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Oeste gana BRAEAYEYSEYEE O ensaio fotogrdfico: quatro estudos de caso Resumo © antigo discute a relacdo entre fotografia e linguagen ‘medida em que minhas observagdes sio aqui ensaios pa comunicagao, uma tentatva de articular os principios formas do ensaio fotogrifco, elas podem ser vistas como uma taigio ao anti-esteticismo, 40 experimentalismo anticandnico. Por que tentar tomar io, um meio de comunicagio que € tio jovem e re? 0 ensaio fotogeéfico ocupa um estranho espago conceitual na nossa compreensio dha representagdo, um espago no qual a "forma" parece ser tanto indispensivel quanto descartivel Palavras-chave: fotografia & linguagem, ensaio fotogrifico, andlise fotogritica ts {Go imprevis Tres perguntas: 1. Qual 6 a relagdo entre fotografia e Finguagem? 2. Por que essa questo é importante? 3. Como essas questées sito focalizadas ‘no que se chama de “ensaio fotografica”? Trés respostas: 1. Fotografia 6 ¢ ndo é uma linguagem; linguagem é endo é uma “fotografia” 2. A relagao entre fotografia e linguagem € 0 principal local da tuta entre valor e oder nas representagées contempordneas da reatidade; é 0 lugar onde imagens e ‘palacras encontram e perdem sua conscién- cia, sua identidade estética e ética. 3. 0 ensaio fotogrdfico & a dramatizagao Noa eon publcado rgnalmente cm Wiha Pc através da classiicagio © da formaliza focalizando 0 ensaio fotogrifico. Na definit um género ou um meio de dessas questoes em uma forma emergente, compesta, de arte, © que se segue é uma tentativa de conec- Jar essas perguntas e respostas. Fotografia elinguagem A tolalidade desta relagao talvez seja mais bem indicada dizendo que as aparéncias constituem wma meia-linguagem. John Berger, Another way of telling A ‘telacio entre fotografia e linguagem permite duas descrigdes bsicas, fundamen talmente antitéticas. A primeira enfatiza a diferenca da fotografia em selagio 3 lingy gem, caracterizando-a como uma *mensa- gem sem cédigo”, uma transcrico puramente they (Chicago Lone he Universi of Chicago Pes, 195) 181994 by The Univesity of Chicago, A preset ado & de Maries Conde Cadernos de Antropologiae Imagem, Rio de Janeiro, 15(2): 101-131, 2002 101 vras, as conclusdes de Burgin sto construt- das sobre uma oposicio figurative (“hoje" “ontem"; "visto clara’/*reliquia que obstrui") que ele jf desqualificara como equivocada em. sua aplicagio a fotografia ¢ a visto. Esse retorno de uma metéfora inconvenicn- te sugere, pelo menos, que nao se podem descartar as velharias eo facilmente Fico também incomodado com a con- fianca de Burgin de que “nossa perspec- tiva" possa ser tio facilmente exposta (Quem € 0 “nds” que tem essa ‘perspe tiva"? Hi uma divisto implicita entre aqueles que superaram suas supersticoes 2 respeito da fotografia ¢ aqueles ing AUOS que nio o fizeram, "Nossa pers- pectiva’ sobre a fotografia, em outras palavras, Jonge de ser homogénea, & 0 local de uma luta entre os iluminados e ©8 supersticiosos, 03 modernos e os an- tigos, talvex até entre os *modernos’ e 08 “pés-modernos*., Os sintomas dessa huta surgem na ret6rica de Burgin (1986a, p. 51) quando ele fala da fotografia como “invadida pela linguagem", 0 que ele nio parece levar em conta € que essa inva- sio bem pode provocar resisténcia ou que pode haver algum valor em jogo em tal resistencia, algum motivo real para a defesa do cardter nao lingtiistico da fo- tografia, Burgin (19862, p. 52) parece satisfeito em afirmar a “fluide2" da rela- sto entre fotografia e linguagem e em tratar a fotografia como “um complexo intercimbio entre 0 verbal e o visual" (Burgin, 1986a, p. 58), Mas por que deveriamos supor que esse modelo de “intercimbio" livre e fluido entre 4 fotografia € a linguagem fosse verdadeito Oenab on gutomunbsdo0 ou desejivel? Como dar conta da teimosia «la perspectiva ingénua, supersticiosa, da fotografia? Qual podetia ser a motivacio. da persisténcia em crencas equivocadas a res- Peito da diferenga radical entre imagens e palavtas € do estatwto especial da foto- Brain? Essas crengas equivocadas sio sim- plesmente erros conceituais, como erros de aritmética? Ou elas pertencem mais & orclem das crencas ideolégicas, convicgdes que resistem & mudanca proposta por meios corriqueiros de persuasio e demons- tragao? |E se as “reliquias” que “obstruem' fossa perspectiva sobre a fotografia tam- bem constitwissem essa perspectiva? E se a nica formulagio adequada para a rela- Gio entre a fotografia e a linguagem fosse um paradoxo:[a fotografia € € nao é uma linguagem? Actedito que isso € © que esté no centro " \ do que Roland Barthes (1977, p. 19) chama de “paridoxo fotogeifico": a “coexisténcia de duas mensagens, uma sem cédigo (a analogia fotografica), a outra com cédigo (a ‘arte, ou 0 tratamento, ou a ‘eserita’, ou a retdrica da fotografia)". Barthes utiliza uma série de estratégias para esclarecer e racio- nalizar este paradoxo. A mais familiar & a divisio. da ‘mensagem" fotogrifica em “de- nolago” e “conotaglo”, a primeira associada 40 