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002017 klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! O grupo! Colaboradores ‘Agenda Féruns Contato Q KILOMBAGEM Agaes Cursos Grupo de Estudos Biblioteca Artigos/Textos Noticias/Reflexdes Destaques ARTIGOS/TEXTOS / BIBLIOTECA / DESTAQUES / PENSADORES / PESAMENTO PRETO Q2 Palestras sobre Libertacao (Lectures on Liberation) POR REGINA MARIA DA SILVA-- JULHO 25, 2015 Tradugao de Jaque Conceicao (Pedagoga e Mestra em Educagao: Historia, Politica, Sociedade) Revisio textual e selecao de imagens de Regina Maria da Silva (Pedagoga e Socidloga, Especialista em Magistério do Ensino Superior, Mestra em Educacao: Histéria, Politica, Sociedade e Pés-graduanda em Educagao Infantil e Politicas de Promocao da Igualdade Racial na Escola) Preambulo hipikilambagem crepalestras-sobreliberlaca-lecures-orlibraion! a0 002017 klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! Em 1969, Angela Yvonne Davis era uma jovem de 23 anos. Negra, comunista e doutora em Filosofia pelo Instituto de Pesquisa Social em Frankfurt/Alemanha. Na Europa, ela estudou com Theodor Adorno, um dos intelectuais mais influentes da filosofia moderna alema. O texto a seguir trata da transcri¢do da sua aula inaugural em seu curso sobre filosofia moderna. Nessa aula, o auditério com capacidade para 2500 pessoas do campus da Universidade da California em Los Angeles (UCLA - EUA) lotou. Angela Davis, uma jovem professora de filosofia, militante do Partido Comunista e atuante nos Panteras Negras, demonstrou brilhantemente nessa aula inaugural sua visdo de mundo e interpretagaio filosdfica da realidade dos negros norte-americanos. Temas como religido, identidade, subjetividade, liberdade dao 0 tom do seu brilhantismo e capacidade singular de ler e descrever 0 mundo naqueles anos de lutae resisténcia. Muitos de nés a conhecemos no Brasil por meio de seus textos sobre o feminismo negro, mas o texto abaixo, publicado aqui pela primeira vez em portugués, mostra que suas indagacées sao claramente filoséficas, uma filosofia preta e revolucionéria. Para além do feminismo negro, os escritos de Angela Davis mostram que é preciso construir a libertagao dos individuos pretxs, mas sem perder a nogo de classe. Introdugao. O texto aqui apresentado é de autoria da professora Angela Davis. € sua palestra inicial para o curso Os Temas Filos6ficos Recorrentes na Literatura Negra, seu primeiro curso na UCLA, durante 0 outono de 1969, no momento em que comegava sua atuaco como professora assistente de Filosofia da UCLA. A primeira de duas palestras foi apresentada no Royce Hall para um pdblico de mais de 1.500 colegas interessados. No final da palestra, a Professora Davis foi bastante ovacionada pelo publico de pé. Foi, pensamos, uma reivindicagao de liberdade académica e educacao democratica. As palestras fizeram parte de uma tentativa de trazer & tona a historia proibida da escravidao da opressio do povo preto, e colocar essa histéria em um contexto filos6fico esclarecedor. Ao mesmo tempo, eles sao sensiveis, originais e enfaticos: retratam o trabalho de uma excelente professora e verdadeira estudiosa. A professora Davis agora 6 uma prisioneira da sociedade que deve congratular-se com seus talentos, honestidade e a contribuigdo feita para compreender e resolver 0 problema mais critico dessa Sociedade — a divisdo entre os seus opressores e oprimidos. Primeiro, ela foi atacada pelo reitor da Universidade da Califérnia, que tentou hipikilambagem crepalestras-sobreliberlaca-lecures-orlibraion! 