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VIVENDO COM OS MESTRES DO HIMALAIA Experiéncias Espirituais do Swami Rama Vivendo com os Mestres do Himalaia recolhe as mais sedutoras ¢ extraordindrias experiéncias do Swami Rama. Numa prosa cheia de poesia, tais experiéncias descrevem nfo somente 0 tipo de filosofia f¢ 0 modo de ser de seus sdbios, mas também a paisagem e a cultura himalaica. Nascido na India, em 1925, numa famiia de brémanes eruditos, numa idade precoce, o Swami Rama fez-se ordenar monge por um grande sébio do Himalaia. Na idade adulta, empreendeu viagem de aprendizado, deslocando-se do monastério até a caverna, estudando e vivendo com insimeros sdbios, na solidgo das montanhas himalaicas e nas planicies da India, De 1939 a 1944, ensinou Upanixades ¢ escrituras budistas em diversas escolas ¢ monastérios hindus. Pouco tempo depois, de 1946 2 1947 estudou misticismo tibetano. Por fim, os penosos anos de estudo das escrituras, as horas intermindveis de aperfeigoamento das préticas de meditagfo, a disci- plina € a investigagfo solitéria dos estudos superiores da consciéncia, tudo isso culminou com a obtengfo do mais alto titulo espiritual da India. Em 1949, 0 Swami Rama tomouse Shankaracharya de Karvirpithan. No inicio de 1952, renunciow a dignidade e a0 presti- fio do elevado titulo, tendo, em seguida, retomado aos Himalaias para absorver os derradeiros ensinamentos do mestre e buscar inspi- ragfo pare abrirse para o Ocidente. Por 3 anos, estudou psicologia, filosofia e medicina ocidentais na Europa. Em 1970, tornowse con- sultor da Fundagfo Menninger, em Topeka, no Kansas, desenvol- vendo um projeto chamado “Controle Voluntério dos Estados Internos”. Swami é 0 fundador, 0 presidente ¢ o lider espiritual do Himalayan Institute of Yoga Science and Philosophy. EDITORA PENSAMENTO Expeniéncias Espirituais do arse Actes VIVENDO COM OS MESTRES DO HIMALAIA SWAMI AJAYA, (Organizador) VIVENDO COM .OS MESTRES DO HIMALAIA Experiéncias espirituais do ‘Swami Rama Traduggo de OCTAVIO MENDES CAJADO o | | EDITORA PENSAMENTO. Titulo do original: LIVING WITH THE HIMALAYAN MASTERS: Spiritual Experiences of Swami Rama Copyright 1978 Himalayan International Institute, Honesdale, Pennsylvania. Todos 0s direitos reservados. ry) Direitos de wadugo para a lingua portuguesa no Brasil adquiridos pel EDITORA PENSAMENTO Rua Dr. Mario Vicente, 374, 04270, S80 Paulo, SP, fone 272-1399 = Que se reserva a' propriedade Iiteréria desta traduelo, Impresso.em nossas oficinasgrffcas. Agradecimentos Seja-me permitido exprimir meus sentimentos de gratidgo aos estudan- tes © amigos que coligizam ¢ transcreveram as fitas das conferéncias de Swami, Agradego também ao Professor Larry Travis ea Arpita 0 auxitio que ‘me prestaram na organizacio do manuscrito. Estendo minha gratilfo especial ao dr. Agnihotri por haver preparado © glossirio e explicado as palavras sinscritas empregadas no livro. Madhu ¢ Gopala Deva me ajudaram no exame dos manuscritos para levar a cabo as mudangas necessirias. Agradego igualmente a Gary Evers e a Kevin Hoffman © preparo das fotografis. O Frofessor Mark Siegchrist eo jornalsta Richard Kenyon me assstiram na corresio da pontuagio. Randy Black desenhow os, ‘mapas. A sra. Howard (Cossie) Judt, presidenta do nosso Inetituto, dirigiu a publicaglo deste live. ‘Agradeso ainda sinceramente a sra. Theresa O'Brien o trabalho afinca- do no leiaute ¢ na composigio tipogrifica. Tndice Minka humilde besca A teus pés de lotus — Sri Swami Rama Mapa do Himalas Mapa do norte da India 1 EDUCACAO ESPIRITUAL NO HIMALAIA O sagrado Himalaia Meu gurudeua e meus pais Meu mestre e o principe swami Pegacas de iusto ‘Como vivemos nas cavernas I OMESTREENSINA ‘Apreadendo a dar Como o mestre poe & prova seus alunos Jornada de uma noite inteira através da floresta Cruzando um rio que transbordou Minha oferenda a meu mestre Solidio Maye, 0 véu o6smico Verdade amarga de efeitos abengoados Ensinais os outros mas me despojais A disciplina é imperativa Bengios numa maldigéo TH 0 CAMINHO DA EXPERIENCIA DIRETA So aexperigncia direta é 0 meio 0 conhecimento verdadeiro elimina o sofrimento ry 15 A mantra da felicidade ‘A mantra das abelhas ‘Abuso da mantra Recebo uma sura Pratica tnica do tantra Cometeste muitos roubos Um swarni arremessador de fogo Um mistico surpreendente Minha me e minha mestra Um iogue eterno IV APRENDENDO HUMILDADE 0 ego e a vaidade sao baldados Meu ego inchado Caltivando quolidades interiores Eu me julgava perfeito A pritica torna perfeito 0 sébio do Vale das Flores Y_VENCENDO 0 MEDO 0 disho Confundido com um fantasma Meu medo de cobras Na caverna de um tigre VIO CAMINHO DA RENONCIA Todo o meu ser é um olho Minha experiéncia com uma dangarina ‘Transformagio de um assassino Uma ligfo de desapego Prova o mundo ¢ depois renuncia ‘eins ou fogo? Meas primeiros dias como suami Perseguigdo constante Vivendo num monte de seixos Tentagdes no caminho Devo casar-me? Dignidade espiritual também é vaidade Uma experiéncia infeiz Encantos do mundo Dois renuncisntes nus = Nomundo e, todavia, acima dele Perder éganhar 88 90 95 98 100 103 107 109 13. 7 121 125, wz 130 136 138 143 145 148 150 155 159 161 163 166 170 12 174 176 179 181 183 185, 188 192 194 197 199 201 vu vin EXPERIENCIAS EM VARIOS CAMINHOS Umasébia de renome Como coragio nas mise ligrimas nos olhos O carma é 0 autor No ashram do maatma Gandhi “Sacificio, nfo, mas conquista, sim” — Tagore Endiceitando a Historia Maharshi Raman Encontro com Sri Aurobindo A onda de bem-aventurange Trésescolas de tantra Os sete sistemas da filosofia oriental Soma ALEM DAS GRANDES RELIGIOES Um sibio eristdo do Himalaia Meu encontro com um sadu jesuita Jesus no Himalaia ‘Uma visto do Cristo Judaismo na Joga Nao pertengo a ninguém sendo « Deus PROTEGAO DIVINA Bracos protetores Perdidos na terra dos devas Terr de Hamsas Um swami agnéstico Um encontro marcado com a morte PODERES DA MENTE Ligées na areia Transmutagio da matéria Onde esté'o meu burro? Quer era o outro Gopinath? Experigneia com um médium PODER DE CURA ‘Meu primeiro contato com o poder de cura Meu mestre manda-me curar alguém Métodos nfo ortodoxos de cura Curando num santuério do Himalaia Aos pés dos mestres| 203 205 210 213 216 219 224 234 237 249 301 303 306 31 34 318 321 323 326 329 336 XUI_AGRAGADO MESTRE guru é uma corrente e um canal de conhecimentos A stata que chora A fotografia de meu mestre ‘Quem pode matar 0 eterno? Metade “aqui”, metade “li” ‘Como foi salva uma jovem viva Meu mestre salva um homem que se estava afogando Shaltipata~confesindo bem avenarans leu gréo-mestre no sagrado Tibete Preparando-se para rasgar 0 véu XIU DOMINIO SOBRE A VIDA E A MORTE nascimento e a morte sfo apenas duas virgulas Atitudes diante da morte As técnicas de descarte do corpo Vivendo num corpo morto Meu mestre lanca de sio seu corpo XIV JORNADA PARA 0 OCIDENTE A visio recorrente do médico ‘Transformagio na caverna Caminhos do Oriente e do Ocidente Nossa tradigéo Instituto Himalaico Glossério 349 Minha humilde busca Sri Swami Rama procede da nobre heranga-dos sibios do Himalaia Cientista, flésofo, iogue, filantropo ¢ guia espiritual de, muitos profissionsis ¢ outros estudiosos, passa 0 dia ensinando e ajudando eeus alunos, ¢ a maior parte da noite, em meditacSo. Entre as coisas que me atrairam para le, antes ‘que eu escolhesse este caminho, figuravam sua dbvia compaixéo por toda a humanidade e sua profunda compreensio de individuos particulares. Final mente decidi seguir 0 caminho dos sébios ¢ com ele estudei nas faldas do Himalaia, em Rishikesh, onde fui iniciado como renunciante ais margens do sagrado Ganges. Tive também a oportunidade de visjar em sua companhia por alguns de seus sitios favoritos nc Himalaia, que ele procura para descansar de sua faina incessante de ensinare escrever. Um dos lugares onde vivi com swamiji* fe um grupo de estudantes americanos, por varios dias, esta deserito na historia intitulada “Bragos protetores”. E um dos locais mais belos e serenos «que ji tive ocasido de visiar. Moramos numa casa de barro 20 pé do santui- Ho ¢, durante o dia, costumivamos meditar & sombra dos abetos. Tive inimeras oportunidades de verlhe a obra filantropica, Em nossas viagens, topel com muitos estudantes detentores de bolsas de estudo para Iniversidades oferecidas pelo consércio beneficente que ele fundou. Em Hardwar, visite’ uma clinica oftalmologica sustentada por ele, Também visitel um colégio dedicado ‘is ciéncias que Swamiji construiu perto de Landsdowne, no Himalaie, regio em que vagueara na mocidade. Os aldedes do logar ainda 0 chamam pelo apelido, Bhole Baba, que quer dizer sébio gentil. Toda vez que iamos para as montanhas, éramoé seudados por multi does de pessoas ¢ tocadores de tambor, que nos conduziam onal- mente, Reverenciam-no desde os simples habitantes das aldeias até aos Iideres da sociedade indiana. ee = Forina afetuowa respeltom de tratamento que getalmente se emprege em selaglo a ry (0 Colégio Cientifico de Graduagéo sustentado por Swamijiem Landsdowne Durante minha visita a Kanpur, fui hdepede da dra. Sunanda Bai, uma dos principais ginecologistas ¢ cirurgides da India e grande admiradora de ‘Swami. Minha conversagfo com essa grande dama foi assaz esclarecedora, Faria muitos anos que ela o conhecia, ¢ as historias que me contou acerca das suss experiéncias com ele confirmaram alguns experimentos relatados neste Livro, As narrativas espirituais de Swamiji do que the acontecera pareciam tio milagrosas que eu mesmo 95 as compreendi depois que viajei ‘com ele pela India. Em Deli, Kanpar, Rishikesh e nas montanhas, encontrei diversas pessoas que o conheciam havia mais de trinta anos e tinham part pedo de alguns eventos descritos por ele. E descreveram-nos da maneira por que os haviam experimentado, Durante nossas viagens na India, Swamiji aludiu muitas vezes & cua tarefa no Ocidente. Disse-me que pretendia fundar nos Estados Unidos um Instituto destinado a verficar cientificamente, docamentar, publicar e censinar as experiéncias da nossa heranca. E concluia — Temos de construir um centro de vida que seja uma ponte impor tante entre o Oriente ¢ 0 Ocidente. Seguimos 0 caminho calcado na mensagem que nos transmitiram nosios mestres e grdo-mestres no Himalaia, cuja presenga sentimos de ‘continuo, De acordo com nossa tradigio, acreditamos firmemente que, fem seu sentido genérico, “ioga” significa todas as filosofias ¢ priticas ja seguidas pelos grandes sdbios, nfo 66 do Himalaia, mas também do judais ‘mo, do cristiansmo, do budismo, do zen ¢ do sufismo. A palavra “ioga” referese is priticas ¢ filosofies de apoio, que entiquecem por dentro e por fora. Swamiji costuma dizer: — Vivemos todos com sede mas, em vez de beber diretamente, limitamo-nos a mascar as erves que flutuam a superficie do lago da vida. Essas eryas contém pequena quantidade de égua e nfo nos matam a sede, Para saciéla de todo, precisamos mergulhar fundo, além de todas as conven- Ges aparentes, a fim de descobrir as verdades fundamentas da vida Algumas historias ¢ ensinamentos encontrados neste livro foram tirados de experiéncias que Swamiji me referiu pessoalmente. Chegévamos, fis veres, a ficar sentados até as quatro horas da madrugada, discutindo fia filosofia da vida e suas experiéncias com os sibios, que eu registrave depois, Outra fonte das mesmas histérias exam os didrios de Swamiji, que cle mantinha com fidelidade, & medida que crescia. Tive o ensejo de exami- nar esses didrios durante minha estada em Rishikesh. Uma terceira fonte importante de material para o livro foram as conferéncias de Swamiji nos Estados Unidos 13 Com base nessas fontes, foi-me possivel compilar um alentado manus- ito, Certo dia, em que eu o trazia comigo, Swami perguntowme: — Que fardo estis carregando hoje? ~ Sto historias, — respondilhe, — que coligi de vossas conferénci dos vossos diivios, ¢ da instrugio que me destes, Por favor, ajudaime a escolher algumas para um lvro. Ele no fer caso do meu pedido e pis o manuscrito de lado durante dois anos. Finalmente, meus colegas Brandt Dayton, o dr. Burke,o de. Arye € 0 dr. OBrien me animaram a organizar e preparar a publicayao dete manuscrito, Essas histérias espirituais nfo proporcionam uma narrativa biogréfica ds vida de Swami, mas apenas retratam alguma coisa do meio em que ele vivia, apresentam retratos dos sibios do Himalaia e dos seus métodes de exsino. Nio esto dispostas cronologicamente, senio agrupadas de acordo gam 0 tema. Dentro de cada tema'tentei colocar as narragbes numa seqién cia cronologica. Cada histéria, por si sé, & um expediente de ensino, que contém ligbes valiosissimas. Essas experiéncias ianicas nos ajudam @ com reender-nos, em todos os niveis, por dentro e por fore, Sinto imenso prazer em apresenti-las wo leitor. Que a nobre vida que ‘me inspirou o inspire também. E que o letor palmilhe o eaminho da luz eda vide, ‘Swami Ajaya Setembro de 1977 4 A teus pés de lotus Esta néo é minha vida, sendo a dadiva de experiéncias que colhi dos sibios do Himalsia e de ti, mestre muito amado, Certa noite solitéria cuidei que wm raio de luz, de repente, rompia a neblina e perguntei « mim mesmo o que poderia se. : esse anoitecer tu me deste um vishumbre do amor divino. E ouvi Seu nome pronunciado por tevs labios projetando nova luz sobre meu destio. ; No quarto escuro do meu coragéo estava acesa a lampada que arde sempre como a limpada sobre o altar. Quem, como tu, misturou as melodias do. ii da ster no canto la_minha vida, permitindo-me compreender “a alegria que se aunts, Sel, sobre ot das does alegria que joga nia poeira tudo 0 que t. eno conhece uma palavra”? ; Para of que compreendem tua mensagem nfo heverd medo sobre a terra, ; Hoje, portanto, a flor da gratidfo imorredoura oferece suas pétalas a teus pés de létus ‘Swami Rama 15 Bay oF BENGAL 0 sagrado Himalaia As corditheiras do Himalaia tém uma extenso de quase 2.400 quilé- metros. O monte Everest, que se alga acima de 8.700 metros, na fronteira do Nepal do Tibete, é a mais alta de todas as montanhas do mundo. Perses, hindus, tibetanos ¢ chineses esereveram sobre x grandeza e a beleza dessas ‘montanhas. A palavra Himalaia vem de raizes sanseriticas: him significa neve abaia significa lar — o lar das neves. Eu gostaria de que o leitor se desse conta de que o Himalaia nfo é apenas o lar das neves, mas tem sido também tum baluarte da sabedoria e da espiritualidade iogues para milhdes de pessoas, independentemente de suas crengas religiosas, Esta antiga e rica tradigfo perdura até hoje, enquanto estas montanhas finicas continuam a murmurar sua glorieespiritual a quantos tém ouvidos para ouvir. Nasci e crieime nos vales do Himalaia. Vagueei pelo meio deles por mais de quatro décadas e meia e fui educado pelos seus sébios. Conheci os rmestres que vivem e vigjam por ai, estudei a seus pés e experimente-Ihes a sabedoria espiritual. Do Himalaia do Pendjabe ao Himalaia de Kumayun e de Gathwal, do Nepal 20 Assio e de Siquim 20 Butdo ¢ ao Tibete, percorri cesses sitios proibidos, virtualmente inacessiveis a turistas. Escale alturas de 5,700 6,000 metros sem equipamentos de oxigénio ou equipamentos modernos. Muitas vezce, sem comida, desfaleci, exeusto ¢, por vezes, ferido, mas sempre, de um modo ou de outro, encontrei ajuda nesses ocasiSes. Para mim, as montanhas do Himalaia sfo meus pais espirituais ¢ viver ali foi como viver no colo de minha mie. A cordilheira educou-me em seu ambiente natural ¢ inspirou-me um estilo de vide particular. De uma feta, quando eu tinha catorze anos, um sibio desconhecido abensoou-me € deu-me uma folha de bhoje patra, o papel feito de casca de érvore, no qual se escreviam os antigos livos sagrados, Nessa folha escreveu ele, “Seja 0 mundo pequeno contigo. Segue tu o caminho da espiritualidade”. Ainda a trago comigo. O amor que recebi dos sébios é como a neve perene que forma as geleiras pratesdas do Himalaia e depois se derrete para converterse em 21 Seja 0 mundo pequeno contig. Segue tuo camino da espirtualidade. Avadhoot, Gangotsi, 1939 rilhares de ribeiras, Quando 0 amor se torou Senhor da minha vide, perdi completamente o medo e pasei a viajar de uma cavern a outr, stravessan do ns ¢ transpondo dasiladins entre montanes, cecado de pie cobertos de neve. Em todas as condigSes eu me sentia alegre, procurando os sion econo, gue petra pemanee Gesconhecidon. Cada