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dados : Diretor: Editor: Coordenador Editorial: Publoselo do tute Universtrio de. Pesquisas do Rio de Janeiro a no 1S arr Candido Mendes ‘Simon Schwartzman Charles Pessanha ARTIGOS: Carlos A. Hasenbalg Cesar Guim ~~) 6 Edmundo Campos Coelho Eli Diniz Cerqueira e Renato Boschi Fernando Uricoechea Neuma Aguiar lave Brasil de Lima Junior ESPECIAL: Eleigdes de 1976 Simon Schwartzman, Fabio Wanderley Reis e Fernando Henrique Cardoso Desigualdades Raciais no Brasil Empresariado, Tipos de Capitalismo & Ordem Polltica Fixagao @ Elaboracdo de Papéis: Uma Contribuiggo & Teoria Magnitude das Empresas e Diferenciacao da Estrutura Industrial: Caracterizagéo da Indéstria Paulista na Década de 30 A Formago do Estado Brasileiro no Século XIX Divisio do Trabalho, Tecnologia Estratificagao Social Inga Politica e Proceso Decisério: ‘As Eleigées © 0 Problema institucional ‘As Eleigdes e a Dinémica do Processo Politico. Brasileiro (© Ensino Pés-Graduedo de Ciéncia Politica no Brasil Desigualdades Raciais no Brasil (*) Introducao. Em grande parte, a auto-imagem que o Brasil criou de seu sistema de relagdes raciais € 0 produto da com- paracdo com outras sociedades multi- raciais. Os Estados Unidos, como ca- so conveniente e visivel internacional- adquirem particular importn- ste sentido. O sistema Jim Crow gacdio e a segregacio de fato, nentos, 0 gueto isolado ¢ a ‘urbana sio fatos alheios & do Brasil republicano ¢ tém © um narcisismo das “gran- Carlos A. Hasenbalg meio cultural, dominante cujo princi- pal efeito tem sido o de manter as diferengas inter-raciais _inteiramente fora da arena politica, como conflito apenas latente”.? O mito da ‘demo- cracia racial” é, na pratica, sustenta- culo de seu oposto. Junto com as idéias correlatas de auséncia de pre- conceito e discriminacdo racial, pode ser encarado como ideologicamente vinculado a uma representacio mais ampla sobre o cardter nacional bra~ sileiro, que inclui nogdes tais como as do “homem cordial”, “povo paci- fico” e a tendéncia a conciliagio © ‘ao compromisso. A imagem da har- monia étnica e racial, como parte de ‘uma concepcao ideol6gica mais geral da natureza humana do “brasileiro”, associa-se entio a um mecanismo de Tegitimacao destinado a absorver ten- soes, bem como a antecipar e con- trolar certas areas de conflito so- cial. ? ; ica SO- Parte da literatira acadtmica Be fe 9 ee toh ume abil Se neet | Ses raciais. : | rans do intento de ee a questao racial a um problema de clas, Se ou estratificagdo social, no qi © preconceito contra 0 negro € esva- ziado de implicagOes raciais & atribui- do a posigao sécio-econémica inferior que ocupa. Esta abordagem nio tem conseguido dar conta da estrutura de classes, 4 qual concede primazia, nem explicar por que a populagio de cor se autoperpetua em posigdes sociais inferiores. Em certo sentido, o Brasil criou o melhor dos mundos. Ao mesmo tem- po que mantém a estrutura de privi- Kégio branco e subordinacio da po- pulacio de cor, evita que a raca se constitua em principio de identidade coletiva e acao politica. A eficécia da ideologia racial imperante se traduz no esvaziamento do conflito racial aberto e da articulacdo politica da Populago de cor, fazendo com que Os componentes racistas do sistema Permanecam incontestados, sem ne- Cessidade de apelo a um alto grau de Coercao. ., De modo geral, tanto os estudos de caso feitos no Brasil, quase sempre de, Ambito local, como a literatura ae mais recente, Preocupada Gm pisinalar explicar as_diferencas’ 2. Brasil com outras sociedades 8 te. Brasil com outras a so z ci ragdo. de eis: em. termos primeii i , fi SO aspecto a enfatizar ga, ides Prinefpio: ratista ae t eracatal chreta entre ambos os fe- selegdo segundo o qual a pertinéncig a um grupo racial prevalece sobre a competigao na alocagéo de POsigdes sociais.* O segundo desses pontos ¢ dado pela grande estabilidade do sis tema brasileiro de relagdes raciais, sobretudo no que se refere aos dife. renciais de poder institucionalizado entre os dois grupos raciais e a ma- nutengio de acentuadas desigualda- des sociais entre a populagado branca e a populacio de cor. * Neste trabalho abordaremos algu- mas quest6es relativas a um aspecto delimitado do sistema de relagdes ra- ciais brasileiro: as desigualdades ra- ciais no periodo posterior 4 abolicao. Em primeiro lugar, serao tratadas al- gumas implicagdes tedricas do pro- blema, para desenvolver imediatamen- te certas consideracdes sobre as ori- gens, fatores condicionantes e padroes regionais de configuracdo dessas de- sigualdades. No final do trabalho, se- rio feitas algumas indicacdes sobre os mecanismos de reproducao das de- sigualdades raciais. © ponto tedrico de maior impor- tancia, em conexao com as desigual- dades raciais contempordneas, faz re- feréncia a duas questées intimamente vinculadas: de um lado, as relacdes problematicas entre escravidio e re- lagGes raciais pés-escravistas; de ou- tro, entre racismo e industrializacao. _Com-tespeito. a primeira relagao, a bibliografia disponivel nos mostra as PosicOes | mais variadas possiveis, que Vao de autorescomo H. Hoetink, que nega queia relag&o senhor-escra- Vo ‘determina as relagdes ratiais con- emporaneas’@ posteriores a escravi- dao, afirmando inclusive serem essas lasdes moldadas fora da escravida0, até, aqueles. que estabelecem uma, re- HOD Goan soy anbalaeerst ; Interessa-nos discutir aqui o iiltimo tipo de enfoque, que tende a centrar no legado da escravidao a explicacao das relagdes raciais_contemporineas, Tal perspectiva, que se vincula A teo- ria da assincronia da mudanca social € explica configuracdes sociais do pre- 1 sente como resultado de arcaismos e sobrevivéncias do passado, constitui um dos pressupostos da influente e tao valiosa andlise de Florestan Fer- 4 nandes sobre a integracio do negro @ sociedade de classes. No mais re- cente trabalho deste autor, a teoria dos arcaismos aparece com toda cla- yeza: “Assim, no fundo do problema ra- cial brasileiro encontra-se a persis- téncia de um modelo assimétrico de relacdes de raga, construido pa- Ya regular o contato € a ordenacio social entre ‘senhor’, ‘escravo’, e ‘liberto’. (...) A persisténcia dos dois elementos [preconceito e dis- jo racial] apés a desinte- da escraviddo explica-se pe- de nao haver o sistema de destrufdo todas as estrutu- ancien régime, principal- as estruturas das relagdes de ite, a0 analisar 0 pre- a discriminacao _raciais a do passado, agreg: ncia de ambos cons- eno de demora cul-. s, comportamentos € “4 Baa anterior © contetido “tradicional” ¢ “arcai- co” das relacdes ‘raciais, manifesto na Presenca de preconceito e discrimina- G40, € visto como legado da escravi- dio © anomalia da ordem social com. Petitiva emergente.* Por implicagio, © amadurecimento da sociedade de classes levaria a eliminagio da discri- minacio e a incorporagio final do negro na sociedade de classes. Este diagnéstico, de fato, € formulado ao aclarar-se que “...se trata de uma tendéncia configurada ¢ constante, da qual se pode presumir que, mantidas certas condigdes _hist6rico-sociaise econémicas, ira favorecer definida- mente a integracdo progressiva do ne- gro ¢ do mulato a situagdes de clas- ses tipicas.” § Esta atitude de otimismo a longo prazo contrasta com os fatos da rea~ lidade brasileira e de outras socieda- des racialmente segmentadas e choca~ se com a penetrante anilise politica de Florestan Fernandes sobre os efei- tos da ideologia racial brasileira na inibigdo de mudangas no sistema de relagdes raciais. Por outro lado, no tipo de explicagio baseada nos atra- sos e sobrevivéncias, 0 conceito de atraso pode explicar a origem de uma subestrutura e descrever a filiagio da mesma, mas nao explica sua perma- néncia e operacdo na nova estrutura. A sociedade de classes transforma a dominacao racial, reelaborando_o contetido da raga como dimensio adscritiva dentro de um sistema de estratificagio baseado em critérios iridos, * cere de Fernando H. Cardoso sobre a redefinigao do. pre-, conceito racial por ocasiéo da aboli;, co ilustra claramente 0 proceso & reelaboracao de uma sobrevivencia da ordem escravocrata, Nao obstante 0 preconceito racial ter sido um con, ponente organizatério"' da socied! impedimento legal da condigao de aecaro aiilloes Ss suticie m ¢ nhorial Prvara garantir a espoliagio do negro. Na sociedade de classes, ‘ao se tornarem todos iguais peran a lei, foi preciso desenvolver meca- nismos sociais que assegurassem, em nome de uma desigualdade natural, a acomodagio dos negros ao sistema de posigdes e vantagens assimétricas. escravista, 0 “... depois da Aboligéo o pre- conceito foi redefinido socialmente num duplo sentido: nao sé formal- mente, cor e condigao social nao correspondiam mais & mesma a ir- remissivel situagao de casta dos es- cravos, como o negro livre passou a frustar mais generalizadamente as expectativas dos brancos ¢, mais tarde, a ameacar a exclusividade das posigdes sociais por eles man- tidas. A partir desse momento, co- mega realmente o ‘problema ne- gro": 0 preconceito muda de con- tetido significative ¢ de fungdes so- ciais.” 