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A origem dos diáconos12

Introdução:

Toda e qualquer instituição tem suas estruturas, algumas de dimensões complexas, outras,
pequenas e dimensões mais simples. Contudo, existe uma similaridade entre as instituições, ou
seja, uma estrutura mínima que possibilite o funcionamento, bem como o trabalho com vistas ao
desenvolvimento e etc. E havendo tais estruturas, há igualmente a necessidade de pessoas
locadas para o funcionamento. Até porque, não basta apenas de recursos técnicos para gerir as
estruturas, mas principalmente recursos humanos. Por detrás e a frente das instituições,
comercias ou sem fins lucrativos, é indispensável à presença de pessoas. Assim, não é exagero
dizer que as instituições refletem seus líderes. A medida de uma instituição é a medida de seus
líderes. A igreja, como uma instituição sem fins lucrativos, não foge a regra.

Segundo o estudioso da Bíblia John Stott, “...a saúde da igreja depende grandemente da
qualidade, da fidelidade e dos ensinos de seus ministros ordenados”3. Podemos acrescentar que
não apenas a saúde, mas outras áreas da igreja são influenciadas por aqueles que estão à frente,
sejam pastores, presbíteros, diáconos ou outras pessoas que desempenham papéis de liderança
na igreja. Dentre estes é natural que exista um olhar diferenciado para pastores, presbíteros e
diáconos. Não que sejam mais importantes do que outros como não são, todavia, pesam sob seus
ombros responsabilidades maiores.

Por isso, a importância de se pensar, refletir sobre a liderança. “Uma igreja bíblica precisa ter
líderes sãos na fé e na conduta.”4 É através do ensinamento bíblico claro, objetivo e coerente
que uma igreja tem melhores possibilidades de escolher “trabalhadores” para a seara de Deus. É
através da Palavra e por meio dela que encontramos embasamento suficiente para guiar nossas
escolhas. A Palavra, portanto, é o prumo pelo qual devamos avaliar aqueles que podem servir
como líderes na Casa do Senhor. Assim, vejamos então, algumas considerações ao diaconato
para que, aqueles que venham exercer, o façam de maneira bíblica com vistas à edificação da
Igreja.

1
01/08/2010 – Igreja Presbiteriana de Governador Portela (IPB) – Miguel Pereira, RJ
2
Estudos com o propósito de orientar a Igreja para melhor escolher e apontar novos diáconos.
3
STOTT, John. A mensagem de 1º Timóteo e Tito. Pg. 88.
4
LOPES, Hernandes Dias. Tito e Filemon. Pg. 26.

1
O diácono e a história

Quando ouvimos alguma referência a diáconos na Bíblia, aqueles que estão mais familiarizados
ao texto bíblico, muito provavelmente vem a memória o texto de Atos 6, isto porque, neste
texto é descrido a escolha da parte dos apóstolos e da igreja de sete homens para servir como
diáconos. Baseados nesse texto alguns então compreendem a instituição dos diáconos. Podemos
entender Atos 6 como sendo o texto áureo e inaugurador quanto a diaconia?

Antes de responder a tais questionamentos, é necessário refletir que a maioria dos líderes da
igreja de então, eram basicamente judeus convertidos à fé em Cristo. Portanto, não é incomum
por vezes encontrarmos embates entre ensinamentos oriundos do judaísmo e a fé em Cristo.
Podemos testemunhar tal celeuma na questão da incircuncisão. Tal embate entre grupos
diferentes os levou a primeira grande reunião dos líderes da igreja em Atos 15, conhecido como
o Concílio de Jerusalém. Assim, a igreja não apenas herdou questões polêmicas, mas também
herdou exemplos da estrutura judaica como, por exemplo, a ideia de presbíteros. O ofício de
presbítero fora herdado da sinagoga judaica, contudo, sem discussões e conflitos.

O ofício de presbítero remonta a sinagoga judaica, e os diáconos, tem algum parâmetro ou


referência? Alguns estudiosos da Bíblia estabelecem uma relação entre o "hazzan" da sinagoga
judaica e o serviço cristão do diácono. O "hazzan" abria e fechava as portas da sinagoga,
mantinha-a limpa e distribuía os livros para leitura. Contudo, é incongruente assemelharmos o
“hazzan” da sinagoga ao diácono. Isto porque, o serviço do diácono é mais amplo, profundo e de
relevância maior do que apenas um abrir, fechar ou então, distribuir livros na sinagoga. Desta
maneira, o diácono não é um tipo de “hazzan”.

