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Processo Nº 583.00.2009.

194911-3

Texto integral da Sentença

CONCLUSÃO Em 07/04/2010 faço os presentes autos conclusos ao MM. Juiz Dr. Rodrigo Galvão Medina. Eu,

___________ (João G. Oliveira Filho), subscrevi. 9ª Vara Cível Central da Comarca da Capital Processo n.

583.00.2009.194911-3 (REM 19/04/10) Vistos. Confederação Brasileira de Karatê e outro movem a presente

ação de indenização por danos morais contra Maria Cecília de Almeida Maia alegando, em apertada síntese,

que por meio da veiculação de “carta denúncia” no bojo de feito cível, a ré cuidou de asseverar que os autores

vieram de se apossar indevidamente da quantia de US$ 15.000,00 – pagos, por sua vez, pelo banco Nossa

Caixa SA. - à mesma não repassada e agora devida à título de premiação em campeonato mundial feminino de

karatê, no qual sagrou-se campeã em 1992, no Japão. Juntaram documentos. Devidamente citada, a ré

ofereceu contestação. Em última análise, assevera que “jamais, em tempo algum, buscou ofender a imagem

dos requerentes” e que “jamais, em tempo algum, ocorreram quaisquer das agressões apontadas” em petição

inicial. Juntou documentos. Os autores ofereceram réplica. Relatados. Fundamento e decido. Autorizado pelo

teor do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil, passo agora ao julgamento antecipado da lide. A

demanda não prospera, absolutamente. O ponto controvertido discutido no feito cinge-se em se descobrir

eventual responsabilidade da ré pelos danos morais sofridos pelos autores em suas respectivas esferas jurídica

de interesses próprios. E tal, por meio da veiculação de “carta denúncia” no bojo de feito cível, a ré cuidou de

asseverar que os autores vieram de se apossar indevidamente da quantia de US$ 15.000,00 – pagos, por sua

vez, pelo banco Nossa Caixa SA. - à mesma não repassada e agora devida à título de premiação em

campeonato mundial feminino de karatê, no qual sagrou-se campeã em 1992, no Japão E a resposta é

negativa. A tutelar o caso concreto o disposto no artigo 953, do novo Código Civil, assim redigido: “A

indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido”.

Antes de continuarmos, imprescindível trazer à colação importante lição do mestre Yussef Said Cahali (“Dano

Moral”, editora RT, 3ª edição, página 308), ao se debruçar sobre os requisitos penais daquelas figuras e sua

efetiva aproveitabilidade no campo cível: “No plano da responsabilidade civil, não tendo o Código enunciado os

elementos da infração que causa o dever de indenizar, ainda que atrelando a liquidação à pena criminal,

aproveita-se, em linha de princípio, o exame dos requisitos dos crimes contra a honra feito pela doutrina e

jurisprudência penal; com a ressalva de um maior rigor na perquirição de seus elementos constitutivos na

esfera penal, eis que ali está em jogo a liberdade pessoal do ofensor, enquanto na reparação civil a ameaça

dirige-se contra seu patrimônio”. Sedimentadas tais premissas básicas, voltemos ao caso concreto. Em

específico, alegam os autores em petição inicial, que vieram de ser alvo de calúnia contra os mesmos dirigida

pela ré, ao imputar-lhes falsamente a prática de fato definido como crime de apropriação indébita – artigo 138

c/c artigo 168, ambos do Código Penal. Calúnia a “falsa imputação ou denúncia de fato definido como crime”

(Rui Stoco, na obra “Tratado de Responsabilidade Civil – Doutrina e Jurisprudência”, editora RT, 7ª edição,

2007, página 818). Para melhor ilustrar o presente julgado, faço questão de transcrever, integralmente, o teor

da “carta denúncia” confeccionada pela ré: “Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 200. De: Maria Cecília de
Almeida Maia (Tricampeã Mundial de Karatê). Residente e domiciliada a: Rua Silva Neto 73 casa : 4A –

Realengo – Rio de Janeiro – RJ Assunto: Carta denúncia contra CBK (Confederação Brasileira de Karatê) e o