instante je minha vida foi enriquecido de experiéncias espirituais, que muitos outro talvez encontrem dificuldade para comprender Noroutros O sibio gentil ¢ amavel do Himalaia s6 tinha um tema arrebatador © amor & natureza, 0 amor as eraturas e 0 amor 20 Todo. Os sébios do. Himalaia ensinaram-me primeiro o evangelho da natureza. Depots comecc a prestar atengio & misica que vinha das flores vigosas, dos cantos dos stro até da meorainha das bats dere dos eapinhos da over ve em tudo a prova do belo, Se uma pesson no aprender a escutar & ini da neers ¢ a sreiaite a puestude 0 que imple o bomen 4 buscar o amor em su fonte poder ear perdido na mais remota Antgtt ade. O leitor precisa da andlise psicolégica para descobrir na natureza a origem de tanta felicidade, de tantas cangdes, sonhos ¢ formosuras! O evangelho da natureza tira suas pardbolas dos ros glacais, dos vale repletos de lirios, das florestas cobertas de flores e da luz das estrelas, Esse evange- tho revela 0 conhecimento enfitico através do qual aprendemos a verdade ¢ contemplamos o bem em toda a sua majestade e gloria, (Quando aprendemos a owvir « mince da natureza ¢ # apreciar o que dla tem de belo, nossa alma se move em Tarmonia com todo meio em que vive. Todos 0s nosis movimentose todos os sons que emitimos encontra- Fo, por certo, seu lugar na sociedade humana, A mente do homem deveria ser ekercitada para amar a natureza antes de olhar pelo corredor da sua vid. ‘Aparece, entlo, uma revelagSo a espiar através dela com o nascer da alva. 22 asia tC ALERT mM NN 'A dor € as afligdes da vida desaparecem com a escuriddo e com a neblina {quando o sol se levanta, A mortalidade encontra sev caminbo na eonsciéncia a imortalidade. E. um ser mortal deixa de sofrer as angistias e tristezas que 4 morte parece fazer chover sobre ele. Ha séculos que a morte ver sendo fam manancial constante de sofrimento mas, a0 morrer, o homem aprende a umirse ao infinito ¢ 20 eterno. Quando aprendemos a apreciar plenamente a profundidade da nature: 2a em sua simplicidade, pensamentos fluem, espontineos, em resposta 20s apelos dos noss0s sentidos delicados em contato com a natureza. Essa texperiéncia, que faz vibrar a alma, em sua plens harmonia com a orquestra perfeita de melodias e ecos reflete o som do marulbo das sguas do Ganges, Ob precipitarse dos ventos, o rogagar das folhas © 0 rugit das navens trove jantes. Revelase a lux do Bu e remover se todos os obstaculos. Acendemos to topo da montanha, de onde avistamos o vasto horizonte. Na profundeza do silencio esta escondido 0 manancial do amor. S6 os olhos da fé desvelan ‘cvéem a iluminagio desse amor, A mixica me ressoa aos ouvidos ¢ tornowse fo canto eativante e melodioso da minha vida. Esse descobrimento dos sibios une toda humanidade na harmonia do cosmo, Os sdbios sf0 as fontes de onde a humanidade recebe 0 conheci- mento ¢ a sebedosia para contemplar a luz « verdade e a beleza, que mostra b caminho da liberdade e da felicidade para todos, Eles adverter a humant dlade das sombras e vis ilusSes deste mundo. Com os olhos deles vé-se ‘melhor a unidade do univers. “A yerdade esta oculta pelo disco de ouro. 0, Senhor! Ajudsi-nos a escobrir de modo que possamos ver a Verdade.” O evangelho do amor, tal como o ensinam os sibios do Himalsia, faz que todo o universo se dé conta do manancial de luz, vida e beleza. Quando en era menino, senteime no sopé do monte Kailasa ¢ bebi das aguas glaciais do lago Mansarober. Muitas vezes cozinkei as verduras ¢ raizes produzidas pela Mie Natureza em Gangotri ¢ em Kedarnath. Viver fas cavernas himalaicas era muito agradavel e, quando estava Li, eu tinha 0 costume de vagar pelas montanhas durante 0 dis, tomando notas a0 acas0, ¢ voltando a minha caverna antes de cair a noite. Meu disrio esta cheio de ecerigdes de _minhas experiéncias com of sibios, iogues e outros lideres espirituais do Himalaia. Bata é a terre em que nasceu sandhya vasha, Virios estudiosos moder: nos tentaram interpretar e traduzir sondiya vasho chamando-the “a lingus- gem do crepisculo”, Na realidade, ela me foi ensinada de maneira muito fiferente do conceito que dela fazem os escritores modernos. Linguagem puramente iogue, é falada apenas por uns povcos ¢ afortunsdos iogues, Eibioe e entendidos. Filosdfica e idealmente, é muito semelhante 20 sinser- 23 to, pois cada palavra de sandhya vasho flui, prenhe de significado, do som de sua taiz, $6 pode ser usada na discussdo de assuntos espirituais e nfo contém vocabulirio para os negécios do mundo. Quando 0 sol casa com a lua, quando o dia casa com a noite, e quando Ida ¢ Pingale® fluem igualmente, essa unio € denominada sandhye ou sushumné.** Sushumné @ a mie de cujo ventre nasceu a linguagem sondhya washa ou crepisculo, Durente 0 periodo de sushumnd, 0 iogue conhece a maior alegria que alguém pode Cxpesimentas comcientemente. Quando fala com outros adeptas ete conversam nessa linguagem, que outras pessoas tém dificuldade para enten- der. © conhecimento da maneira aproprnda de cantar o veron védioos estd diminuindo aos poucos porque a gramitica dos Vedas é diferente do idioma sinscrito. (A gramitica dos Vedas chama-se Nirukta.) Da mesma forma, a gramitica de sandhya washa, inteiramente bascada em sons, esta desaparecendo. Como os executantes de misica cléssica podem fazer notas de sons ¢ de suas alturas, assim se podem fazer notas dos sons usados em sondhye vasha. A isso se chama ‘a linguagem dos devas®**”, Quando nos sentamos, pela manhi ¢ & tarde, no topo das montanhas, vemos beleza em toda a nossa volta. Se formos eriatures espirituais, com: Preenderemos que essa beleza € um aspecto insepardvel do Senhor, eu atributos sfo Sottyam, Shivam e Sundram — verdade, eternidade e beleza. Esta é a terra dos devas. No Himalsia, a aurora (ushé) e 0 erepisculo (sax hy — quando 0 dia casa com a noite) nfo sfo simples momentos criados pela rotagio da terra, mas encerram profundo significado simblico. ‘A manhi, a tarde, a noite e a madrugada tém, cada qual, sua propria Beles, que linguagem sguma é expan de descrever, Maitas veo por di as montanhas mudam de cor porque o sol esta a servigo delas. De manbi sfo prateadas, 2o meio-dia, douradas e, & noite, parecem vermelhas. Eu costuma- Ya pensar que minha’ mde vestia, para agradarme, muitos séris de cores diferentes. Nio tenho vocab para explcar ables através da Hague igem dos labios. $6 posso falar com alinguagem do coragio, mas as palavras no me passam pelos Libioe mes mer paws Posso dar-vos um vishumbre dessas belas montanhas. Sua beleza, cspléndida, trenscende qualquer descricfo. 0 ambiente matinal no Himalaia é tao calmo e sereno que impele o aspirante, espontaneamente, 20 siléncio. E por esse motivo que os habitantes do Himalaia se tornam meditativos. A natureza reforcou as escolas de meditagfo. Quando eu vivia na minha ‘caverna, ushé (a aurora), que segurava 0 sol nascente na palma da mio, 4, Canais de ene dito e equerdo do corpo humano. ~Aplicapio ersencal da consctaela da reepegao para despertar a forg vital ‘#9 Seres brilhantes. amie pars deipe me oy despertava-me todas as manbls, como se minha mie estivesse, em pé, diante de mim. Os raios do sol penetravam suavemente pela abertura. Na caverna Viviam divereos iogues, que estudavam a sabedoria dos Upanizades aos pés do mestre. ‘A tarde, quando 0 tempo fica mais claro ¢ o sol rompe através das nuvens, temee a impressio de que o poderoso Pintor esta despejando mnilhdes de cores sobre os pioos nevados, criando pinturas que nunca pode- riam ser imitadas pelos pincéis ¢ pelas cores dos minisculos dedos dos artistas, Toda e qualquer arte que existe no Tibete, na China, na India ¢ ‘ta Pémia traz em si alguma influéncia da beleza himalaica. Algumas vezes também tentei pintar, mas deixei de usar 0s pincéis, porgue minhas pinturas pareciam garatujas desenhadas por uma crianca. A beleza permanece press 1S Limitagdes dor reinos humanos quando info é apreciada vigorosamente. Quando alguém se adverte do nivel mais elevado da beleza que se projeta através da natureza, tornase um verdadeiro artista, Quando descobre 0 manancial de que nasce toda a beleza,o artista, em luger de pintar, comega ‘2 compor poemas. 0 pincel e as cores nfo tém acesso a esse nivel mais apurado da ‘consciéncia. A beleza espiitual hi de ser expressa em niveis cada ver mais profundos e sutis. Os vigjantes mais antigos do Himalaia sf0 as nuvens que vém rolando mansamente da Baia de Bengala. Erguendo-se do oceano, as nuvens de mongao’ viajam no rumo dos picos nevados do Himalaia, abragam-nos ¢ voltam, ragindo, as planicies, cerregadas da dgua pura da neve. Fazem ‘chover suas bénglos sobre o solo da India. Kalidasa, grande poeta sanscrito, tonhecido como o Shakespeare do Oriente, compés muitos poemas a respeito dessas nuvens. Meghdoot é um exemplo solitério de uma excelente ‘colegio deles, em que Kalidasa usou as nuvens como mensageiras para Tevarlhe o recado a amada, que vivia cativa no Himalaia. 0 Ramayane eo Mahabbarato, famosos poemas épicos hindus, desroancham-se em louvores, quando descrevem peregrinagSes 20 Himalsia. Nem os poetas modernos, que escreveram em hindi e urdu, entre os quais Prasad ¢ Ickbal, resstiram & tentagio de exaltar a beleza himalaica, Muitos poemas sinscritos, como Makimna, so cantados como se un viajante, sabisse o Himalaia ¢ dele deacesse, Eu também compunha poemas e cantava, embora nfo fosse bom poeta nem bom eantor. A misica clisica da India tomou de empréstimo Fegas, como Pahari, as toadas melodiosas cantadas pelas raparigas do topo das montanhes O Himalaia continua repleto de mistérios para os poetas, artistas, misioos € viajantes, mao 26 revela sua mensagem mais importante ‘aos que estio preparados. SO os misticos so capazes de desvendar os verdadeiros segredos dessas montanhas maravilbosas. Eu costumava errar pelas montanhas com meu urso de estimagfo, que re era muito fiel. Ele me queria muito bem e tornowse sumamente posses- 25 a» y is al sivo, Era incapaz de ferir quem quer que fose, mas derrubava todo aquele que se aproximasse de mim. Chameilhe Bhols, ¢ foi meu melhor compa heiro durante esses dias. Por onze anos, viveu perto da minha caverna ¢ sempre me esperava sair, Meu mestre no aprovava minha afeigfo cada vez tmaior por esse animal de estimagio, e costumava areliar-me, chamando-me encantador de urtos. De manhi, carregando um cajado comprido para Sjadarme a scalar 0 morro, ev me dirgia ao ato da montanha, que distava de seis a nove quildmetros da minha caverna. Levava comigo meu dirio, alguns lapis 0 urso Bhola. Depois do dia quinze de setembro comeca a nevar no Himalaia, mas continuet meus longos passeios aos pincaros das montanhas mais proximas, entoando hinos 4 Divina Mie. De vex em quando me acudia 20 espirito © pensamento de que minha vida pertence aos que seguem nossa tradiglo. Ni The preocupava a minha individualidade, mas eu tinha uma consciéncia ‘aguda da tradigho dos sibios, que seguia. Ainda que infringiste a diseiplina uitas vezos ¢ me rebelasse, era perdoado, Nesses dias, ovorreram iniimeras fexperiéncias psicologicas ¢ espirtuais profundas. As vezes eu me sentia ‘como um rei, mas sem o peso da coroa na cabega. O fato de nio ter nenhu- ma compankia nem comunicagio humana me trouxe grande paz e serenida- de. Compreendi que a natureza é muito pacifica. SO perturba os que s¢ pperturbam, mas ensina eabedoria aos que Ihe admiram e apreciam a beleza Iso é especialmente verdadeiro no Himalaia. Encontramse em abundineia nessas montanhas muitas variedades de flores. Os que possuem imaginagio poética dizem que, vistas dos picos cobertos de neve, as vertentes atapetadas de flores parecem um magnifico aso florido que um diseipulo plenamente preparado desse de presente, tom suma reveréncia, ao seu gurudevo, Eu me sentava & beira desses cantei ros naturais e ficava olhando para o céu, a procura do Jardineiro. Entre todas as flores que crescem nos vales do Himalsia, as mais belas io 8 liris ¢ as orquideas. Centenas de variedades de lirios florescem antes de acabarse o inverno e, is vezes, antes até da nevada. Ha uma variedade de Iirio corde-rosa muito bonita, Cresce em junho ¢ em julho numa altitude de 2.400 2 3.300 metros se encontra nas margens do rio Rudra Garo, que desigua no Ganges em Gangots. Essa mesma variedade de lirio também cexeace abaixo das drvores de Bhoja Basa. ‘As orquideas do Himalsia, mais dedumbrantes do que qualquer outra flor, exescem numa altitude de 1.200 a 1.800 metros. A mais pesada Gque jé encontei vvia num carvalho ¢ pesava pouco menos de 680 gramas, Kigumas variedades podem encontrarse em estufas, a poucos quilometros de Catmandu, no Nepal, mas mouitas continuam desconhecidas dos horticul- tores, Durante a temporada de floracio, os brotos, em sua obstinagio natu. a7 ral, retardam o florescimento e, as vezes, levam de seis a sete di desabrochar. As flores das orquideas srosame belas e ota floragdo dura, pelo menos, ole meets e me som ents eles sua Os cactos da montenha abremse em flores d 1s cactos e-em flores de repente na noite enhus- rada. Timidas diante dos raios do sol, suas pétalas perdem o vigo antes que © sol desponte, ¢ eles nunca mais florescem, Conhego mais de vite e cinco variedades de suculentos ¢ actos no Himalaia, usados para finalidades medicinai. Disseram-me que uma planta trepadeira, a somo, da familia das assclepiadaceas, cresce numa altitude de 3.300 a 5.400 metros. __Bntre a grande variedade de flores do Himalaia, hi mais de cento e singintavariedaes de rododendros. A mais notivel ¢azal bran. 50 comuns as variedades cor-de-rosa e vermelhas, ¢ outra variedade poss Pitslas maltiolordas, No verdo, por vezes, um vale todo se alfambra de flores de rododendros pores Ca AA rainha des flores do Himalaia é a himkamol, ou “Iitus da neve”, flor rarisima. Um dia em que eu vagabundeava pelas montanhas, vi uma Bimkanal sal iscas, do tananko de um pes, que eres exve dus rochas, semi-enterrada’na neve, Pusme a contempléla e minha mente entabulou um didlogo com ela eur cena — Por que estés aqui sozinho? — pergunte‘-he. Tua beleza foi feta para ser adorada, Devias darte a alguém antes que tuas pétalas caissem e retornassem 20 p5. Quando a bisa Ihe soprou o caule, ele estremeceu, inclinowse na ints diego ocespondenma ov + inine _ = Cres que'me sinto solitatio' porque estou s6? Bstar'sé é estar num 13; Aprecio estas alturas, a pureza, o abrigo que me fornece o guarda-chuva szul Ii em cima, Eu queria colher a flor ¢ pensei em arrancictae levida a0 meu mestre. Comparci-minha propria vida a esse lotus e exclamel, como erianga alegre € irresponsivel: — Que te aconteceré se eu esmagar tuas pétalas? 