002017 klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! demiti-la afirmando ser ilegal sua participacao no Partido Comunista. Quando essa tentativa foi anulada pelo Tribunal Superior de Los Angeles, o reitor negou a continuago normal da sua nomeacdo para um segundo ano, apesar das recomendacdes do comité de avaliacao e do Chanceler da UCLA para que ela fosse nomeada. Durante o verao de 1970, ela foi acusada de sequestro, assassinato e fuga ilegal para evitar ser processada e colocada na lista dos mais procurados do FBI Quando apreendida ela foi mantida sob fianca excessiva, tendo a fianca negada e, posteriormente, mantida em isolamento de outros prisioneiros. No primeiro texto, a Professora Davis assinala que manter uma classe oprimida na ignorancia é um dos principais instrumentos de controle do opressor, Como Frederick Douglas, o escravo cuja vida e obra ela examina aqui, a Professora Davis também é uma oprimida educada, Como ele, ela alcancou plena consciéncia do que é, e tem aumentado essa consciéncia em seu préprio povo e nos outros, Nao pode haver davida de que sua eficdcia na critica a ignorancia forcada, na qual ela e seu povo tem sido mantidos, é 0 principal motivo para seu banimento e o tratamento que ela recebe desde entao Estas so palestras que tratam da fenomenologia da opressao e libertacao, E tem um ponto fundamental: como pode ser possivel, haver milhdes de oprimidos, no pais que é anunciado como a sociedade mais livre do mundo. E necessario pensar as causas da opressio e as formas em que ela se perpetuar; seu significado psicolégico para o opressor e os oprimidos; e o processo pelo qual o tltimo torna-se consciente de que é possivel vencer a opressao. Esta foi a tarefa que a Professora Davis tomou para si mesma. Ela traz para seu trabalho um fundo filoséfico rico, um intelecto penetrante e 0 conhecimento nascido da experiéncia hipikilambagem crepalestras-sobreliberlaca-lecures-orlibraion! 002017 klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! Seria talvez inevitavel que a Professora Davis se tornasse um simbolo para grupos e causas conflitantes, Mas é bom lembrar que por tras do simbolo encontra-se o ser humano cujos pensamentos siio registrados aqui, e que quando ela vai a julgamento no apenas uma causa humana, mas também uma vida humana sera julgada. Nesse meio tempo, temos orgulho em apresentar estas duas palestras de uma lustre colega e amiga. Suas palavras, em todos os lugares, podem contribuir para a derrota da opressao California, Primavera de 1971. Prof. Matthew Skulicz - Departamento de Literatura Inglesa Palestras para libertacao New York, 1971. Comité para libertacéio da Angela Davis e todos os prisioneiros politicos Aideia de liberdade tem sido justificadamente um tera dominante na historia das ideias ocidentais, 0 homem tem repetidamente definido a sua liberdade como algo inalienavel. Um dos paradoxos mais agudos presentes na histéria da sociedade ocidental é que, enquanto no plano filos6fico, a liberdade foi delineada da forma mais elevada e sublime, na realidade concreta, para alguns ela é marcada pela forma mais brutal que é a escravidao. Na Grécia Antiga, onde a democracia teve a sua origem, nao se pode esquecer que, apesar de todas as afirmacées filoséficas da liberdade do homem, apesar da demanda de que o homem sé podia realizar-se através do exercicio da sua liberdade como um cidadao da polis: a maioria das pessoas em Atenas nao era livre, As mulheres nao eram cidadas e a escravidao era uma instituicao aceita, Mas |4, houve definitivamente uma forma de racismo presente, e apenas para os homens gregos foram concedidos os beneficios da liberdade: todos os ndo-gregos foram chamadbs barbaros e por sua natureza nao poderiam ser merecedores ou mesmo capazes de exercerem a liberdade hipikilambagem crepalestras-sobreliberlaca-lecures-orlibraion! 002017 klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! Neste contexto, no se pode deixar de evocar a imagem de Thomas Jefferson e outros fundadores, chamados a formular os conceitos nobres da Constituigo dos Estados Unidos, enquanto seus escravos viviam na miséria. A fim de nao estragar a beleza da Constituigao e ao mesmo tempo proteger a instituicao escravidao eles escreveram sobre pessoas mantidas sob servico ou trabalho, um eufemismo para a palavra escravidao. Essas pessoas eram tipos excepcionais de seres humanos, que nao mereciam as garantias e os direitos da Constituicdo. O homem é livre ou nao é livre? Deveria ele ser livre ou nao deveria ser livre? A historia da Literatura Negra prevé, em minha opinido, uma explicacéio muito mais esclarecedora da natureza da liberdade, sua extensao e os limites dos discursos filosdficos