Presidente: Edgard de Oliveira Ferraz. DECLARAÇÃO. Por meio desta declaração eu, Maria Cecília de Almeida

Maia, brasileira, casada, atleta, RG nº. 07194400-3 e CPF n. 966.845.857-53. Faixa Preta 4º Dan. Integrante

da Seleção Brasileira de Karatê desde 1988 à 2007 (com algumas interrupções, 95, 02 e 04, gestações e

nascimentos dos 3 filhos).Relato que no ano de 1992 nos dias 11 e 12/07 a Seleção Brasileira Feminina de

Karatê de (kumite) formada pelas seguintes atletas: Eu (Maria Cecília de Almeida), Simone Aparecida Nicola, e

Carla Ribeiro, representaram o País 3ª Copa de Mulheres (World Womens Cup) na cidade de Fukuoka – Japão.

Retornei com a conquista inédita. 1ª Atleta Latina à conquistar um titulo Mundial de Karatê no Japão, inserção

no Guinness Book Recordes. Pelo feito. PATROCÍNIO. Neste ano (1992), obtivemos para esta competição

através do Banco Nossa Caixa Nosso Banco por intermédio da vereadora, Sr. Irede Cardoso cujo presidente da

instituição bancaria era o Sr. Murilo, este seu amigo particular, que na ocasião fui impedida pelo Sr. Edgar

Ferraz de obter qualquer contato, principalmente quando este apresentou o meu currículo e as fotos do

Mundial que fora solicitado, para a liberação da verba, que as entreguei ingenuamente achando que o mesmo

me levaria para reunião da NOSSA CAIXA NOSSO BANCO, quando liguei para o Sr. Edgard Ferraz dizendo que

poderia ir junto recebi tratamento grosseiro e hostil. O Sr. Murilo após, saber sobre minha conquista por meio

de uma entrevista, motivou-me a premiar-me com o valor que, segundo, fui informada estimava-se em U$

15.000 (quinze mil dólares), aos quais nunca chegaram as minhas mãos. AS INFORMAÇÕES: Após retornar de

Fukuoka – Japão, em (julho), fui convidada pela Federação Paulista de Karatê (FPK) em agosto do mesmo ano

(1992), para disputar outro evento em Curaçao – Caribe, então telefonei para a vereadora Sr. Irede Cardoso

para solicitar recursos para esta competição e, fui orientada por ela a direcionar-me a Assessora de Imprensa

da CBK, Drª Maria Lúcia, pois a mesma teria boas noticias. Por telefone fui informada que o presidente da

Confederação estaria retardando o repasse de recurso alegando que a, atleta beneficiada, primeiramente que

eu não saberia administrar os recursos, e depois que estes recursos, e depois que estes recursos não poderiam

passar as minhas mãos, pois o mesmo teria que ser utilizado para a equipe que disputaria o Mundial da

Modalidade em Granada – Espana. Ao entrar em contato com o mesmo solicitando recursos para do Mundial

da Espana, o presidente Edgard Ferraz me informou que o recurso que havia recebido da Instituição bancária

Nossa Caixa Nosso Banco era única e exclusivamente para o pagamento de inscrição dos atletas para o

Mundial de Granada – Espana, sendo eu a partir de então impedida de disputar a competição naquele mesmo

ano. No ato da assinatura deste documento eu, atleta, fui impedida de participar, contudo, o Sr. Paulo Roberto

(proprietário da Revista Kiai) fotografou todo o evento e documentos relacionados à questão hora citada. Ao

reivindicar meus direitos fui orientada por estas mesmas pessoas a deixar passar, pois o Presidente da

Confederação, Sr. Edgar Ferraz lhes disse que eu era muito nova e poderia ter minha vida atrapalhada como

atleta se continuasse insistindo na questão. Após 2 anos fui até a instituição financeira Nossa Caixa Nosso