0 Fetus replicow: = Ficarei contente, pois minha fragrincia se irradiaré por « estard cumprida a finalidade da minha vida. naa Arranquei o létus pelas raizes ¢ levei-o a men mestre, mas esté nfo se Imotrou muito rat, Nunct Ihe aradara uta a flores ¢ sua fagrnc, ‘4 nfo ser numas poucas ocasides em que me ordenava que cothesse flores na Forests para o culto, Foi eta altima ver que colki ma flor. Fizowme a impressio de ter despojado a Mie Natureza, arrancando-the o filho do colo. 28 : | Nunca mais fiz iso, A beleza exiote para ser admirada e nfo usada, posuida cou destruida, O o:nso estético se desenvolve quando principiamos a apreciar abeleza da natureza. [A fim de satisfazer e realizar meu desejo de ficars6, entrei a vagar de tum lado para outro, admirando a natureza pelo simples fato de estar com tla. As vees eu descia até is ribeiras nevadas ¢ olhava para as ondulagées que batiam umas nas outras & medida que iam para a frente. Os ros € beiras que se frecipitavam do topo das geleiras pareciam outros tantos tachos de eabelos, A misica eriada pelos cursos 4’égua é estimalante, Eu comparava a coriente da vida a essas correntes que estéo sempre fluindo fe obvervava, atento, a massa aquosa que corria para o oceano, sem jamais deixar uma lacura. Os cursos d’égua nunca voltariam para tris, mas outra masse Iiquida ensheria o claro, Havia sempre continuidade. As ribeiras sio tomo o fluxo perene da vida. Durante horas eu as observava, nevosas, a fir das geleirs ¢ das quedas d’égua. As duas margens dos riachos brilhavam ‘como prata nas noites de luar. ‘Vivendo na parte do Himalaia onde flui o Ganges, eu me,sentava nas suas ribas rochosise fitava 08 olhos no eéu azul e na lua clara, que perdia tor na arcia, Observava as luzes tremeluzentes que vinham das casinhas das aldeias distantes », quando as nuvens se separavam, via 0 céu cintilar com as limpadas de um milhéo de estrelas. Essa grandiosa assembléia ¢ longa procisséo estelar ultrapassa a imaginagfo humana. Lé embsixo, na terra, Os picos do Himalaia fruiam em siléncio a feira dos astros. Dirse-ia até que flguns brincassem de esconde-esconde entre os picos das montanhas. Em todas as diregBer, 0s cimos e o$ ribeiros cobertos de neve eram iluminados pela claridade letosa que emanava da extrelada multidéo de que até hoje Ine lembro. A noite, a neblina formava espesso alcochoado branco sobre © Ganges, entre duss cadeias de picos nevados e, antes do nascer do sol, uma camada de neblira cobria o Ganges como alvo cobertor, debaixo do qual se tinha a impressdo de que roncava uma serpente adormecida. Os raios do sol nascente precipitavam-se para beber daquelas aguas sagradas com a mesma ofreguiddo com que eu me precipitava para banhar-me no Ganges todas as manhfs, A gua da montanha tinha a limpidez do cristal, acalmava os olhos ¢ estimulave os exntidos. Muitos rios fluem do grande lago Mansarobar, nas faldas do monte Kailasa, mas en:re todos of rios que tém suas eabeceiras nas montanhas do Himalaia, o Ganges é nico. Quando desce de suas nascentes nas geleiras de Gangotri, earrega em suas aguas uma variedade de minerais de valor nutritive terapéutico, Raro se manifestam moléstias da pele entre os aldedes que vivem nas margens do rio sagrado. Em todos os lares hi uma garrafa de égua do Ganges, que quase todos costumam dar de beber 08 moribundos. Engarrafada, essa dgua no se estagns, ¢ nela no sobrevivem bactérias, que sobrevivem na égua de outros rios. Hé muito tempo, os marinheiros descobriram que # agua potivel do Ganges, transportada por navios que navegavam de Caleuté a Londres, nio se estagnava, a0 passo que a agus do ‘Tamisa transportada por navios que faziam o percurso de Londres & India precisava ser substituida durante 0 percurso. Os componentes quimicos e ‘minerais nicos dessa 4gua tém sido analisados por muitos cientistas no mundo inteiro. O dr. Jagdish Chandra Bose, eminente cientista indiano, analisou a gua do Ganges ¢ concluiu: “Parece no haver outra égua de rio ‘como esta em parte alguma do mundo. Suas qualidades minerais tém pode- es para curar intimeras doengas.” +. Entretanto, quando 0 Ganges desee as planicies, é alimentado por uitos ribeirées ¢ rios poluidos, e perdem-e os méritos da sua égua, Alguns aldedes atiram os corpos de seus mortos no Ganges acreditando que, assim, as almas dos seus entes queridos vio para o ou. Pessoalmente, nfo aprovo 0 sistema de poluir a dua e depois bebé-la e chamar-the santa. Meu mestre ensinou-me a nfo beber a dgua do Ganges, nem banhar-me nela pensando ‘que, a0 fazé-Jo, eu me estaria limpando dos meus pecados. Ele doutrinow-me na filosofia do carma e disse: — Temos de colher os frutos do nosso carma. A lei do carma é inevits- vel ¢ aceita por todas as grandes filosofias do mundo: “O que semeares, colheris”. Aprende @ cumprir tuas obrigagies peritamente, sem aversio nem apego, ¢ nfo acredites que alguma coisa podera tirar, lavando, teu mau carma. O tomar banho num rio ¢ o fazer peregrinagies de um santuério a outro nfo te libertario da sujeig#o a0 carma. Tal erenca é mera superstigfo -carece de logica 0s rios que descem do Himalais enriquecem o solo da India e alimen- tam hoje em dia mais de 600 milhées de pessoas. Nada obstante, hé quem dige que essas montanhas s80 pobres. Escritores atrevem-se a afirmar que 0 Himalaia, economicamente decepcionante, tem poucos depésitos minerais nfo suporta empresas de grande vulto. Concordo com eles: economicamen- te, a5 montanhas nfo so ricas. Espiritusis, provém @ subsisténcia de renan- Giantes, ¢ nfo dos materialmente opulentos. Os que tentaram explorar as riquezas do Himalaia de um ponto de vista econdmico fracassaram, ¢ 05 ‘que-se langarem a tais aventuras no futuro verse-o igualmente decepcions- dos.:As aldeias himalaicas nio receberam sua cota de educago, tecnologia evtnedicina modernas, muito embora as montanhas sejam o reservatdrio da agua potavel e das aguas de irrigacio de toda a India. Os planejadores indis- znos revelam-se desassisados nfo dando maior destaque a esse importante recurso. Os habitantes do Himalaia, todavia, preferem que as coisas continuem como estio. “Deixainos sozinhos sem exploragio. Sede gratos ¢ respeitai- nos de longe,” séo as palavras que ouco de muitos aldedes do Himalaia. 30 me: mnericiponenntty ¥ sods nema assent aa aes Sustentam a economia das aldeias minisculos campos terraceados em que ee cultivam a cevada, o trigo ¢ as lentilhas. A criagio inclui bifalos, tameiros, gado bovino, poneis e cabras. Os aldebes que vive no Himalaia do Pendjab ¢ de Caxemira, no Himalaia de Kumayun,¢-de Garhwal e no Hiimalaia do Nepal e de Siquim possuem muitas caracteristicas em comum. Séo pobres mas honestos; no furtam nem brigam, Nas aldeias encarapita- das no alto das montanhas, ninguém tranca sua casa — as trancas nfo sio necessérias. Hé ali sitios de peregrinacio. Se fordes a um santuério no alto das montanhas e deixardés cair yossa bolsa no caminho, ela estari no mesmo lugar quando por ls passardes semanas depois. Ninguém tocaré nels, Consi- derase falta de respeito mexer nas coisas alheias sem permissio. “Por que precisariamos das coisas dos outros?” perguntario. Nao hé cobiga porque 2s neceasidades so escassas. Eles nfo sofrem de insanidade materialist Q's 6 preci ‘s'planicies lhes fornegam sal ¢ dleo para in ete thy aladdin memes capt do {que a maioria das outras espalhedas pelo mundo, mercé dos habitos simples, Thonestos e delicados do povo. A vida ¢ calma e pacifica. As pesoas nfo sabem odiar. Néo compreendem 0 ddio. E-ndo querem descer as planes. Quando deixam as montanhas, a0 Se sentem vontade no meio da gente dss planicies com seus traques, jogos ¢ fingimentos. Nas éreas das monts- has mais influenciadas pela ‘cultura moderna, no entanto, a mentira © 0 furto comesaram a.ocorrer com maior-freqiéncia. Considera-se a sociedade modema adiantada e culta, mas ela no é suténtia, mas artifical como qualquer pola arf. Poacs, hoe em dia, dio valor is pérolas auténticas. O ser humano moderno enfraquecen-se e fraqucceu sur nattreza humana a0 procurar cultivéla cada ver mais, ¢ fo perder o contato com a naturesa ¢ a realidade, Na cultura moderne, ‘ivemos para mostrar-nos aos outros, € nfo para servilos. Mas se fordes és Tnontanhas, sgja qual for a vosse identidade, as primeiras coisas que vos perguntardo slo as seguintes: — J comestes? Tendes onde ficar? ‘Qualquer um ali vos faréessas perguntas, quer sejais amigo, quer sejais cestranho. (0 povo do Himslaia de Garhwal ¢ Kumayun é inteligente, eulto ¢ hoopitalelo. A arte do vale de Kangra e a arte de Garhwal efo famosas por seu trabalho singularesimo de bico de pena e de cor. A educagio em algu- sas comunidades serranas € melhor do que em muitas outras partes da India. Os padres das diferentes comunidades sabem tanta astrologia mistura- da com tantrismo que, as veres, o seu saber surpreende os vigjantes das planicies, O povo leva uma vida simples, proxima da natureza. Mora em frelas casas de madeira ¢ tece as proprias roupas. A noite, reine-se para 31 ‘Campos terraceados no Himalaia salmodiar ¢ cantar eu folelore em belas melodias. Danga num grupo ¢ entoa ‘anges populares harmonioses ¢ comoventes, Os tambores das montanhas so excelentes ¢ as flautas de bambu ¢ harpas primitivas sfo usadas pelos pastores ¢ pelas criancas de escola. Quando os rapazes ¢ raparigas sobem as montanhas em busca de capim para o gado e madeira para lenha, compéem ‘espontaneamente ¢ cantam poemas. As eriangas tém um modo proprio de gozar a vida jogando héquei e futebol. A reveréncia aos pais € pessoas mais velhas é uma das caracterfsticas notaveis da cultura himalsica. ‘A maioria das drvores que cresce em altitudes de 1.200 a 1.800 metros slo carvalhos, pinheiros e devdaru (abetos) de varias espécies, Nas altas montanhas, cresve a bhoja patra e fornece papel de oértice, que os aldedes utilizam para. registrar suas experiéncias, 0 modo com que levam a cabo seu culto religioso, e 0 emprego de ervas, Todo aldego conhece alguma ‘coiss acerca de ervas, fiteis para muitos propésitos na vida cotidiana. Todas as aldeias de Caxemira e do Pendjab, do Nepal e.de, Siquim so famosas pelos soldados robustos ¢ sadios que fomnecem, 0 exército indiano. A cexpectativa de vide do povo, muitas veres,é superior a cem anos, ‘A comunidade himalaica que vive nas montanhas do Paquistdo chama- -se hunza ¢ come carne, mas a que vive na parte indiana do Himalaia chama “se hamso, e & vegetarians, Hamas quer dizer “‘cisne”, ¢ este é um simbolo freqiente na micologia hindu. Diz-se que o cisne tem o poder de separar ¢ beber apenas o leite de uma mistura de leite.¢ agua. Da mesma forma, ‘ete mundo é una mistura de duas coisas: 0 bom ¢ 0 mau, A pessoa sdbia cescolhe ¢ fica com o que é bom e deixa de lado o que é mau. Em todo 0 correr das montanhas 0 culto de Shakti® é conspicuo, € ‘em toda aldeia hi pelo menos uma ou duss capelinhas, Os sibios visjam ¢ nfo formam comunidades. Provém de culturas diferentes e de diferentes partes do pais (¢ do mundo) e vivem em cavernas, debaixo de irvores ou fem minisculas chogas de sapé, Esses locais de habitacdo, considerados como templos, situam-se fora das aldeias. Hi sempre um sibio, pelo menos, is yezes varios, que li se demoram e cujas necessidades mais urgentes sf0 tatisfeitas pelos aldedes. Quando algum sadu** iogue ou sibio errante aparece, 08 aldebes lhe oferecem, prazerosos, a comida de que dispem. Gostam de receber héspedes e travam amizade facilmente com eles, Quando vinjeipelo Himalsia, nfo me agradava ficer com os aldedes ou com os funciondrios estaconados aqui e ali, mas preferia aposentar-me nas ermidas, ‘cavernas ¢ chogas de sapé dos sébios. © Mie Divina. Renunciant, 33 Culturalmente, o Himalaia nfo constitui obsticulo nem ria barreiras ‘para os paises cituados de um e de outro lado dele, Hi centenas de comuni Gades ¢ nacionalidades nessas montanhas que se notabilizam por peculiai- dades em seus modos de vida, resultantes de alguma fusio inséita da cultura indiana com a tibetana e a chincsa, Falam-se linguas diferentes em diferentes partes do Himalaia. Tempo houve em que eu falava o nepali, o garhwali, 0 kcumayuni, o pendjabie um pouco de tibetano, mas nunca aprendi o idioma falado em Caxemira, O conhecimento dessas Iinguas das montanbas ajudow- ‘me a comunicar-me com os lideres espirituais locais e com os herbanérios. 0 més de julho & o melhor més para se viajar no Himalzia. A neve ¢ as goleiras estdo derretendo, e milhares de ribeiras precipitam-se por toda a parte. O frio néo é desagradavel e os que conhecem a natureza das geleiras, avalanchas ¢ deslizamentos de tera podem viajar com cuidado, mas com ‘conforto, Os perigos das’ montanhas do Himalaia sio hoje iguais 20 que ‘sempre foram. Avalanchas, ribeiras ¢ rios vertiginosos, rochedos que se projetam no espago e picos cobertos de neve que se alteiam, sobranceiros, io mudaréo seus modos de ser por viajante nenhum, Apeser disco, @ heranca espiritual do Himalaia hi muito tempo vem motivando viajores & explorarthe a sabedoria desconhecida, Hi mais de mil anos, centenas de Viajantes tibetanos ¢ chineses, encontrando a literatura budista da India, traduziramana para suas proprias linguas, disseminando desse modo os fensinamentos budistas em seus paises..0 Grande Veiculo do budismo (Mahayana) transpos a8 fronteiras himalaicas, primeiro para 0, Tibete © depois para a China, enriquecendo a cultura ¢ a religifo chinesas. As tra es meditativas do zen so aspectos desse budismo transmitido, em seguida, para o Japfo. Os ensinamentos originals foram instilados por mestres hindus, {que viajarain para 0 Tibete ¢ para a’ China hi dez séculos. Os sdeptos do taofemo do confucionismo adoram o Himalaia e os mestres himalaicos, pois receberam muita sabedoria dos que viajaram e viveram nessas monta- Tthas. O principio da inaglo enfatizado pelo taofsmo encontree formulado om précisfo no Bhagavad Gita. O conceito de nirvana, daramente presente na filosofia indiana primitiva, exerceu influéncia sobre todas as religibes do ‘Tibete, da Mongélia, da China e do JapSo. Hoje em dia, o Tibete é um pais comunista e tudo faz cre que sua antiga sabedoria e a cultura que nela 9¢ baseava desapareceram, Entretanto, o Dalai Lama ¢ um punhado de seguido- res migraram para os contrafortes das montanhas do Himalaia ne India. Bssas montanhas foram meus sitios de recteio, Diree-iam amplos ‘sgamados estendidos, como se a Mie Natureza tivesse cuidado deles pessoal- mente de modo que seus filhos que vivem nos vales permanecessem felines, alegres e cénscios do propésito da vida. E ali que se pode chegar a compreen- der que desde a menor das hastes de relva até ao mais alto dos pincaros, nfo ha lugar para a tristeza na vida. 34 © sagrado Himalala, Meus quarenta e cinco anos de existéncia ¢ viagens com os sibios do Himalaia, sob a diregio do meu gurudevo, permitiram-me experimentar fem poueos anos 0 que normalmente ninguém experimentaria em virias existencias, Foime possivel fazé-lo em virtude da grasa do meu amado mestre, que queria que eu experimentasse, escolhesse e decidisse por mim mesmo. A série de experiéncias e meu aprendizado com os sabios me ajuda- ram a stingir e manter um centro de percepcio interior. Eu vos contarci ‘como eresci e coino fui exercitado, falarei sobre o6 grandes sibios com os aquais vivi e © que me ensinaram, nfo através de conferéncias e livros, mas, através de experiéncias. As historias reunidas neste livo sio um registro de algumas delas, Toda ver. que desejo contar uma histéria ao mundo, penso {que proprio mundo é uma histéria. Qro por que outros também possam tirar proveito dessas experiéncias, e por esse motivo falo nelas quando fago conferéncias ou leciono. Sempre pergunto aos meus alunos: — Que éo que é meu e que foi o que no te entreguei? Dessas histériss expiritusis, aprendei o que @ proveitoro 20 vosso crescimento, ¢ comecai a praticélo, deixando, por enquanto, com 0 narra dor o que esta além do voso alcance. As lembrangas dessas experiéncias ainda hoje me despertam e sinto que as montanhas do Himalaia me chamam de volta, 36 Meu gurudeva e meus pais Meu pai era um conhecido sanscritsta © homem altamente espiritual Muitos brémanes, que viviam em sua aldcia, procuravam'no para consultélo estudar com cle, Moderaéamente rico € generoso proprietirio de terras, meu pai nfo arava seus campos pesoalmente, mas partilhava dos produtos deles com os trabalhadores que o faziam. Fazia seis meses que ninguém sabia do seu paradeiro ¢ a familia jé chegara & conclusto de que ele morrera ou pronuitciara um voto de renincia, Na realidade, ele estava fazendo um Tongo retiro, porque tinha problemas com suas praticas espirituais, Entrega- vase uma intensa meditagio na floresta de Mansa Devi, nfo longe de Hardwar. Numa viagem que fez, de passagem por Mansa Devi, meu mestre chegou certa noite 20 sitio em que meu pai se encontravs. Ao védlo, meu pai conheceu de pronto que aquele era o sen gurudew. Muites vezes, num fontato inicial dessa natureza entre mestre € discipulo, os dois coragies respondem ¢ se abrem espontaneamente um para 0 outro, Isso pode aconte- cer ao simples contato de um olhar. Logo depois se inicia a comunicagio sem agfo e sem fala, Meu mestre Id ficou uma semana, orientando meu pai e instruindo-o finalmente para voltar para casa, que ficava a 1.650 metros de altitude nas colinas de Utar Pradesh. Minha mie renunciara a esperanga de ter o marido de volta e encetara ‘uma pritica intensive de austeridades. Quando meu pai regresou, narroulhe suas experiéncias com o mestre que o iniciara em Mansa Devi. Contoudthe que este Ihe dissera que, embora tivessem quarenta ¢ trés ¢ seasenta anos de idade, respectivamente, teriam um filho que também o seguiria, Dois anos mais tarde, meu mestre desceu do Himalaa aldeia de meus pais e visitouhes a casa, Meu pai estava jantando quando meu mestre chegou, € minha mde atendeu & porta. Sem saber quem era, pediuhe que fizesse 0 favor de esperar porque seu marido estava jantando ¢ ela o estava servindo, Ao saber da chegida de um héspede, meu pai deixou a comida e correu para a porta, Meu mestre disse: 37 — Nao vim comer nem aceitar tua hospitalidade, Quero que me dés uma coisa, = Tudo o que tenho é vosso, —replicou meu pai — Preciso do teu filho, — disse meu mestre. Se tivéssemos um filho em nossas idades seria um milagre, ~ res- ponderam meus pais, — mas, se pudermos té-lo, seré vosso. Dezoito meses depois desse encontro, nasci, No dia em que nasci, meu mestre chegou & nossa casa e pediu a minha rife que me entregasse a ele, Como mie recente ¢ protetora, minha mie relutow em comprazerthe, més meu pai pedivihe que o fizesse. Depois de ‘segurar-me por alguns minutos nos bragos, meu mestre entregow-me de novo a ela com estas palavras — Cuidai dele; voltarei mais tarde e o levarei comigo. ‘Trés anos depois meu mestre voltou ¢ encetou minha iniciagio mur- ‘morando uma mantra no meu ouvido direito. Eu disse the que jé conhecia a mantra ¢ que a estivera recordando durante o tempo todo. E ele respondeu: — Bu sei, Estou apenas confirmando 9 que recordas. Quando crianga pequena, eu nfo eentia afeigo alguma por meus pais, ‘mas me lembrava de meu mestre o tempo todo ¢ tinha uma consciéncia per- ‘manente da sua presenga. Eu pensava tanto nele que, as vezes, meus pais me pareciam estranhos. Eu costumava pensar: “Nao pertenga a este lugar nem a ssa gente”, De quando em quando, minha mae olhava para minha ordha di- reita e examinava o buraco que ali havia desde que eu nascera. As vezes, pu- hase a chorar, dizend — Um dia, tu nos deixaras e partis ‘Eu amava minha mfe e meu pai mas, na verdade, costumava esperar por esse dia, pois me lembrava, nessa idade, de que o meu propésito na vida completar a missfo néo completada de minha vida anterior. Quando crianga, eu memorava claramente os pormenores de minha existéncia pregressa. Bu despertava todas as noites porque meu mestre me visitava reitera- damente em sonhos. iso perturbava e preocupava meus pais, que consults- ram padres, médicos e astrologos para descobrir o que estava errado, mas, através de um mensageiro, meu mestre disselhes que nfo se preocupassem ‘porque no havia nada de errado comigo. ‘Viviam na mesma aldeia, duas velhas visas com as quais eu tinha 0 hhibito de conversar sobre meus planos futuros. Blas eram muito santas. Sempre me aconselhavam a ir para uma escola secundaria a fim de estudar. 