1° Desta forma: “O mecanismo de atribuicio de Qualidades negativas aos negros fi- ca evidente. Os brancos isolavam certos aspectos do comportamento dos negros das condices que os Produziram, passando a encaré-los como atributos da ‘natureza huma- na’ dos negros.” 1 Ao se passar dos componente. jetivos para os componentes ob; do racismo, a énfase estar4 na fungdes como mecanismo de doming, cdo, na estratificagio racial ¢ 4 emergéncia de privilégio racial. © ya. cismo pode ser definido como o con. junto de praticas do grupo branco dominante, ditigidas 4 preservacao do privilégio de que usufrui por meio da exploracéio e controle do grupo sub- metido. “A presenca de privilégio su- gere que, através de processos econd- micos, culturais, politicos e psicolé- gicos, os brancos puderam progredir, historicamente, a expensas de e por causa da presenca do negro”, 2 Mais ainda: uma vez que a estru- tura de exclusio e estratificagio ra- cial tem sido estabelecida, “... a manutengao do privilégio racial re- quer que seus beneficidrios atuem de forma a perpetud-lo e manté-lo”.1® A idéia de que preconceito e dis- criminacgéo constituem somente um legado do passado tem a sua contra- Partida nos enfoques tedricos que Postulam uma incompatibilidade entre industrialismo e racismo. Segundo es- ta linha de raciocinio, A medida que as sociedades industriais se desenvol- vem 0 principio do achievement e cri- tétios adquiridos tendem cada vez mais a governar 0 mecanismo de alo- cacao de posicdes e formacao de gru- Pos sociais. Em conseqiiéncia, critérios como a raca e a etnia nao apenas Seriam alheios A légica da industria- lizacio — estando, Pportanto, conde- mados a deixar de ser socialmente relevantes —, como a continuidade de sua operacao tenderia a gerar uma Serie de obstéculos 4 modernizacao- Varios autores tém questionado ¢s- te tipo de colocagéo. Segundo a evi- déneia empirica disponivel, argumen- 8 sub. jetivos S suas ta H. Blumer, uma ordem racial estabelecida anteriormente a indus- trializagao pode ser retomada e, se necessario, reforcada. “O quadro apresentado em uma sociedade racial- mente ordenada é que os imperativos industriais acomodam-se ao molde ra- t cial e continuam a operar efetivamen- te dentro dele”. 4 Com referéncia aos Estados Uni- dos, R. Blauner denuncia aqueles que : identificam 0 racismo com preconcei- to, confortando-se com suas proprias atitudes favoraveis as minorias ra- ciais: ~ “O erro neste ponto de vista é re- velado pelo fato de que tais pessoas de boa vontade ajudam a manter © racismo da sociedade americana e, em alguns casos, até se benefi- ciam com ele. Isto ocorre porque 9 racismo est4 institucionalizado . Os processos que mantém a domi- macao — 0 controle dos brancos re Os nao brancos — estio in- ios nas principais institui- ociais. Estas instituicdes ex- u restringem a participacio raciais por meio de pro- s que tornaram-se con- parte do sistema buro- regras e regulamentos. pouca necessidade do como forca motivado- caso extremo da Afri- jam conclui que até tem sido um econdmico; de seus “O cresci- sae cee Tae ue ideologia racial ren mente excluden- Em definitive, a formacio_histéri. ca de estruturas de dominacao racial emerge de mais de quatro séculos de priticas coloniais. O colonialismo — tal como se ‘exprime na conquista, subordinacio e eventual exterminio de uma populaciéo — é um fendme- no politico originariamente determina- do por motivos econdmicos. Sem dt- vida, 0 racismo contemporaneo tem seus correlatos em formas de explo- ragao econdmica compativeis com os padrdes prevalescentes de desenvolvi- mento capitalista. Porém, uma vez que as estruturas de subordinacao racial esto estabelecidas, o racismo e a do- minagio racial adquirem uma auto- nomia propria ao nivel da cultura € da politica, Esta mediagio cultural e politica, que se cristaliza em formas institucionalizadas de desigualdade ra- cial, estd expressada_principalmente na exclusao total ou parcial das mi norias raciais do universalismo bur- gués. Esta exclusio baseia-se na hu- manidade supostamente incompleta ¢ na idéia de um “lugar apropriado” para as pessoas de cor. Escravidao e Desigualdades Raciais Em 1950 a taxa de alfabetizacdo das pessoas brancas de cinco anos ¢ mais era de 53%, enquanto a das pessoas de cor chegava apenas a 26%. No mesmo ano, 477 de cada dez mil pessoas brancas de dez anos ‘ou mais do idade tinham alcangado um diploma de nivel médio ou su- perior. A proporcio correspondent era de 48 para o grupo de pardos & de 17 para as pessoas pretas. No re- ferente A estrutura de empreg, a! i cor econo- i Be oot satay nos ‘las, de inddistrias extra- agao de servigos, Sen- rentagem correspon- branca. No caso micamente ativas, is acentuada ain- 79,5% micamente setores agrici tivas ena prest do de 65 a pore dente a populagao das mulheres econo! jorgaio ¢ mal da, Enquonto 83% das mulheres de cor trabalhavam nesses trés setores de atividade, s6 57% das mulheres brancas ali se encontravam emprega- das, 17 Numa possivel explicacao histérica, essas desigualdades entre os grupos raciais e a concentragao de negros e mulatos na base do sistema de es- tratificagio poderiam ser atribuidas nao tanto a operagéo de principios racistas de selecdo, mas as diferen- as no ponto de partida. A aboligdo do regime servil, em 1888, deixou a massa de ex-escravos nas posicdes mais baixas da hierarquia s6cio-eco- némica. A literatura que analisa o Processo de abolicao € undnime em assinalar 0 desajuste social e econd- mico dessa populagao, destacando o despreparo do ex-escravo para assu- mir os papéis de homem livre, prin- Cipalmente na esfera do trabalho, 18 aoe peliadi raciais assina- Tesultado de um pro- cesso inacabado de mobilid: i one lidade social _ Sem embargo, a idéi » a idéia di feito-home livre em 18g lo. escravo- no momento da abolicio, a popula. giao escrava constituia uma parte mi. noritaria do total da populagio de cor. Em 1872, data do primeiro cen. so demografico nacional, 74% da Po- pulagio de cor era livre; esta pro. porgao eleva-se aproximadamente a 90% em 1887. E bem verdade que a populagao escrava, que vinha dimi- nuindo rapidamente desde 1850, ace- Jera seu declinio numérico na década de 1880: passando de 1.262.801, em 1882, para 723.419 em 1887, Assim, aos escravos liberados em 1888 haveria que se acrescentar aque- les que obtiveram sua liberdade nos anos imediatamente anteriores 4 abo- ligdo. Mas a énfase nos problemas da integragio do ex-escravo as novas condicées nfo deve levar a perder de vista a populacdo de cor livre, que tinha crescido 4 margem da econo- mia escravista dominante. Este setor populacional, de significativa gravita- gao numérica na sociedade colonial, cresceu rapidamente ao longo do sé- culo XIX. Uma das mais pronun- ciadas transformagdes na _composic’o Ppopulacional do pais no século pas- sado foi causada pelo rdpido cres- cimento da populacéo livre, que quintuplica entre 0 inicio do século © 1872. Por sua vez, 0 segmento que apresentou o aumento mais notavel € 0 da populacao de cor livre, cujo crescimento no mesmo periodo é trés vezes mais ripido que o da popula- cao total." Desta forma, a explica- ga0 da situagdo social do negro ¢ 0 mulato depois da abolicao em fun- G40 do transito