estatuto “mitico’, no verbal, da fotografia “na perfeigio ¢ na plenitude de sua analo- ia", € a lkima, 2 legibilidade e textualidade da fotografia. Barthes as vezes escreve como se acreditasse que essa divisio da mensagem fotogrifica em “planos’ ou “niveis" pudesse resolver 0 paradoxo: “Como a fotografia pode Set, entao, ao mesmo tempo “objetiva” e “in. vestida’, natural e cultural’ £ através da come Cadernos de Antropologiae kmagem, Rio deJancire, 15(2): 101-131, 2002 103} Os instrumentos diretos wtilizados sao dois: 4 cdimera fixa e a palavra impress James Agee, Lt us now praive famous mer? © lugar ideal para se estudar a interagio entre a fotografia a linguagem € 0 subge- nero (ou ser uma midia no interior da midia?) da fotografia conhecido como *en- saio fotografico”. Os exemplos clissicos desta forma (How the other half tives, de Jacob Riis, e You have seen their faces, ce Margaret Bourke-White e Erskine Caldwell) nos apre- sentam uma conjungio’ literal de fotografia € texto — comumente unidos com um obje- tivo documental, freqiientemente politico, jornalisico, as vezes cientfico (socioligico). Eugene Smith argumenta que uma série ou seqiiéneia fotogrifica, mesmo sem texto, pode ser vista como um ensaio de fotos,’ e cexistem bons exemplos de tais trabalhos (The ‘Americans, de Robert Frank). Quero me deter, no entanto, (no tipo de ensaio foto- igrifico que contém fortes elementos textu- ais, nos quais 0 texto € definitivamente um elemento “invasor* © até dominant) Quero também focalizar 0 tipo de ensaio fotogrt- fico cujo texto se preocupa nao apenas com ‘© tema comum 4s duas midias, mas tam- bém com/a maneira pela qual a midia trata desse tema,\No comego de How the otber half lives, Jacob Riis descreve um incidente no qual a pélvora de sew flash quase pos fogo a um cortico. O evento nio € repre- sentado nas fotografias: © que vemos, em ver disso, sio cenas da miséria dos costigos, ‘nas quais pessoas atordoadas (que eram frequentemente acordadas de seu sono) sio Ces tngsion garrett exibidas num susto passive, sob a crua ilu- minagao da pélvora do flash de Riis (figura 1. A anedota textual de Ris reflete sobre a cena de produgio de suas imagens, carac- terizando ¢ criticando a competéncia do fotdgrafo, talvez até sua ética, Poderiamos dizer que Riis permite que seu texto subver- ta sua imagem e as ponha em questio. Um argumento melhor seria que/o texto *permi- te” que as imagens (e seus objetos) adqui- ram uma espécie de independéncia € hu- manidade que no estariam dispontveis em uma economia de “intercimbio" estrito entre fot6grafo e escritor.\As fotografias podem ser “evidéncias* de propostas bem distintas dos usos oficiais nos quais Riis queria alo- cérlas. 0 espectador, por sua vez, € con- frontado com uma questio incdmoda: poder politico, epistemoldgico, dessas ima- gens (Seu valor de “choque’) jusifca a vio- lencia que acompanha a sua producio? (Ris trabalhava como jomnalista colaborando com 2 policia; muitas dessas fotos foram tiradas durante invasdes notumas; elas so, num sentido real, fotografias de vigitincia; elas tiveram também um profundo efeito sobre 0s esforcos por reformas nos cortigos de Nova Jorque.)(O acréscimo de um texto inconveni-| cente, distuptivo feito por Ris anuncia esse dilema, nos leva a ele, Uma resisténcia apa- rece na relacio foto-texto; nds nos movemos com maior dificuldade, mais lentamente, do. ler para 0 olbar)Admito que essa resistencia seja excepcional em Rils, cuja pritica geral é supor um intercimbio diteto de informagio entre o texto e a imagem. Mas sua emergén- cia, mesmo nesse ensaio fotogrifico relativa- mente homogéneo, nos alerta para sua pos- sibilidade, seu efeito e suas motivagdes. Cadernos de Antropologia e Imagem, Rio de Janciro, 15(2): 101-131, 2002 Agee Eons (1980 (1339. Ye To Horan (1374, Asobsenagis deere Sth sobre gine oo- edie th 1985 9.1452 * Rober Fan (1969 {1959.0 vo ae Frank no x 0 eran intranet Fede res Ts rfp so axons por ‘bows legen, gerlnente cm a desiraiod ea, occu cl ehs uma inradco de Fick Kero ue enna ogo ‘eran es Sige Frank “Que pour Gest, que poenas pan ‘recreate ete Tirade gatos gu dia, oral joven.” fk, 1968 19959, 105) te privilegiado, muitas vezes agindo como “o oho do poder’, agente de alguma insti- twigzo social, politica ou jornalistia. {0 “uso” dessa pessoa como tema instrumental em um cédigo de mensagens fotogrilicas € exatamente 0 que vincula 0 objetivo politi co 20 Atico, criando intercimbios e resistén- cias no nivel do valor, que no dizem res- peito apenas ao fotdgrafo, mas se refletem na telagio do escritor (relativamente invisi- vel) com 0 seu objeto, tanto quanto_nos intercimbios entre esctitor ¢ fot6grafo.') Uma iiltima questio a respeito do géne- ro: por que ele se chamaria ensaio fotoges- fico? Por que no fotonovela, ou fotopoe- ‘ma, ou fotonarrativa, ou apenas “fototexto”? £ claro que existem exemplos de todas essas formas: Wright Mortis usou suas fotografias para ilustrar sua ficeio; Paul Strand ¢ Naney Newhall vinculam fotografias a