38 Na realidade, me acabaram persusdindo a fazé-o, mas logo shandonei a escola no voltei a ela, Achei que era initil para mim gastar meu tempo numa escola daquelas, ‘Volvidos alguns anos, meus pais morreram ¢ fui ter com meu mestre, que se pos a disciplinar-me, embore iso Ihe fosse dificil Bu raro pronuncia- yaa palavra “pai” porque néo tinha afeigio alguma ao meu pai fisico, Nunca ihe senti a falta, porque resebi mais do meu mestre do que qualquer filho pode receber do pai. Meu mestre nao & apenas pai para mim, mas muito mais do que isso. Ele conhecia todos os pensamentos que me acudiam i mente. Se eu pensasse em ndo fazer a meditacio, olharia para mim e sorriria. E st eu perguntasse: — Por que estais sorrindo? Ele me responderia: ~ Porque nfo queres meditar. Ieso ajudou-me, porque eu tinha a certeza de que ele me extava dirt indo, nfo #5 no tocante aos meus atos ¢ palavras, mas também no que se feferia & organizagdo dos meus processos mentais ¢ emog6es. Eu tinha medo de pensar em coisas indestjiveis, mas ainda que pensasse em alguma coist aque parecesse mi, ele continusva 2 amar-me apesar disso. Nunca me contro lava of pensamentos mas, com delicadeza, me fazia tomar consciéneia dos ‘meus processos mentais. 0 discipulo é sempre amado pelo mestre. O verda- deiro mestre jamais condena o diseipulo, por pior que sea este iltimo. Ao invés disso, ajuda-o e corrige-o delicadamente. Por mais que o filho proceda ‘mal, a mie amorosa continuari a quererthe com ternura. E assim como ela ‘ria 0 filho dando-lhe amor, gentileza ¢ orientagio, assim o mestre eria 0 discipulo, Bu nfo sabia o que uma mfe e um psi poderiam dar, mas meu mestre me deu tudo, e nunca esperou retribuicdo, nem eu tinha coise alguma para dardhe. O amor que Ihe dedico é imenso, pois ele fex tudo por mim ~ educoume, exercitoume — e até agora nada pude fazer por ele. Mas um rmestre de nada precisa, Os verdadeiros lideres espirituais sfo assim: nada tiram e tudo dio, 0 verdadeiro professor, totalmente desprendido, ama seus alunos mais até do que um pai pode amar o filho. O pai, por via de regra, s6 transmite ieiog materiais, ajuda os fihos a crescer ¢ exercita-os a viver no mundo. Mas © pai espiritual dé com dasinteresse 0 que nio pode ser dado por um pai nem por ninguém, $6 vi um exemplo disso na tradigSo espirtual. O pai ¢« fe dio a luz, cciam, elucam e transmitem sua propriedade, mas um gurudeva dé a seus discipulos.o conhecimento que lhe advém da experiencia 39 direta, A transmiseio desse conhecimento é uma tradigio iogue, exatamente ‘como 0 € a transmissf0 da propriedade aos filhos pelo pai. O amor divino do mestre, Jonge de ser como 0 amor humano, algo que s6 0 coragio, € nunca a mente, tem capacidade de compreender. Numa auténtica tradigao cepiritual, o mestre di tanto ao discipulo que Ihe domina e transforma a existéncia, Depois que passei com meu mestre um bom periodo de tempo, ‘mandaram-me viver em companhia de meu condiscipulo em Gangotri. Este comegou por ensinar-me os textos segrados. Gostava de mim, mas nfo compreendia minha insubmissto nem fechava os olhos is minhas constantes Drigas com outros sadus, Mandava a meu mestre recados desabonadores do meu comportamento ¢ meu mestre vinha buscar-me ¢ levava-me consigo por algum tempo. Depois, mandava-me de volta a casa do meu condise‘pulo. Eu também me sentia infeliz na situegio de héspede de uma familia mas, {elizmente, isso acontecia raras vere. Um dia, curioso por conhecer a vida do meu condiseipulo, perguntei- -Ihe repetidamente onde nascera. Eu nfo sabia que os renunciantes nunca discutem seu passado mes, diante da minha insisténcia, ele me revelou 0 local do seu nascimento. Mestres e sibios nfo querem recordar 0 passado, nem dao muita importancia a aniversérios, idades ou locais de nascimento. Desagrada-thes falar sobre os membros de suas familias de sangue. Quando se realiza a ceriménia da iniciagio, 0 proprio renunciante executa seus ‘tims ritos e, a seguir, deliberadamente, esquece o lugar em que nascet ¢ as pessoas com as quais viveu até entdo. E um costume nas ordens do renundiante nfo discutir o proprio pasado. Chamamdhe o passado morto € consideram-se renascidos, Fiz as mesmas perguntas a meu mestre, € 65 depois de muita persisténcia de minha parte, ele me contow alguma coisa da sua vida, Referiume que nascere de uma familia brimane da Bengala Ocidental, Os membros da familia eram iniciados de um sdbio que costuma- va descer do Himalaia de ver em quando e visjar naquela érea. Filho inico, ficara drfo em tenra idade ¢ fora adotado por esse mesmo sébio. Meu rmestre tinha oitenta anos quando me contou essa historia. Fala com um sotaque bengali e, conquanto nfo use sua lingua nativa, canta, és vezes, cages bengalesas, Sanscritista, conhece inglés e varias outras linguas. De uma feita, durante minhas viagens & Bengala, visite! o local de nascimento de meu mestre. Néo havia vestigios de sua ease ¢ pensei em exguer ali um monumento comemorativo em sua honra, mas ele me reco- mendou que nfo o fizesse. Na aldeia, ninguém sabia nada a seu respeito, cexceto duas velhas senhoras jé octogendrias, segundo as quais um mestre do Hiimalaia chegara eo levara quando ele tinhe eatorze anos de idade, = Nés nos lembramos dele, com efeito, — disseram elas, ¢ mostraram- -2¢ curious por saber se ele ainda viva, onde estava e que fizera da sua vida. 40 Meu mestre vive numa caverna, da qual 26 sai uma vez por dia, a0 naseer do sol, rezressarido uma hora depois. Duas vezes por dia se levante do assento, As vezes, sai da caverna mas, outras, ali fica sem ssir dias & fo, ‘Trée ou eineo discipulos adiantados permanecem com ele 0 tempo todo. Por trés meses, durante o invemo, meu mestre, acompanhado de seus diseipulos, desce para uma altitude de 2.100 2 2.400 metros. Viaja, de vex, fem quando, para Nepal e demorase por alguns meses a onze quilémetros de Namchabazzat. ‘Toma geralmente leite de cabra e, de onde em onde, o leite de uma vaquinhe preta shycma, animal de estimacio, objeto dos cuidados dos ‘extudantes, De tempos a tempos eu davathe, para beber, meio copo de égua misturado com meio copo de leite de cabra. Eu davadho sem que ele mo pedissee, a0 ver que ele nfo o tomava, levava-o embora. Mais tarde, dave-lhe mais, Era esse o seu tnico alimento. Meu mestre permanece em Sahaja-samodhi* e fala muito pouco. Em certa ocasiio, vivemos juntos por nove meses ¢ quate nfo nos falamos Durante a maior parte do tempo permanecemos sentados, de olhos fecha- dos, meditando, Eu fazia o meu trabalho ¢ ele, o dele, Nio havia ovasiio pare falar, Havia compreensio ¢, portanto, nfo se fazia mister a comuni {zo oral, Quando a compreensio nfo estd presente, a conversegdo é necessé- fia 20 relacionamento, mas a linguagem é um pobre meio de comunicagio, Ja havia comunicagio num nivel mais profundo, de modo que nfo era preciso falar. Meu mestre e eu acreditavamos mais na comunicagio silencio- Te Ele respondia is minhas perguntas tolas com um sorrso. Falava muito ‘pouco, mas criava uma atmosfera para o meu crescimento. ‘Algumas pessoas chamam-Ihe Baba Bengali ¢ algumas #6 0 conhecem por Babaji. Eu chamo meu gurudeva de “‘mestre” porque nfo me ocorre palavra mais apropriada do que essa. O amor que the dedico & como uma Iei etema, Nunca o achei destituido de realismo no que me ensinow, € ‘nunca me pareceu egoista em nenhum sentido. Todos os seus ensinamentos, através dos seus atos, das suas palavras ou do seu siléncio estavam repletos de amor divine, Nao tenho palavras adequadas para abarcar-lhe a grandeza ‘Acredito devotamente que ele é um iogue de sabedoria imortal e um dos maiores err do Hinali, Su reso para vier ¢iuminar oF que io reparados, e amar, proteger e guiar of que ainda se estfo preparando. Feet ei ae «aS ee ae Scio porque isso me aconteceu muitas vezes ¢ aconteceu a varios outros. ee "Estado constante de profunda contemplagio aL Sempre que sobra algum tempo em minha pauta cheia, sinto um desejo forte de voltar para ele, que é o meu inico mat ‘Comm toda a reverén. aa ¢ deosto posites, peso homentgem one ger gue fs a Ox emos que comet so men, masque hi de bom em minke ids provim 42 en. | ‘Meu mestre e 0 principe swami Meu mestre & conhecido em toda a India por este acontecimento histérico que vou relatar. Ao que tudo indica, muitos’advogados, juizes ¢ ‘outras pessoas cultas na India ja o conhecem. Hiavia um mogo chamado Bhawal Sannyasi, que era principe herdeiro de Bhawal, Estado de Bengala. Depois do seu casamento, passava a maior parte do tempo com a espost em sua luxuosa residencia na montanb, em Banjecling, A’ eeposa apsixonarase por um médico, ¢ 08 dois amantes conspiraram pare envenenar 0 principe. O médico comegou a aplicarthe SbjegBes de pegonha de naja em doses minimas, dizendo so principe que ‘eam injegSes de vitaminas. Em seguids, foi aumentando Tentamente as doves até que um dia, dois meses depois, o principe foi declerado moro, mensa procissic transportourlhe o corpo s0 local de eremaglo, # margem de uma ubeira da montana, No momento em que st ateou fogo és pilhas de lenha e se colocou o corpo sobre 0 fogo, desabou uma chuva torrencial, (Darjeting tem fama de ser o lugar de maior densidade pluviométri do mundo). A chuva apagou o fogo ¢ a ribeira transbordou, carregendo 0 corpo em suas éguas. ‘Trés milhas a jusante do local de cremagéo, meu mestre se achava ‘numa eaverna com alguns disefpulos swamis. Viajava, naquele ocasido, das faldas das montanhas de Kinchanchanga para a nossa caverns no Himalsia de Kumayun. Quando viu o corpo amarrado com pano de ataide ¢ vares de bambu precpitando-se ribeira abaixo na sus direglo, deu instrugées 20s discipulos para que o retirasem da corrente ¢ olibertassem das cordas bem amarradas. E dise: — Eve homem nio esté morto, mas em estado de profunds incons Géncia, sem respiragio e sem pulsagdo normais. E meu diseipulo. (Os swomiz desamarraram as cordas ¢ levaram 0 corpo d presenca dele. Duss horas depois, o principe recobrara os sentidos, mas esquecera comple- ‘tamente o passido. Tornouse discipulo de meu mestre ¢ foi iniciado, mais 8 tarde, como renunciante, Vivew com meu mestre sete anos. Meu mestre recomendouuthe, entdo, que visitasse diferentes lugares para conhecer outros sabios. Predisse que 0 principe swomi encontraria sua irmi e se recordaria do passado, vaticinando sinda: ~ Surgirdo muitos problemas para nés e, por isso, acho melhor procu- rarmos maiores altitudes. Enderegouse & nossa caverna ancestral no Himalaia ¢ li ficou virios Depois de errar por diversos meses nas planicies ¢ conhecer muitos sébios, um dia, sem querer, o principe suami foi pedir esmolas em casa da irma, que 0 reconheceu de pronto. Em seis horas ele relembrou todos os pormenores do passado. Eu era jovem nessa época e me recordo com preci- slo das minicias do ineidente, tais como foram entio relatadas, Influenciado pelasinstigagGes da familia lembrando-se do passado, 0 principe swami dingiu-se ao tribunel e afirmou ser o principe de Bhawal. Chamaram-se iniumeras testemunhas para depor em favor de ambas as partes, do caso. No correr do processo ficou provado que o médico obtivera veneno de naja de um laboratério em Bombaim. E ficou provado, sem qualquer sombra de divida, que o swami ers o principe envenenado pela esposs € pelo médico, amante dela. O principe sami contou que, tendo sido declara- do morto, seu corpo fora carregado para o sitio de cremagio perto de Darjeeling, arrebatado por uma inundagio ¢ recolhido por um mestre do Himalzis e seus discipulos, Meu mestre nfo foi ao tribunal, mas mandou dois suamis para depor. O caso continuot no tribunal de Caleuté varios anos e foi um dos processos mais compridos ¢ de maior repercussio em toda a histéria judiciaria indiana. O principe, afinal, recuperou a posse de sua propriedade e riqueza mas, ironicamente, morreu um ano depots. Através deste caso meu mestre se tornou conhecido em todo o pais € ‘comegou a ser procurado. Sempre evitou multiddes ¢ apenas tem trabalhado ‘com um grupo seleto de diseipulos, aos quais proporciona constante € carinhoss diregio. Nao quer aparecer sob a luz de refletores. 0 povo da India jé perguntou muitas veres quem é esse grande sabio, mas meu mestre Prefere permanecer afastado das multiddes. Prefere continuar desconhecido, e diz que o aspirante que deseja realmente seguir 0 caminho da iluminagio evitard multid6es, publicidade e grandes séquitos. [Nome e fama sio as maiores barreiras ¢ armadilhas que pode encontrar ‘um homem espiritual, Mesmo depois de abrir mio das posigSes mundanas, 0 desejo de conquisté-os se esconde na mente inconsciente. 