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O OPTIMISMO DO CRISTÃO

– Ser sobrenaturalmente realista é contar sempre com a graça do Senhor.

– O optimismo cristão é consequência da fé.

– Optimismo fundamentado também na Comunhão dos Santos.

I. UMA GRANDE MULTIDÃO seguiu Jesus afastando-se cada vez mais de


lugares habitados1. Seguem-no sem se preocuparem com as distâncias,
porque precisam muito d’Ele e sentem-se acolhidos. Estão pendentes das
palavras que lhes dirige e que dão sentido às suas vidas, e até se esquecem
de levar provisões para comer. Não parecem preocupados com isso, nem eles
nem Jesus. Mas os discípulos percebem a situação e, ao cair da tarde,
aproximam-se do Mestre e dizem-lhe: Este lugar é deserto, e a hora é já
adiantada; despede essa gente, para que, indo às aldeias, compre de comer.
Era uma realidade evidente. Mas Jesus conhece uma realidade mais alta,
umas possibilidades que os discípulos mais íntimos parecem ignorar. Por isso,
responde-lhes: Não têm necessidade de ir; dai- lhes vós de comer. Mas eles,
conhecedores da dificuldade em que se encontravam, dizem-lhe: Não temos
aqui senão cinco pães e dois peixes.

Os discípulos vêem a realidade objectiva: são conscientes de que, com


aqueles alimentos, não podiam dar de comer a uma multidão. O mesmo
acontece connosco quando nos pomos a calcular as nossas forças e
possibilidades: as dificuldades da vida e do meio ambiente ultrapassam as
nossas forças. Mas essa objectividade humana, que por si só nos levaria ao
desalento e ao pessimismo, faz-nos esquecer o optimismo radical que é
inerente à vocação cristã e que tem outros fundamentos.

A sabedoria popular diz: “Quem deixa a Deus fora das suas contas, não
sabe contar”; essas contas não batem, não podem bater, porque se esquece
precisamente a parcela de maior importância. Os Apóstolos fizeram bem os
cálculos, contaram com toda a exactidão os pães e os peixes disponíveis...,
mas esqueceram-se de que Jesus, com o seu poder, estava ao lado deles. E
esse dado mudava radicalmente a situação; a verdadeira realidade era outra,
muito diferente. “Nos empreendimentos de apostolado, está certo – é um dever
– que consideres os teus meios terrenos (2 + 2 = 4). Mas não esqueças –
nunca! – que tens de contar, felizmente, com outra parcela: Deus + 2 +
2...”2 Esquecer essa parcela seria falsear a verdadeira situação. Ser
sobrenaturalmente realista significa contar com a graça de Deus, que é um
“dado” bem real.

O optimismo do cristão não se baseia na ausência de dificuldades, de


resistências e de erros pessoais, mas em Deus, que nos diz: Eu estarei
sempre convosco3. Com Ele, podemos tudo; vencemos..., mesmo quando
aparentemente fracassamos. A Santa de Ávila repetia, com bom humor e
sentido sobrenatural: “Teresa sozinha não pode nada; Teresa e um maravedi,
menos ainda; Teresa, um maravedi e Deus podem tudo” 4. E o mesmo acontece
connosco. “Lança para longe de ti essa desesperança que te produz o
conhecimento da tua miséria. – É verdade: pelo teu prestígio económico, és um
zero..., pelo teu prestígio social, outro zero..., e outro pelas tuas virtudes, e
outro pelo teu talento... Mas à esquerda dessas negações está Cristo... E que
cifra incomensurável não resulta!”5

Como mudam as forças disponíveis à hora de empreendermos uma


iniciativa apostólica ou quando nos decidimos a lutar na vida interior, ou mesmo
a enfrentar as realidades da vida humana, apoiados no Senhor!

II. O OPTIMISMO DO CRISTÃO é consequência da sua fé, não das


circunstâncias. O cristão é consciente de que o Senhor preparou tudo para o
seu maior bem, e de que Ele sabe tirar fruto até dos aparentes fracassos, ao
mesmo tempo que nos pede que utilizemos todos os meios humanos ao nosso
alcance, sem deixar de lado nem um só: os cinco pães e os dois peixes. O
milagre virá.

O Senhor faz com que os fracassos na acção apostólica (uma pessoa que
resiste ou nos vira as costas, outra que se nega reiteradamente a dar um passo
muito pequeno que a pode aproximar de Deus, um filho que se recusa a
acompanhar-nos à missa de domingo...) nos santifiquem e acabem por
santificar os outros; nada se perde. O que não pode dar fruto são as omissões
e os atrasos, o cruzar os braços porque parece ser pouco o que podemos fazer
e grande a resistência do ambiente. Deus quer que ponhamos à sua disposição
os poucos pães e peixes que sempre temos, e que confiemos n’Ele. Uns frutos
chegarão em breve prazo; outros, o Senhor os reserva para o momento
oportuno, que Ele conhece muito bem; mas sempre chegarão. Temos de
convencer-nos de que não somos nada e de que nada podemos por nós
mesmos, mas que Jesus está ao nosso lado, e “Ele, a cujo poder e ciência
estão submetidas todas as coisas, nos protege através das suas inspirações
contra toda a estultícia, ignorância ou dureza de coração”6.