poemas iri sini utoearsiecs0 enstio i fotografia®)A segunda € 0 compa- theiismo sntino éntze o enstio informal cou pessoal, com sua énfase em um “ponto de vista" privado, na meméria € na autobi- ogtafia, € 0 estatuto mitico da fotografia como uma espécie de rastro_da_meméria ratetializado, imesso no contexto de 2sso- ciagdes pessoais ¢ “perspectivas” privaclas. Terceira, € (0 sentido etimolégico do ensaio como uma “tentativa” parcial, incompleta, um esforco para apanhar, tanto quanto os limi- tes de espaco © da engenhosidade do escri- tor permitirem, a verdade sobre algo a seu Jalcance(Do mesmo modo, a fotografia parece | necessatiamente_incompleta. na sua imposi- {20 de uma moldura que munca pode in- |cluir tudo o que estava IA para ser, como dizemos, “‘tirado”)) A incompletude genérica do ensaio literério informal torna-se uma caracteristca especialmente crucial das rela- cos em Time in New England; Jan Baetens< cOes entre a imagem € 0 texto do ensaio analisou 0 emergente género francés da “novela fotogrifica”. Que garantia existe para se pensar no “ensaio fotogrfico” como um modelo especialmente privilegiado da con- juncio entre fotografia ¢ linguagem? Uma razio é simplesmente a predominincia do ensaio como a forma textual que convenci- onalmente acompanha fotografia nas re- vistas € nos jomais. Mas creio que existem razdes mais fundamentais para um compor- tamento que parece ligar a fotografia ao ensaio, do mesmo modo que a pintura hist6rica se vinculou 20 épico ov a pintura de paisagens se vinculou a0 poema lirica, A primeira € a suposiclo de uma realidade de referéncia comum; nio “realismo", mas “re- alidade", nao ficedo, mas até “cientifcidade” sio as conotagdes genéricas que ligam o fotogrifico, O texto do ensaio fotogritico Lipicamente mostra uma certa reserva. ou modéstia em sua afitmacio de “falar por’; como a fotografia, ele admite sua inabilida- de para se apropriar de tudo 0 que estava la para ser tomado, © tenta deixar que as fotografias falem por si mesmas, ou que “encarem” aquele que olha. No restante deste ensaio, quero exami- nar quatro ensaios fotogrdficas que, de varias maneiras, apresentam a{ dialética do inter- cambio ¢ da resisténcia entre a fotografia ¢ a linguagem, 0 que faz com que seja pos: sivel (e as vezes impossivel) “ler” as fotos, ‘ou “ver” 0 texto ilustrado nelas.\ You me limitar a quatro exemplos principais: 0 pri- meito, Let us now praise famous men, de, ‘Agee e Evans, geralmente reconhecido como Cadernos de Antropologia e Imagem, Rio de Janeiro, 15(2): 101-131, 2002 » aca um excl rea sabe a cece tam ds (questo as de "harden dos sys amas visi pl pao Teepe om a, ver Carol class 379. Lebar os clissies sensi datos co tse discus ‘aii com Fevnamencs olga Tina Oathan por exemple eucs seria fo taboo de Dots ange Ful Tilo. Amada dicing dks dae incoceive sam a uaa par | sks 2 apredso feta de ingens. Quaker disco ques opie rarer mecca aera de vinci vale vert com a fof en gum magio sobre o lugar, nio oferecida pela foto, € nomeia o tema que ndo representa Evans nao nos di tais pistas ou acesso a suas fotografias. Se tivermos estudado 0 texto de Agee com certo vagar, podemos supor que fotografia inicial € de Chester Bowles © que € possivel idenificar és diferentes familias de sem-terta nas fotos de Evans, Com base nas suas descrigdes a0 texto de Agee. (Mas todas essas conexdes devem s escavadas; nenhuma delas & inequivocamen- te oferecida por qualquer “chave* que ligue © texto 2 imagem. \A localizagio das fotos de Evans no inicio do volume é uma decla- 2 Rober Pn, ele Hedy, Nae 195519) Giles ace Cl oe one A “equivaléncia” entre fotos © texto é em certo sentido, uma conseqiiéncia dlreta de sua independéncia, cada meio de comu- nicacto recebendo um “Livro” proprio, cada um igualmente livre para misturar-se com o Density: atone decso tag ainda mais ageessiva de independén- cia fotografica, Em contraste com as, préticas correntes, de misturar as fotos com texto, ou de colocé- no meio ou no final de uma se¢30, na qual possam aparecer no contexto oferecido pelo texto, Evans e Agee nos forcam a confrontar as Fotografias sem contexto, antes de termos a oportunidade de ver um prefacio, um sumétio, ou mesmo um titulo de pagina. Quando fi- aalmente aleangamos 0 contetido, desco- brimos que jd estamos no “Livro dois", que as Fotografias slo 0 “Livro um", que id “lemos' 5), de Me Americans (1958, Copii © Rabe Fak, ates da outro ~ Evans apresentando fotos sem tex- to, Agee um texto sem fotos, Mas a igual- dade € sugerida, além disso, pela sensacio de que as fotos de Evans realmente cons- titwem, como disse W. Eugene Smith, um Cadernos de Antropologia e Imagem, Riv de Janeiro, 15(2): 101-131, 2002 109) sem elementos “literdrios’ Flas nos 2 voltar 38 caracteristicas formals. € ‘ais das imagens em si mesmas.,O de Annie May Gudger (ver figura 5), exemplo, toma-se um estudo puramen- ormal, de superfcies achatadas © gastas, "> as linhas de seu rosto, 0 grado «0 das madeiras, 0 vestido desbotado, as has esticadas de seu cabelo, a