abrupto da condi¢a0 de escravo para a de homem livre, tende a ocultar a acumulagao de. des: Wantagens sociais no grupo de °of livre durante a vigéncia do regime Sserayista ea continuagdo de sua su pordinagio social depois de 1888. “Referindo-se a estas circunstincias, ‘T, Skidmore nos diz: “No momento da abolicio a eco- nomia do Brasil era ainda predo- minantemente agraria, Seu sistema paternalista de relagdes sociais pre- yalecia até nas dreas urbanas. Este sistema de estratificacio social con- cedia aos proprietarios de terras (...) © Virtual monopélio do po- der econémico, social e politico. Os estratos baixos da populacio, jncluindo os brancos e a maioria dos libertos, estavam bem acostu- mados A submissio e A deferéncia. Fsta hierarquia, na qual a classi- ficagdo social tinha alta correlactio com a cor, desenvolvera-se como parte integrante da economia escra- nial. Mas, ao tempo da jd nao dependia da escra- ara sua continuidade.” *° segunda objecio A expli- sigualdades raciais pelas lo ponto de partida e em ocesso inacabado de mo- da populacdo de cor: Zo no incorpora a dife- cperiéncia historica entre ‘a grande maioria dos ropeus chegados a0 pais 930. O emigrante eU- integra a sociedade rtir da base da hie- orém sua Tidade social Social geradas pela abertura de posigdes no sistema Seen Escravidao e Geograjia Racial Um_ dos determi te mais TADSHAGUTS oe Pau raciais tes das desigualdades eens Ay pos-escravista re- x jorma como o fun- cionamento do sistema de trabalho escravo condicionou a _distribuicéo geogréfica da populagio de cor. Ape- sar de a escravidao ter sido uma ins- tituigdo de Ambito nacional, a impor- tancia do trabalho. escrayo variou grandemente de regido para regido. Os sucessivos ciclos econémicos regio nais explicam a localizagdo. espago- temporal da populagdo escrava. Ao mesmo tempo, é no mundo da plan- tation escravista que se iniciam os processos concomitantes de miscige- nagio racial e gercao de uma ca- mada de populagao de cor livre, for- mada predominantemente de mesti- gos. "Ao longo de todo periodo colo- nial e imperial, a populacdo escrava do Brasil foi submetida_a um Pro- tesso forgado de migragdes anternas, condicionado pelas alternativas regio- nais de demanda por méao-de-obra gervil. A fase ascendente da minera- gio no século XVIII e 0 pperiodo pos- sejor 2 cessagio do. tréfico intern cional de escravos em 1850 ilustram dois momentos de grandes desloca- seentos geogrdficos da populacio ca- tiya. Pelo contrario, a classe de mu- Jatos e negros livres tendeu a ficar geograficament® “eoncentrada nas. ay gides de producto agricola ov mines ya, revertendo para atividades de sub- sisi esrraigamento lesa , Lea nas fa ide declinio ou estag- nagio da exportacao- 213 economia de ide- de 1850 pode ser consi a ie data aproximada em ia uma tra- at oO Se Sudeste inici a regido - pate divergeate do resto do pais. ° F entio que os estados desta regiao comecam sua carreira econdmica as- cencional, associada primeiro a ex- pansio da economia do café e, a partir dos ultimos anos do século, a industrializacio. dos _estados do Rio Grande do Sul, Sao Paulo e do antigo Distrito Federal. A utilizagdo em larga escala do trabalho escravo nesta regido, princi- palmente na lavoura cafeeira, é um fendmeno do. século XIX. A posicdo economicamente marginal do Sudeste durante todo o periodo colonial fez com que o ntimero de escravos afri- canos ali introduzidos fosse muito j;. mitado. Praticamente até o fim do século XVIII, 0 unico centro escra_ vista de alguma importancia dentro da regio foi a cidade do Rio de Ja. neiro e sua periferia rural. Este fat vai manifestar-se tanto na composi- gao racial do Sudeste e do resto do pais como na distribuicao regional dos dois grupos raciais. A introducao tardia do sistema escravista no Su- deste nao so resultou num peso pro- porcional menor do segmento forma- do pelo africano e seus descendentes dentro da populacio total da regio, como também limitou o desenvolvi- mento dos processos seculares de mesticagem racial e formacdo de uma populagao de cor livre. QUADRO I Composicao da Populacdo Segundo Grupos de Cor por Regides: Brasil 1890 Brancos a w ~ 2 x Paice faerie 2 3.694.867 37 6.302.198 44 Pretos 583.359 14 4.909.978 4g 5.934.291 41 -514.067 15 2.097.426 15 Total 4.215.003 100 10.118.012 10 0 14.333.915 100 onte: Censo Demogratico de 1899. S40 do Sudeste — tendéncia que s¢ Vai acentuar aceleradamente no pre Sente século —, 9 inverso ocorre n0 Testo do pais. Em segundo lugar, # Prépria composicao da populacto de Cot varia nas duas regides, tendo 0S Pardos, no resto do pais, um pes? proporcional maior do que no Sudes- te. Por outro lado, como resulta da dinamica de mais de trés séculos de escravidio, no momento da aboli- gao do regime servil, a populagdo afro-brasileira ficou seograficamente Periferia da regia se est ace a ft es mais répidas, orientadas a iedade urbana QUADRO IL Concentragio Proporcional da Po pulacio por Regides; segundo a Cor, Brasil 1872-1950 cles 1872 1890 1940 1950 Cor Brancos Cor Brancos Cor Brancos Cor Brancos Sudeste Soe a 21 Resto do : Pais Gomes * 59 Total 100 100 100 20 52 18 56 18 80" ©9487) 82%) edge 100 100 100 100 ~—‘100 ee “Fonte: Censo Demogratico de 1950. distribuicdo regional dos grupos tis, em 1872 e 1890, é particular- ‘elevante, pois revela o efeito do sistema escravista no mndicionamento das desvantagens da de cor em matéria de lo- espacial, precisamente no fo em que se inicia um pro- desenvolvimento econdmico em relagoes sociais pos-es- no resto do pafs ou Brasil subdesen- volvido, junto com a tendéncia opos- ta e mais acelerada ao incremento da populacio branca no Sudeste. A ten- déncia a polarizacio geogréfica dos dois grupos raciais — que, junto com a operacéo de mecanismos de discri- minagdo, est na base da estrutura de desigualdades raciais existentes — relaciona-se as caracteristicas dos mo- yimentos de migracao internacional ¢ migracao interna que ocorrem desde © final do século passado. Por sua vex, tais processos demograficos, Jon- ge de terem um caréter puramente foram condicionados em espontineo, boa medida por politicas piblicas es- pecificas. A-este respeito, assume par ficular importdncia a promocao oficial da imigrago européia, destinada a 15 icit de mio-de-obra do enfrentar 0 defi le Sao Paulo. Sudeste, em especial Conseqiiéncias Sociais da Abolicao ‘A abolicio da escravidao, como marco divisor do desenvolvimento his- torico do Brasil, € objeto de uma abundante bibliografia. Do ponto de vista de suas causas, além das modi- ficagdes no. panorama internacional e das pressdes externas sobre o Brasil, tem-se concedido énfase particular as transformacdes s6cio-econémicas ocor- ridas no pais na segunda parte do -século passado, das quais 0 movimen- to abolicionista seria uma das mani- festagdes. Em relagdo as conseqiién- cias da abolicio, tem-se enfatizado a generalizacio do trabalho livre e suas implicagGes para 0 processo de de- senvolvimento posterior. Salvo hon- rosas excecdes, a historiografia brasi- leira reflete 0 processo real, em termos do desinteresse pelo ex-escravo e sua adaptagio a situago decorrente da eliminacio do regime escravocrata. °? Destacaremos aqui algumas circuns- tancias historicas que determinam as diferentes conseqiigncias sociais da aboli¢do para o contingente de escra- Vos € para o de negros e mulatos livres nas duas regides em que o pais foi dividido para os fins deste tra- ~balho. _ Uma primeira diferenca regional relaciona-se com a existéncia multi- _feoular da figura da pessoa de cor esr no Sudeste e principalmen- of ao Notdeste © em Minas Gerais. 