Banco e fui informada que este recurso realmente fora liberado contudo, valor exato e acesso aos documentos

só seriam liberados mediante pedido direto e por escrito do presidente da CBK o Sr.º Edgard Ferraz. Afirmo

ser absoluta verdade esta declaração. Não havendo mais nada a acrescentar, solicito sua atenção e

investigação quanto ao ocorrido”. Ocorre que, numa interpretação teleológica da missiva, buscando da mesma
extrair seu fim (a intenção da ré na empreitada), ao invés do “sentido literal da linguagem” na mesma

empregada, agora com olhos voltados ao disposto no artigo 112, do novo Código Civil, tem-se que a ré agiu

na empreitada com animus narrandi, acobertada, portanto, pela causa excludente do dolo específico de ferir a

honra objetiva dos autores. Limitou-se, assim, a “narrar a outrem o que viu, sentiu ou ouviu a respeito de

terceiro. (...) Temos, no caso, três pessoas envolvidas: quem narra, de quem se narra e a quem é narrado”

(“Crimes contra a Honra”, de Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha, 3ª edição, editora Juarez de Oliveira,

página 98). Em específico, no caso dos autos, no bojo de ação cível alhures aforada. Ao se debruçar agora

sobre o elemento subjetivo do tipo penal em comento, o mesmo Cahali (ob. cit. página 310) ensina que: “Uma

debatida questão de direito penal é a concernente ao dolo nos crimes contra a honra. Há divergência quanto a

saber se o elemento subjetivo se basta com a simples consciência do caráter ofensivo (difamatório e injurioso)

das palavras ou atos, ou se também é necessário o animus diffamandi vel injuriandi, isto é, a vontade positiva

ou deliberada de lesar a honra alheia. Entre os autores alemães, notadamente, prevalece a opinião de que o

dolo, na espécie, é a simples consciência da idoneidade lesiva da ação. Este ponto de vista, porém, é

inaceitável. Dolo não é simples consciência, senão também vontade. No próprio dolo eventual, há um

elemento volitivo. Dolo é a vontade livre e conscientemente dirigida a um resultado antijurídico ou exercendo-

se apesar da previsão desse resultado. Ter consciência da idoneidade ofensiva da ação não importa

necessariamente a vontade de ofender. Aquela pode existir sem esta. Sem vontade livre, acompanhada da

consciência da injuridicidade (consciência sceleris, ou consciência de que o evento colimado pela vontade

incide na reprovação jurídica), não há falar em dolo. Uma palavra ou asserção flagrantemente injuriosa ou

difamatória na sua objetividade pode ser proferida sem vontade de injuriar ou difamar, sem o propósito mau

de atacar ou denegrir a honra alheia. (...) Adverte-se que, “nos crimes contra a honra, o lado subjetivo do

ilícito merece exame profundo; no que se refere à calúnia, exige-se que a intenção de lesar ou ofender a honra

alheia fique cabalmente demonstrada. Assim há de ser porque o fato tomará o caráter de licitude ou ilicitude

segundo a intenção com que o agente o praticou”; do mesmo modo, “a verdade subjetiva do fato criminoso

imputado exclui o dolo específica da calúnia, uma vez indispensável à configuração do delito o positivo

conhecimento da falsidade”. Pelo dolo específico manifestou-se Paulo José da Costa Jr.: “Não basta que as

palavras sejam aptas a ofender: é preciso que sejam proferidas com esse fim”. Ao se debruçar sobre o

elemento subjetivo nos ilícitos contra a honra, mais especificamente, sobre a figura do dolo, Rui Stoco

(“Tratado de Responsabilidade Civil”, editora RT, 7ª edição, 2007, página 818) assim leciona: “Expressiva

messe de juristas de escol, especializados nessa matéria, e que nos dão adminículos e luzes sem as quais não

se pode posicionar-se com adequação, é unânime em afirmar que, em sede de ofensa à honra e das questões

periféricas que a circundam, a responsabilização só encontra suporte quando demonstrado o elemento volitivo

de ordem puramente subjetiva. Não se há falar, portanto, em responsabilidade objetiva quando o que se põe à

calva é a imagem como atributo da personalidade e as questões anímicas e internas do ser humano. Tanto o

ilícito penal contra honra como o ilícito civil decorrente da ofensa a ela, em qualquer de suas modalidades,

inclusive quando praticado através da imprensa, não podem existir sem[ao mediante o dolo especifico que lhe