gravida 4 Water rans, fo de et us nw pre famous wen (0938) de James Apee © Talker Bans. Coes da Bite ho Cones Hi algo profundamente perturbador, até desagradavel, nessa resposta (inevitaveliente) estetizante a0 que, afinal, é uma pessoa real em citcunstincias desesperadamente pobtes, Porque tetfamos 0 diretio de olhar para essa mulher © ver sua fadiga, dor € ansiedade como sendo bonitas? O que nos dé o direi- to de olhar para ela, como se féssemos espides de Deus? Essas questies sto, claro, msi angsee gare dle de sua expresso, tudo converge para tum complexo visual que fantasmagoric mente belo € enigmético. Ela se toma um cone’, talvez o mais Famoso entre todos os homens e mulheres andnimos capturados pela chimera de Evans, um objeto estético puro, liberado da contingéncia e da circuns- tincia em um espago de pura contempla- fo, a Mona Lisa da Depressio, “ker Bras, de Mae Ge, ode le so rue omc me 39). de es psc ras. © Cape io (de Waler Eas exatamente os desafios com que o texto de Agee constantemente nos confronta; sAo também as questbes a que as fotos de Evans rnos obrigam, quando nos mositam os sem- terra em belos e formais estudos, cheios de mistério, dignidade € presenca. Nao pode- mos ficar @ vontade em relagio 4 nossa apreciagio estética de Annie Mae Gudger, assim como mio podemos pronunciar seu Cadternos de Antropotogia e Imagem, Rio de Janeiro, 15(2): 101-131, 2002 CoH) mw mam (A separacio estetizante entre as imagens de Evans € 0 texto de Agee nao é, assim, simplesmente uma caracteristica formal, mas sratégia ética, uma maneira de impe- ir um acesso facil ao mundo que eles \representam. \Chamo essa estratégia de “éti- ca” porque ela bem poderia ter sido con- iraproducente para qualquer objetivo po- itico. A colaboracao entre Erskine Caldwell © Margaret Bourke-White na representa- ‘cao dos lavradores oferece uma compari cio instrutiva, You have seen their faces ‘mostra um intercimbio sem impedimen- tos entre fotos © texto: as imagens de Bourke-White se entrelacam com o ensaio dle Caldwell; cada foto acompanhada por uma “legenda” localizando a foto uma ‘citagio” da figura central. Analisem Hamilton, Alabama’ *Conseguimos i em frente” (figuia 11). As fotografias recolo- cam as legendas no seu cédigo pict6rico, criando com sua perspectiva de Angulo baixo ¢ lente ampliada uma impressto de Wake an ft de at pra fama me (33D, de ames gc eWaker Bras Cones ds Bite do Cones, Crna ati pte oacsecno monumentalidade e de forca (note espe- cialmente como as maos da figura sio tornadas grandes), Esse tipo de reforco retérico € repeticao € de longe, 0 arranjo mais convencional co enstio fotogrifico € pode explicar o enorme sucesso popular de You have seen their faces. Hee ilustra vividamente 0 tipo de relagio retSrica entre a foto € o texto a que Evans © Agee resistiam. Isso nfo quer dizer que Evans ¢ Agee sejam “nio-retéticos”, mas que {Ria "colaboragio” & ditada por uma retérica de resisténcia, e ndo de intercimbio € coo- peracid) Suas imagens € palavras sao “intel ramente colaborativas’ no projeto de sub- verter aquilo que eles viam como uma co- luboracio falsa ¢ fécil com instituigdes go- ais e jornalisticas (a Farm Security nN \ ‘f] eS Ul hl 9, Wale Pans fo es rae amos men (99, anes Ager Wale ras, Cred tc Cong. Cadernos de Antropologia e Imagem, Rio de Janeiro, 15(2): 101-131, 2002 © Oler qu char ues ages 2m abuma ace ‘dxamenl ov mesmo sb 0 gsi cam | tema fag, deve pretreat faba ce uke White: “As lege is fos priendem exes 25 pias ones cs tates espito dos semineis es Indic tats ‘hs ai pected epic slime el dhapels pessoas A fees dese recocimento ‘em odo dead ‘lad pela pee fig ds "etages ao ongo ote. 2 manipula do til eal feb om 2 tendnciade Bourke hte er ear cr objet a 38 hs soon, pa ae essen de ard cam seu gosto icin ée confissto. Essa divisio de trabalho no apenas uma ética dha producio que afeta © trabalho do escritor € do Fot6grafo:* & em um sentido muito real, uma ética da forma imposta sobre o leitor/espectador na visto estratural entre fotos e texto. Nosso srabalho como espectadores € tio dividido como o de Agee @ Evans, ¢ nos descobri- mos atrafdos, como se fosse por um vértice de colaboracao e resisténcia."* Labirinto e fio: Camara clara Um bomen labirintico nunca procura a erdade, mas apenas sua Ariadne. ‘Nietzche” ‘A forma forte “agonistica” do ensaio fotogrifico tende, como vimos, a se preocu- par tanto com @ natureza da fotografia, da escrita, ¢ da relugio entre ambas, quanto com 0 tema representado (sem-terra, mora- ores de cortico em Nova Torque, trbalha- ddores migrantes ete.) Mas a maior parte dos ensaios sobre fotografia (incluindo este) no S20 “ensaios fotogeificos” no sentido que aqui atribuo ao termo. A short bistory of photography, de Walter Benjamin, nao € um ensaio fotogritico pela obvia razio de que rio 6 ilustrado, Mas, ainda que 0 fosse, as fotos 6 estariam ki para ilustrar 0 texto; clas nao teriam a independéncia ou equiva- Jencia que permite 2 colaboragio em uma forma realmente composta. Um dos poucos “ensaios sobre fotogra- fia" que se aproxina do estatuto de um ensaio, fotogrifico € Camara clara, de Barthes. A Sindependéncia” e a “equivaléncia” das foto- masa gsm sd gafias no texto de Barthes sto atingidas, nao pelo agrupamento delas em um “lvto" separado, no qual suas préprias relacdes sintiticas pudessem emergit, mas através de [Gimi consistente subversto das estratégias Textuais que tenclem a incorporar fotogralias como exemplos “ilustrativos” ou evidéncias.) Nbsimos Camara clara em um frontispicio (figura 12), uma foto polarbide colorida de Daniel Boudinet que nao recebe comenti- fio algum no texto. AS Gnicas palavras de Barthes que poderiam ser aplicadas a ela sio equivocas ou negativas (*Polaréide? Engracada, mas decepcionante, a no ser quando um grande fotdgrafo esteja envol- vido” (Barthes, 1981, p. 9); “Nao gosto muito da cor (..) a cor € uma cobertura aplicada sais tarde sobre a verdade original da fo- tografia em preto € branco (..) um artificio, uum cosinético (do tipo wsado para colorir cadaveres)" (Barthes, 1981, p. 81). Devemos entio supor que Barthes *simplesmente" gosta dessa foto ¢ admira a arte de Boudinet? Esses critérios sio continuamente subverti- dos no texto de Barthes por suas preferé cias aparentemente captichosas, sua recusa cem aceitar obras de arte e artistas consagra- dos: "H4 momentos nos quais eu detesto as fotografias: 0 que tenho a ver com os ve- Thos troncos de drvore de Atget, com os nus de Pierre Boucher, com as exposigoes du- plas de Germaine Krull (citando apenas velhos nomes)?” (Barthes, 1981, p- 16). A polardide de Bondinet é independente do texto de Barthes: a melhor “leitura’ que podemos fazer dela talvez seja simplesmen- te a de um emblema da ilegibilidade da fotografia, sua ocupagio de um lugar para sempre anterior € fora do texto de Barthes Gadernos de Antropologia e Imagem, Rio de Janeiro, 15(2): 101-131, 2002 "Pa uma excelente tis do que estos chaman “ict ‘dap ja 0 capt soe Age ars em Cal Sols 19872 Uso a paiva svtice zed 2c Aalto de Age 0 vice de Blake presen dle como ino iia de Famous men. Nios (qa aire pore ‘gee oral de fate camo artista compose, masse ‘Ager coecey a. thins seus Tins, deve rea impression pola inspec frien nna os ‘gars ce lle err rela 20s ses texns ame ‘kpanic qe spl, cam i ra ina clara. amas 2 ree dal tetinager em Ale roe ro ‘ke compost at ‘ic 19771 ee Mise (1985.4 "ppd Bates 198, pa 5) 12, Datel Bune, Plame, 1979, Rolin Bates, Cimarn clara USB), © 1993 ARS, Nowa lnqueSPADEN, Par Barthes, 1981, p. 68). A substituigio que Barthes faz da sua propria mie por essa imagem matena linga-o em uma série de substituigées cada vez mais gerais: a foto- ‘grafia toma-se “a Fotografia’, que se tora @ Imagem; a mae de Barthes toma-se “A mae do artist’, que se toma ‘a mae’. O vinculo entre “Imagem” © "Mie" € entio re- summido como um complexo cultural univer- sal reproduzido na especificidade da. propria experiéncia de Barthes com a fotografia: O judaésmo rejeitou a imagem de modo a se proteger contra o risco de adoragio da ‘mde... Embora tendo crescido numa reli gido-sem-imagens, na qual a mde nao é adorada (o protestantismo), mas cultural- ‘mente formado, sem diivida, pela arte Corsini putontrisiecao 13. Nad, mae sped rs), em Rind Bars, ima clara OSSD, © 183 ARS, Nora omueSFADEM, Pas catélica, quando confrontado com a foto- Srafia do jardio de inverno, me rendi a Imagem, a Imagem-repertério, (Barthes, 1981, p. 74-5) Barthes nao & um fotdgrafo; ele nao fez nenhuma cas fotos de seu livro, e sua Gnica responsabilidade foi coleté-las © atranjé-las €m seu texto. Portanto, ele radot, no sentido usual. a Fotografia” ela propria, exemplificada por uma aparente miscelinea de imagens, algu- mas privadas € pessoais, 2 maioria o traba- ‘ho de profissionais reconhecidos de Niepce a Stieglitz, 2 Mapplethorpe ¢ a Avedon.” “Todas as fotos do mundo” sio tatadas. por Barthes como um labirinto cujo centro nao representivel esconde a mie, sua mie. Uma Cadernos de Antropologia e Imagem, Rio de Janeiro, 15(2): 101-131, 2002 pp 4825 os eropese Cima ela varia oral fe eae, pasando por ‘oats de ai, e iacuam exemplos de ethos metes® 2 rineio fog = ae pce “4 Abas de Charles Cited“ ‘unk Vad, dG. Wibod su 20% bem cam alos do sé 2 Hi um ca fslego om sige a ‘Forgot em ty 2 5 ga, sem {gual esr por ser abranget sstemstcn 117] (1986) sobre os cartOes postais cla Franca colonial, com mulheres argelinas. Alloula dedica seu livro a Barthes © adota o seu vocabulirio bésico para descrever a magia as fotografias, mas inverte as estratégias testuais de Barthes de modo a confiontar- S€ com um compo de imagens que exerceu tuma magia detestivel, perniciosa, na repre- sentaglo ca Argélia: O que leto nesses cartées néo me deixa indiferente. Isso me mostra, como se ainda fosse preciso, a pobreza desoladora de um olhar do. qual eu préprio, como argetino, devo ter sido objeto em minba bistéria pes- soal. Entre nés, acreditamos no efeto nefaso. do olbo grande (do mau olbado). Nés 0 onjuramas com nossa mao expalmada como