0 aspirante deve climiner de todo esse desejo, dedicando o corpo, a mente ¢ @ alma ao Senhor € nfo tendo nenhum desejo pessoal, seja ele qual for. Um sébi ery | | | | | | | | | | | | | ' condig6es pode ajudar, curar e guiar a humanidade desde um canto sossege: see tade do Himalia, Servi a humanidade tornase parte importante d vila para tais sdbios, que nada esperam dela, pois entendem que servir & humanidade é a expressfo do amor a Deus. Pegadas de ilusdo Os ocidentais tém ouvido muitas histdrias a respeito da existéncia de ietis, homens das neves ¢ Xangrilé. Conquanto tais historias se baseiem em fantasia e ilusdes, traficantes da euriosidade, atraidos por elas do Ocidente, tém tentado descobrir os segredos do Himalzia, ajudados pela comunidade de carregadores xerpes, tradicionalmente treinados para escalar montanhas e que ganham a vida guiando viajantes as serranias do Himalaia. Os guias xerpas tém conhecimento dos pioos mais proeminentes ¢ so muito iteis para sjudar escaladores e expedicionérios, mas ignoram a tradigio espiritual de qualquer parte do Himalaia. Muitos estrangeiros tém marinhado por essas montanhas & procura de Xangrili, mas Xangrilé néo existe, O seu mito baseia-se na existéncia de dois “antigos mosteitos,feitos em cavernas e escondidos no Himalaia. As cavernas ‘fo descritas em nossos livros sagrados tradicionais ¢ tém uma longa heranga de meditagio ¢ préticas espiritusis. Uma ecté situada no monte de Kinchan- changa, a 4.200 metros de altitude, ¢ 0 outro, onde vivi, no Himalaia profun- do, nas fronteiras do Tibete e de Garhwal. Acomoda confortavelmente muitos praticantes a 3.600 metros acima do nivel do mar. Pouquissimas pessoas tém estado ali, O mosteiro ainda existe ¢ nele se encontram preser- vador inimero mansertorreiglos em sia, tibetano e sandhya Os estrangeiros vo 20 Himalaia ¢ sobretudo a Darjeeling para escalar montanhas com 0 auxilio dos xerpas. Durante sua expedigio, falam pensam em Xangrilé, homens das neves e ietis. Carregam cdmaras, tendas, scares de gas ¢ alimentos enlatados, e chegam a provocar desordens em alguns lugares. Existe, porém, uma parte desconhecida do Himalaia, eos que no esto preparados e tém amor i vida nfo devem sequer tentar alcangé-la. Certa yer, encoutrei um homem rico do Ocidente, acompanhado de ‘um grupo de indianos, que andava & cata de homens das neves. Nao consegui ‘convéneélos de que os chamados ietis, ou homens das neves, nfo existem, € cles gastaram quatro meses ¢ 33.000 délares procurando-os. Mas voltaram a 46 asennad seep nets ear aaa eli decepcionadcs, Esse americano rico pretendia filmar um ieti ou homem das neves,e chegou a publicar a fotografia de um sadu nepalés, chamando 0 sadu de homem cas neves. Encontrei também uma mulher ocidental com dois guias xerpas em Siquim. A mulher sofria de grave ulceragio produrida pelo frio e confidenciou-me que sua missio na vida consistia em procurar homens das neves. Ficou em Darjeeling e realizou trés tentativas para encon- trios mas nunca achou nenhum. Posto que ea tenha perambulado pelo Himalaia desde a minha infan- cia, nunes topei com um homem das neves, embora ouvisse muitas historias sobre eles. As avés nas aldeias himalaicas contam-nas aos netinhos. A histé- ria do homem das neves é t#o antiga quanto a capacidade de fantasiar da mente humana, Nas neves profundas, nossa visio torna-se indistinta ¢ ursos Ibrancos, que raro se avistam nas montankas, si0 confundidos com homens das neves 4 distincia, Esses ursos vivem em grandes altitudes nas montanhas fe furtam a comida dos expedicionérios, Deixam grandes pegadas compridas, que se parecem com as de seres humanos. A palave ‘mal empregada no sentido de homem das neves. Tratase de um termo sénscrito que significa renunciante, pessoa austera, ce designa um grupo de sadus renunciantes que pertencem a uma das ordens de Shankaracharya. Como é estranho empregar essa palavra para nomear ‘um homem das reves; os ietis sfo seres humanos e nfo homens das neves! ‘A mente humana permanece sob a influéncia da ilusfo até que a ignorincia se disipe de todo, Quando néo ha clareza mental, os dados coligidos do musdo exterior no sio percebidos de maneira coordenada, ea mente enevoada tem uma visio falsa. Essa ¢ uma'das modificagies da mente, como a imaginagio, a fantasia, o simbolo e as idéias. Moya & a ilusdo césmica e avidya, a ignorancia individual que decorre da falta de conhecimento des objetos e da sua natureza. £ outra ilusdo. A historia do Pé Grande baseia-se na crenga numa fantasia ¢ na percepgio descoor- denada, Quando um urso se pie a correr sobre a neve, escala montanhas ou se precipita enccsta abaixo, o tamanho das suas pegadas torna-se muito grande. Quando tive um urso de estimagfo, eu mesmo fiquei surpreso com 6 tamanho das pegadas produzidas por ele, Costuma ser grande e semelhante um pé humano, Infelizmente, o mundo, sob o influxo da ilusio, ainda esti & procura de sombras e do pé grande. Chamo-the maya himalaica, Nasci ¢ vivi nestas rmontanhas ¢ nada tenho para dizer aos que gostam de acreditar em mitos ¢ finda buscam 0 que nunca existiu, Deus Ihes ajude as almas mal orientadas. Estas néo sfo pegadas do homem das neves nem de ietis, mas da ilusfo. 41 ‘Como vivemos nas cavernas Os que estio realmente empenhados em levar uma vida de austeridade podem viver convenientemente em certas partes do Himalsia, onde existem equenas cavernas, capazes de acomodar de quatro a cinco pessoas. Ali se encontram também uns poucos mosteiros feitos em cavernas, que preser- vam, intactas, as tradigdes. 0 mosteiro que me viu crescer é um deles. Em oso mosteiro-caverna, a tradigfo remonta a quatro ou cinco mil anos, € esta bem reaguardada. Temos registros da identidade dos primeiros mestres eda maneira com que se iniciou a tradied0, Nosso mosteiro-cavema é uma cavidade natural de muitos comparti- ‘mentos. Com o correr dos séculos, as rochas foram sendo pouco a pouco talhadas, a fim de aumentar cada ver. mais 0 recinto, para que pudese acomodar grande nimero de estudantes. Geragies de moradores trabalha- ram por tornar a caverna confortavel ¢ pscifica, mas ela nfo é muito moder- ra, Entretanto, em que pese & inexisténcia de banheiros, cozinhas ¢ outras comodidades, os mosteiros funcionam muito ber. Para clarear o interior, existe uma vareta de incenso chamada dhoop, {cita de ervas. Enquanto arde, produz luz e, quando se extingue, deixa uma fragrincia. O° dhoop exmage-se cru e imprimeselhe depois o formato de vareta, com 10 em de comprimento e 2,5 cm'de grosura. Arde bem, ¢ podem Jerse os livros sagrado Juz suavizante. Quando se extingue, fexala uma fragréncia especial ¢ funciona como incenso. Usamse também galhos de pinheiro e devdara para fazer boas tochas. Ambos possuem uma redina natural, que 0s ajuda 2 queimar sem qualquer dificuldade. A caverna @ mantida a uma temperatura aquecida graces 20 dhooni, fogueira que rnunca se apaga, alimentada por imensas toras de madeira, ajuntando-se-he © combustivel regular e vigilantemente. Retine-se lenha suficiente no verdo para usar no inverno. Também se cultivam yerduras nutritivas nas margens fe ribeiras proximas durante o estio. Ali se usam igualmente certas varieda- des de cogumelos e lingora ¢ ogah, duas hortaligas comuns, que erescem ‘em estado selvagem. Existem diversas espécies de raizes; duas sfo chamadas 48 ‘Uma caverna himalaea, i S i torur ¢ genthi; outras tém a aparéncia ¢ 0 sabor de batatas doces. Em nossa caverna, vivemos confortavelmente de cevada, batatas, trigo, grio-debico ¢ milho, que se cultivam nes aldeias da montanha, a 2,000 metros de altitude. Cada aldeia mantém uma indastria de fundo de quintal, que produz cober- tores de li, tapetes e roupas quentes de étima qualidade. Um estreito ¢ perene curso d'égua flui da nossa caverna na montanha. Em novembro € dezembro, quando a agua se descongda, simplesmente derretemos a neve. Em outras cavernas em que jé vjvi, como a de Manali, no se obtém égua po- tivel com facilidade e temos de ir buscéa a uma distancia de cinco a sete guilbmetros. Bxistem eremitérios onde os mestres ainda lecionam os alunos 4 moda antiga, Nelas, 0 mestre vive numa caverna natural ¢ os discipulos vém de vrios lugares para estudar e praticar com dle, A maioria dos estudantes, presuntivos, porém, néo chega a essas cavernas, pois Hé qualquer coisa no Himalaia que protege os mestres dos simples curiosos ou dos que nfo esto preparados para receber ensinamentos superiores. Se um deles sair de casa @ se puser a procura de um mestre 96 por curiosidade ou por motivos emotionais, nfo alcancaré as clevagSes maiores. Careceré da intensa determi: nagio ¢ do impeto necessirios para chegar a esses sitios excondidos no mais profundo das cordilheiras, onde habitam os grandes sibios. © ensino é feito amide por demonstracho, ¢ se provessa em ocasibes fixas. Pedese, entio, aos alunos que facam praca do seu progresto demons- Uma ermida no Himalaa 51 trando suas habilidades, As vezes, o ensino se opera em siléncio e, aleancado determinado nivel, os mestres perguntam: = Como podero 0s outros aprender com iogues se passardes « vida ‘numa caverna? Conseqiientemente, a maioria dos alunos deixa a caverna apés alguns £ importante tornarmos a nossa existéncia criativa e itil mas, antes de fazé-lo, devemos estabelecer contato com nossos préprios potenciais no mais intimo’ de ns, disciplinando-nos ¢ obtendo 0 controle da nossa mente, das nossa palavras ¢ dos nossos atos. Se se praticar, ainda que por poucos anos, a disciplina ensinada nos mosteiros das cavernas, a flor da vida floriré para’ sempre. Uma pessoa que tiver logrado semelhante dominio de si proprio viverd no mundo e, nao obstante, permanecerd acima dele, imune a grihdes e problemas mundanos. 52. | an sme u (0 MESTRE ENSINA ‘A mocidade é 0 periodo em que brote a flor da vide. Necessita de protesio, para que as opiniGes diversas dos outros nio Ihe criem confusio na mente. A mente tenra curva-se com facilidade. A direglo earinhosa ¢ a comuni- cagio comreta sio importantes. Os pais que dfo a atengio adequada aos filhos podem ajudiclos a atravessar 0 periodo adolescente, 0 periodo em que so aleigoam os hibitos da mente, Aprendendo a dar Quase todas as criangas sfo naturalmente egoistes, NEo querem dar nada aos outros, Treinaram-me para inverter essa tendéneia. Nas montanhas, eu costumava fazer apenas uma refeicdo por dia. Comia um chappeti,* slgumas verduras ¢ tomava um copo de leite. Um dia, ‘ea quase uma hora da tarde quando lavei as méos, senteime ¢ recebi a comide, Eu disse a ago de gracas ¢ jé me dispunha a comer quando meu mestre entrou ¢ ordenowme: © Bepera! — Que aconteceu? — perguntei. Ele respondeu: — Apareceu um velho swami, Esta com fome e precisas datihe a tua refeigdo, — Nfo, — recaleitrei, — nfo fare isso, ainda que se trate de um swami. ‘Também estou com fome ¢ 46 terei comida de novo amanhi. = Nao morreris, ~ torou ele. ~ Déhe o teu repasto, Mas nio tho dés apenas porque te estou ordenando, senio como oferta de amor. , “— Estou com fome, — retruquei. — Como posso sentir amor a alguém ‘que come minha comida? Quando. conheceu que nfo poderia convencerme a oferecer minha refeigio a0 suomi, meu mestre disse, finalmente: — Ordeno-te que oferegas tua comida! © swami entrou. Era um velho de barbas brancas. Tendo somente tum cobertor,: um, bordfo e sandélias de madeira, visjava sozinho pelas montanhas. * Pio indiano. 55 Disse-the meu mestre = Folgo muitissimo em que tenhais vindo, Abengoareis esta erianga para mim? Mas eu retruquei: — Nao preciso da vossa bénglo, Preciso de comida. Estou com fome, ~ Se perderes o dominio de ti mesmo neste momento de fraqueza, acudiu meu mestre, — perderis a batalhe da vida. Oferece, por favor, tua comida ao swami, Primeiro dé-the agua e, em seguida, lava-lhe os pés. Fiz o que me mandavam, mas nfo o spreciei nem lhe entendi o signi- ficado. Ajudei-o a lavar os pés e, a seguir, deithe a minha comida. Fiquei sabendo, mais tarde, que fazia quatro digs que ele néo punha um alimento sequer na boca: : 0 swami comen e disse: — Deus te abengoe! Nunca sentirés fome a nfo ser que a comida venha antes de ti. Esta é a béngio que te dou. Sua vor ainda me ecoa aos ouvidos, Desde esse dis, libertei-me da dnsia que tantas vezos me levara a deacjos infants. Hii uma barreira apertada entre o egoitmo ¢ o desprendimento, entre © amor ¢ 0 ddio. Depois de transpé-la, gostamos de faver coisas para os outros, sem nada pedir em toca, Essa é a mais alta de todas as alegria, fe um passo essencial no ceminho da iluminagio. 0 homem egoista nunca poder imaginar esse estado de realizagio, pois permanece dentro das fronteiras limitadas erguidas pelo seu ego, O homem generoso adestra 0 seu ego € emprega-o em finalidades mais elevadas. desprendimento ¢ uma caracteristica comum que encontramos em todos os grandes homens € em todas as grandes mulheres do mundo. Nada se lograria sem 0 servico Adesinteressado. Todos os rituals ¢ todo o conhecimento dos livros sagrados sero baldados te of atos forem executados sem generosidade. Como o mestre pde & prova seus alunos Os mestres poem freqiientemente 4 prova seus alunos. Ordenaramn-me que meditasse pontualmente num certo momento do dia, Durante esse ‘momento, um belo dia, meu mestre aparecen e postouse diante de mim enquanto ‘eu me quedava sentado, de olhos fechados. Eu nfo estava medi- tando com muito éxito pois, do contririo, nfo teria dado pela sua presenga. — Levanta-te! — disce ele. [Nio respondi. Ele, entfo, me perguntou: — Estéssme ouvindo ¢ sabes que estou aqui? — Sim, — respond. — Estés meditando? = .Nto. Enido, por que nfo te levantaste? — indagou. Naverdade, eu apenas fingia meditar, ¢ estivera plenamente consciente agua presenga. (0 mestre fiz tais coisas’ com freqiiéncia para testar nossas atitudes, nossa sinceridade e nossa disciplina. Conta-nos um segredo e outro a outro ‘estudante, dizendo a amb — Nf reveles isto a ninguém voltou ele. Depois, em lugar de guandar os segredos, trocamo-Jos umn com 0 outro. Desse modo ele descobre que nfo estamos preparados para guardar um segredo maior. E nos interpela: — Eute disse que nfo falasses, Por que o fizeste? Os mestres também impéem provas mais severas. As vezes, nos dizem “Fica aqui!” e $6 voltam trés dias depois. Pode estar fazendo frio ¢ pode ‘star chovendo, mas s6 apés alguns dias retornam para buscar-nos, E existem smuitas provas desse género. 58 [A forga de uma pessoa precisa ser posta 4 prova um sem-nimero de veues para que ela aprenda a confiar em si. Testando seus alunos, os mestres, eosinam a autodisciplina e promovem a autoconfianga. As provas sio ‘importantes para se poderem avaliar os progressos do aluno. Os testes também ajudam os estudantes a ajuizar do proprio adiantamento e a desco- brir erros de que talvez ndo ce tivessem advertido conscientemente. Jornada de uma noite inteira através da floresta No trajeto de Tanakpur 20 Nepal paramos numa floresta, Eram duas horas da madrugeda. Meu mestre propés: ~ Vamos comer qualquer coisa, Vai ao armazém de Tanakput. Fica & dezenove quildmetros daqui pelo caminho da floresta Havia outro swami conosco, que também tinhe um disefpulo, E per- guntou a meu mestre: — Por que o mandais & noite? Eu nJo mandaria o menino que esta comigo, — Calsiwvos, — retrucou meu mestre, — Estais fazendo dele um maricas € no um swami, Estou treinando o meu menino, Ble precisa ir. Em seguida, disse-me: ~ Vem cé, filho. Segura a tua lanterna; tem dleo suficiente, Leva {fésforos no bolso; empunha um cajado; calga os sapatos. Vai 20 armazém de ceresis ¢ compra comestiveis bastantes para trés ou quatro dias. ~ Estd bem, ~ retruquei. E pati Muitas venes durante essa longa noite tigres e cobras atravessaram 0 caminho diante de mim. O capim de ambos os lados, eapim elefante, era muito alto, muito mais alto do que eu. Ouvi iniimeros ruidos vindos do tapi, mas no podia conhecerthes @ causa. Com minha lanternazinha caminhei dezenove quilémetros até o armazém ¢ voltei com os suprimentot ds sete horas da manhé. Meu mestre perguntow-me: — Como estis? Prin le digee: contarthe tudo o que acontecers pelo caminho. Por fim, — Isso chega. Vamos preparar a comida. 60 | | 0 destemor é também um requisito essencial para se atingir a dumina- eo. Grandes sfo os que nunca tém medo. Estar completamente livre de todos of medos é um passo dado no caminho da iluminagéo. 61 Cruzando um rio que transbordou Muitos sto os estudantes; poucos s30 0s disepulos. Muitos estudantes aproximavam-se do meu mestre € pediam: — Por favor, aceitai-me por disespuo. ‘Todos mostravam sua sinceridade servindo-o, cantando, aprendendo € praticando disciplinas. Ele no respondia. Um belo dia, reuniu todos a sua volta, Havia vinte estudantes. E ele disse: — Vamos. Todos o seguiram & margem do rio Tungbhadra, no sul da Indie. Havia transhordado e era largo e perigoso. Disse meu mest: — Quem atravessar este rio seré meu diseipulo. — Senhor, sabeis que posso fazé-lo, — redargiiiu um estudante, ~ mas tenho de voltar para concluir meu trabalho. ~ Bu no sei nadar, senhor, — acudiu outro estudante. Eu nto disse nada, Assim que ele acabou de falar, saltei. Ele sentouse calmamente enquanto eu atravessava 0 rio. Era muito largo. Havia muitos exocodilos ¢ imengos troncos de arvore rolavam com a ebrrente, mas nfo fiquei preocupado. Minha mente concentrara-se em completar 0 desafio que me fora feito. Eu gostava de ser desafiado ¢ sempre aceitava desafios com alegria. Era-me fonte de inspiragio # conseiéncia de minha propria forga ‘Toda ver que eu me cansava, punha-me a boiar e, deste modo, cruzei o tio. Dice meu mestre aos mais estudantes: ~ Ele nfo declarou que era meu disefpulo, mas saltou. Bu me achava to proximo dele que lhe conhecia o poder. E pensei: “Ble quer que seus diseipulos atravessem o rio, Aqui estou eu. Posso faré-lo. Nao é nada porque ele estd aqui. Por que nfo poderia eu fazélo?” ram firmes assim minha fé e minha determinagio. 