Portanto, de maneira inédita a igreja primitiva institui ou nomeia uma nova ordem na
“estrutura”, a saber, os diáconos. Os diáconos são nomeados como tais em Atos 6 e jamais
deixam de fazer parte integrante da estrutura da liderança da igreja. Salvaguardando as
diferenças e características peculiares do exercício de seu ofício nas mais variadas igrejas
cristãs, o diaconato integra o rol de lideranças, sendo igualmente de grande relevância para o
trabalho da igreja. Não é um ministério menor que os presbíteros, mas tão importante quanto.

2
A origem dos diáconos

Muitos antes da nomeação de Atos 6, a diaconia já acontecia. A diaconia não começou com os
diáconos, mas é anterior a eles. Porque a diaconia acontecia, então foi possível nomear alguns
homens como sinais visíveis de um ministério fundamental na vida da Igreja. Da mesma forma
que o batismo (cerimonial) é um sinal visível de uma graça invisível, também o diaconato é o
sinal visível do serviço humilde a Casa do Senhor.

Como afirmamos anteriormente, antes de existir o sujeito diácono, já havia o verbo diácono,
oriundo do grego (“diakonia”), a saber, serviço. O termo “diakonia” e derivações (“diakoneo”5:
“servir”, “atender”, “cuidar”; “diákonos”: “servidor”) ocorrem cerca de 30 vezes no Novo
Testamento. Vejamos algumas referências:

a) servo (Mt. 2.26; 22.13; Mc. 9.35);


b) garçom (Jo. 2.5,9);
c) ministro (Rm. 13.4);
d) auxiliar (2ª Co. 6.4; Ef 6:21; Cl. 1.23,25; 1ª Tm. 4.6);
e) oficial (Fp. 1.1; 1ª Tm. 3.8,12);

Originalmente a palavra “diakono” (servidor) se referia a um garçom que servia uma refeição
(Jo. 2.5;9). Com o passar do tempo ampliou-se o entendimento de “diakono”, a saber, aquele
que cuida do lar e finalmente passou a referir-se a quaisquer ajuda ou cuidado pessoal. Na
cultura judaica o “diakono” era visto como um serviço de baixo nível, algo desprezível, não
digno, principalmente, aqueles que serviam as mesas, os garçons. Não é por acaso que
frequentemente a palavra é associada a servos. O lexicógrafo J.H. Thayer define esta palavra
como “...aquele que executa as ordens de outro como um servo, atendente, ou ministro.6.

O que chama a atenção é que Jesus se refere a si mesmo em Lucas 22.27 como um “garçom”
(“Pois quem é maior: o que está à mesa, ou o que serve? Não é o que está à mesa? Mas eu estou
entre vocês como quem serve (“diakonôn”).”). Em Marcos 10.45 (“Pois nem mesmo o Filho do
homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”.),
encontramos outra menção de Jesus referindo-se como um “garçom”. Jesus usa um oficio
desprezível para identificar seu próprio ministério. Aquilo que aos homens parece ser sem
importância, aos olhos de Deus tem um significado relevante. Ser garçom antes de ser um ofício
era um o modo de ser de Jesus. Ele não apenas serviu, mas foi antes de tudo, um servo. Jesus

5
Mt 8:15; Mc 1:31
6
J.H. Thayer, Thayer’s Greek-English Lexicon of the New Testament (Grand Rapids, Associeted Publishers and Authors Inc., 1889), p.
138

3
não apenas instruiu a respeito do serviço, a sua vida foi o serviço. Podemos ainda dizer, que
Jesus foi o garçom que possibilitou a humanidade saciar a fome e sede de Deus. “Todos os
cristãos, sem exceção, sendo seguidores daquele que veio „não para ser servido, mas para
servir‟, são chamados para ministrar, ou melhor, para darem suas vidas em ministério.”7.