tum leque. Tomo a fechar minha mao sobre ma caneta para escrever meu exorcismo: este texto. (Alloula, 1986, p. 5) Aqui nlio ha saudades de um estigio perdido, “primitive” ou “realist; nto hi lugar Para o punctum ou para a “ferida” do éx- tase que Barthes aloca no detalhe acidental Ha apenas o trauma macigo do “fantasma da degeadagio" legitimando a si mesmo sob © signo da “realidade” fotogrifica. Essas fotografias excluem todos os “acidentes* que Barthes associa 4 “magia branca” da ima- gem. Elas exibem, para o consumidor voyeur, a fantasia da luxiria, do desejo e da indoléncia “oriental", como o *botim” des- vendado ante 0 olhar ¢ olonial. O texto critico € uma contra-magia, um encantamen- to a0 contririo, que entoa repetidamente sua execracio dos sujos pornégrafos euro- es, com seus alibis etnogrificos. Density guint texto de Alloula preenche as trés condigdes do ensaio etnogrifico de uma ‘Maneira insuspeitada; seu texto é obviamente independente das imagens, e essa indepen- dencia é resultado dlireto da independéncia argelina do império francés (a intoducio, de Barbara Harlow, coloca o livro explicita- mente no contexto do filme de Pontecorvo, A batalba da Argélia). Hi uma “igualdade™ entre texto e imagem em pelo menos dois sentidos. Primeito, 0 texto oferece uma re- futago critica, ponto por ponto, do "argue mento" implicito nas imagens, Segundo, ele tenia compreencler uma imagem visual con- trisia, ou “devolver o olhar" para 0 rosto do olhar predatério colonizador. O texto de Alloula se apresenta, ele préprio, como uma espécie de substituto para um corpo de fotografias que deveriam ter sido tiradas, ‘mas munca o foram: Uma leitura do tipo que pretendo fazer seria inteiramente supérflua se existissem vestigios fologrficos do olbar do coloniza- do sobre 0 colonizador. Em sua auséncia, {st0 6, na auséncia de um confronto enire obhares opostos,tento agi (..) devolver este imenso cartéo postal para quem o enviow. (Alloula, 1986, p. 5) Por tltimo, existe uma “colaboragio” no sentido de que os cartdes postais devem ser reproduzidos ao longo do texto, sendo as- sim forgados a contribuir com sua propria desconsirucio, com seu proprio. *desvela- mento’, assim como a algérienne foi forga- da a colaborar com a mé representagio das mulheres argetinas, © suas imagens forcadas 4 contribuir com uma falsa textualiza Cadernos de Antropologia e Imagen, Rio de Janeiro, 15(2): 101-131, 2002 119] es € uma superagio da impoténcia; 0 texto afirma a. sua hombridade liberando as ima- gens do mau olhado, Barthes encontrou segredo da fotogra- fia em uma imagem de sua mie pré-pabere ro centso de um lubirinto. Seu texto € 0 fio que nos leva para o centro, uma rendigio ensign ganvencstca simbélica & imagem-repert6rio maternal. Allou- Janos leva para fora do labitinto. mentiroso construido pela representacio européia da mulher arabe, Ele no $6 vinga a prostitui- cao da Me, mas também ada propria foto grafia, tentando reverter 0 processo porno- gro. Xe achat SCENES and THDYS, — Avalon sos wih the Foro 14. aus tps ue dre coms de Te xia bare 80), de Nab Ala aan pr Nyse Wh Gece. lnces, 98 eames, Mines ivory of Manes Pres, 180) (© que nos resta? As imagens sto redi- midas? E se so, em que termos € para que ‘90 de observador? Como € que vemos, + exemplo, @ dltima fotografia do livro ura 14), que Alloula s6 menciona de sessagem, € cuja simetria se aproxima da abstragio, reminiscente da fantasia art-nou- veau, Poderi um observador americano, cespecificamente, ver 584s fotos como algo mais do que uma pornografia estranha, arcaica, belas reliquias fantasmagéricas de uma era colonial perdida, “itens de colecio- Cadernos de Antropologia e Imagem, Rio de Janeiro, 13(2): 101-131, 2002 11 legendas". © texto de Said oscila entre relagdes suplementares as ima- gens (comentiios, meditagdes, refle- xdes sobre a fotografia) € material independente" (a historia dos. pa- lestinos, anedotas autobiogriticas, critica politica), As fotogeafias de Mobr oscilam entre relages “ilustra- tivas’ (por exemplo, fotos de jovens levantando pesos documentam 0 ulto da forca Fisica" entre 0s homens palestinos que Said descreve) e obser vacdes “independentes’ que nao rece. bem comentirio direto no. texto, ou que Fepresentam uma espécie de contrapon- 10 irdnico a ele. Um exemplo: a discus. So de Said a respeito da tentativa de Seu pai, durante tock a vida, de esc Par cas memérias e dos signos de Je- tusalém é justaposta (na pagina 10 fado) com uma imagem que implica justamente uma mensagem contraria e que no recebe comentitios, apenas uma legenda minima: *O antigo pref ‘o de Jerusalém e sua esposa no exilio, ‘na Jordinia" (figura 15). tris deles, lum mural fotogrifico da Mesquita de Omar em Jerusalém ocupa inteiramente a parede dle sua sala. A colaboragao entre imagem texto, aqui, no simplesmente de apoio mutuo, Ela mostra a ansiedade e a ambiva- lencia do exitio, cujas memérias € signos, os emblemas da identidade pessoal e nacio- nal, podem “aparecer (...) como fardos" (Said e Mohr, 1986, p. 14). O