62 Fé e determinagfo, degraus essenciais da escada da iluminagio. Sem clas, a palavra “iluminagao” pode ser escrta ¢ pronunciada, mas nunca posta fem pritica, Sem £6 podemos atingir certo grau de conhecimento intelectual, mas s com {€ podemos ver o que hi dentro dos mais sutis escaninhos do nosso ser. A determinagéo é 0 poder que nos faz transpor todas as frustra- Bes e obstaculos, Ajuda a construir a forga de vontade, base do éxito inte- rior e exterior. Eat eserito nos livros sagrados que, com @ ajuda de Sankalpa Shakti (a forga da determinagio), nade é impossivel. Atris de todas as obras importantes levadas a cabo pelos grandes lideres do mundo encontra- vse shakti Com essa forga atris desi, diz um desses lideres — Euo fare; tenho de faxé-lo; tenho os meios de fazé-lo, Quando a ‘orga de determinagio nfo ¢ atalhada, atingimos inevitavel- mente a meta decejada. - 63 ‘Minha oferenda a meu mestre Que foi o que ofereci a meu mestre? Eu vos direi. Quando recebi o segundo passo de minha iniciago,* aos quinze anos de idade, eu nZo tinha nada comigo. E pensei: “Toda essa gente rica traz cestos de frutas, flores ¢ dinheiro para oferecer a seus mestres, mas eu nada tenho para dar.” Pesguntei a meu mestre: = Senhor, qual é a melhor coisa que posso oferecer? — Traze-me um feixe de varas secas — respondeu-me ele. Pensei comigo mesmo: “Sem divida alguma, se alguém trouxer essas vvaras 20 mestre, este Ihe dard uma surra.” Mas fiz 0 que me haviam dito que fizesse, Trouxe-Ihe um feixe de varas secas¢ ele disse: — Oferece-mas com todo © coraglo, toda a mente ¢ toda a alma Fitei-o e pensei: “Ele é to sibio e to culto. Quelhe teré acontecido — Bo maior presente que podes ofertar-me — disse ele. — As pessoas querem dar-me ouro, prata, terras, uma casa. Tais coisas de valor nada sgnificam para mim. ‘Meu mestre explicou que quando oferecemos um feixe de varassecas a tum guru, este compreende que estamos preparados para palmilhar o cami- ‘ho.da iluminagdo. Isso quer dizer: “Por favor, libertai-me do meu passado, ‘¢ queimai todos os meus pensamentos negativos no fogo do conhecimento.” E dle disse: = Queimarei estas varas secas de tal modo que teus carmas passados nfo influirdo no teu futuro. Estou-te dando agora uma nova vida. Nao vivas no passado. Vive aqui agora e comeca a palmilhar 0 caminko da luz, "A primeira iniciago de Swamiji ocormen quando ele tinha trés anos de idade e seu smo The confiow uma mantra, A sogunds iniciagio incluju priticas mais adiantadas 64 ‘A maioria das pessoas deixa-se estar, ansiosa, pensando no passado ¢ no. sabem como viver aqui e agora. Essa é a causa do sofrimento delas. 65, Maya, o véu césmico Um dia, eu disse a meu mestre: — Senhor, ensinaram-me que avidya (ignorincia) ¢ maya (ilusio) sfo a mesma coisa, Na realidade, porém, nfo compreendo o que é maya, Ble ensinava amidde por demonstragio, de modo que disse: — Amanhé cedo te mostrarei o que é maya, Nto consegui dormir naquela noite, E pensiva, “Amanhd cedo me enconirarei com maya.” No dia seguinte fomos fazer nossas ablugSes matinais, como de ‘costume, Depois tornamos a encontrar-nos. Banhamo-nos no Ganges. Mais tarde, tive a impressio de que nao poderia ficar sentado, meditando, porque cstava muito excitado com a perspectiva de ver desvelado 0 mistério de maya. Em“nosso percurso de regresso & caverns, topamos com o grande tronco seco de uma arvore, Meu mestre precipitouse para a drvore ¢ enro- louse em torno dela Até aquele momento eu nunca o vira correr tio Aepressa. ~ Es meu disefpulo? EntZo, sjuda-me! — gritou. — Como? — retruquei. — Tendes ajudado tanta gente e hoje precisais dda minha ajuda? Que aconteceu? Eu estava com medo da érvore. Nao quetia chegar perto dela, porque receava que ela também me armasse uma cilada, E pensei comigo mesmo “Sea drvore me urdir uma armadilha, quem viré socorrer-nos”? Ele gritou: = Ajuda-me. Pega no meu pé e puxa com toda a forge para tirar-me daqui. = Pusme a puxé-lo com todas as minhas forgas, mas no consegui separislo da drvore. 68 tanraiaitnt sm tsancsiiersdssniomecbiiube athe — Men corpo foi aprisionado pelo tronco da arvore, — disse-me ele entio. Exaurime na tentativa de arrancé-lo dali. Finalmente, parei para pensar ¢ perguntelhe: — Como € possivel uma coisa dessas? O tronco da arvore nio tem poder para segurar-vos. Que estais fazendo? Ele riu-ee e eplicou: — Isso € mayo. ‘Meu mestre explicoumme anadi vidya ~ ilusfo césmica — exatamente ‘como Shankara a descrevera. Disse que avidya significa ignorancia indivi ‘dual, 20 passo que maya é ilusio, assim individual como césmica. Ma signifi ca “nko” e ya significa “isso”. Isso que ndo existe ©, no entanto, parece cexistir, como uma miragem, chamase maya Em seguida, explicow outra escola de filosofia, segundo a qual maye é 2 ilusio universal e mie do univer- #0. Acrescentou que, no tantrismo, maya é considerada tanto o Shakti eésmico quanto a forge primordial ou kundolini —a forca latente em todos 6s seres humanos, Quando focalizamos nossa percepg0 no absoluto, desper- tamos essa forga adormecida no interior ¢ dirgimola para o centro da ‘consciéncia. Quando entramos em contato com tal poder, atingimos facil- mente o mais alto nivel de consciéncia. Os que nfo despertam a forga de Shakti permanecem para sempre brutos ¢ gnorantes, Depois de descrever as filosofias de maya, ele ajuntou: — Quando dedicamos nossa mente, nossa energia e nossos recursos a acreditar no que nfo existe, iso parece existir e € mayo. Néo penses no mal, nos deménios, nos pecados, em avidya ou em maya, colocando-te, por esse modo, num estado de tenséo e preocupagio. Até as pessoas espirituais se reocupam em culpar o mundo por sua falta de progresso, Essa fraqueza € importante para criar obstéculos. Por carecermos de sinceridade, honestida- de, lealdade e veracidade, nfo compreendemos o que somos, Projetamos noasas fraquezas ¢ pensamos que os objetos do mundo sio a origem dos 1nose0s impedimentos. Ele aconselhou-me a praticar a desafeigio © a constante percepgio. E concluiu: — A mais forte das servidbes é criada pela afeigfo, que nos toma fracos, ignorantes ¢ inscientes da realidade absolute. Moye, ou ilusfo, esta profundamente enraizada na afei¢io. Quando nos afeigoamos « alguma coisa ou 2 desejamos, ela se converte numa fonte de ilusdo para nés. Os que se libertaram das afeigGes ¢ dirigiram seus desejos para o crescimento spiritual estfo lives da servidifo de maya — a lusio, Quanto menos afeiglo, 69 tanto maior forga interior; quanto maior forga interior, mais proxima estar a meta, Veiragya e Abhyasa ~ desafeigz0 e constante percepedo da realidade absoluta ~ sfo como as duas asas de um péssaro capaz de voar do plano da rmortalidade para as alturas da imortalidade. Os que ndo permitirem que suas ‘sas seam cortadas pela ilusfo de maya podem ating a perfeicdo, “‘Muitas pesioas confundem afeigfo com amor. Mas na afeigfo nos tornamos egoistas, interessados em nosso prazer, e empregamos mal o amor. Toramo-nos possessivos e tentamos conquistar os objetos de nossos dese- jos. A afeigio cria servidéo, a0 passo que o amor confere liberdade. Quando (08 iogues mencionam a desafeicio, nfo esto ensinando a indiferenca, senfo, pelo contrério, o modo de amar genuina e desinteressadamente 05 ‘outros. Compreendida de maneira apropriada, desafeicdo significa amor A desafeicéo ou amor podem ser praticados nfo s6 pelos que vivem no mundo como também pelos renunciantes.”” ‘A mensagem que recebi nas areias do Ganges no Himalais ajudow-me a compreender que a ilusio ¢ indurida pela propria pessoa. Transmitindo-me ese ensinamento, meu mestre muito amado me tomou consciente da natureza da ilusio osmica ¢ das harreiras individuals que criamos, 70 Verdade amarga de efeitos abenroados Lembro-me de uma ocasifo em que eu visiava com meu mestre. O chefe da estagio de uma cidade que estavamos alravessando acercouse de mim e pediume: = Senhor, daime alguma coise para praticar, que prometo seguila fielmente. Disse-me meu mestre: — Dicthe algo definido para praticar, — Por que um tolo haveria de orientar mal outro tolo? Seria melhor que vée 0 instruisseis, — respond. Dissethe, entfo, meu mestre: — A partir de hoje, nio tomes a mentir. Pratica esta regra fielmente durante 08 proximos trés meses. ‘A maioria dos funciondrios da estrada de ferro naquela érea, desones- ta, deixava-ce subomar, Mas o nosso homem decidiu nunca mais deixar-se subornar e nunea mais tornar a mentir. Naquela mesma semana, um supervisor do escritério central veio investigé-los, 2 cle © seus auxiliares. O chefe da estagdo respondeu com hhonestidade’ is perguntas do supervisor. A investigacdo acarretou sérios problemas para o seu pessoal. Todos os funcionirios que accitavam subomo, incluindo 0 chefe da estagfo, foram processados. Este dikimo pensou: “So ‘ passaram treze dias, ¢ em quantas dificuldades me meti! Que me aconte- ‘ceri no ‘periodo” de trés meses?” Pouco tempo depois, a mulher ¢ os filhos o deixarana. No espago de ‘um més, sua vida desmoronou como um castelo de cartas a um simples toque. Naquele dia o chefe da esta mos a quatrocentos ¢ oitenta qui 0 estava agoniadissimo € nés nos achiva- smetros de distincia, i margem de um rio n chamado Narbada, Meu mestre se deitara debaixo de uma drvore. De repen- te, rompeu arr. E perguntousme: — Sabes o que acontece? 0 homem a quem recomendei que nfo men- tisse esté na cadeia, ~ Entio, por que rides? — perguntei E ele me respondeu: — Nio estou rindo dele, estou rindo desse mundo néscio! Doze pessoas que trabalhavam na sala do homem, reunidas, sustenta- vam que ele era um mentiroso, muito embora estivesse falando a verdade. Acusaram-no de ser 0 tnico culpado do crime de suborno. Foi encercerado «todos os outros libertados, Quando levaram o chefe da estagio ao tribunal, ojuiz olhov-o do alto da sua plataforma e perguntowlhe: = Onde esté 0 teu advogado? — Nao preciso de advogedo. — Mas quero que alguém te ajude, ~ tornou o juiz — Nio, ~ disse 0 chefe da estagio. — No preciso de advogado, quero falar a verdade. Seja qual for o miimero de anos de prisfo a que me condenardes, néo mentirei. Eu costumava partilhar das peitas que nos eram oferecidas, mas encontrei um sébio que me recomendou que nunca ment s, acontecesse 0 que acontecesse. Minha mulher ¢ meus filhos me deixaram, perdi o emprego, néo tenho dinheiro nem amigos e estou na‘cadeia, Todas ‘esas coisas se passaram num més. Tenho de observar a verdade por mais dois meses, sem embargo do que ocorrer. Colocai-me atris das grades, senhor, nfo me importo. 0 juiz determinou a suspensio da sessfo e, rangiilamente, chamou 0 hhomem a sua sala. E perguntoulhe: = Quem foi o sibio que te disse isso? © homem descreveu-o. Felizmente, o juiz era dise/pulo de meu mes- tre, Absolveu o chefe da estagao e disse-the: — Estis no caminho certo. Nao te afastes dele, Eu desejaria poder fazer o mesmo. ‘Volvidos trés meses, o homem néo possuia mais nada. No dia exato ‘em que se findaram os trés meses, ele estava calmamente sentado debaixo de una drvore quando resebeu um telegrams que da: "Vowo psi pose imensa area de terra que Ihe foi tirada ha muito tempo pelo governo. 0 governo, agora, quer dar-vos uma compensagéo.” Deram-lhe um milhéo 2 i i existéncia dessa area, localizada numa provin- ‘av hoje trés meses que deixei de mentir ¢ fui tio de ripias*. Ele nfo soube cia diferente. E pensou: fartamente recompensado”, Entregou # compensagio a esposa ¢ aos filhos, ¢ estes, felizes, the disseram: — Queremos voltar para junto de vés, — Néo, — disse ele. — Até hoje s6 vi o que acontece quando nio mentimos durante trés meses. Agora quero descobrir 0 que acontecerd se eu no mentir pelo resto de minha vida. ‘A verdade é a meta suprema da vida humana ¢, praticada com a men- te, as palavras ¢ 08 atos, poderd ser alcangada. Podemos chegar a verdade praticando 0 nfo-mentir e néo executando atos encontrados com 4 nossa consciéneia, A consciéncis ¢ 0 melhor dos gus. $ueseeestsbstsbstsestvinsesseessnsssnOSsnssspsninsnIeSee== =a * Cerca de 100,000 dares amesicanos. 3 Ensinais os outros mas me despojais Um belo dia, eu disse a meu mestre: — Vos me tendes enganado, Quando somos insuficientes, mas o nosso ego é robusto, tendemos a por a culpa nos outros. ~ Que aconteceu? — perguntou ele. — Julgais-me ainda uma erianga e negais-me coisas. — Dize-me, entio, o que te estou negando. — Nio me mostrais Deus. Talves 96 possais ensinar-me coisas a respei- to d’Ble, Mas se esse € 0 limite do vosso poder, deverieis ser honesto. — Mostrarte-ci Dens amanhi cedo. — Deveras? ~ Com toda a certeza... —redargiiiu meu mestre, — Batis preparado? Eu tinha o habito de meditar regularmente antes de ir para a cama mas, naquela noite, nfo consegui fazé-lo, Certo de que, na manhi seguinte, eu chegaria a ver Deus, entendia ndo haver necessidade alguma de meditar. Sentia-me to ingquieto ¢ excitado que nio preguei olho a noite inteira, [Na manhi seguinte, bem cedinho, fui i procura do meu mestre. Nem sequer tomei hanho. Pois pensei: “Se meu mestre vai mostrar-me Deus, por que perder tempo tomando banho?” Dei apenas umas palmadinhas no rosto, aeitel os cabelos com as mifos e entreid sua presence, — Sentacte, — disse-me ele. “Agora ele vai mostrar-me Deus”, pensei. Se bem fosse raras vezes humilde, mostrei-me humflimo naquela ‘anh. Incline-me diante dele muitas vezes. Ble considerou-me e perguntou: — Que te aconteceu? Que gracinhas sio exsas? Por que estis tio absurdamente emotive? u i : — Esquecestes? — pergunteithe, — Prometestes mostrar-me Deus, — Muito bem — tomow ele. — cestis preparado para ver. — Ha muitos tipos, sent ejamos qual é 0 tipo de Deus que perguntei ~ Qual £0 teu conceito e definigio de Deus? ~ voltou meu mestre. — Mostrar-te-ei Deus exatamente de acordo com a tua conviepio e definiclo, Todos querem ver Deus, mas nfo tém nenhuma firme convicefo de Dews na mente e no coragio. Se estiveres procurando e te faltarem a firmeza ea seguranga em relagdo ao objeto da tua procura, que encontrar? Se eu te dis ter que o que quer que vejas é Deus, nfo ficards satisfeito. Se eu te diser que Deus esta dentro de ti, tampouco ficaris satisfeito. Imagina que eu te mostre Deus ¢ que digas: “Nao, isso nfo é Deus”. Que hei de fazer entdo? Por isso mesmo, dize-me o que pensas a respeito de Deus e ei te apresentarci esse Deus. — Esperai um momento, — disse-the eu. — Deixai-me pensar, — Deus nio esti 20 alcance do teu pensamento, — tornou ele, ~ Volta 4 tua cadeira de meditagio e, quando estiveres pronto, faz-me saber. Vem yer-me quando quiseres, depois que tiveres decidido acerca do tipo de Deus que desejas ver. Eu nao minto ... Mostrarte-ei Deus. & minha obrigagio mostrarte Deus, Fiz o possivel para imaginar 0 aspecto que teria Deus, mas minha imaginagio nfo conseguiu i além da forma humana. Minha mente percorreu fo reino das plantas, depois o dos animaise, finalmente, 08 seres hummanos. imagine’ um homem sibio e bem parecido, muito forte ¢ poderoso. E pensei: “Deus hi de ser assim”. Em seguida, compreendi que estava fazendo tum pedido tolo. Que poderia eu experimentar se nio tinha clareza de expirito? Finalmente me sproximei de meu mestre ¢ roguei-Ihe — Mostrai-me, senhor, o Deus que pode libertar-nos dos sofrimentos ¢ dar-nos felicidade. = Isso é um estado de equiltbrio e trangiilidade que tu mesmo preci- sas cultivar, — replicon ele Quando ndo se tem clareza de espirito, o mero desejo de ver a Deus é ‘0 mesmo que tatear no escuro. Descobri que a mente humana tem suas fronteiras ¢ visualiza de acordo com as limitagBes dos seus recursos. Nenhum ser humano tem a possbilidade de explicar o que é Deus nem a de conceber a Deus mentalmente. Podemos dizer que Deus é verdade, menancial de amor, realidade absoluta, ou 0 que revelou o universo. Mas todas sfo idéias abstratas, que nfo satisfazem ao desejo de vé-l'D. Nesse caso, que é o que hi 1 para ser visto? Os que sereditam que Deus é um ser imaginam e véem uma visio mas, na realidade, Deus no pode ser visto por olhos humanos. Sé pode ser imaginado imaginandose 0 verdadeiro Eu e, logo, o Eu de todos. Por iso, quando um estudante assume esta atitude: “Quero ver a Deus; meu professor nfo me mostra Deus; meu professor néo me di 0 que desejo”, teri de compreender, afinal, que jé nio se trata de uma obrigecéo do mestze. Verifica se estés fazendo pedidos sem cabimento e, em vex de exigir 0 impossivel do professor, transformate de dentro para fora. Deus ‘até dentro de ti e 0 que estd dentro de ti se acha sujeito a auto-reaizagio. Ninguém pode mostrar Deus a quem quer que seja. Temos de imaginar independentemente nosso proprio Eu; por esse modo, imaginamos o Eu de todos, a que damos o nome de Deus. No estado de ignorancia, o estudan- ‘te supde que Deus é um eer particular ¢ deseja vé-lo exatamente como vé alguma coisa no mundo exterior. Isso jamais acontece. Mas quando cle compreende que Deus é verdade ¢ pratica a verdade em atos ¢ palavras, sua ignoréncia no tocante 4 natureza de Deus desaparece ¢ surge a auto- -realizagfo. 