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Escrito em 11/03/2008

Publicado em 16/03/2008 no

As ameaças da Valorização do Real

Carlos Augusto Franco Guimarães*

Economia estabilizada, Credor internacional, Risco Brasil caindo, PIB em crescimento, Desemprego
em queda,..... Céu de brigadeiro para a economia Brasileira? Ainda não. As nuvens no horizonte dizem
respeito à elevada valorização do Real.

Vejamos como o Dólar Americano se comportou em relação às principais moedas internacionais, no


período de um ano (calculado entre 11/03/07 e 10/03/2008):

País Moeda Dólar X Moeda


Brasil Real -19,87%
China Yuan -8,19%
Grã-Bretanha Libra -4,25%
Argentina Peso 1,61%
Europa Euro -14,38%
Japão Yen -12,42%
Índia Rúpia -8,64%
Rússia Rublo -8,97%
Austrália Dólar Australiano -15,98%
Canadá Dólar Canadense -15,96%

A tabela mostra que, com folga, o Real foi a moeda que mais se valorizou frente ao Dólar, 19,87% ,
contra 14,38% do Euro , 12,42% do Yen Japonês e 8,19% do Yuan Chinês. Da lista acima a única moeda
sobre a qual o Dólar Americano se valorizou foi o Peso Argentino.

A valorização do Real diminui a competitividade das indústrias Brasileiras e pode levar o país à
“Doença Holandesa”, que ocorre quando um aumento de receita decorrente da exportação de recursos
naturais “desindustrializaria” uma nação devido à valorização cambial, que torna o setor manufatureiro
menos competitivo aos produtos externos. Chama-se assim porque, no início dos anos 60, houve uma
escalada dos preços do gás que aumentou substancialmente as receitas de exportação da Holanda e
valorizou o Florim. O excesso de exportações de gás derrubaram as exportações dos demais produtos por
falta de competitividade.

A valorização do Real ocorre, não pelo aumento da eficiência da nossa economia, mas sim, pelo
aumento de preços das commodities que exportamos, principalmente metálicas e agrícolas, e das
conseqüências do alto valor das nossas taxas de juros reais. A exportação de manufaturados Brasileiros , de
acordo com a Secex – Secretaria de Comércio exterior, era de 55,1% do total exportado em 2005, e fechou
em 52,3% em 2007. A exportação de produtos básicos era de 29,3% em 2005 e atingiu 32,1% em 2007. A
balança comercial foi negativa em R$ 159 milhões na primeira semana de Março/2008. No período de
Janeiro até a primeira semana de março/2008, comparado com o mesmo período do ano passado houve um
aumento nas exportações de 19,8%, contra um, pasmem, aumento nas importações de 51,1% ! . A taxa de
juros real Brasileira é a maior do mundo, e está em 6,7% ao ano, seguida de perto pela Turquia, com 6,4%
ao ano. O país não parece ainda estar sofrendo um processo de “desindustrialização”, até mesmo porquê o
setor está em pequena expansão, porém, estas informações mostram claramente um fato: A indústria
Brasileira vem perdendo condições de competição pela valorização da sua moeda.

A revista Inglesa “The Economist” publica anualmente, desde 1986, o “The Big Mac Index” , que
visa comparar a paridade entre as moedas, através do preço de venda do Big Mac em cada país. Fruto do
refinado senso de humor inglês, o “Índice Big Mac” é utilizado como referência por vários economistas, pois
o sanduíche é produzido em cada país com insumos e mão-de-obra locais, sendo mais preciso na
comparação de economias em estágios de desenvolvimento similares. A análise do inusitado índice mostra
que o Real está sobrevalorizado, principalmente quando comparado às moedas de países que são
concorrentes diretos do nosso, na busca por investimentos e mercados externos, como Rússia e China.
Segundo o estudo o Real estaria sobrevalorizado em 17% em relação ao dólar, enquanto o Yuan Chinês e o
Rublo Russo estariam desvalorizados em 52% e 36%, respectivamente.

Existem ainda outros indícios: Os gastos dos turistas Brasileiros no exterior nunca foram tão altos,
em Jan/2008 foi 70% mais alto do que Jan/2007, que já havia sido 30% mais alto do que 2006, que já
havia sido 26% mais alto do que 2005..... Isto tudo mostra que os produtos importados estão mais
acessíveis a nossa moeda sobrevalorizada.

