idade de ouro, quando tudo seria verdadeiramente mara- vilhoso. “Que o conhecimento cresca mais e mais”, cantava ‘Tennyson, que também via a vinda do “Parlamento do homem, a Federacao do mundo”. Nao haveria mais guerras, as espadas seriam transformadas em relhas ou laminas de arado eas lancas em podoées. Entéo chegou o século 20, e tudo o que nés experimentamos. Nao admira que os filésofos estejam no fundo do pogo da depressao. Eles nao tém nenhuma explicagao para oferecer. Tudo foi contra o que eles tinham dito e pensado, e contra o que eles esperavam. Assim, ficaram sem esperancga nenhuma, porque nao tém nenhuma explicagao. Mas ha uma explicagéo; e o apéstolo a da aqui. Ele faz isso formulando duas declaragées. A primeira é que a “cria- tura”, a “criagdo”, a totalidade da criagdo espera esta gl6ria que hé de vir. A segunda nos diz por que a totalidade da criagéo espera o futuro dessa maneira. E em seu segundo ponto ele nos apresenta uma doutrina sobremodo notavel, a saber, a relacao entre o homem e toda a criagao. Ele desenvolve esse * Lembre-se 0 leitor de que este sermio foi pregado no princfpio da década de 1960. Nota do tradutor. ™ Que ilustragao mais terrivel e contundente haveria desta verdade do que a destruico do World Trade Center eas conseqiiéncias que o mundo todo est4 sofrendo?! E isso em 11 de setembro de 2001, no primeiro ano do tao propalado milénio da “nova era”! Nota do tradutor. 69 A Perseveranca Final dos Santos ponto ao longo de duas linhas. Diz ele que, por causa da sua presente condigdo, toda a criacdo esta esperando esta gloria vindoura; e mais, que toda a criacdo est4 destinada a participar desta gléria vindoura. Devemos examinar esta doutrina em detalhe, concernente como é ao presente estado do mundo. Sua introdugao é resultante da declaragao que Paulo faz de que o mundo, como est4 agora, espera a gloria. Depois ele explica 0 porqué disso. Examinemos, entao, a primeira declaragao do versiculo 19: “A ardente expectacaéo da criatura espera a manifestacaéo dos filhos de Deus”. Que é que 0 termo “criatura” quer dizer aqui? Geralmente se concorda que uma melhor tradugio seria “criacéo” “ - “A ardente expectacdo da criacéo”. De fato, o versiculo 22 é traduzido assim: “Sabemos que toda a criagio”. “A ardente expectagao de toda a criacao espera a manifestagao dos filhos de Deus.” Mas aqui logo surge uma questo. Que ser que esta inclufdo em “toda a criagéo”? A impressao que se tem de infcio € que é uma expresséo compreensiva, nao excluindo nada e abrangendo tudo o que Deus criou. Ora, nao ha nenhuma possibilidade de que seja esse 0 sentido, como fica claro quando notamos a outra expressao do apéstolo: “A ardente expectagao da criagao”. “Ardente expectagao” é uma expresso bastante pitoresca. Se vocés se interessam por dicgdo, dicgéo poética, figuras poéticas, jamais encontrarao uma declaracaéo mais emocionante que essa. A palavra empregada pelo apéstolo sugere “Cabega erguida, esticando-se para a frente”. Noutras palavras, é uma figura que descreve a criagdo esticando 0 pescogo, levantando a cabega, fazendo o maximo para ver, em busca de algum indi- cio de algo. Segue-se depois a palavra “espera”. “A ardente expectacao da criatura espera a manifestagéo dos filhos de Deus.” Esse é também um termo muito forte. Significa “esperar * ARA: “criagdo”; NVI: “a natureza criada”. Nota do tradutor. 70 Romanos 8:18-23 com ansiosa expectativa”. O apéstolo nao seria um escritor popular hoje! Os pedantes e puristas modernos nao gostam de escritores que atiram adjetivos por todo lado e com tanta liberdade! Ah, 0 estilo deve ser casto! Mas 0 apéstolo ndo escre- via desse modo. Ele se deixa impregnar tanto por seu assunto, e se deixa arrebatar tanto pelo esplendor disso tudo! Ele se maravilha diante dessa realidade toda, e assim fala em “ardente expecta¢ao” e, depois, em “espera com ansiosa expectativa” por cima de tudo. Seu desejo é expressar-se tao vividamente o quanto puder, e parece que a linguagem lhe falta. Tudo isso nos ajuda a ver o que ele quer dizer com a palavra “criagio”. Ea criagdo que esta antecipando a gloria vindoura com este cdlido anseio, esta espera e este pescogo esticado. E ébvio que a expresso nao pode incluir os anjos. Nao pode incluir os anjos bons porque eles nao foram feitos “sujeitos 4 vaidade”, como aconteceu com a criacao, nem estaéo “gemendo”, como Paulo diz que toda a criagao faz; “toda a criagéo geme € esta juntamente com dores de parto”. Essas coisas nao dizem respeito aos santos anjos e, portanto, é evidente que eles nao estao incluidos