Seguindo o exemplo e os ensinamentos de Jesus, todo cristão deveria ser, antes de tudo, um
“garçom”, alguém pronto a servir, atender, cuidar, ministrar, ajudar, dar assistência ou suplicar
pelo indispensável à vida, providenciar os meios para se viver. Tais atitudes corroboram àquilo
que de fato significa ser um diácono. Antes de ser reservado a algumas pessoas eleitas ou um
título, deve ser a vida de todo cristão. Sendo assim, todo cristão é um diácono em tese. E, será
de fato, à medida que se colocar como ajudador do outro, pronto a prover ao próximo àquilo
que é necessário, indispensável ao seu bem viver. Dito isto, muito mais deveriam evidenciar
aqueles que são nomeados a diáconos na igreja. Não é por acaso, que a nomeação de Atos 6
tinha homens notáveis e verdadeiros exemplos para a própria igreja. Se o cristão não é o que
deve ser, um garçom a outros, é o diaconato como oficio que deve então fazer latejar na mente
e coração seu verdadeiro ministério, ou seja, servir.

Em tese, toda vez que a igreja olha para os diáconos nomeados por ela mesma segundo as
orientações da Palavra de Deus, deveria então, lembrar-se que são servos uns dos outros,
chamados a ministrar uns na vida de outros. Neste sentido, todos devem ministrar aos outros,
colocar-se humildemente diante do outro, não com altivez, presunção, soberba, ou falsa
humildade, mas com sinceridade de coração. Cada qual deve tratar o outro como um senhor.
Uma vez que tal posicionamento acontece na vida da igreja, não será incomum estes que assim
vivem experimentarem a visitação poderoso, surpreendente em seu meio. Ou seja, não existe
apenas uma ortodoxia, mas uma ortopraxia e a possibilidade de uma experiência
pneumatológica, assim aconteceu aos primeiros anos da igreja primitiva.

7
STOTT, John W.R. A Mensagem de Atos, p. 135

4
Atos 6: nomeação dos primeiros diáconos

Como já observamos, Atos 6 não serve como instituição e então inicio do trabalho diaconal. Até
porque, antes de Atos 6 já havia a ação de servir e tudo mais que envolvia o termo “diakonia”. O
que aconteceu então em Atos 6?

Em Atos 6 acontece a nomeação de homens segundo critérios devidamente elaborados pelos


apóstolos (At. 6.3-4). Vejamos algumas considerações pertinentes ao relato das nomeações em
Atos 6:

a) não há a menção da palavra “diácono” no texto. Curiosamente, apesar de não haver a


existência da palavra “diakonos” na narrativa de Atos 6, isto não significa que não exista a ação
de servir que caracteriza o ofício diaconal (como por exemplo servir as mesas), principalmente
em um contexto de viúvas, ou seja, grupo social carente e portanto, necessitado de ajuda;

b) Existe primeiro a ação de servir e depois o oficio diaconal – antes de existir o diaconato
formal (At. 6.5-6), já existia a postura de servir aos necessitados. A narrativa não deixa dúvidas
que algumas viúvas já eram assistidas e por isso então o impasse, porque existiam outras que
ainda não estavam sendo assistidas conforme Atos 6 verso 1: “...suas viúvas estavam sendo
esquecidas na distribuição diária de alimento.”;

c) A diaconia como oficio fora instituída segundo pré-requisitos – uma vez havendo a
necessidade de formalizar a diaconia, então também, houve a necessidade de estabelecer
critérios para tal, conforme Atos 6.3-4. Os apóstolos estabeleceram critérios para nomeação
formal dos diáconos. Enquanto diáconos nomeados, estes deveriam preencher alguns pré-
requisitos básicos com vistas a servirem como exemplo aos demais.

Por fim, é importante salientar que “não há... nenhuma sugestão de que os apóstolos
considerassem a obra social inferior à obra pastoral, ou de que a achassem pouco digna para
eles. Era apenas uma questão de chamado. Eles não podiam ser desviados de sua tarefa
prioritária.”8. Daí então a sugestão para que houvesse a nomeação de homens para o exercício
de tal tarefa.

Reverendo André Nobre Esteves


pastor@portela.org.br
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8
STOTT, John W.R. A Mensagem de Atos, p. 134

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