sobre este tema na historia da sociedade ocidental. Por qué? Por razées numéricas. Em primeiro lugar, porque a Literatura Negra neste pais e em todo o mundo projeta a consciéncia de um povo que tem seu acesso a liverdade negado. Os negros tém exposto pela sua prépria existéncia as insuficiéncias da liberdade, nao s6 em sua pratica, como também na sua formulacao tedrica. Porque se a teoria da liberdade fomenta a separacao entre 0 conceito e a pratica, ou seja, o que se pensa, nao se vivencia entao isso significa que algo deve estar errado com o conceito. O tema central deste curso serd a ideia de liberdade: como ela é retratada na producao literdria do povo negro. Comecando com a vida e os tempos de Frederick Douglass, vamos explorar a experiéncia do escravo, do seu cativeiro e, assim, a experiéncia negativa de liberdade. O mais importante aqui sera a transformacao fundamental do conceito de liberdade como principio estatico da luta para libertacdo. Vamos passar por W.E. B, Dubois, de Jean Toomer, Richard Wright e John A, Williams, Intercalando com as poesias dos varios perfodos da Histdria Negra neste pats e as andlises tedricas de hipikilambagem crepalestras-sobreliberlaca-lecures-orlibraion! 002017 klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! Fanon e Dubois, Finalmente, vamos discutir alguns poemas de Nicolas Guillen, um poeta cubano negro, e comparé-los com 0 trabalho dos negros americanos, Durante o curso, a nogao de liberdade sera o eixo em torno do qual vamos tentar desenvolver outros conceitos filos6ficos. 0 tipo de filosofia da historia que emerge das obras que estamos estudando sera crucial A moralidade peculiar a um povo oprimido é algo que tera que ser debatido, A medida que progredimos ao longo do caminho do desenvolvimento da liberdade na literatura negra, devemos recuperar toda uma série de temas relacionados. Antes de entrar no material, eu gostaria de dizer algumas palavras sobre os tipos de questdes que devemos nos fazer quando nos aprofundamos na natureza da liberdade humana, Primeiramente, é a liberdade totalmente subjetiva, totalmente objetiva, ou é uma sintese de ambos os pélos? Deixe-me tentar explicar o que quero dizer. A liberdade & concebida apenas como uma dada caracteristica inerente do homem? A liberdade esta confinada apenas dentro da mente humana? A liberdade é algo que permite nos movermos, para agir de uma forma ou fazer uma escolha? Vamos colocar a questo original como a subjetividade ou objetividade da liberdade da seguinte maneira: E liberdade a liberdade de pensamento ou a liberdade de aco? Qu, mais importante, & possivel conceber uma forma de liberdade sem a outra? Isso nos leva diretamente para o problema de saber se a liberdade é possivel dentro dos limites do cativeiro material. Pode o escravo ser considerado livre de alguma maneira? Isto traz 4 mente uma das demonstragdes mais notérias que o existencialista francés Jean-Paul Sartre fez. Mesmo o homem na cadeia, para eliminar a sua condi¢ao de escravidao, luta, mesmo que isso signifique a sua morte. Isto é, a sua liberdade est estreitamente definida como a liberdade de escolher entre o seu estado de cativeiro e sua morte, Agora, este é ponto. Certamente, isso nao seria compativel com a nocao de liberdade, quando 0 escravo tem que optar por sua morte, ele faz muito mais do que destruir sua condicao de escravidao, por que ao mesmo tempo em que ele cria sua propria liberdade, ele acaba com sua vida, No entanto, ha mais a ser dito, quando o escravo toma a decisdo de morrer para ter sua liberdade e assim, na luta pela liberdade, encontra sua morte, ele nos ensina que, para alguns, vida e liberdade parece ter 0 mesmo sentido. hipikilambagem crepalestras-sobreliberlaca-lecures-orlibraion! 002017 klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! A consciéncia auténtica de um povo oprimido implica uma compreensao da necessidade de abolir a opressao. 0 escravo encontra no final da sua, elementos para a verdadeira compreensio do que significa liberdade, Ele sabe que isso significa a destruicao da relacao senhor-escravo. E, nesse sentido, o seu conhecimento da liberdade é mais profundo do que o de mestre. O mestre sente-se livre, ¢ ele sente-se livre porque ele é capaz de dar liberdade a outro individuo. 