é inerente, Isto é, a vontade consciente de ofender a honra ou a dignidade da pessoa. Há de emergir clara a

intenção de beneficiar-se ofendendo, de enaltecer-se diminuindo ou ridicularizando o outro, ou de ofender,


seja por mera emulação, retorsão, vingança rancor ou maldade. Além dessas condutas impregnadas com essa

vontade desprovida de ética, o que remanesce é o direito de expressar livremente o pensamento. Não se

dispensa o elemento intencional, seja na calúnia, na difamação ou na injúria. Não há o ilícito quando o sujeito

pratica o fato com ânimo diverso, como ocorre na hipótese de animus narrandi. Aliás, o extinto Tribunal de

Alçada Criminal de São Paulo decidiu: “O crime de difamação somente se configura com o dolo, que é a

vontade livre e consciente de atacar a reputação alheia, de modo que sem esse elemento não se há cogitar de

tal ilícito, ainda que as palavras, frases ou expressões objetivamente sejam aptas a ofender” (RJTACRIM

33/436). Em síntese, “não basta que as palavras sejam aptas a ofender; é mister que sejam proferidas com

esse fim” (Alberto Silva Franco e Rui Stoco (coord.) Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial.7. ed.

São Paulo: Ed. RT, 2001, v.2, Vários autores, p. 2.319)”. Assim, s.m.j., dos elementos de convicção

angariados aos presentes autos pelas partes litigantes – notadamente da “carta denúncia” de fls. 59, dos autos

-, não se extrai, absolutamente, que a ré tenha tido na empreitada nenhuma intenção de caluniar os autores,

imputando-lhes falsamente a prática de crime de apropriação indébita, ofendendo, assim, suas respectivas

honras objetivas. Na jurisprudência, vários julgados assim já se decidiram, os primeiro dos quais aqui trazidos

por analogia: “Sem a presença de específico animus diffamandi (dolo particular) se não integra a figura do art.

139 do CP” (TACrimSP, ACrim, Rel. Juiz Azevedo Franceschini, JTACrimSP, 2:19). “Para caracterizar-se o delito

de difamação são necessários o dolo de dano, direto ou eventual, e o elemento subjetivo do tipo, que é o

propósito de ofender” (TACrimSP, ACrim, Rel. Juiz Veiga de Carvalho, RT 591:351). “Se os querelados tinham

razões para acreditar na realidade da imputação feita aos queixosos, razão não há para se falar em calúnia,

por ausente o elemento subjetivo requerido à configuração do crime” (TACrimSP, Rec., Rel. Juiz Ralpho Waldo,

JTACrimSP, 82:158). “Sem dolo específico, ou seja, a intenção de ofender a honra do atingido, não se tipificam

as infrações dos arts. 138, 139 e 140 do CP” (TACrimSP, ACrim, Rel. Juiz Albano Nogueira, JTACrimSP,

57:295). “O dolo específico do crime contra a honra consiste na consciência e vontade de ofender a honra

alheia (reputação, dignidade ou decoro), mediante a linguagem falada, mímica ou escrita” (TACrimSP, Rec.,

Rel. Juiz Barros Monteiro, RT, 565;343). Dando os trâmites por findos e por estes fundamentos, julgo

improcedente a presente ação judicial movida pela Confederação Brasileira de Karatê e outro contra Maria

Cecília de Almeida Maia. Pelo princípio da sucumbência, condeno os autores a arcarem com todas as custas

judiciais e despesas processuais ocorrentes na lide, bem como honorários advocatícios à parte litigante

adversa, os quais arbitro em 10% do valor da causa, corrigidos, monetariamente, desde a data do

ajuizamento da ação. P. R. I. C. São Paulo-SP., 14 de Abril de 2010. RODRIGO GALVÃO MEDINA Juiz de Direito

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