O optimismo do cristão robustece-se poderosamente através da oração:


“Não é um optimismo meloso, nem tampouco uma confiança humana em que
tudo dará certo. É um optimismo que mergulha as suas raízes na consciência
da liberdade e na certeza do poder da graça; um optimismo que nos leva a ser
exigentes connosco próprios, a esforçar-nos por corresponder em cada
instante às chamadas de Deus”7, a estar atentos ao que Ele deseja que
realizemos. Não é o optimismo do egoísta, que só procura a sua tranquilidade
pessoal e para isso fecha os olhos à realidade e diz: “Tudo se ajeitará”, como
desculpa para que não o incomodem, ou que se nega a ver os males do
próximo para evitar preocupações.

O optimismo radical de quem segue de perto o Senhor não o afasta da


realidade. Com os olhos abertos e vigilantes, sabe enfrentá-la, mas nem por
isso se deixa atordoar pelo mal que às vezes contempla, nem se enche de
tristeza. Sabe que em circunstância nenhuma seu Pai-Deus o abandona, e que
Ele sempre tirará frutos surpreendentes daquele terreno – daquelas
circunstâncias ou daqueles amigos – onde só podiam crescer cardos e urtigas.
O cristão “sabe que a obra boa nunca será destruída, e que, para dar fruto, o
grão de trigo deve começar a morrer debaixo da terra; sabe que o sacrifício dos
bons nunca é estéril”8.

III. RONALD KNOX9 comenta que Jesus não realizou o milagre da


multiplicação dos pães e dos peixes em benefício de transeuntes casuais que
se tivessem aproximado para ver o que acontecia com aquela multidão, mas
para os que o seguiam há vários dias e o procuraram ao perceberem que se
ausentara; eram – diz – como uma manifestação da Igreja incipiente. Aqueles
cinco mil, sentados no sopé da montanha, estavam unidos entre si por terem
seguido o Senhor, por se terem alimentado do mesmo pão – imagem da
Sagrada Eucaristia –, saído das mãos de Cristo. “Que símbolo tão natural de
fraternidade é uma refeição em comum! Com que facilidade brota a amizade
entre os participantes de um banquete ao ar livre!

“Podemos imaginar o que aconteceria depois, quando alguns dos cinco mil
se encontrassem casualmente. A amizade suscitaria neles recordações
comuns: o lugar onde se tinham sentado uns e outros naquele dia memorável;
o temor de que as provisões não fossem suficientes; a alegria que tiveram
quando Pedro, João ou Tiago passaram por eles com as mãos cheias de
víveres; o assombro ao verem todos saciados e os doze cestos que
sobraram”10.

Nós participamos da mesma mesa, do mesmo Banquete, comemos o


mesmo Pão, que se multiplica sem cessar, e através do qual Cristo vem até
nós. Os que seguimos o Senhor estamos unidos por um vínculo muito forte, e
por nós corre a mesma vida. “Oxalá nos olhemos a nós mesmos como
sarmentos vivos de Cristo, a videira, animados e vigorizados pela graça e pela
virtude de Cristo!”11 A Comunhão dos Santos ensina-nos que formamos um só
Corpo em Cristo e que podemos ajudar-nos eficazmente uns aos outros. Neste
preciso momento, alguém está pedindo por nós, alguém nos ajuda com o seu
trabalho, com a sua oração ou com a sua dor. Nunca estamos sós.
A Comunhão dos Santos alimenta continuamente o nosso optimismo.

E comeram todos, e saciaram- se; e do que sobrou recolheram doze cestos


cheios de fragmentos. Ora, o número dos que tinham comido era de cinco mil
homens, sem contar mulheres e crianças. A generosidade de Jesus – que é a
mesma agora, nos nossos dias – incita-nos a recorrer a Ele cheios de
esperança, pois são já muitos os dias em que o vimos seguindo.

“Pede-Lhe sem medo, insiste. Lembra-te da cena que o Evangelho nos


relata acerca da multiplicação dos pães. – Olha a magnanimidade com que o
Senhor responde aos Apóstolos: – Quantos pães tendes? Cinco?... Que me
pedis?... E Ele dá seis, cem, milhares... Por quê?
“– Porque Cristo vê as nossas necessidades com uma sabedoria divina, e
com a sua omnipotência pode e chega mais longe do que os nossos desejos.

“O Senhor vai além da nossa pobre lógica e é infinitamente generoso!”12

Ele volta a realizar milagres quando pomos à sua disposição o pouco que
possuímos. Ele tem outra lógica, que supera os nossos pobres cálculos,
sempre pequenos e insuficientes. Que vergonha se alguma vez guardássemos
para nós os cinco pães e os dois peixes, enquanto o Senhor esperava que os
entregássemos para fazer maravilhas com eles!

(1) Cfr. Mt 14, 13-21; (2) São Josemaría Escrivá, Caminho, n. 471; (3) cfr. Mt 28, 28; (4) A.
Ruiz, Anédoctas teresianas, 3ª ed., Monte Carmelo, Burgos, 1982, pág. 217; (5) São Josemaría
Escrivá, op. cit., n. 473; (6) São Tomás, Suma Teológica, I-II, q. 68, a. 2, ad. 3; (7) São
Josemaría Escrivá, Forja, n. 659; (8) G. Chevrot, Jesus e a samaritana, Aster, Lisboa, 1954,
pág. 145; (9) cfr. R. Knox, Ejercícios para sacerdotes, Rialp, Madrid, 1981, pág. 257; (10) ib.;
(11) B. Baur, En la intimidad con Dios, Rialp, Madrid, 1963, pág. 233; (12) São Josemaría
Escrivá, Forja, n. 341.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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