0 escravo experimenta a liberdade do mestre em sua verdadeira luz, a medida que ele entende que a liberdade do senhor é liberdade abstrata para suprimir outros seres humanos. O escravo entende que este & um pseudo conceito da liberdade e neste momento é mais iluminado do que o seu mestre, por que ele percebe que o mestre é um escravo de seus préprios equivocos, dos seus préprios erros, da sua propria brutalidade, do seu prOprio esforco para oprimir, Agora eu gostaria de ir para o material. A primeira parte de A vida e os Tempos, de Frederick Douglass, chamada "A vida de escravo", constitui uma viagem fisica da escravidao para a liberdade, que é a0 mesmo tempo a celebracao e reflexdo de uma viagem filoséfica da escravidao para a liberdade. Frederick Douglass O ponto de partida para esta viagem é a seguinte pergunta que Frederick Douglass faza si mesmo como uma crianga: "Por que eu sou um escravo? Por que algumas pessoas so escravos e outros mestres?” (pagina 50). Sua atitude critica quando ele nao consegue aceitar a resposta habitual — que Deus tinha pessoas negras para serem escravos e pessoas brancas para serem mestres — a condico basica que deve estar presente antes da liberdade poder se tornar uma possibilidade na mente do escravo. N&o devemos esquecer que em toda a hist6ria da sociedade ocidental ha uma hipikilambagem crepalestras-sobreliberlaca-lecures-orlibraion! 70 002017 klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! abundancia das justificativas apresentadas para a existéncia da escravidao, Tanto Plato e Aristateles argumentaram que alguns homens nasceram para serem escravos, pois nao nasceram em estado de liberdade. Justificativas religiosas para a escravidao so encontradas em todos os momentos. Vamos tentar chegar a uma definicdo filoséfica do escravo, ja dissemnos a esséncia: ele é um ser humano que, por alguma razao ou outra tem a liberdade negada, Mas nao éa esséncia do ser humano a sua liberdade? Ou o escravo nao é um homem ou em sua propria existéncia 6 uma contradicao. Nés podemos descartar a primeira alternativa, embora nao devemos esquecer que a ideologia dominante definiu 0 negro como sub- humano. A incapacidade de lidar com a natureza contraditéria da escravidao, a ignorancia da realidade imposta é exemplificada na nocao de que o escravo nao é um homem, pois se ele fosse um homem, ele certamente deveria ser livre. Todos nés sabemos das tentativas calculadas para roubar 0 homem negro de sua humanidade, Sabemos que, a fim de manter a instituigéo da escravidao, os negros foram forcados a viver em condiges que nem animais viveriam. Os brancos proprietarios de escravos foram determinados para moldar as pessoas negras na imagem do ser sub-humano que eles tinham inventado para justificar suas agdes. Um circulo vicioso onde escravo-propriedade perde toda a consciéncia de si mesmo. O circulo vicioso continua a girar, mas para o escravo, ha uma saida: a resisténcia, Frederick Douglass parece ter tido a sua primeira experiéncia desta possibilidade de um escravo tornar-se livre ao observar um escravo resistir a uma flagelagao: "Esse escravo que teve a coragem de se levantar por si mesmo em primeiro lugar, tornou-se livre, apesar de juridicamente ser escravo, ‘vocé pode atirar em mim’, disse um escravo para Rigby Hopkins, ‘mas vocé nao pode me chicotear’, e o resultado foi que ele nao foi nem chicoteado nem alvejado”. J podemos comecar a concretizar a nogio de liberdade como ela apareceu ao escravo. A primeira condicio da liberdade é 0 ato de resisténcia — resisténcia fisica, resisténcia violenta. Nesse ato de resisténcia, os rudimentos da liberdade ja esto presentes. Ea retaliagao violenta significa muito mais do que 0 ato fisico: é ndo s6 a recusa em submeter-se a flagelacao, mas também a recusa em aceitar as definigdes de escravo e mestre; é implicitamente uma rejeigao da instituigao da escravidao, seus padrées, sua moralidade, um esforco no sentido microcésmico em busca da libertacao. hipikilambagem crepalestras-sobreliberlaca-lecures-orlibraion! 