4, Presenca do grupo de cor livre de- er diluido a dicotomia que igua- © negro a0 escravo eo by homem livre, facilitando a ass). > lo a assi- Deve ser lembrado um fato que se relaciona com © ponto anterior: no momento da abolicio, estava mais avangada a transi¢ao para 0 trabalh livre fora do Sudeste, especialmente nas provincias litoraneas do Mara. nhdo A Bahia. Em termos absolutos a populacao escrava desta regiao che. ga ao seu m4ximo na metade do sé. culo, comecando a diminuir rapida- mente a partir desta data. Como con- seqiiéncia desse declinio absoluto, a proporcio do contingente escravo di- minuiré em relagdo a populacao to- tal. Os 620.966 escravos existentes no Nordeste, em 1823, representavam 30% da populagdo total da regio; j4 em 1872, os 480.409 escravos des- sas nove provincias significavam ape- nas 10% da populacao. Com a abo- ligéo final, o remanescente da po- pulacio escrava do Nordeste foi reabsorvida sem maiores dificuldades dentro do quadro j4 pré-estabelecido de relagdes de trabalho caracteriza- das pela dependéncia senhorial, pas- sando a engrossar as fileiras de Ja- vradores, moradores e _assalariados urais. Referindo-se A classe de se- ahores desta regio, E. Genovese assinala: “...sua prépria posico de classe € a correspondente auto-imagem de~ pendia das caracteristicas gerais d° senhorio em uma sociedade alta- mente estratificada, mais do que 44 escravidio per se. Para cles, 0 S& nhorio patriarcal podia aparece? como uma questao moral — com? a nica base apropriada para uma Vida civilizada — mas a escrave dio s6 constitua uma forma pos sivel de senhorio. A transicao pam © trabalho livre foi, de fato, um transicdo para varias formas de 4 pendéncia que ha muito tempo * se desenvolvido paralelamen- , fe a escravidao.” * Se no Nordeste a aboligao se pro- cesou sem grandes desajustes, os ex- escravos foram incorporados aos di- yersos Setores do campesinato nordes- tino, ficando a sua sorte, a partir de entao, condicionada pelo imobilismo social e econdmico da regio. No Sudeste, 0 curso dos aconteci- mentos sera totalmente diferente. A medida que © regime escravista entra nas suas tiltimas décadas de existén- cia, e ao tempo que a populacao es- crava do pais diminui irreversivel- mente, esta regio iré concentrar uma fo cada vez maior da popu- lagdo cativa. O conjunto destas seis jas, que em 1823 contava com 16% dos escravos do pais, aumenta sua participagdo para 32% em 1864, © novamente para 39% em 1872, concentrando a partir dessa data sem- de dois quintos dos escravos outra. Assim, a escravi a, que teve seu centro mais ‘no Municipio Neutro, per~ rapidamente desde a 1860, tanto como resul- e ja de es- a agricultura como por abolicionista, que nas cidades. Por e regional OS anos iniciais da déca diminui a aden Ago cias inter-regionais, ori ransferén- ee an ato pia adquirido maior importéncia © deck cia 0 deslo- camento de escravos — no interior do Sudeste e das provincias cafeicul- ae — na diregio da cidade para Bn eee aise eee canes Sore oh a , para as dreas em exDansed, Fora as dreas cafeeiras, a provincia do Rio Grande do Sul cons- tituiu até 1884 0 nico centro escravis- ta de alguma importancia no Sudeste. A vasta e populosa provincia de Minas Gerais — excluida da regio Sudeste, tal como definida neste tra- balho — presenta peculiaridades. Sua participaio no ciclo do café de- terminou uma redistribuigio demo- grafica dentro de suas fronteiras, por meio de transferéncias intra-provin- ciais de escravos, dos antigos distri- tos mineiros da regido central para os municipios cafeeiros do sudeste ou Zona da Mata. Neste sentido, a dind- mica desta tiltima zona se aproxima da drea adjacente da regido Sudeste, enquanto que a regio central pode ser assimilada a do resto do pais. ‘Nao obstante as variagdes de grau em que 0 trabalho escravo foi util- Zado no Sudeste, o que unifica a ex riéncia historica dos ex-escravos Peertos a partir do momento da abo. ligdo € a forma como se resolver. © blema do trabalho nesta regiao. Bin certa medida, 0 pensamento © pratica abolicionistas pe: ante- Foar o destino do escravo ¢ Pe Ge cor livre depois da abo lio. A escravidéo ors vista como um obstéculo 2 | oo do pais, assim ntre abolicionismo € relagfo que se vine ‘lima de pessimismo racié eras século XIX € a equacao cntre o progress ¢ embranguecimen- to do pais. Ao problema da escassez de mao-de-obra — definida em ter- mos estritos como escassez de bracos escravos —, pretendia-se dar solugao por meio do estimulo a imigragao eu- ropéia. “© braco livre desejado era o bra- go estrangeiro, sem macula, néo © Braco do liberto ou do negro de- gradado pela escravidao. Esse, 20 contrério, passava a ser considerado ‘em si mesmo, independentemente do sistema escravocrata, como cau- sa da ociosidade, marasmo, disso- Iucdo. O que fora fruto da escra- vidio, passava a ser confundido com sua causa e tido como fator de imobilismo atraso.” °° clara relacéo © imigracionismo, A sojucéo imigracionista articula- va-se ndo sé como resposta ao pro- blema imediato de falta de mao-de- obra na agricultura, mas também como parte de um projeto de moder- nizacdo do pais a mais longo prazo, no qual o embranquecimento da po- pulagao nacional contava como uma a ncias mais desejadas, © imigracionismo proporcionou bons resultados até 1930, Sect con- ‘rapartida, 0 movimento abolicionista, Reha ae propria escravidao. lavras iotti Tegalras de E. Viot da Costa, _ “Fora primordialmente uma pro- ‘mogdo de brancos, de homens Ii ‘Wres. A adesio dos escravos viera Nascera mais do desejo de @ nacio dos maleficios da dos entraves que esta representava para a economia em desenvolvimento, do que propria. mente do desejo de libertar a raga escravizada em beneficio dela pro. pria, para integré-la a sociedade dos homens livres. Alcancado o ato emancipador, abandonou-se populacio de ex-escravos a sua propria sorte.” ** No Sudeste, 0 inicio do afluxo ma- cigo de imigrantes europeus, estimu- lado pelos governos provinciais ¢ es- taduais, inclusive subsidiado no caso de Sao Paulo, coincide com a data da abolicao. Neste sentido, 0 efeito do desloca- mento pelo imigrante se fez sentir nao s6 nos quase 300.000 escravos libe- rados entre 1887 € maio de 1888, como também no grupo de negros e mulatos livres, que na época se apro- ximava da casa do milhao e meio de pessoas na regido. O quadro III informa sobre o ni- mero de estrangeiros residentes no pais na data dos quatro primeiros censos demograficos e é indicativo da magni- tude e destino do fluxo de imigran- tes europeus. Entre 1890 e 1900, a Regio Su- deste absorve 88% do aumento do nimero de estrangeiros residentes no pais. A partir de 1890, 0 estado de Sao Paulo substitui Distrito Federal como principal receptor de imigran- tes. Nao obstante Sao Paulo trans” formar-se no maior foco de atraga0 na década 1890-1900, imediatamen- te posterior A aboligdo, todos os ¢ tados do Sudeste recebem um contin: gente substancial de estrangeiros. In- clusive estados de pouca expressie demogréfica, como Parana ¢ Sante Catarina, onde o niimero de escravos © pessoas de cor livres era reduzido, acolhem um miimero de imigrantes “OS61 2p caxesBOUIXG Ost29 :aquog ee O'0OT 196°S9S°T ODOT TIS"PLO" = O'OOT._—«sZTE“ISE —O'00T._—s ze" ERE stag, xa 6LS "107 Sel Lgl Spt LOT ¥z8"8S vc OSB TIT Sq OpAcisaa V'L8 Z8E POET S98 PZE “676 ees 88r'Z6z OTOL. ELWOLZ ‘asopns 96 SzO" 1ST 921 660° SET 86 SOL" PE COI p79 I sa 0% ere le sz Oss" 6z Hie | ak cy @ Beoiaan os oF €SL°79 pe 98L 6E st ests OT = -B89E Md oes 188° 678 Siro LI SLY yIZ 0£0°SL <4 4 as SI 671 GEZ 768" S6r Uy wOr'sSt = '@Z_—COEL HB ae, 1g€°OS 8Ls'0s ort Ort or Lye 999° V6 0z61-2L81 op soorsoy 2 aisepng op sopeisd Sou ite m conta 0 da imigra: i ira_ social reo ence or _ Pmnients da da regido é dada ped roporgéo de estrangeiros na popu- Tagto total da regido. Esta proporso passa de 7%, em 1890, para 16% em 1900 e 13% em 1920, _enquanto no resto do Pais a proporcdio de estran- geiros na populagao oscila em torno de 1% em todo o periodo conside- rado. Por outro lado, se considerar- mos a seletividade do proceso mi gratério, que resulta numa prepon- derincia de homens em idade ativa, conclui-se que a representagio do imigrante na forga de trabalho é mais do que proporcional a seu peso na po- pulagdo total. Ainda que se exclua o estado de Sio Paulo do cémputo ge- ral, os outros estados do Sudeste absorvem a grande maioria de imi- grantes ingressados no pais. Efetiva- mente, 0 mimero de estrangeiros re- sidentes nesses cinco estados cresce de 217.458 em 1890 para 450.907 em 1900, e novamente para 534.458 em 1920, 0 que significa 73% do aumento da populacéo estrangeira re- sidente no pais no perfodo 1890-1900 € 60% no periodo 1900-1920, A despeito de variagdes locais ¢ do fato de a migracdo internacional nao ter produzido af um impacto tio grande quanto em Sao Paulo, os da- dos acima destacados permitem, den- tro de certos limites, generalizar para © resto do Sudeste a anélise de Flo- estan Fernandes acerca do proceso de monopolizacao, pelo imigrante, das oportunidades de classificacio econd- mica e ascensio social e 0 conseqiien- te deslocamento de negros e mulatos Pe crete menals 20 sistema iusto, capitalista das dreas_ur- ‘A auséncia de dados sobre empre- go, para quase todos os estados, no censo de 1890 ¢ a falta de informa. goes sobre a cor da populacao nos censos de 1900 € 1920 tornam quase impossivel armar o quadro completo do processo de reacomodacao de ne- gros e mulatos no sistema econémico e particularmente no mercado de tra- balho, nas décadas posteriores A abo- ligdo. A evidéncia fragmentaria dis- ponivel permite, porém, reconstituir alguns dos processos sociais de rea- comodagao da populacio de cor do Sudeste, nos anos posteriores & abo- ligdo. ‘Nas zonas agricolas em expansio, como a cafeeira do oeste paulista, os fazendeiros deram preferéncia ao imi- grante assalariado. Neste caso, 0 ex- escravo deslocado reverteu para a economia de subsisténcia ou migrou para as cidades. Nas regides agrico- las em decadéncia, tais como o vale do Paraiba, 0 ex-escravo foi reabsor- vido como parceiro ou assalariado, ao mesmo tempo em que parte do excedente demogrifico nao empregé- vel migrava para outras regides. Por fim, nas cidades, ocorreu aparente~ mente um processo de expulsao, pelo imigrante, dos setores de emprego 0n- de o mulato e o negro se concentra- vam: artesanato urbano, o pequeno comércio ¢ alguns ramos do setor de servicos. Ainda que nao possa ser conside- rado como representativo das Areas urbanas do Sudeste, o Distrito Fe deral ilustra a forma como se deu # marginalizagio ocupacional da pop’ lagGo de cor pela presenca do im grante europeu. Segundo os dados de 1890, enquanto quase metade ¢f 89.000 estrangeiros — que const tuiam um terco da populacao ative da cidade — trabalhavam no comer a cio e na indistria manufatureira, das 86.621 pessoas de cor economica- mente ativas, 41.320 tinham empre- go no servigo doméstico, 14.720 na inddstria, 14.145 nao tinham profis- sio declarada e outras 7,864 se con- centravam na atividade extrativa, pas- toril e agricola. *” Apesar dessa grande concentragdo em trabalhos nao qua- lificados, os 17% das pessoas de cor empregadas na industria constituem jndicio de um processo incipiente de proletarizagio do negro ¢ do mula: to, que se antecipa ao que ocorreré no testo da regido Sudeste a partir da interrupgio do afluxo de imigran- tes em 1930. Em resumo: no Resto do Pais ou Brasil subdesenvolvido, onde se con- centra a maior parte da populacio de cor, a massa de ex-escravos ¢ Te absorvida depois da aboligao sem gran- des comogoes na rede de relacoes Giais caracterizadas pela dependéncia senhorial e clientelismo, ficando nas décadas seguintes predominantemente setor agrario da regio. Jé na Regido Sudeste, onde a aboli- incide com o inicio da de imigrantes europeus, @ po- de cor como um todo, in- ex-escravos ¢ libertos, ficou mente marginalizada do nécleo vnomia capitalista em formagao. Mécada de 1920, em consequer- rente imigratoria européia sate promovida, fechou-s¢ vm Smico que de outra io disponivel as pes mais geral, ocesso se fez sentir por racio, o negro © “a acompanhar Pos” o das transforma- Ges sociais por que passa a regitio, sem que por isto a relagio hierdr- quica entre o grupo branco e de cor seja substancialmente modificada, Desigualdades Ocupacionais e Educacionais Em trabalho anterior, Amaury de Souza explorou as relagdes entre ur- banizacdo, industrializaco e desi- gualdades raciais no Brasil, baseando- Se nos dados do censo demografico de 1950.%! Por meio de um indice de desigualdades relativas, tomando os estados da Federagao como uni- dades de anilise, 0 autor mediu 0 afastamento da situacao de igualdade de oportunidades entre ‘rancos, par- dos e pretos nas esferas cocupacional f educacional. Comprovou, assim, que ‘a populagéo parda ¢ preta se encor tra numa situagao de desigualdade felativa, tanto ocupacional quanto Educacionalmente, com respeit 2 Po- pulagdo branca, € que @ desigualdade Prtativa experimentada pelo grupo preto é consistentemente maior que @ do grupo pardo. Tateressa-nos destacar duas das prin- cipais conclusdes deste trabalho: (2) considerando-se @ divisdo entre as Ca- tegorias de pessoas alfabetizadas ¢ analfabetas, 0 proceso de urbanizacao tende a ampliar as See da ulagio de cor na es! era educacio- ra = sentido de diminuir a desi- gualdade relativamente 20 8009 bran- £0; € (b) levando-se em conta a dis fingdo entre ocupades, MANNA no manvais, 0 process Je industrializa- gio tende a ampliar as possibilidades Seupacionais do grupo de Te dimi- nuindo o grau de Mesigualdade em matmeho a0, grupo BIANCO: Retomando essa linha de trabalho, yeremos como aS desigualdades a se comportam ao considerar a Regifio Sudeste € o Resto do Pais. A expectativa é de que na Regitio Sudeste, a mais urbanizada ¢ indus- trializada do Brasil, as desigualdades ocupacionais ¢ educacionais entre brancos e pessoas de cor sejam me- nores do que no Resto do Pais, regiio predominantemente rural ¢ pouco in- dustrializada, * © desenvolvimento econémico acelerado tem como con- trapartida um processo de diferencia- Gao estrutural que, por sua vez, im- plica na criagio e expansio de novas posigdes sociai is a serem preenchidas. Quando o ritmo de criagio de novas posigdes é extremadamente rapido, a competigio para ocupar essas posi- ges tende a ser menos acirrada do que em situagGes de estagnagio eco- némica ou desenvolvimento mais len- to. Nestas condigdes, uma parcela da populacio de cor pode ser beneficia- da pela forte pressio de demanda ¢ passar a preencher as novas posi: oes. * A operagdo de um mecanismo deste tipo permite explicar o ingres- so de uma parte da populacio de cor no operariado industrial e, numa me- dida mais limitada, a posic6es tipicas da nova classe média e pequena bur- A dinfmica econédmica do Sudeste urante o wltimo século permite que regifio seja enquadrada no tipo circunstncias acima descritas. Por lado, vimos como durante 0 do de migracdes internacionais, ‘ante europeu deslocou o negro lato, ocupando as posicdes que no sistema econdmico. Des- ‘0 proceso de classificagio da populagio de cor deve rado a partir de 1930, fluxo de imigrantes se in- ‘ritmo de industrializa- intensifica. Isto. no significa qui mos racistas de dlectimineste at paregam com a industtiaizacio desenvolvimento econdmico ‘réoi.° id Se verdade que o crescimente lerado e as transformagées na ane tura ocupacional favorecem altas ts, xas de mobilidade social ascendene, parece também ser evidente que, 4 picamente, 0 esforgo investido por uma pessoa de cor para percorrer uma certa distincia social & maior que o exigido de uma pessoa branca, Por outro lado, a raga como critétio re- levante para recrutamento perde importncia somente com respeito a algumas posigdes sociais. Isto é par- ticularmente visivel na esfera ocupa- cional, por exemplo: enquanto, nas ocupacées manuais da indistria, a qualificagéo para 0 cargo parece ter mais importéncia que a cor como cri- tério de contratagao, nas ocupagdes que implicam um relacionamento di- reto com 0 piiblico ou com o consu- midor, 0 negro © 0 mulato séo ex- clufdos nao tanto pela falta de quali- ficago, mas por serem_ percebidos como esteticamente questiondveis © Quadro IV mostra a distribuicio da populagao branca e de cor em alguns setores ou ramos de atividade econémica, Os setores de profisses liberais, comércio de iméveis, valores, etc,, atividades sociais e administracao piiblica foram agrupados, por ser neles que se concentram as ‘ocupagdes que em média, exigem qualificacio edt cacional mais alta e séo melhor Te muneradas, Da mesma forma, agricul- tura, inddstrias extrativas © Pres. de servigos foram juntados Por cluirem as ocupagdes que, em Mm educt- requerem menor quali “i jiores remuneradas- cional e sfio as pio! tivided? Os dados sobre ramos entam certas desvantagens, wen apres seoltenst eoutusis apepiun