6 A disciplina é imperativa Eu ia com freqiiéncia & floresta de Ramgarah, onde morava meu amigo Nantin® Baba, que praticava austeridades e disciplinas-espirituais desde os seis anos de idade, Eramos ambos muito daninhos, Entrévamos muitas vezes, sorrateiramente, numa aldeia e guidvamos para a cozinha de alguém, comia- mos © que encontrivamos ¢ retorndvamos & floresta. Isso eriow um mistério entre os aldedes; alguns pensavam que {6ssemos encarnagies divinas, a0 ‘mesmo passo que outros nos supunham deménios. Havia muitas plantag6es de macieiras naquela érea, de propriedade das ‘pessoas ricas de Nanital; um dia, deixamos o lugar que habitavamos para ir tmorar perto de am riachozinko que fluia através de um pomar, Ao anoite- cer, juntamos lenha para fazer uma fogueira. Os funciondrios encarregados da preservacdo da floresta ficavam preocupados com fogueiras, por isso fizemos nossa fogueira no pomar..O proprietétio viunos e pensou que ‘estivéssemos roubando as mags douradas.e outras variedades raras, Muito sovina e mesquinho, nunea permitia @ ninguém colher as mais caidas 20 chlo, como o faziam os outros proptietarios de pomares. Ordenou aos seus uardas que se munissem de varas de bambu, Cineo homens correram sobre nnés para flagelar-nos. Ao chegarem mais perto, viram que nfo éramos ladrées e sim os dois jovens iogues que viviam na floresta. Quando voltei para junto de meu amo, trés meses depois, ele me disse: — Grias problemas para mim fazendo tolices. — Bu nfo fir nada, ~ retraquei ‘Mas ele coatinuou: = Tenho de protegerte como a mie que protege uma crianga de peito. Quando cresceris? Por que invadiste uma propriedade alheia? "Nas montanhas, a palavranantin significa a esanga. 1 — Todas as coisas pertencem a Deus, ~ respondi, — Podem ser usadas pelos que estio a servigo de Deus, ‘Ao que responden meu mestre — Esse tipo de pensamento um emprego erréneo do que été escrito nos livos sagrados e que interpretas de acordo com tua conveniéncia, ‘Tua maneira de pensar deve ser corrgida Em seguida, dew-me as seguintes instrugdes: 1. Vé arealidade final como universal 2, Nio te prendas aos prazeres propiciallos pelos objetos do mundo. Trata-os como meics de progresso espiritual 3. Nao cobices a propriedade, nem a mulher, nem a riqueza alheias, Die ele: ~ Nao te lembras dos ditos dos Upanixades? No futuro, se cometeres algum crime social e pertubares os chefes de familia, nfo tornarei a falar contigo. ‘As veres, ele me punia recusando-se a falar comigo. A diferenga entre © seu siléncio repreensivo ¢ 0 siléncio positivo, cheio de amor e de com- preensio, era para mim muito. aparente, Eu tinha entio dezesseis anos de dade e uma tremenda energia. Muito ativo, aborrecia-o constantemente. Mas ele dizia com freqiéncia: — Este 60 meu carma ¢ nfo é culpa tua, meu rapaz. Extou colhendo ‘o frato de meus proprios atos. Entristecido, eu prometia nfo repetir 0 que Ihe contrariava as instru- ‘g6es mas, dali a pouco, me conduzia mal outra vez. As vezes eu era conscien- temente irresponsivel e, outras, agia mal inconscientemente, por exclusiva falta de atengdo. Mas esse grande homem me amava sempre, em todas as circunsténcias, apesar do mex man procedimento, ‘Quando uma pessoa se torna madurs, principia a conhecer a verdadei- 1 filosofia da vida. Depois comega a dar tento de seus pensamentos, pala- vras ¢ atos. A pritica espirtual exige vigilincia constante. A disciplina nfo he de ser imposta rigidamente, mas os estudantes devem aprender a empe- nharse a acatar a disciptina como essencial a0 autocrescimento. Impor rigides © seguida nfo parece ser itl, Besa mancira de ver as coisas talver nos diga o que fazer e 0 que nio fazer, mas nunca nos dird como ser. 7” Béngios numa Maldigo Todas as veres que me torno egoist, 2ou malsucedido, Essa é « minha cexperiéncia, Disse meu amo: = Teta fazer o melhor que puderes, mas toda vex. que alimentares teu ego, toda yea que tentares fazer algo egoista, néo teris éxito. Essa é a maldigéo que te lango. Encarei-o surpreso, Que era o que ele estava dizendo? ‘Mas ele continuou: — E esta é a béngio que te deixo: toda vex que quiseres ser despren- ido; amante e cem ego, encontraris uma grande forga atras de ti, ¢ nunca deizaris de fazer algum bem. Um homem egoista sempre pensa ¢ fala sobre si mesmo. O seu egois ino toma. centralizado em si e infetiz. Q atalho mais curto para a auto‘ minagio 6 cortar através do ego; rendete diante do Altissimo. Satsanga — 2 compankia dos sibios — e a constante percepeo do centro interior, nos ‘jndam a passar além do lodagal da ilusfo. Q ego também se purificaeult- yando o desprendimento. ego nfo purficado é-um mal que nos entrava © progresso. Mas o ego purificado é um meio de discriminar entre o verda- daro Eu e 0 nfo-eu — 0 verdadeiro Eu e o mero eu. Ninguém poderd expan dir sua consciéncia permanecendo egoista. Os que constroem fronteiras 20 seu redor em virtude dos problemas do seu ego criam invariavelmente fofrimento para «i, mas os que tentam ter consciéncia permanente de sua tunidade com outros permanecem felizes ¢ intemeratos, gozando cada momento da vide. Os desprendidos, humildes ¢ amantes sf0 os verdadeiros benfeitores da humanidade. 80 m 0 CAMINHO DA EXPERIENCIA DIRETA. A experiéncia dreta é 0 mais alto de todos os meios de granjearconhecimento, Os outros meres fragmentos No caminho da autoealizagéo, # pureza, « concentracéo num determinado objetivo © o dominio da mente sio cesenciais, A mente impura alucina ¢ cria obstrugbes, mas a mente ordenada é um instrumento de experiéncias diretas. 81 6 a experiéncia direta é 0 meio Um dia, meu mestre ordenoume que me sssentasse. E perguntou: — Bs um rape ilustrado? : Eu tinha liberdade para dizerthe qualquer coisa, pot mais ultrajante aque fosse. Aquele era o fnico lugar em que eu podia ser completamente fran- co. E nunca me desculpava, sem embargo do que lhe tives dito, Ele costu- ‘ave apreciar minha insenseter, — E claro que sou ilustrado, — repliquei. — Que aprendeste e quem to ensinou? — perguntou ele. — Explice- jossa mie nossa primeira mestra, depois nosso pai, depois nossos irmfos ¢ irmés. Mais tarde aprendemos com os companheiros de folguedos, com os professores da escola e com os autores de Livros. Seja 0 que for que tenhas aprendido, nfo aprndeste uma tinica coisa independentemente de outros. Até agora, tudo o que aprendeste foi uma contribuigso de terceiros. E com quem aprenderam eles? Também aprenderam com outros, No entan- to, como resultado de tudo isco, julgas-e ilustrado. Tenho pena de ti porque nada aprendeste independertemente. Pelo visto, chegaste a conclusfo de que nada existe no mundo que se parece com o aprendizado independente, Tuas idéins sto idéiasalheias, — Esperai um minuto, deixai-me pensar, — disse eu. Era chocante dame conta de que nada do que eu aprendera me pertencia. Se vos puserdes em meu lugar, € muito provivel que experimen- teis 0 mesmo sentimento, C conhecimento de que dependeis ndo vos perten- ee de modo algum, Bis por que nfo é sstisfatério, por maior que seja & (quantidade dele assimilads por vés. Ainda que tenhais dominado uma bibliotecs itera, ele nunca vos satisfaré, = Nesse caso, como posso ser iluminado? — perguntei. — Fazendo experiéncias com 0 conhecimento que adquirste de fora, — respondeu ele. — Descobre por ti mesmo, com a ajuda da tua experiéncia 83 ‘ireta. Chegarés, por fim, a uma fase decisiva e proveitosa da tua experiéncia dlieta, Esti visto que o conhecimento indireto ¢ informativo, mas nfo é tatisfat6rio. Todas as pessoas sébias, no correr da historia, realizaram ingen- te esforgos para conhever a verdade diretamente, Nao se satisfaziamn com as fimples opinides dos outros. Néo se deixavam amedrontar nem desviar dessa Jnvestigagao pelos defensores da ortodoxia e do dogma, que as perseguiam ¢, Js vezes, executavam porque suas conclusbes eram diferentes. Desde essa ocasifo tenho tentado seguir-the o conselho. Descobri que a experiéncia direta é a prova final da validade do conhecimento. Quando ee conhece a verdade diretamente, tem-se o melhor tipo de confirmagio. A maioria de vos procura os amigos ¢ expe 0 seu ponto de vista. Esta procu- tando confirmagio nas opiniées deles. Seja o que for que pensais, quereis gjue outros 0 confirmem concordando convosco ¢ digam: “Sim, © que sais esté certo”. Mas a opiniio de um terceiro nfo constitui prova da verdade. Quando conheceis a verdade diretamente, no precisais interrogar 2 vitinhos nem o professor. Nao precisais procurar a confirmagio nos Livros. A verdade espiritual nfo necessita de uma testemunha externa Enquanto duvidardes, a propria divida sera indicagfo de que ainda precisais ‘conhecer. Palmilhsi o caminho da experiéncia direta até atingir 0 estado em aque tudo é claro, até que todas as vossas diividas estejam esclarecidas. So ‘2 experiéneia direta tem acesto a fonte do verdadeiro conhecimento. 0 conhecimento verdadeiro elimina o sofrimento ‘A autoconfianga é importante. Adquirimoa quando comegemos a receber experiéncias diretamente de dentro de nds, Esté claro que precisa- mos de um mestre, de um guia. Nfo estou dizendo que nio devemos apren- der coisas com outras pessoas, que nfo devemos estudar nos livros. Mas conheci criaturas que nem sequer conheciam o alfabeto ¢, no entanto, quando encontrivamos alguma dificuldade na compreensio de uma verdade profunda ou de um texto qualquer dos livros segrados, eram as tnicas capa- 1s de aventar uma soluglo. Certa vez, eu estava ensinando es Sutras de Brahma, um dos livros mais abstrusos da literatura védica. Explicava aos meus alunos aforismos que eu mesmo no compreendia direto, ¢ eles pareciam satisfeitos, Mas eu nko estava. Por isso mesmo, a noite, fui procurar um swami que, na realidade, nfo estudara os livros santos. Nfo sabia sequer assinar o nome, mas seus conhecimentos eram inigualiveis. Disse-me ele: — Nunca entenderds esses concisos aforismos se no tiveres experién- ia direta, E contou-me esta historia para ajudarme a compreender a diferenca entre o conhecimento direto ¢ 0 indireto: — Um mestre tinha um aluno que nunca vira uma vaca e nunca prova- ma leite. Mas sabia que o lete era nutrtivo, Por isso, desejava encontrar uma vaca, ordenhé-la e tomar o Iete. Procurou o seu mestre e perguntouthe: “— Sabeis alguma ooisa a respeito de vacas? “— Naturalmente. —respondeu o mestre, “X Por favor, descrevei-me uma vaca, ~ pediu o aluno, “Eo mestre desereveu a vaca: 85 ‘A vaca tem quatro pemas. E um animal manso, décil, que nio se encontra na floresta, mas nas aldeias. 0 leite dela é branco ¢ muito bom para asaide, “B continuou descrevendo a eauda, as orelhas, tudo. “Depois dessa descrigio, o aluno saiu & procura de uma vaca. A ‘caminho, deu com 2 estitua de uma vaca, Examinou-s ¢ pensou: ‘Isto ha de cer, sem divida, o que meu mestre me descreveu.’ Naquele dia, algumas pessoas que moravam nas proximidades estavam casualmente caiando sua Fasa e deixaram um balde de cal perto da estétua. O aluno viu o balde conduiu: ‘Bste deve ser o Ieite que dizem ser tfo bom para se tomar.” Ingeriu um pouco de cal, sentiuse malissimo, e precisou ser transportado para o hospital. “Depois que se recuperou, voltou para junto do mestre ¢ acusou-0, cheio de ira: “— Nfo sois mestre nenhurn! “Que acontecen? — indagou o mestre. +O aluno replicou: “ Vossa descrigéo da vaca estava completamente errada “ Que te sucedeut? “Ble explicou o que ocorrera ¢ 0 mestre perguntou: “— Tu mesmo ordenhaste a vaca? “— Nio. — Por isso sofreste.” ‘A cause do sofrimento entre os intelectuais de hoje nfo ¢ porque realmente no saibam. Sempre sabem um pouco. Mas 0 que sabem nio é onhecimento proprio, ¢ por isto sofrem. Um conhecimento reduzido ou parcial é sempre perigoso, como as verdades parcisis. Uma verdade parcial Tio & verdade. O mesmo acontece com 0 conhecimento parcial. Os si pereebem a verdade diretamente. © sibio que nfo conhecia o alfsbeto de idioma nenhum sempre esclarecia minhas dividas. extudo sistemitico sob 2 orientagéo de um mestre competente, que tenha desenvolvido os proprios talentos, ajud: ppurficar o ego; de outro modo, o conhecimento dos textos sagrados torna a Peston egoista.'0 homem que hoje se chama iitelectual limita-se « colher fatos de varios livos e textos. Saberd realmente o que esté fazendo? Alimen- 86 tar 0 intelecto com tais coniecimentos é 0 mesmo que comer comida sem talor alimenticio. Quem ingere constantemente esse tipo de comida adoece t adoece of outros. Conhecemos muitos mestres,¢ todos ensinam bem, mas ‘0 aluno #6 assimila o que é puro, sem mistura, ¢ vem diretamente de mestres sabedores por experiéncia propria. 87 ‘A mantra da felicidade Mantra ¢ uma sfleba, um som, uma palavra ou um conjunto de pala- ras encontrados, em estado profundo de meditagio, pelos grandes sibios. Nao a linguagem em que falam os seres humanos. Estes sons, recebidos do estado superconsciente, conduzem o investigador a um plano cada vez mais alto, até alcancar o siléncio perfeito. Quanto mais aumenta a percepeio, tanto mais revela a mantra um novo significado. Faz-nos cénscios de uma ‘A mantra é exatamente como o ser humano que tem inimeros revest- mentos: grosseiro, sutil, mais sutil esutiissimo, Tome-se por exemplo Aum, tés letras que representam, na realidade, os trés estados (vigilia, sonbo ¢ sono) ou os trés corpos (grosseiro, sutil e mais sutil). Mas 0 quarto estado ou © corpo mais fino da mantra é informe, insonoro e indefinivel, Se compreen- der 0 processo da Laya ioga (destilaglo), o estudante conhecerd 0 corpo informe ¢ a superconsciéncia da mantra. Muito poderosa ¢ essencial, a mantra é uma forma compacta de oracio. Se for constentemente lembrada, torna-se um guia. Eu costumava colecionar mantras como se colecionam objetos mate- riais, sempre com a esperanca de que @ nova mantra que eu estava em vias de receber fosse melhor do que as que eu jé possusa. As vezes, comparando-me com outros estudantes, pensava: “Minha mantra é melhor que a dele.” Eu era muito imaturo, Hoje chamo isso espiritualidade maluca. Um swam vivia trangiiilamente no mais profundo do Himalzia, entre Uttarkashi ¢ Harsil, Fui vé-lo e, quando cheguei, ele me perguntou: = Qual €0 propésito da tua vinds? = Quero receber uma mantra, ~ respondidhe, — Terés de esperar, — tornou ele, 88 i | i | Quando os ocidentais se dirigem a alguém em busca de uma mantra, esto preparados para gastar muito dinheiro, mas nfo querem esperar, Teutei a mesma coisa. E disse: — Swamiji, tenho presa. = Entéo, volta no anc que ver. — Mas se eu ficar agora, quantos dias terei de esperar? — indaguei. — Terie de esperar o tempo que eu quiser que esperes, — replicou ele, Nessas condigdes, esperci pacientemente, um dia, dois dias, trés dias, ‘Mesmo assim, 0 swami no me dava a mantra. No quarto dia, ele me disse: — Quero dar-te uma mantra, mas tens de prometer que te lembrards dela o tempo todo. Prometi-o. — Vamos até 20 Ganges, — propés ele. Um sem-niimero de sibios tem realizado priticas espirituais & beira do Ganges sagrado e ali temsido iniciado. Em pé junto do rio, declarei: — Prometo nunca esquecer esta mantra. Repeti a promessa virias vezes, mas ele continuou a contemporizar. Por firm, disse: — Onde quer que vivas, vive alegremente. Essa é a mantra, Sé alegre ‘em todos os momentos, ainda que estejas por trés de grades. Onde quer que vivas, ainda que tenhas de ir a um lugar infernal, eria ali o eéu. Lembra-te, ‘meu rape2, a alegria é obra tua. Requer tio-somente o esforgo humano. Tu mesmo tens de crite. Lembra-te da minha mantra. Eu me sentia muito feliz e muito triste ao mesmo tempo, porque experava que ele me dese algum som inusitado para repetir. Mas ele foi ‘mais pritico. Aplico essa “mantra” em minha vida ¢ vejo que ela tem éxito em toda a parte. Sua receita espiritual parece ser © melhor dos médicos ~ verdadeira chave da nossa propria cura, a9 ‘A mantra das abelhas Hi um tipo de mantra chamado mantra epta, que pertence unicamen- te ao sibio que a comunice, Quero falar-vos de uma experiéncia que tive ‘com uma dessas mantras, Um swam vivia numa chogazinha na margem do rio oposto aquela em que ae exguia Rahikesh, Pare chege Wi tnhumos de strevemar 0 Ganges numa haloucante ponte de cordas. Naquela ocasiéo Rishikesh néo era superpovosda. Elefantes selvagens apareciam, as veres, durante a noite, ¢ ‘comiam a palha das paredes ¢ do teto de nossas palhogas. Enquanto estive- mos sentados no interior, chegavam em grandes menadas de trinta ow quarenta e devorevam, por vezes, metade de uma choga. Tigres também vagueavam por ali. Aquilo tudo era ainda muito primitivo, Obedecendo as instrugdes de meu mestre, fui ficar em companhia do swami do outzo lado do rio. De manha cedinho, Swamijiia dar um mergulho xno Ganges, ¢ eu ia também, pois devia seguir os costumes do lugar em que me achava. Apos o banho, arrancévamos um galhinho de uma rvore, esma- givamos ponta ¢ & transformévamos numa escova para limpar os dentes. Faziamos isto todos os dias. O discipulo de Swamiji trepava numa arvore alta dela arrancava o galho com que fazia as escovas de dentes. Um dia, 0 proprio Swamiji trepou na arvore. Nao costumava fazé-4o ‘mas, naquele dia, queria mostrar-me alguma coise. Se bem tivesse mais de setenta. anos, trepara com facilidade na drvore, onde havia uma colmeia de abelhas selvagens, que ele nio fez esforeo algum para evitar. Ao contririo, guiou diretamente para o galho da colmeia e posse a falar com as abelhas. Do cto, onde estava, pus-me a gritar: — Swamiji, por favor, no alvoreceis as abelhas! Cobri a cabega, pensando: “Se elas ficarem alvorogadas, me picarto também.” Eram abelhas grandes ¢ perigosas, tao perigoses, na verdade, que, se dex ou vinte picassem alguém, esse alguém poderia nao sobreviver as ferroadas. 