002017 klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! A forma mais extrema de alienago humana é a reduco ao status de propriedade, Isto & como 0 escravo foi definido: algo a ser possuido, Segundo Frederick Douglass, ser escravo era ter a personalidade absorvida pelo mestre, “nds nao tinhamos mais valor que as vacas e os bois no pasto, ndo podiamos nem sequer decidir se poderiamos comer ou nao". Os negros eram tratados como coisas, eles foram definidos como objetos, “O escravo era um dispositivo elétrico”, observa Frederick Douglass. Sua vida devia ser vivida dentro dos limites dessa objetificacao, dentro dos limites da definigao do homem branco do que é ser um homem negro. Forcado a viver como se fosse um dispositive elétrico, a percepcao do escravo do mundo esta invertida. Porque a sua vida é relegada de um objeto, ele deve esquecer a sua propria humanidade dentro desses limites. “Ele no tinha escolha, nenhuma meta, e foi ficando para baixo a um Unico local, e deveria langar raizes ld ou entao em lugar nenhum. “O escravo néio tem qualquer determinacao sobre as circunsténcias externas de sua vida. Um dia uma mulher poderia estar vivendo em uma plantacao entre seus filhos, familia e amigos; no dia seguinte, ela poderia ser levada a milhas de distancia, sem esperanca de alguma vez encontra-los novamente. A ideia da viagem perde a sua conotagao de exploracao, ela perde o entusiasmo de aprender o desconhecido. A viagem torna-se uma jornada para o inferno, nao longe da coisificagao da existéncia do escravo, mas uma acentuacao ainda mais intensificada da sua nao existéncia humana. O proprietario de Frederick Douglass revela-ihe involuntariamente o caminho em dirego 8 consciéncia da sua alienagao: "Um “nigger nao deve saber nada, somente a vontade do seu senhor, e aprender a obedecé-Ia”, “O escravo é alienado totalmente & medida em que ele aceita a vontade de seu mestre como a autoridade absoluta sobre sua vida; 0 escravo nao tem vontade, nao ha desejos, ele nao existe; sua esséncia, seu ser devem encontrar-se totalmente na vontade de seu mestre”. Isto quer dizer que, em parte, é como consentimento do escravo que o homem branco é capaz de perpetuar a escravidao — quando dizemos consentimento, no entanto, nao é o consentimento livre, mas 0 consentimento sob a forca e pressio brutal e violenta, Frederick Douglass aprendeu a partir de observacdes de seu dono precisamente como devia combater a sua prépria alienacao: “Muito bem, pensei, conhecimento incapacita uma crianga para ser um escravo: a partir desse momento, eu entendi o caminho direto hipikilambagem crepalestras-sobreliberlaca-lecures-orlibraion! 002017 klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! da escravidao para a liberdade”. Se olharmos atentamente as palavras de Frederick Douglass poderemos detectar o tema da resisténcia, mais uma vez. Sua primeira experiéncia concreta da possibilidade de liberdade dentro dos limites da escravidao ver quando ele observa um escravo resistir a uma surra. Agora, ele transforma esta resisténcia em uma resisténcia da mente, na recusa em aceitar a vontade do mestre e em determinagao para encontrar meios independentes de avaliar 0 mundo Assim como 0 escravo tem usado a violéncia contra a violencia do agressor, Frederick Douglass usa 0 conhecimento de seu proprietario, para ir contra ele: ele nos diz que o conhecimento impede o homem de ser escravo, Resisténcia, rejeicao, em todos os niveis, em todas as frentes, so elementos integrantes da viagem em diregao a liberdade. Alienacao vai dando espaco para a consciéncia através do processo de conhecimento. Na luta contra a ignorancia, ao resistir a vontade de seu mestre, Frederick Douglass, apreende que todos os homens devem ser livres e, portanto, aprofunda seu conhecimento da escravidao, do que significa ser um escravo, 0 que significa ser contraparte negativa de liberdade. "Quando eu tinha uns 13 anos de idade, e tinha conseguido aprender a ler, cada aumento de conhecimento, especialmente qualquer coisa respeitando os estados