mural pare~ Ce nos dizer que o antigo prefeito sua €sposa 1ém carinbo por esses fardos, mas SeUS roslOs ni sugerem que isso, de al- gum modo, reduz o peso deles Ceternos de Antropolesiae Imagem, Rio de Lanciro, 15(2): 101-131, 2002 EOS:C i estate dacs San Ma, Pet deen apo deere late le Si Gp © 1 de tv! Sl Rept a pemm e Blocks, hid inden Hoe ne A relagio entre as Fotografias © 0 texto em Afier the Jast sky & consistentemente Bovernad pela dlalética do exitio e de sua superacio, uma dupla relacio de estranhae mento e reunificacio. Se, como diz Said, * exilio € uma série de retratos sem nomes, sem contexto” (Said © Mohs, 1986, p. 12), 9 fetomo aparece no acoplar de nomes a fotografias, de contextos a imagens, Mas o “relorno” nunca € tao simples: as vezes os Romes estio perdidos, istecuperiveis; com muita freqliéncia © acoplamento de um tex- 123, achavam que os palestinos eram “iteis até certo ponto ~ para atacar Israel, para discur- sae contra 0 sionismo, © imperilismo © os Estados Unidos" -, mas que a idéia de considerd-los wm povo (isto é& com uma historia, um texto, um argumento), era ina- ceitivel. A proibicio de escrever talver fosse tuma maneira de manter essas imagens per- turbadoras longe do acesso a uma vox mais Perturbadora. O contexto, a narrativa, as Citcunstincias histéricas, as identidades ¢ os lugares foram reprimidos em favor do. que Pode ser visto como uma parddia do espa- 60 abstrato © “modemista" da exibicto visu- al: poucas legendas, nenhuma “descricio”, ura exibicdo visual sem referéncia ou re- Presentacio, O exilio € uma série de foto- srafias sem texto. Assim, After the last sky € a violagio de uma dupla proibigto: contra um certa tipo de imagem (ndo belicosa, nao sublime), Contra um texto acoplado a essas imagens, Bsse pode ser visto como um ponto exces- sivamente formalista, Mas Said observa que “a maioria dos ctiticos ltesitios (..) focaliza © que € dito nos textos palestinos (.) [seu] sentido sociol6gico & politico, Mas deveria- mos olhar € para a forma” (Said e Mohr, 1986, p. 38), Essa “forma” no € algo sepa. radlo do contetido; ¢ 0 contetdo em seu sentido mais material ¢ espectfico, os luga- tes que ela desenha como o sitio da exis: ‘ncia palestine. Como tal, ela resiste a re- Gucio da questio palestina a uma questio politica, insistindo na relagio tanto ética quanto estética entre o texto e a imagem. A colaboragio de fotSgrato e escritor em Afr the last sky, assim, no pode ser vista sim- plesmente como um corretive a proibigio eninge vets que segrega a imagem palestina do texto Palestino. Essa colaboragio esti imersa em tum campo complexo de heterogeneidades que mio podem ser bem acomodadas na forma dialética tradicional da unidade esté- tica, Nao encontramos a ‘unidade milipla* de Coleridge nesse livio, mas sim algo como uma multplicidade de indicios de unidade, como se fossem vistas por um par de 6cu- Jos com uma das lentes partida. (Esta ima- gem, tirada de uma das mais marcantes Fotografias do livro, seré retomada adiante,) AS duas lentes desse livro sto a escrta € a fotografia, nenhuma delas entendida de ‘modo abstrato ou genérico, mas como cons- trugdes de histérias, lugares ¢ deslocamen- tos especificos. O fot6geafo, um alemio nascido em Genebra, naturalizado cidadao suigo em 1939, teve experiéncia concreta do exilio intra-europeu, O escritor é um pales- tino cristio, nascido em Jerusalém, exilado no Liban, no Egito, nos Estados Unidos. De um ponto de vista, o escritor & a lente interna, limpa, inteira, que pode representar, através de sua propria experiéncia, uma Jmagem focada dos “palestinos"; o fot6grafo €0 estrangeito, incapaz de falar a lingua da Palestina ou de Israel, “vendo” apenas os fragmentos mudos, nio articulados, das vi- das que a cimera permite (assim, muitas das pessoas nas fotografias de Mohr sto andnimas, no identificadas, e a fotografia reduplica 0 exilio da imagem em relacao 20 referente), De outto ponto de vista, 0 fotd- grafo € a lente limpa, inteira. Sua neutral dade suiga Ihe permite 0 que foi negado a0 éscritor nos anos 80, a liberdade de viajar por Israel e pela Margem Ocidental, de “ene rar" na Palestina e representé-la com a trans- Caderrios de Antropalogiae Imagem, Rio delaneiro, 15(2): 101-131, 2002 7 ee 125) ‘fotografia dew lugar a uma explicitacto ‘com poticos segredos. Ela é uma pessoa real = uma palestina — com uma bistiria real no nosso interior. Mas ndo sei se a fotogra- {fia pode dizer, ow diz, como as coisas sao realmente. Algo tinha sido perdido. Mas tudo 0 que lemos 6 a representagio, (Said ¢ Mobr, 1986, p. 84) Essa_maneira desconfortivel de escrever, no caracteristica de Said, é penso, um reconhecimento tacito de sua ambivaléncia fem relagio a0 complexo associative Mulher/ ImagenvLar, uma confissio de sua cumpli- cidade na sentimentaizagio das mulheres € dda terra natal pastoral que fixa a imagina- gio do homem palestino® Sua honestidade em relagio a essa ambivaléncia, seu reco- hecimento de que a imagem fotogrifica tem uma vida para além dos usos