w 9puo ‘epepiasie 2p owes vPeD oP T4109 ap oydendod 9 soouvig 2p saiojer S02 20%; Buy in odleo epeiaidsaiet Jas apod ‘ospunb op erou1P ¥ veonjqnd eSuemfss 2 yeuojseu esajap ap 0 2 ‘ureBeuermuuse 2 sopduaqunlle? ‘sausodsuen ap S2s01S 90 IM12UE « ‘oget ap ontressouiacr 0suan :?1U04 ere” 280" “98k 760 «760 ~S«18'0 160 «60S BEL Sty te oth G ssz ILD 167 yoy 92ur1g, oouelg, aisapns, o/a oD ua sted Op ose wag -syeq op so0idoy 2 100 opundas “2pepIAl¥ 2P sourey 10d a : do uma detas a impossibilidade de Getectar = hierarquizaglo CO grupos raciais dentro das ocupacdes Beveada sector, N80) obstante, esses dados permitem algumas constatacoes importantes. ‘A primeira delas € que, quando se comparam as distribuigdes © os indi- fes_de concentracio do Brasil com os. das regioes, as desigualdades focupacionais no conjunto do pais sio maiores que as existentes em cada uma das regides. Isto aparece clara- mente ao observar-se a maior con- centracdo proporcional de pessoas de cor na agricultura, prestagao de ser- vigos € indistrias extrativas, sendo os indices de 0,81 para o Brasil e¢ de 6,92 para as duas regides. O mesmo fendmeno se faz presente de maneira mais acentuada, no caso da inddstria de transformacao. Neste ramo de ati- vidades, para 0 Brasil como um todo, a populacéo branca esté super-repre- sentada, apresentando um indice de concentragio de 1,38; mas o inverso ocorre no Sudeste ¢ no resto do pais, cujos indices séo de 0,92 e 0,91 res- pectivamente. A explicaco para o fato de as desigualdades ocupacionais em cada uma das regides serem me- nores do que no total do Brasil resi- de no diferente padrao de distribui- fo regional da populacdo branca e de cor. Assim, ao introduzir a regido como controle, desaparece 0 efeito da segregacio ecolégica dos dois gru- pos. A segunda constatacio relevante surge quando se comparam as distri- ‘uigdes © indices das duas regides. De um lado, nota-se que a popula- o de cor esté igualmente super-re- itada no setor de indistria de rmagio € sub-representada no cio de mercadorias. O resulta- SBD/FFLCH/USP ao considerar-se oS grupos de seto res que concentram as ocupagies mais © menos qualificadas, Comecan do por estas ltimas, observa-se que a populagao de cor est4 igualmente super-representada na agricultura, prestacdo de servicgos © indastrias ex. trativas, © que indica que, em ambas as regides, negros ¢ mulatos se con- centram desproporcionadamente na ase da hierarquia ocupacional, Pe- lo contrario, observando 0 que ocor- re nas profissdes liberais, comércio de valores, atividades sociais ¢ admi- nistragéo pdblica, vemos que a ¢x- clusao de negros ¢ mulatos ¢ muito maior no resto do pais. Em outras palavras, os indices de 1,77 no Su- deste e de 2,88 no resto do pais re- velam que na primeira regido ha maior penetracéo de pessoas de cor nos estratos ocupacionais médios ¢ altos. Concluindo, em relagéo 4 popula- cdo branca, a populagao de cor den- tro de cada regido se concentra des- proporcionalmente na base da pitt- mide ocupacional. Entretanto, no Su- deste a populacao de cor nao s6 criou seu lugar dentro da classe operaria, acompanhando assim a industrializa- cao da regiao, como também teve maiores chances de mobilidade pare ‘os setores médios da _hierarquia ocupacional. Estes processos, que 1¢ fletem o ritmo das transformacoes sociais aceleradas que ocorrem na re gido, adquirem maior relevancia, quay do se leva em conta a marginalizacao sécio-econémica sofrida pelo negro & pelo mulato no Sudeste, nas decades Hedtatatnentes * postariorels, 2 atOUe ao.-* Veremos agora como se cOmPOr tam as desigualdades raciais 1@ es) ra educacional. Como ja foi vist fi 1950, a taxa de alfabetizacée QUADRO V cogos ap aniyeasouind osu9D TaWod 000 01 (00 01 00001 000 OF 000 01 000 OF operepop cet lo. orajsuies Mua, es zsse 99L9 one 6 rest SLs 6 SESS ot ot eae eaoeler. #98 | sigz els 8661 sequoia}? NED) 96 Lo Ltt 9% ore OL Tes: = Se or corpus neID oor onl te or s 88 € 89 ee jonadns neD 5 et 4 gop onus — 10D oounsg JO, CoueAg, 21sapns ses aa Od OE : ug sed oP O1sew ‘seq op s00idey 2 109 od ‘seu 2 sou OT 2P as de cinco anos e mais era de Pom para os brancos ¢ de 26% Pa fa as pessoas de cor. Basta acrescen: far que as maiores diferengas s€ Pro~ duzem ao considerar o8 homens brancos e as mulheres pretas, cujas tuxas de alfabetizagdo eram de 56,2% e 20,5% respectivamente. Introdu- zindo a distingdo entre as regioes, analisaremos os graus relativos de Gesigualdade educacional, levando em conta niveis de escolaridade além da simples alfabetizacao. ‘A diferenga dos dados ocupacio- nais, as desigualdades raciais apare- cem aqui na sua verdadeira magnitu- de, Além de existirem desigualdades em todos os niveis de ensino, as de- sigualdades de oportunidades cres- cem exponencialmente ao se passar para os niveis de ensino mais eleva- dos, No total do pais, os brancos ti- nham uma chance de completar 0 grau elementar 3,5 vezes maior que as pessoas de cor, uma chance 11,7 vezes maior de completar o ensino médio e 22,7 vezes mais probabilida- des de obter um diploma de nivel superior. Ao comparar-se o total do Brasil com as duas regides, observa-se que, de forma consistente, as desigualda- des raciais em educagao sao maiores no total do pais do que dentro de cada uma das regides. Novamente, este ordenamento das desigualdades ‘obedece ao diferente padrao de dis- tribuigéo geogréfica da populacéo branca ¢ de cor. Passando a comparacéo das duas regides, nota-se em primeiro lugar que as desigualdades de oportunida- de em relacéo ao grupo branco sio maiores no resto do pafs, em todos ‘os niveis de ensino, tal como era es- do. Sem embargo, as diferencas de oportunidades entre as duas regides so maiores no grai ee ioke 3.0)ic diuisucm ty grau médio © superior. Isto significa que a populacdo de cor, de um modo geral, est impedida de ingressar nos niveis mais elevados de ensino ¢ que, neste particular, o maior desenvolvi- mento sécio-econdmico do Sudeste nao se traduziu em maiores possibili- dades educacionais relativas para a populagao de cor. Ha outro resultado interessante, mostrado pelo Quadro V, e que é expressio das grandes desigualdades no desenvolvimento regional: pelo menos no grau elementar, no Sudes- te a proporgao de pessoas de cor que conseguiram diploma é superior & da populacao branca do resto do pais. Felizmente, no que se refere a edu- cagio, existem dados mais recentes que permitem acompanhar a evolucao das desigualdades raciais na esfera educacional no periodo posterior a 1950. O Quadro VI contém os da- dos levantados em 1973, de uma ‘mostra representativa da populacao de seis Estados da Federacio. ** ‘A despeito. da comparago dos Quadros V e VI estar limitada pela natureza dos dados, diferentes faixas etdrias, agrupamentos de niveis edu- cacionais e regiGes consideradas, l- gumas conclusGes podem ser formu- Tadas. Primeiro, entre 1950 ¢ 1973, 0 nivel de escolaridade de toda a po pulagéo elevou-se consideravelment’, © a populacdo de cor foi beneficiada pela expansdo do sistema educaclo: nal do pais. Isto acontece, embora trés quintos da populago de cor ain da nao tivesse chegado a completar 0 ciclo primério, 0 mesmo aconteceh do com somente dois quintos da Po pulag&éo branca, Segundo, @ POPH Gao de cor foi beneficiada significe tivamente pela ampliagdo das bases recrutamento do sistema de ensi- no primério © ginasial. Terceiro, © fetor educacional yedado a popula- gg0 de cor deslocou-se mais para ci- fe piramide educacional, E nos niveis colegial © universitétio que se estabelecem claramente a barragem para as pessoas de cor © 0 monop6- fio virtual do grupo branco. ‘A distribuigdo diferente dos dois grupos raciais na_hierarquia educa- cional se traduz na de estudo ee es deles. Ni ae Nos dados em consideracio, esta média, era de 4,8 anos para o total da amostra, de 5,2 anos. para © grupo branco e de 2,8 anos para (0 grupo de cor. De qualquer modo, 0s avangos educacionais, que beneficiaram a po- pulagdo de cor em termos absolutes, devem ser interpretados com cautela. Por um lado, deve levar-se em conta QUADRO VI Niveis de 18 Anos yndentes 205 ro, S40 Paulo ‘complet e Rio Estados de Minas Ce! ‘Grande do Sul. aram ou cursaram Pal Educacionais Atingidos pela Populacio | fe mais, segundo a Cor * | Total Brancos P. de Cor % % % 61 18 0,5 } 9,0 5 21 ! 