livres, era um peso adicional A escravidao. Era uma realidade terrivel e eu nunca mais seria capaz de aceita-la em meu espitito joven, que queria ser livre" Sua alienacao torna-se real, vem a tona e Frederick Douglass vai experimentar existencialmente tudo que torna impraticavel a liberdade, por estar vinculada a um estado de nao-liberdade materialmente falando, ao mesmo tempo encontrar quais elementos mentais para a libertacio, A tensao entre 0 subjetivo e o objetivo, é o que cria 0 impulso em direcao @ liberacao total, Mas antes que esse objetivo seja alcancado toda uma série de fases deve ser percorrida, O escravo, Frederick Douglass, portanto, transcende mentalmente sua condicao para a liberdade. Aqui reside a consciéncia da alienacao. Ele vé a liberdade concretamente como a negacao da sua condi¢ao — que esta presente no préprio ar que respira. "A liberdade, como a criagdo inestimavel de cada homem, é um direito que nos é dado, desde a nossa primeira respiragao, ainda na barriga de nossas maes. Esta em cada som, em cada objeto, mas sua auséncia me atormenta mostrando-me minha misétia, 0 quao hipikilambagem crepalestras-sobreliberlaca-lecures-orlibraion! 1020 002017 klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! horrivel e desolada era minha condicao. A liberdade estava em tudo: eu a ouvia sem nada ter ouvido, Nao estou exagerando quando digo que ela olhou para mim em cada estrela, sorriu em cada calmaria, respirou em cada vento e me banhou em cada tempestade” Ele chegou a um verdadeiro reconhecimento de sua condicao. Este reconhecimento & ao mesmo tempo a rejeicao da referida condico, A consciéncia da alienagao implica na recusa absoluta a aceitar a alienacaio. Mas na situago do escravo, por sua natureza impossivel: 0 conhecimento nao traz felicidade, nem traza verdadeira liberdade — traz a desolagdo e a miséria, enquanto o escravo nao conseguir ver um caminho concreto para fora da escravidao, ele sofre com ela. "Eu era ignorante, e resolvi saber, mas o conhecimento s6 aumentou minha miséria’, diz Douglass muito contraditéria, Nesta estrada para liberdade, Frederick Douglass experimenta a religiio como um reforco e justificativa para o seu desejo de ser livre. A partir da doutrina crist, ele deduz a igualdade de todos os homens diante de Deus. Se isso for verdade, ele infere, os senhores de escravos devem estar desafiando a vontade de Deus e devem ser tratados de acordo com Sua ira, Liberdade é a abolicao da escravidao, libertagao é a destruicao da alienac&o — essas nocdes recebem uma justificativa metafisica e um impulso através da religiao, Um ser sobrenatural deseja a aboligao da escravatura: Frederick Douglass, escravo e crente em Deus, deve cumprir a vontade Dele, trabalhando em prol das libertagdes dos homens escravizados. Douglass nao era a Gnica pessoa a inferir isso no cristianismo. Nat Turner retirou uma parte importante de sua inspiragao e da sua fé no cristianismo. John Brown foi outro exemplo. hipikilambagem crepalestras-sobreliberlaca-lecures-orlibraion! 002017 klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! Nat Turner John Brown Nés todos sabemos que a partir da perspectiva da sociedade dos brancos, a ideia predominante por tras da juncao escravidao e religiao era fornecer uma justificativa metafisica, nao para a liberdade, mas sim para a escravidao. Uma das declaragdes mais notérias de Karl Marx é que a religido é 0 dpio do povo. Isto é — a religido ensina os homens a estarem satisfeitos com sua condigao neste mundo — com sua opressao -, orientando as suas esperancas e desejos em um dominio sobrenatural. Um pouco de sofrimento durante a existéncia de uma pessoa neste mundo nao significa nada em comparacao com uma eternidade de bem-aventuranga. Marcuse nos diz muitas vezes que a religiéo é o desejo e o sonho de uma humanidade oprimida. Por um lado, esta afirmacao significa, naturalmente, que os desejos se tornam sonhos projetados para uma esfera sobre a qual os seres humanos nao tém controle: um reino imaginario. Mas, por outro lado, temos de nos perguntar: ha alguma coisa implicita na declaragao de Marcuse sobre a nogo de sonhos e desejo de uma humanidade oprimida? Pense por um momento: necessidades e desejos sao transformados em sonhos através do processo das religides, porque parece nao termos mais esperanca neste mundo (e é justamente esta a perspectiva de um povo oprimido, a falta de esperanga), Mas 0 que é importante, é que esses sonhos sempre retornam ao seu status original - a realidade material da terra. Ha sempre a possibilidade de redirecionar esses sonhos e desejos para o aqui e agora. hipikilambagem crepalestras-sobreliberlaca-lecures-orlibraion! 