discursi- vos, politicos, que cle far dela permite que a Onwinkngstergsmpendadca a fotografia “retorne seu olhar", para ele € para nds, e assevere a independéncia que associamos com a forma forte do ensaio fotogrifco, O segredo e a imimidade poé- ticos que ele esperara encontrar nessa ima- ‘gem sio substituidos por uma familiaridade € uma abertura prosaicas. Jean Mohr di a Said um surpreendente emblema de sua propria ambivaléncia em uuma fotografia que chega mais perto do que qualquer outta neste livro de apresen- tar um retrato do escritor. Mais uma vez, a foto € um retrato nao identificado, exilado de seu referente, a imagem de um ‘aldeio palestino idoso”, com uma lente partida em seus dculos (Figura 17). A fotografia faz, Said Jembrar Rafik Halabi, “un palestino-druze- istaclta® cujo livio The west bank history & altamente critico da ocupago por Israel, mas que escreve da perspectiva de um israelita leal’, que serviu a0 exércita € que “adere a0 16 Jean Maa, Anan, 1984 entor Fara En Afr ka sk de ha W, Sa Copii © 15 de vad W ‘Ss. epke com ern de Peon Books, din ds Rand Hos Cadernos de Autropologia e Imagem, Rio de Janeiro, 15(2): 101-131, 2002 oss er as meres mts pate vids lei, e eo como fs even ete senimntlisno -aroes0 de apis pel arbuis Iris, sigs, iis) onan, eat dps, ques faa wo aside rvocs em mss Vie atomic, ‘culelosmente polizad” Buide Mo 1986p. 77 127| vio de Halabi" c, claramente, no de Said ‘Moht. Os palestinos, um povo sem centro geogrifico © com a mais fidgil identidade cultural € histérica, no tem “uma imagem central", uma “teorit dominante’, um “dis curso coerente"; eles sio descentrados. Ato- nais’ (Said e Mohr, 1986, p. 129). Em mo- mentos como esse, percebe-se a lealdade de Said A estética musical do modernismo, a combinacio de pessimismo e formalismo que associamos a Adorno. A colaboragto composta, descentrada, oscilante, desequil brada de Said com Mohr é, no obstante, uma criaglo definida, congruente e formal, [uma corporificacio material da realidade que ele quer representar, construida pela recust em simplificar, em sentimentalizar ou em decidir a polémica Ambos, 0 escritor € 0 fotgrafo, podem Wer-se a si mesmos nesse retrato andnimo, ele proprio exilado de sew tema: de fato, 0 exilio € “uma série de re- tratos sem nomes, sem contextos” (Said Mohr, 1986, p. 12). Mas se Fotografias des- vinculadas de textos retratam 0 exitio, foto- grafias com texto slo imagens de retomno, lugares de reconciliagio, acomodagio, reco- nhecimento, O delicado ato de equilibrio de um livio ‘em dois diferentes tvilhos’ pode ser um jogo retérico que Said no compre- ende mesmo quando € levado a jogi-lo, mas ele mesmo diz que os palestinos 3s veres “nos deixam intrigados a n6s_mes- mos” (aid ¢ Mobr, 1986, p. 53) A imagem central” dos palestinos, no momento, € uma visio dupla desse tipo - secular, racional, mas profundamente envol- vida com as emiogdes do vitimismo -, figu- ris em uma ret6rica de parandia que os constr6i como inimigos das vitimas do Doms apie gun ease Holocausto, ou meros joguetes em planos geopoliticos. Portanto, Said e€ Mohr nio podem ficar satisfeitos com uma pega de propaganda que “embeleza a imagem" dos palestinos; eles precisam trabalhar também para uma representacio e uma critica dirigi- das para dentro, repreendendo nto apenas os drabes € os israelitas, € os interesse do Grande Poder, mas os préprios_palestinos, inclusive Said, Os erros palestinos ~ sua busca por modelos revolucionitios inade- quidos, como os de Cuba e da Argélia, Sew romantismo impaciente e machista, seu fra- asso em se aliar & “disciplina extensiva® das mulheres, sua falta de uma histéria coerente - fazem parte do retrato.[A idéia do livro, assim, € finalmente ajudar a fazer 6 palestinos existirem tanto por si mesmos quanto para os outros; € um livro dos mais ambiciosos, um texto para construir uma Textos que constroem nacdes sto, é cla- 10, 0 que chamamos “clissicos’; 0 pior destino de um livro (segundo Agee). Foi o destino de Let us now praise famous men depois de uum periodo de abandono e de incompre- ensdo. Nossa compreensio dos anos 30, es pecialmente da Depressio, é freqiientemen- te vista como um produto da colaboragio de Evans e Agee, ¢ ela ajudou a formar uma imagem da naglo na pobreza, apre- sentada com dignidade, simpatia € veracida- de. Mas Evans e Agee nunca tiveram a esperanga, como Said ¢ Mohr, de dirigitse as pessoas que eles representam, de fazé- los existir como um povo. Se esse livro realiza tal esperanca, € uma questio que set respondida para além de suas paginas: “Nao existe nenhum discurso inteiramente Gadernos de Antropologiae Imagem, Rio de Janeiro, 15(2): 101-131, 2002 129] Referéncias bibliogréficas AGEE, 1 EVANS, W. Let us now praise famous men. New York: Houghton Mili, 1980 {7939}. ALLOULA, M, The colonial harem, Trad. Myrna e Wlad Godzich. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1986 1981], BARTIIES,R, The photographic message tn Image/music/text. Trad. 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