em “toda a criagao”. Tampouco a expressao pode incluir os anjos decaidos, pois é mais que certo que eles nao estio esperando esta gléria por vir porque sabem o que vai acontecer com eles no dia do juizo. Judas e Pedro dizem-nos em suas Epistolas que Deus os “reservou na escuridao, e em prisées eternas até ao juizo daquele grande dia”, quando sera langado sobre eles o veredito final e eles passarao a sofrer a sua punicao final. Certamente eles nao estao esperando ansiosa- mente a gléria que ha de vir. Portanto, estao excluidos. Dos homens, quais? Deus criou o homem; entao estariam os homens incluidos na expressao do apéstolo? Evidentemente os cristaos néo podem estar incluidos. O versiculo 23 mostra isso claramente. “E nao sé ela, mas nds mesmos, que temos as primicias do Espirito”. Aqui “ela” e “nés mesmos” estao postos em contraste. “Nao sé ela” — o que ele esté dizendo acerca da criacao — mas nds, que somos cristaos, também. De modo que 71 A Perseveranca Final dos Santos fica claro que 0s cristaos nao estao incluidos neste uso do termo “criagao”. Mas, que dizer dos nao cristéos? Obviamente, outra vez, eles nao estao incluidos. O homem natural, o homem irreligioso e impio, com absoluta certeza no est4 esperando esta gloria que vira. Ele nao cré nela; e, se cresse, seria algo que ele nao desejaria, mas, antes, trataria de evitar.O homem natural nao gosta nem de pensar em morte. Ele n4o sabe a razao disso, mas ha dentro dele um instinto que o faz ter medo da morte. Hé no seu intimo uma idéia de que ha um juizo ao qual devera responder, e, portanto, tem medo dele. Néo ha nenhuma divida de que ele nao esta esperando a manifestagao dos filhos de Deus. Assim, excluimos os anjos e os homens de toda espécie de descrigéo. Que é que sobra? Eis a situagao extraordindaria: resta-nos a criacao irracional, a criagéo material, animada e inanimada, organica e inorganica. Que é que significa isso? Significa os animais; significa a vegetagao, as flores, a relva; significa os rios e os demais cursos d’4gua, os montes e as colinas; significa a prépria terra; significa os céus visiveis. O apéstolo esté dizendo que esta parte da criagéo de Deus esté em ardente expectagao esperando esta manifestaco dos filhos de Deus. Noutras palavras, o apéstolo esta personificando esta parte irracional da criagao. E, fazendo isso, ele faz uma coisa que se vé com muita freqiiéncia na Biblia. Ougam, por exemplo, o profeta Isafas no capitulo 35: “O deserto e os lugares secos se alegrao disto”. Como pode um deserto alegrar-se? Isaias 0 personifica. “O deserto e os luga- res secos se alegrarao disto; eo ermo exultard e floresceré como a rosa.” Ou vejam também o que ele diz no capitulo 55, versiculo 12, com imaginagao poética: “Os montes e os outei- ros exclamar4o de prazer perante a vossa face, e todas as 4rvores do campo baterao palmas”. Isso € apenas uma personificagéo da criagéo, uma pequena mostra de algo que se vé fre- qiientemente nas Escrituras. Os poctas, os escritores de muitos hinos, seguindo o método escrituristico, muitas vezes se 72 Romanos 8:18-23 expressam de igual maneira. Que é que a criagéo esta esperando? A resposta é que ela “espera a manifestagio dos filhos de Deus”. Por af se vé que tinhamos razao quando salientamos a expressao “revelada em nés”, que se acha no fim do versiculo 18. “Os sofrimentos deste tempo presente ndo merecem comparacao com a gléria que sera revelada em nés” (VA). E Paulo virtualmente se repete quando nos diz que a criagdo est esperando a “manifestacao dos filhos de Deus”. Ele quer dizer que os filhos de Deus serao “postos em exibigéo”. Deus mostrara o que Ele realizou na salvagéo em nés e por meio de nés. Seremos pegas teatrais quando formos revelados em nossa gléria com Ele. Toda a criagao esta a espera deste grande evento. E evidente que este aspecto particular da gléria vindoura era central na mente do apéstolo. O argumento comecou no meio do versiculo 17: “se & certo que com ele padecemos, para que também com ele sejamos glorificados”. A nossa glorificagéo esté em primeiro plano na sua mente. Mas, como veremos mais adiante, a nossa glorificagao é apenas o traco central desta glorificagéo maior que Paulo ira descrever mais tarde. A criagao estd esticando 0 pescogo, est4 erguendo o mais que pode a cabega, em ardente expectagdo, esperando esta manifestagao dos filhos de Deus. O apéstolo esta descrevendo o mundo no qual estamos vivendo atualmente; e fala sobre os nossos problemas, sofrimentos e provagées. Isto nao é um conto de fadas. Nao virei poeta de repente. E puro