100 002017 klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! Frederick Douglass foi redirecionado a esses sonhos; Nat Turner colocau os sonhos dentro do ambito do mundo real. Assim, néio pode haver uma funcdo positiva da religido, porque sua prépria natureza é satisfazer as necessidades urgentes das pessoas que so aprimidas. (Estamos falando apenas da relaco do povo oprimido com a religido, no a tentativa de analisar a nogao de religiao em si e para si). Nao pode haver uma fungao positiva da religido. Tudo o que precisa ser feito é dizer: vamos comecar a criar essa eternidade de bem-aventuranga para a sociedade humana neste mundo. Vamos converter a eternidade na historia. Por que os negros nao mudam a histéria? Por que houve um esforco calculado por parte do branco, delimitando o espaco do negro, reforcando a nogao e a mentalidade de escravo com um tipo especial de religido que serve aos interesses dos senhores brancos, servindo para perpetuar a existéncia da escravidao. 0 cristianismo foi utilizado para fins de lavagem cerebral, doutrinacdo e pacificacao dos negros escravizados Kenneth Stampp em seu trabalho “The Peculiar Institution" discute extensivamente o papel da religido na criacao de métodos de doutrinar as pessoas negras, de suprimir a revolta potencial, Na primeira parte, as africanos nao foram convertidos ao cristianismo, porque isso poderia ter dado aos escravos uma reivindicagao de liberdade. No entanto, as varias colénias que utilizavam mao-de-obra escrava, aprovaram leis no sentido de que os crist&os negros nao se tornariam automaticamente homens livres em virtude de seu batismo. Stampp formula as razdes pelas quais os senhores brancos finalmente decidiram deixar escravos entrarem através das portas sagradas da cristandade: "Por meio de instrucao religiosa, conhecimento biblico que os escravos deveriam obedecer seus mestres, eles ouviriam dos castigos aguardando o escravo desobediente, ouviriam sobre a recompensa para o servical fiel e que, no dia do juizo final, Deus iria lidar com a imparcialidade para com os pobres e 0s ricos, o homem negro e o branco, sempre a partir de sua fidelidade e temeridade a Deus e ao cristianismo”. Assim, as passagens da Biblia que enfatizam obediéncia, a humildade, o pacifismo, paciéncia, foram apresentados ao escravo como a esséncia do cristianismo. As passagens, que por outro lado, falavam sobre a igualdade, a liberdade, e aqueles que Frederick Douglass foi capaz de descobrir porque diferentemente da maioria dos escravos, ele aprendeu a ler sozinho — estas foram eliminadas dos serm@es para os escravos, ministrados aos domingos. Uma versao com muita censura do cristianismo hipikilambagem crepalestras-sobreliberlaca-lecures-orlibraion! 1920 002017 klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! foi desenvolvida especialmente para os escravos, Um escravo piedoso, portanto, nunca teria atingido um homem branco, seu mestre estava sempre certo, mesmo quando ele estava humanamente errado. Este uso da religiéo, ensinava aos homens negros que eles nao eram homens por completo; tais passagens biblicas foram usadas para abolir 0 a mo remanescente de identidade que o escravo possufa. Mas, em longo prazo, eles no foram bem-sucedides como nos mostraram Frederick Douglass, Gabriel Prosser, Denmark Vesey, Nat Turner e indmeros outros que transformaram o cristianismo contra os missiondrios, O Antigo Testamento foi especialmente dtil para aqueles que planejaram revoltas — os Filhos de Israel foram libertados da escravidao no Egito por Deus ~ mas eles lutaram e