14,2 14,5 127 \ 2D. 25,4 24,3 204 19,8 22,0 24,5 22 314 ais, Espirito Santo. Guanabara, rte desses niveis d& ensino. mais elevado © nivel eee das aior € a discrimi- essoas de cor, mi ican no mercado de trabalho. Isto significa que para as pessoas de cor © retorno de anos adicionais de es- folaridade, em termos de ganhos nas esferas ocupacional e de distribuicao de renda, tende a ser decrescente se se adota 0 grupo branco como nor- ma. *7 Conclusdo Enquanto a diminuigdo das desi- gualdades de classe implica seja em modificar os parametros institucionais do sistema, seja em implementar po- Iiticas que contrariem os interesses de grupos economicamente dominantes, a redugio das desigualdades raciais requer que, a partir da presséo poli- tica do grupo racialmente dominado, mecanismos de mobilidade social se- jam acionados visando A promogdo diferencial desse grupo. No primeiro aso, 0 que se poe em jogo é a pré- pria estrutura de classes; no outro, o privilégio racial do grupo branco do- minante. Para atingir uma situacio de com- pleta iguaidade racial é necessdrio que os dois grupos raciais estejam igualmente distribufdos ao longo da hierarquia sécio-econdmica. Numa situago de recursos constantes, isto & quando as posicdes na estrutura de classes — e seus correlatos nas es- feras de estratificagiio e distribuigao — Permanecem as mesmas, ao mo- vimento ascendente de pessoas de cor, Necessério para chegar A igualdade Tacial perfeita, corresponderia um mo- vimento equivalente de descenso de brancos. Quando os recursos cres- cem, ou seja, as posicdes aumentam © a estrutura das mesmas se modifi- soas de cor nao precisa ter como con- trapartida 0 descenso equivalente de brancos, aproximando-se a situacio do que oS economistas gostam de chamar de 6timo de Pareto. A dife. renga entre as duas situacdes — re. cursos constantes versus recursos em expansio — pode ser vista como o dado fundamental para as estratégias alternativas de demanda pela dimi- nuigéo das desigualdades raciais. Nos Estados Unidos, a realidade se aproxima mais de uma situacdo de recursos em expansdo. Apesar da continua operacio de mecanismos ra- cistas que reproduzem a relacdo de dominacao racial, nesse pais as desi- gualdades raciais — em algumas es- feras objetivas como educacao, renda ocupacdo — tem diminuido consi- deralmente nas ultimas décadas. Fei- to o balango histérico, também € evi- dente que, em tltima andlise, as cau- sas da diminuicio dessas desigualda- des devem ser procuradas mais nos movimentos negros ¢ de outras mino- rias raciais do que na ma consciéncia branca gerada pelo dilema ametica- no. 9 Esperar que 0 ideal da democracia racial se realize por meio de um pro- cesso de mobilidade social individual é ilus6rio, pois nao se consideram os mecanismos que bloqueiam as p0s- sibilidades de ascensao das pessoas de cor e muito particularmente do negro. As praticas discriminat6rias dos brancos, sejam elas abertas ou polidamente sutis, somam-se os efei- tos de bloqueio derivados da interna lizagéio de uma auto-imagem desfavo- rdvel por parte das pessoas de cf A forma complexa como esses dois mecanismos funcionam e se reforca” mutuamente leva a que normalment © negro e o mulato regulem as Site aspiragdes em consonancia com 0 4! culturalmente € imposto e definido como lugares apropriados para as de cor, H, Adam define em termos extremos € claros este aspecto. da dinamica racista: “Uma pessoa que espera passar sua vida em dependéncia, sem saidas, tende a reduzir suas necessidades e aspiragdes & medida prescrita, ‘Acaba finalmente aprendendo e in- ternalizando como reagir de forma devida &s expectativas, sangdes ¢ de seu dominador, dado que sé esta atitude assegura sua sobrevivéncia nas condigdes vi- gentes.” ‘A contrapartida do lado branco consiste em ter 0 negro como con- tra-concepgao que serve para definir- se a si mesmo: “A auto-seguranca ente de formar parte de um que desfruta de supremacia es- | reforca, por si, as capacida- sis €, portanto, estimula as mo de social individual ‘descartada como forma de raciais, SO- cursos Politicos © habi zacionais, 0 que, como pré-requi vei educaclonals may eld, | ® Ds aesucssecnniee erate a Iracos especifi- cos do sistema brasileiro de relagoes Taciais que explicam « fraqueza dos Movimentos negros no pais, Enfase especial tem sido concedida a ideolo- gia racial brasileira e sua eficdcia em prevenir desafios 0 status quo racial, Florestan Fernandes assinala como, ilidades organi- Por sua vez, tem "... a ideologia e utopia raciais dominantes impoem a todas as ca- tegorias étnicas, raciais ou nacio- nais submetidas 4 supremacia branca, sem excegio, uma forte pressio assimiladora, que nao dei- xa alternativas em problemas es- senciais, de significado ou com im- plicagdes politicas. Essa pressio € intransigente e monolitica, embora quase sempre se justifique em no- me da ‘integracdo nacional’ ou da ‘democracia racial’ ¢ da ‘democra- cia cultural’.” ” Carl Degler tem enfatizado 0 pro- cesso de embranquecimento social € cooptacio das pessoas de cor ascen, dentes através do mulatto scape hatch e suas conseqiiéncias no sentido de Csvaziar uma possivel liderangs Para fa massa da populacao de OF ja vi fazer “Como ja vimos, 0 fato de aetna ‘entre mulatos € negros dé f sociedade brasileira a oportunie Gade de oferecer a slgumas pessoas Ge cor a possibilidade de fugit 7 inconvenientes da earings: : esse fato diminui ce am je solidari i Ce ‘ao sucesso de qual- 29 quer organizacao pelos direitos dos negros.” #2 Nao resta diivida de que tais fa- tores sio extremamente importantes para explicar a fraqueza dos movi- mentos negros no Brasil. Contudo, su- gerimos que ndo parecem suficientes. Tal explicacdo deve ser buscada tam- bém fora do que, implicita ou expli- citamente, é delimitado como sistema de relagoes raciais, O ritmo gradual das transformagoes politicas no Brasil — passando atra- yés de 1888-89, do Movimento Te- nentista e da Revolucao de 1930 — demonstra a habilidade dos grupos politica e economicamente dominan- tes para implementar a modernizacao econémica do pais e, ao mesmo tem- Po, sua capacidade para protelar e controlar a mobilizagéo sécio-politica das classes baixas. A auséncia de uma “ruptura revolucionéria com 0 pas- sado” est4 na base da visio paterna- lista que os grupos dominantes sem- pre mantiveram dos setores res, € da ilegitimidade destes como atores politicos, A conclusio preliminar a que po. demos chegar é que um sistema litico que combina repressio com te. lagdes de autoridade permeadas por uma ideologia paternalista, como fer, ma de impossibilitar a articulacao de demandas populares, constitui um 4m. bito inibidor para a emergéncia de movimentos sociais modernos e ideo- logicamente orientados sejam eles ra- ciais ou de classes. Para estes grupos subordinados, as eventuais diferencas de regime foram muito menos rele- vantes do que os tracos permanentes da comunidade politica brasileira — aqueles que marcam a sua nao es- crita constituicéo: autoritarismo so- cial difuso e, quando necessério, re- Ppressdo concreta. Neste sentido, o ca- so brasileiro se aproxima daqueles que Barrington Moore estudou como de “modernizagio de cima para bai- Koll Popula- liltimos Po- Notas 1. Bolivar Lamounier, “Ideologia Conservadora e Mudancas Estruturais”, in Dados ne 5, Rio de Janeiro, 1968, p. 16. Sobre a evolucao intelectual da idéia de em- branquecimento, ver Thomas Skidmore, Black into White, Race and Nationality in Brazilian Thought (New York: Oxford University Press, 1974), especialmente caps. 2 € 6. 2. Mais indicagdes sobre este ponto podem ser encontradas no artigo de Lamounier, citado na nota anterior. 3. Ver H. Hoetink, Slavery and Race Relations in the Americas, An Inquiry into their Nexus and Nature (New York: Harper, 1973), caps. 1 ¢ 2. 