O risco da sobrevalorização cambial é que a indústria manufatureira perca competitividade a tal


ponto, que não consiga mais enfrentar concorrentes externos, e estas empresas venham a fechar ou
substituir suas produções por importações. Economistas calculam que hoje, importações a empresas
estrangeiras levem cerca de 2% do nosso PIB. O risco da perda de competitividade em função do câmbio é
fazer com que todo o ganho em crescimento, através de investimentos, programas PAC do governo, etc...
seja revertido em ganho de participação de mercado para empresas estrangeiras, mais competitivas por
estarem em países onde o câmbio é mais desvalorizado.

O Chile usa uma solução interessante para evitar a sobrevalorização cambial e suas conseqüências:
a Desindustrialização e a “Doença Holandesa”. Este país detém 25% das reservas de Cobre no mundo, um
metal que tem milhares de aplicações e uma demanda firme a qualquer tempo. As receitas com o cobre
representaram 10% das receitas Chilenas médias no período de 1994 a 2006. Desde 1985 o Chile tem um
fundo de reservas externas, que visa estabilizar o fluxo de recursos, captando recursos quando o cobre está
em alta e injetando recursos na economia na baixa. Em novembro de 2006, após grande subida de preço do
Cobre ( de US$ 1.500/ton em Jan/2002 para US$ 7.900/ton em Jul/2007), que aumentou dramaticamente o
valor das exportações Chilenas, forçando o câmbio a se valorizar, o governo Chileno recriou o seu fundo,
chamando-o de “Fundo de estabilização econômica e social”. Este fundo utiliza o superávit nominal para se
capitalizar. Todo o recurso é investido em renda fixa, no exterior (Títulos de tesouros AAA, etc...) , retirando
moeda estrangeira da economia, prevenindo a sobrevalorização do Peso Chileno. Segundo o Ministério da
Fazenda Chileno o Peso Chileno está sendo negociado pelo preço médio, descontada a inflação, dos últimos
20 anos.

Outros países que têm fortes receitas com commodities influenciando a economia, também tem
fundos como este: Rússia, Kuwait, Venezuela, Noruega, etc... O Fundo da Rússia, por exemplo, existe desde
1994, foi criado com a mesma função do Chileno, no entanto , a sobrevalorização do Petróleo transformou o
fundo em um sucesso tão grande que ele foi usado para pagar dívidas externas e contribuir com o sistema
de aposentadoria do país.

A China resiste às pressões de todos os países do mundo, em especial dos Estados Unidos, para que
valorize a sua moeda O país já planeja a criação de um fundo, de algumas centenas de bilhões de dólares,
para realizar investimentos em países estrangeiros, que tragam retornos acima daqueles dados pelos títulos
de governos (EUA, Europa, etc...) que geram pequenos retornos. O fundo seria formado à partir de uma
sofisticada estrutura financeira onde parte das reservas chinesas seriam vendidas para capitalização do
fundo. Desta maneira o objetivo de manter a moeda desvalorizada também é atendido.

A preocupação do Brasil deveria ser a valorização do Real em relação às moedas de nossos


principais concorrentes: O Yuan Chinês, a Rúpia Indiana e o Rublo Russo. As pessoas se confundem,
pensando que não é o Real que se valoriza, mas sim o Dólar que está “derretendo”, como gosta de dizer a
mídia. Enquanto outros países agem, buscando evitar a sobrevalorização cambial, no Brasil ainda se discute
se a nossa moeda está sobrevalorizada ou não. O governo Brasileiro anunciou medidas de taxações a
investidores estrangeiros e facilidades para que exportadores possam reter recursos fora do país, mas ainda
é pouco. O Brasil também já estuda criar um fundo, no mesmo formato do Chileno, porém o seu capital não
seria formado do superávit nominal, que ainda não temos, mas sim de toda a reserva que excedesse um
certo valor estipulado. Poderia ser uma boa opção para estabilizarmos o câmbio, evitando uma maior
valorização de nossa moeda. Soluções de mercado, como fundos externos ou alterações nas taxas de juros,
são mais eficazes e perenes, mas, não há dúvidas, de que o pior mesmo seria uma ainda maior valorização
do Real.

*Carlos Augusto Franco Guimarães é graduado em Engenharia Industrial na FEI – Faculdade de Engenharia
Industrial , tem MBA em Gestão pela FGV e especialização em finanças pelo IBMEC. Atualmente é executivo
do Banco Cruzeiro do Sul. Email: gutofg@uol.com.br .

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