lutaram, a fim de cumprir a vontade de Deus, ea resisténcia foi a ligéo aprendida a partir da Biblia. A reacio de Frederick Douglass revolta de Nat Turner é reveladora, como nos conta Douglass: "A insurreicéo de Nat Turner havia sido debelada, mas o alarme e terror que originaram nao haviam diminuido. A célera foi, entao, em direcao a seu pais e eume lembro de pensar que Deus estava com raiva dos brancos por causa de sua maldade contra os escravos. E claro que era impossivel para mim nao me envolver com o movimento da abolicao, principalmente depois que o movimento foi apoiado pelo Todo- Poderoso". Eu gostaria de terminar aqui, apontando para a esséncia do que eu tenho tentado atravessar hoje. A estrada para a liberdade, o caminho da libertagao é marcado pela resisténcia em cada encruzilhada: a resisténcia mental, resisténcia fisica, resisténcia direcionada para a tentativa de obstruir 0 caminho do cativeiro. Acho que podemos aprender com a experiéncia do escravo. Temos de desmascarar 0 mito de que as. pessoas negras eram déceis e aceitar que o negro resistiu desde que pisou nessa terra. Nenhum individuo que tenha conhecimento e consciéncia de si mesmo preferiré a escravidao a liberdade, Nem o individuo mais temente a Deus. hipikilambagem crepalestras-sobreliberlaca-lecures-orlibraion! wn 002017 klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! Compares: a (2) [Eia) [e+ eomeanaina | 9 3 = Fema | [imprimir Curtirisso: > Gostar Sejao primero a gostar diste. Regina Maria da Silva, Professora (Prefeitura de Santo André/CEQ Educacional/Alianga Educacional ABC), Graduada em Pedagogia e Ciéncias Sociais, Especialista em Magistério do Ensino Superior, Mestra em Educagao: Histéria, Politica, Sociedade e Pés-graduanda em Educacao Infantil e Politicas de Promogao da Igualdade Racial na Escola http: Awww.\gualdadenadiversidade.blogspot.com.br/ Twitter: @educdiversidade Facebook: https://www. facebook com/pages/Igualdade-na- Diversidade/109034675872488 ? VOCE PODE GOSTAR... hipikilambagem crepalestras-sobreliberlaca-lecures-orlibraion! 1520 002017 klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! Apropriacao Cultural Sobre Mocambique - Por SS FEV, 2017 José Chasin (1980) 4 DEZ, 2012 Racismo e Cultura por Frantz Fanon 6 DEZ, 2012 2 RESULTADOS Comentarios 2 > Pingbacks 0 TB. | Matheus © 22 de novembro de 2016 as 10:34 gostei muito Aprendi muitas coisa sobre Negro Eva Gane © 11 de agosto de 2016s 18.35 Por obséquio, seria possivel baixar em pdf todo o texto acima também? Historia, e fonte de pesquisa FAGA UM COMENTARIO SOBRE ESSE ASSUNTO! hipikilambagem crepalestras-sobreliberlaca-lecures-orlibraion! 1820 002017 klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! WA TCE titsitoconenna A Este site foi bloqueado baseado na polAtica de seguranAga do TCE-BA (Ato NA° 387, de 1A° de setembro de 2010). ‘URL: http://jetpack.wordpress.com/jetpack-comment/?blog... RazA£o do Bloqueio: Freeware/Software Downloads LISTA DE LINKS, FEEDS POPULAR POSTS Ebukhosini Solutions @ Ei, Escola Sem Partido, vamos falar sobre o seu racismo? Por Simeia Mello, Fractais Africanos Hip Hop de Fato Quilombo X "Preto é cor, negro é raga". Sera mesmo? AKILOMBAGEM CONTINUA Para Educar Criangas Feministas ~ Chimarnanda Ngozi Adichie somber under 17 DE ABRIL DE 2017 Noite Wvani Oliveira O tambor & ancestralidade e ancestralidade & histéria, 21 DE FEVEREIRO DE 2017 Katiara hipikilambagem crepalestras-sobreliberlaca-lecures-orlibraion! Para Educar Criangas Feministas - Chimamanda Ngozi Adichie ans [0 comments by Nan Obeid Notas Dr. Kwame Nkrumah: 0 Panafricanismo ea luta a0 002017 Universidade Livre Comunicagéo Vilma Neres PARCEIRIAS Africanidades (revista eletronica) Akins Kinte Poesias @ Blog da Campanha Reaja ou Sera Morto, Reaja ou Sera Mortal Blog do Saloma @ Cena7 © Ciilizagoes africanas Contra a Epistemicidio Edson Ike Ei, Escola Sem Partido, vamos falar sobre o seu racismo? Por Simeia Mello, G Igualdade na Diversidade @ Katiara - coletivo Kilombagem Entrevistada pelo klombagem.orgfpalesras-sobre-ibertacae-lectures-or liberation! 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