4. Até certo ponto, o tratamento insuficiente desses aspectos obedece a falta de informagdes demogréficas sobre raca. Entre 1890 e 194), nao foi levantado 0 dado censitario sobre cor da populacdo, 0 mesmo acontecendo depois do censo demografico de 1950 Florestan Fernandes, (A) © Negro no Mundo dos Brancos, (Sao Paulo: Difusio Européia do Livro, 1972), p. 71. Ver, também, do mesmo autor (B) A Integracdo do Negro na Sociedade de Classes, (Sio Paulo: Dominus, 1965). ‘Florestan Fernandes, op. cit. (A) p. 100. conseqiiéncia do modelo dos “arcaismos” é 0 deslocamento das causas d& lizagio ¢ exclusio do negro, das instituigdes controladas pelo sruPo co, para a socializa¢io inadequada, produzida pela escravidéo, e sua PerP™ puneae sob 8 atu formas, de desorgenizacto social, ami fa aa pobreza. Este tipo de explicagio, muito ulllizado eames € cultu- TM gituagio do negro nos Estados Unidos, est4 exemplificado lagnésticos sobre a stuteyoynihan (Department of Labor) sobre “The Negro Feat hear , Florestan Fernandes, op. cit. (A) p. 121, erica”, Par aitimo ponte ¢ elsborado por Rafael Bayer em Had stonsideracion de las Relaciones Reclonaies, (Rio TUPERS, 1919) nto. publ , publi- fado, pp. 54 € 55. 10. ando H, Cardoso, Capitalismo e Escraviddo no Brasil Meridi Te Ditusio Européia do Livro, 1962), p. 281 Ver a ati (Sho Pas: 11, Ibid, pp. 28384. Ge Weed Pater, (White Racial Privileze and Social Change”, i HoMSociology, XVI, 1972. p. 133. cial Change”, in Berkeley Journal 13, Ibid, p. 140. 14, Herbert Blumer, “Industriatization and Race Relations", in Guy Hunter (ed.), Tndustrialization and Race Relations, (London: ‘Oxford University Press, 1965), p. 238, Citado em Heribert Adam, ‘Modernizing Racial Domination, The Dynamics 0} South African Politics, (Berkele University of California Press, 1972), p. 147. 8. meat Blauner, Racial Oppression in America, (New York: Harper, 1972), pp. e 10. ‘Heribert Adam, op. cit., P. 148. Dados do Censo Demografico de 1950. A populacdo de cor resulta da soma Categorias “pardos” € “pretos” do censo- H. Cardoso, op. cit.; Otdvio Tani, As metamorfoses do Escravo, Difusdo Européia do Livro, 1962); Emilia Viotti da Costa, Da Senzala (Sao Paulo: Difusio Européia do Livro, 1966). de cor livre, exclufdos caboclos, passa dé 406 000 498, elevando sua participagio na populace total de 125% para 428%. Be cor livre estava composta na sta ‘bém assinalar que a populacéo de mulatos € ‘mestigos, enquanto ° grupo escrayo esteve sempre ineipalmente por Negros. Rett ectiiaepr. 2639.. (Traducbo. nos Editora Paz Terra). ‘aqui’ a divisio de resides propests por Gliucio A, Dillon Soares, rt le e Politica no Brasil, (S80 Paulo: va a . Ee oD if i wolvido, inc sta ‘A regiao Sudeste, ‘ou Brasil desen\ Rees erie eae Parana, Santa z rier inelul todos os demals Ee 8 © 1872, a populagdo existe versio em por ides, mencionados ae Prvesian Fetmanar, Sn BE. Viotti_da Costa, OP: cit., terceira p Bi Sruntegciein, Vasseerar, © 77, Emilia Viotti da Costa, op. city, P. A Sa Reis 4 ‘i . cit, (B), Vol I, Sobre © movimento de migra 28, Florestan, Peatonals neste Secae ceiDealas Hi. Graham, Sérgio Buena” termi nda Filho, Migration, Regional and Urban Growth and Development i de Holevol. I, Sko Paulo: Instituto de Pesquisas Econdmicas, U.S.P., 19)1 au Brazil. vee Jorge Balan, “Migragdes e Desenvolvimento Capitalista ‘no Brasil Baotle de Interpretagdo HistéricoComparativa’, in J. Balin (ed.) Centro eat riferia no Desenvolvimento Brasileiro, (Sio Paulo: Difel, 1974). 29, Florestan Fernandes, op. cit. (B), vol. I, parte I e S, Stein, op. cit., caps, X ¢ x1, 30. Censo Demografico de 1890, Distrito Federal. 31. Amaury de Souza, Racial Inequalities in Brazil, 1940 — 1950, M.1.T., 1968, nio publicado. 32. Ibid., pp. 13, 14 © 16. 33. No Sudeste, 96% da populacdo com 10 anos e mais estava empregada no setor de indistria de transformagio em 1950; a proporcdo correspondente ao resto do pais era de 35%. No mesmo ano, 37,7% da populagio do Sudeste © 13le da populagao do resto do pais morava em cidades ou vilas com 10 000 habitantes ou mais. 34. & significativo, por exemplo, que o negro americano tenha feito avancos consi deraveis em sua situacio econdmica e ocupacional durante a J e II Guerras Mundiais, quando, como resultado da conjuntura, o ritmo da atividade econd- mica se intensifica. 35. Uma explicagio mais completa do processo de geracio e reprodugio das desi: gualdades raciais deveria incorporar os possiveis efeitos da proporgao de pessoas de cor dentro da populacdo de cada regio. Em principio, este fator pode estar relacionado com as condigées de competicao e a estrutura das relagées de poder existentes entre brancos e populagéo de cor. A diferenca dos Estados Unidos no Brasil uma proporgao elevada de negros e mulatos na populacdo nao parece estar associada as ameacas reais ou imagindrias sentidas pelo branco naquele pais. Restaria explorar, em outro trabalho, as relagdes entre proporgio de pes ‘soas de cor, competicao e¢ mecanismos de discriminagao no Brasil. 36. Dados do projeto de pesquisa sobre “Representacio e Desenvolvimento no Bra sil”, executado no IUPERJ em convénio com a Universidade de Michigan. Agta decemos a Amaury de Souza e Peter McDonough, diretores do projeto, Por terem colocado os dados a nossa disposigao. Uma anilise preliminar dos dados das pesquisas “Representagéo ¢ Desenvoldl mento no Brasil” © “Forca de Trabalho, Emprego e Participacao Social em Sal yador”, ‘esta iiltima, realizada pelo CEBRAP, entre 1970 ¢ 1971, em Salvador Bahia, indica que a igual nivel de escolaridade, existe um acentuado ed de renda entre as pessoas economicamente ativas brancas e de cor € que me diferencial tende a aumentar nos niveis educacionais mais elevados. Uma a? ie detalhada dessa informacao sera apresentada em outro trabalho. Deixamos 7 trado nosso reconhecimento a Bolivar Lamounier e Fernando H. Cardoso, P Ros terem facilitado os dados*do segundo projeto mencionado. ribert Adam, op. cit., p. 105, ae Memades, op. cit. (A), p. 273. A ideotonia racial aue este, UO pe fundamentalmente’ produzida pelas elites intelectuais de direita © 1% tatbém © pensar de esquerda, seja por omissio, seja por ret de negro €o negro. ler, Nem Pret ‘ Bi Desi 7: “cinalado jmentos sociais ‘da. identi ‘mecanismo 8 mais Estados Unidos, por Degler é ‘analyzes racial inequality the period which follo- Jegacy of slavery and claim that discrimination mechanisms are in- ible with industrialization. The in- slavery on racial inequality in postslavery period is viewed through ‘on the geographic distribution ‘white and non-white populations, having concentrated largely in ’s more backward regions. ‘shows that the pattern of a segregation ‘of the two racial IDs, historically conditioned by the 1 regime, was exacerbated bet- and 1930 by the promotion of RESUME a de proletério, tem a sua responsabilidade na desmobilizagdo 10 nem Branco, Escravidao e Relagées Raciais (Rio de Janeiro: Labor do Brash 6) P1880 cas de fundamental importincia, j& que a cxerutnragho de aseados na raca passa por um momento de redefinigio po- dade racial, até agora manipulada pelo grupo Dranco como um de dominagio racial. SUMMARY European immigration to the country’s Southeast. Racial inequality in the occu- pational and educational spheres is ana- lyzed in regional terms and it is, shown that in the Southeast (the country’s most developed region), despite the disadvan- tages for nonwhites of competing with European immigrants, the inequality bet- ween whites and non-whites is lower than in the country’s more underdeveloped re- gions. The author does not believe that ra- cial inequality is likely to decrease through the individual social mobility of nonwhites, unless the group can conso- lidate its claims in such a way as to bring about differential promotion poli Ges in its behalf and the elimination of routine discrimination mechanisms. le sud-est du pays. Les inégalités ¥% sur le plan du travail et de V’éducation sont analysées du point de vue régional. {raureur montre comment dans la region sud-est, i est la plus développée du pays, la population de couleur, bi ayant eu ‘a compétir dans des tions désavantageuses ‘avec les immigrants européens, tant de l'iné galité raciale que ‘de couleur qui se concentre ms sous: Géveloppées du Brésil Lauteur tire de cette conclusions pessimistes, It diminuer les inégali analyse des semble diffi:

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