fato. O apéstolo est4 descrevendo algo que é real agora, neste mundo material no qual estamos vivendo neste momento. Seu interesse esta em mostrar a grandiosidade desta gl6ria, gléria tao grandiosa que toda a criagao esta esticando o pescogo, anelante, esperando seu aparecimento. Mas, por que sera que a criacdo esta esperando isso dessa maneira? Aqui chegamos a mais esta doutrina extraordinaria: é porque o destino da criagao est4 indissoluvelmente ligado ao do homem. Este é um ensino sumamente notavel. S6 se 73 A Perseveranca Final dos Santos encontra na Biblia. O destino do homem € 0 destino de todo o cosmos estao inextricavelmente ligados; e um segue-se a0 outro. Observemos agora como Paulo desenvolve o assunto. O primeiro argumento € que o pecado do homem produziu a presente condig&o da criacgao; € 0 apdstolo se refere aos animais, aos passaros, as flores, 4 vegetagao, a tudo quanto conhecemos da criacdo visivel. A criagéo é como é por causa da queda do homem. O versiculo 20 declara que “a criag4o ficou sujeita a vaidade”. “Vaidade” é um termo muito interessante. Significa, num sentido, “fatil”. Ou talvez, mais particularmente, “algo que nfo esta cumprindo a sua fung4o”, algo que nao corres- ponde aquilo para o que foi destinado. Tem também 0 6bvio sentido de que ha nela uma tendéncia para a deterioragéo e para a dissolugao. “Vaidade!” “Vao!” “Vazio!” Paulo esta se referindo a toda a criago, e afirma que ela ficou sujeita a esse tipo de vaidade. Ela nao esté cumprindo a fungao para a qual fora destinada originariamente. N4o esté “a altura”, nao “corresponde” aquilo que se esperava que fosse. Ha nela um elemento que se vé que é destrutivo e que por fim reduz tudo aalgo nulo e vazio — “Vaidade”. O apéstolo nos ajuda a entender melhor o assunto quando, no versiculo 21, diz: “a mesma criatura ser4 libertada da servidao da corrup¢4o”. A criagéo encontra-se num estado de corrupcao. Por corrupgéo se entenda “corrupgao fisica”, “putrefacio”, “morte e destruigéo”. E como um pedago de carne que se deteriora, se corrompe e entra em gradativa decomposigio. E repulsivo. Semelhantemente a criagao atual esta neste estado de corrupg¢ao fisica. Esté apodrecendo e esta sujeita a morte e a destruigao. No entanto, Paulo diz também que a criagdo esta em “serviddo”, escrava dessa corrup¢ao, e esse acréscimo é muito importante. O apéstolo quer dizer que a criagéo néo pode livrar-se por si mesma da sua corrupgao, por mais que tente. A criago nao pode libertar-se deste elemento de deteriora- g4o e de corrupgao que nela ha e que, em Ultima andlise, a 74 Romanos 8:18-23 torna va e completamente fatil. Aqui temos um destes pontos divisérios, como 0 que ha entre 0 cristéo e 0 que nao é cristéo. O que ndo é cristio da uma olhada na vida e, com seu conceito superficial, diz: “A vida nao é maravilhosa?” O cristéo dé uma olhada no mesmo mundo, e diz: “Mudanga vejo em tudo, e corrup¢éo”.” O cristéo tem conceito mais profundo que o incrédulo. O incrédulo se entusiasma e diz: “Ha algo comecando ali. Vocé nao deve ser pessimista, a vida esta comecando ali, e vai avancando”. “Eu sei”, diz o cristéo; “mas também sei que, tendo a vida comecado, ja esta se movendo para o seu término.” “Todo homem que vive, nasceu para morrer”, diz 0 poeta. “Ah”, diz aquele que no é crist4o, “vocé nao deve dizer isso sobre um bebé recém- -nascido. O bebé nasceu ha cinco minutos, e certamente ali se -acha alguém que esta comecando a viver.” Concordo. Mas também é igualmente certo dizer: “Ali esté alguém que esta comegando a morrer”. No momento em que vocé entra neste mundo, comega a sair dele; seu primeiro flego estd ligado ao Ultimo. “Que é a vossa vida? E um vapor.” “Mudanga vejo em tudo, ecorrup¢ao.” Tudo sofre declinio; nao se pode contestar isso. “Servidaéo da corrupgao.” Em toda a criagéo ha um principio de corrupgio, e esse principio esté evidente em toda parte. Seja o que for que fagamos, nao poderemos livrar-nos dele. Qual é a causa disso? A explicagéo é um modelo vital de ensino. “A criacao ficou sujeita a vaidade”, diz ele, “ea servidao da corrup¢do.” A expresso “ficou sujeita”, ou “foi feita sujeita a” (VA), poderia ser traduzida por “foi sujeita a”, “foi submetida a”. O tempo verbal empregado é 0 aoristo, o que significa que aacao referida aconteceu no passado, e uma vez por todas. Um ato tnico, definido, concreto, nao repetido. “Foi sujeita” num dado ponto. Antes disso era diferente; nao era corrupta, nao * Salmos e Hinos, antigo, n°. 222. Nota do tradutor. 75

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