90 (0 swomi arancou um galho bem perto das abelhas, mas estas no se lvorogaram. A seguir, desceu com toda a seguranga e disse: — Agora sobe e arranca um galho para ti — Nao preciso de galho nenhum, ~ repliquei. ~ Posso viver perfeita- mente sem ele. ~ E ajuntei: — Se quiserdes que eu trepe na arvore, dizei-me primeiro qual foie mantra que vos protegeu. Naquele tempo, eu andava fascinado pelas mantras, ¢ queria conhecer ‘a mantra do swami porque desejava mostrar as pessoas o que sabia fazer. ‘Tal era o meu proposito. Disse-me 0 swami que, se eu trepasse na drvore, ele me dria « mantra. Subi até & colmeia ¢ ele gritou de baixo: — Chega mais perto © conversa com elas cara a cara, Dizedhes: “Moro perto de vooés e nko Ihes fago mal. Nao me fagam mal!” — Isso no é mantra nenhuma, —respondi. ‘Swamiji replicou: ~ Faze o que te digo. Conversa com as abelhas. Teus lébios devem star to cerrades que possas sussurar-Thes. — Mas elas conhecem hindi? — perguntei — Elas conhecem a linguagem do coragio, — respondeu ele, ~ ¢, portanto, conhecem todas as linguagens ... Fala com elas. ‘Apesar de cétio, segui exatamente as instragdes que recebera e fiquel surpreso ao verilicar que as abelhas nio me atacavam. E perguntei: — Swami, las io mansast Ele posse a rir, ¢ avisou-me: — Nfo easines essa mantra a ninguém, pera ti, Nio te exquegas do que estou dizendo. Depois, quando viajei para regides mais populosas, eu costums fora da cidade, num jardim, onde as pessoas vinham ver-me. Jovem e imatu- ro, eu queria exibirme. Trepava na drvore ¢, como quem ngo quer nada, firava um pouro de mel da colmeia, sem levar uma tinica ferroada, Post procza costumava despertar muita admiracéo. Quando eu estava em Bhivani, no Pendjab, um ourives que eu conhe- cia, pediu-me: ~ Por favor, di-me a mantra. Concordei em darthe, esquecido do aviso do ewami de que ela no funcionaria para mais ninguém. Explique'lhe como devia falar com ss abelhas, Ele trepou na irvore e repetin a mantre, mas esta nfo funcionou, ela 96 produziré efeito ficar 1 i i 3 3 3 i i : ‘Tat Wall Babs de Rishikesh. As abelhas atacaram-no — centenas de abelhas ao mesmo ter El iis {ezvore/e foil preciso Imes doTecend acest correndo para o hospital, onde permanecen em entado de coma darant ts di. Figus ose pensando: “E se = © pobre homem?” E rezava continuamente para que ele No terceiro dia, espanteime ao ver 0 swami que me dera a mantra parecer no hospital. Ble interpelow-me: " Que fizeste? Por causa da tua exibigi i | Por cau exibigdo, por pouco néo matas sleyém. Sje eta uma Gime lio para ti O homem se recuperar amank cede, mas tou retsando de ti o poder da mantra, Nanca mais poderis Depois disso tenho sido mais cauteloso, As vezes, as palavras de um grande homem tém o efeito de uma man- tra, Quando um grande homem vos fala, acataithe as palavras como se fossem mantras ¢ ponde-as em pritica. 94 ‘Abuso da mantra Existem manuseritos ro mosteiro cujo acesso é rigorosamente proibi- do. Ninguém tem autorizagio para lélos, exceto 0 cabega do mosteio, ‘Chamam-se Proyoga Shastros ¢ descrevem praticas avangadissimas. Meu mestre costumava dizer: = Néo facas experiéncias com aqueles manuscritos. Mas eu, obstinado, ansiava por saber 0 que estava escrito neles, Tinha dezoito anos de idade, era destemido, um tanto irresponsivel. Pensei: “Fetou bem adiantado. Por que escreveram esses manuscritos se nio se podem usar? Devo fazer experiéncias com as priticas neles descritas. Meu Iestre & muito poderoso; ele me protegerd se alguma coisa sair errada.” Meu mestre deu-me um desses manuscritos para carregar numa viagem. Erecomendou-me: = Nioo abras, Mas, sendo muito curioso, resoh eu ficar sozinho, lélo-ei.” Certa noite, chegamot a uma habitagiozinha a margens do Ganges. Meu mestre entrou na choga para descanser. E pensei: “Eis aqui minhe oportunidade de estudar o manuscrito.” Nao havia janclas ¢ apenas uma porta na choupana, Tranquei a porta pelo lado de fora. Pensei que levaria f noite inteira para descobrir 0 que dizia o manuscrito, Era uma noite de lar e eu enxergava com absoluta clareza. O manuserito estava embrulhado fe amarrado com um cordio. Perdi muito tempo desembrulhando-o ¢, @ seguir, pusme a ler, Era « descrigfo de certa pritica ¢ dos efeitos que produzia. Depois de ler durante uma hora, pensei: Por que néo experiment?” Pus o manuscrito de lado. Rezava cle que s6 05 iogues muito adiantados deveriam fazer a pritica, que, se nio fosse feita convenientemente, era muito perigosa. Naquela idade, eu me julgava adiantadissimo e, portanto, Se ele deixar o manuscrito comigo 95 principiei « fazéla. Comsstia na repetigio de uma mantra especial nam Tetilo determinado, com certos rituais. A mantra desperta uma forga fora dentro da pesos. Diaia o livo que era mister repetr a mantra mile uma veres. Repetia novecentas e nada parecia estar acontecendo. Condlui que nfo haveria efeito algum. Mags, quando cheguei a novecentos ¢ quarenta, vi uma mulher enorme perto de mim. Ela juntou alguma lenba e comegou a fazer fogo. Em seguida, jos dgua num vaso grande e Tevou-a a0 lume para ferver. A esca altura eu Fr contara novecentos ¢ sessenta etrés. Minha iltima contagem foi novecen- tos e setenta, Depois disto, perdi a conta, porque vi um homem muito grande que vinha da mesina dizesio. A principio, pensei, “Isto deve ser Gfeito de mantra. Néo olharei para ele e completare! as mil e uma repeti- Bea.” Mas cle pose a caminhar para mim. Eu nunca vira e nem sequer Fmaginara um homem to gigentesco. Eatava completamente nu. — Que corinhaste para o jantar? — perguntou ele i mulher. — Nao tenho nada, — disse ea. ~ Se me deresalgums coisa, cozinhi- deci, Ele spontou para mim e disse: — Othe para ele ali sentado. Por que néo o cortas em pedacinhos ¢ 0 cosinhas? Ouvindo isso, meus dentes se apertaram ¢ 4 mala: em que eu estava eontando me eaiu das mos. Destaaii. Nio sei por quanto tempo me quedei inconsciente. Quando recobrei a consciéncia, meu mestre estava em pé minha frente-Detiane umas palmadas nas faces e dsse-me: = Aquele gigante vaimme retalhar! E tomavaa perder os sentidos Tso aconteceu trés ou quatro vezes, até que meu mestre me deu um pontapé e tornowse mais insistente: — Levants-te! Por que fizeste isso? Eu ja te disse para nZo praticer ceceas mantras. E ainda por cima me fechaste la dentro, menino tolo! ‘A partir dessa experiéncia, vim 2 compreender poder da mantra Comecei'a praticar a que meu mestre me dera ¢ a contar com ela até em ‘coisas pequeninas. Fiz muitas loucuras ¢ tolices quando era jovem, mas © A mula € wma fein de contas, semelhante a um rosirio, que 9 usa para contar as repetigdes de uma manta. 96 minha mantra, que me proporcionou percepedo, sempre me ajudava a sair dessassituagices. Se a mantra no for usada com disciplina espititual, pode conduair « alucinagdes, como aconteceu comigo. As alucinagdes si0 08 produtos de luma mente impura endo exercitada. A mantra s6 se torna itil quando a mente, purificada, é dirigida para dentro. Sem conhecerIhe o significado, rio se pode despertar 0 sentimento apropriado e, sem um sentimento vigoroso, a mantra e sua repetigdo técnica no sfo de muita utilidade. 7 Recebo uma surra De uma feita, eu estava guardando siléncio no intuito de examinar meus sentimentos interiores e analisar meu procedimento. Vivia numa das de Ayodhya, terra natal de Rama. As pessoas dali sabiam que eu guardava siléncio e nfo podia pedir comida, de modo que me tratiam uma refeigko por dia. tinha onde abrigarme. Sibito, um dia, & noitinha, nuvens de tempestade apareceram e desabou uma chuva pesada. Como eu 2 dispusesse, para cobrirme, de um cobertor comprido, enderecei-me a um templo a fim de fogir da chuva. Jé estava escuro. Quando entrei, pelos fundos, e me sentei debaixo do portico, trés guardas chegaram com varas de bambu e pergur- taram o que eu estava fazendo ali. Pensavam que eu fosse um ladréo. Como en estivesse observando siléncio, nao thes respondi. Eles, entfo, puseram-se a bater-me com toda a forga. Apanhei tanto que suas varadas me deixaram inconsciente. O padre do templo, com uma lanterns, eio ver quem era 0. 7 intruso. Eu tinha a cabega ensangiientada ¢ iniimeras machucadures por todo 0 corpo. O padre, que me conhecia bem, ficou chocado ao ver meu horrivel estado. Quando recobrei a consciéncis, ele e os criados do templo ‘comegaram a desculpar-se do seu grave equivoco. Naquele dia compreen que a pritica da austeridade no é facil. Prossegui em meu caminho de auto- adestramento, mas deixei de vaguear pelas cidades. Entre todos os métodos de adestramento terapias, o mais elevado € 0 do auto-adestramento, em que a pessoa permanece conscia de sua mente, de seus atos ¢ de suas palavras. Eu costumava desenvolver minha sankalpa (Geterminagio correts) e sempre me mantinha a par de meus sentimentos, pensamentos, palavras e atos. Nesses dias descobri que, ao acalmar minha mente consciente na meditagio, as bolhas dos pensamentos subiam, de improviso, da mente inconsciente. Ao aprendermos 0 dominio da mente ¢€ suas modificagbes, é essencial passarmos pelo procesto da auto-observagz0, da anilise e da meditagao. O aprendizado do dominio da mente ¢ 0 cuidado- 1 estudo das relagdes entre a mente consciente e a inconsciente me toma- 98 ram muito tempo. Inimeras vezes pensei: “Agora subjuguei meus pensa- mentos. Minha mente esta sob o meu dominio.” Volvides, porém, alguns dias, alguma bolha desconhecida subia do fundo do inconsciente e me dominava a mente consciente, modificando assim minhas atitudes ¢ meu comportamento. As veres, eu me sentia desapontado ¢ deprimido, mas ‘sempre encontrava alguém que me ajudava e orientava Como aspirante, é sempre de bom alvitre estar vigilante e firme na fritica da meditagdo, sem esperar muita coisa no inicio. Disseram-me que BMo existe um método imediato de meditagio. Os estudantes modernos fesperam resultados instantineos da meditacGo ¢ essa expectativa os leva a fantasia, imaginar ¢ ter alucinag6es a respeito de muitas coisas que julgam fer experiéncias espirituais mas que, na realidade, s80 produtos das suas = mentes inconseientes, Em resultado disso, a frustracio os desequilibra ¢ ‘les ou param de meditar ou comecam a seguir métodos estranhos, infensos ‘a0 seu progresso. 99 Pritica énica do Tantra ‘Meu condiseipulo, cujo pai era um douto pandita sanscritista, proce- dia de Medanipur, na Bengals. Quando completou dezoito anos de idade, antes que eu 0 conhecesse, a familia forgou-o a casar. A ceriménia do casamento estava sendo realizada a0 anoitecer, 0 que se ajustava perf ‘mente aos seus planos. Durante um matriménio hindu, a noiva ¢ 0 noivo participam de uma cerim@nia do fogo ¢ dio sete voltas em torno da foguei- ra, Ne quarta volta, ele interrompeu o ritual e desatou a correr pelos camn- pos. O pessoal presente & festa do casamento nio Ihe compreendeu o proce- dimento. Saiuthe no encalgo, mas nfo conseguiu pegé-lo. Ele caminhou varios dias até alcancar as margens do Ganges e posse a seguir 0 rio i procu- ra de um mestre espiritual. Durante seis anos passou por muitas experién- cas, mas nfo 6e the deparou mestre algum. S6 0 encontrou quando conhe- ceu meu mestre no Himalaia de Sri Nagar. Ao se defrontarem, meu mestre abragou-o e sentiu que ja se haviam conhecido, Meu condiscipulo viveu trés ‘meses com meu mestre e, depois, recebeu instrugdes para i a Gangotri, onde ‘moramos juntos numa cavern, Em dado momento, posse a falar sobre sua cidade natal, Medanipur, € disse-me que se eu, algum dia, a visitasse, deveria dizer & sua familia que ele se tornara renunciante ¢ vivia no Himalaia, Pouco depois disso visitetthe & casa e conheci a mulher com a qual devera ter casado. Ela estava esperando péla sua volta, Sugerithe que se easasse com outra pessoa, visto que a ce ménia do casamento ndo fora completada. Ao ouvir de mim tal conselho, la explodiu: — Vos e0 vosso condiscipulo sois adoradores do disho e nfo deDeus! Ela estava tendo um acesso de eélera. ‘Voltei para a minha choupana, fora da aldeia. Naquela regito se prati cava o tantra®, Quase todas as casas dessa area adoravam a Mae Divina, * Ciéncia de transformagéo integral, 100 chamando-Ihe Me Kali. Eu ouvira muita coisa a respeito do tantra'e ja lera alguns livros. Desejava conhecer alguém que me fizesse; de fato, uma de- monstrapdo das suas priticas para desvanecer minhas divides quanto & validade delas. Um dos primos do meu condiceipulo naquela aldeia apresen- tou-me um maometano cultor do tantra, que jé completara noventa ¢ dois anos de idade. Fui vé-lo e conversamos durante trés horas. Ele era famoso ali como Maulabi, sacerdote que dirige as oragies nas mesquitas e conhece 0 Corio, a biblis sagrada do Islao. Na manhé seguinte, o Maulabi levou-me para um lagozinko fora da aldeia, Também levou uma galinha. Primeiro amarrou a galinha com um Darbante e, @ seguir, amarrou a outra ponta do barbante a uma bananeira Disse-me, entio, que me sentasse ¢ observasse tudo com muita atengio. Estava murmurando qualquer coisa ¢ atirando feijdesfradinhos no barban- te. A galinka agitou-se um pouco e, logo, imobilizouse. — A galinha esté morta, — disse ele, Pensei: “Isto no significa ser eriativo. E um poder muito mau, E magia negra.” Ele pediu-me que me certficasse da morte da galinha — Posso conservé-la debaixo d’agua por algum tempo! ~ pergunteithe. — Avontade, ~ consentiu ele. Mantive a galinha debaixo d’igua por mais de cinco minutos e, em seguida, tirei de li Ao que me constava, ela estava morta. Logo depois ele deyolveusthe a vida executando o mesmo ritual de jogar fej6esfradinhos no barbante e murmurar qualquer coisa. Isso, com efeito, me abalou. — Agora, — continuou ele, — amarra uma ponte do barbante na bananeira e a outra no teu pulso. Mostra-te algo diferente. Mas, em ver de fazer o que ele me dizi, abria correr 0 mais depressa que pude na dirego da,aldeia, deixando o velho Maulabi e sus galinha para trés. Quando cheguei & aldeia, sem folego, os aldedes ndo sabiam por que eu corria tanto. Contei-lhes que o velho Maulabi queria matar-me, mas ninguém acreditou em mim, pois naquela regifo ele era havido por homem muito santo. Pensei: “E melhor eu seir deste lugar ¢ seguir meu caminho em ver de ‘eampear milagres.” Dali fui para Calcuté, onde fiquei alguns dias em casa do presidente do Supremo Tribunal, R. P. Mukharji. Quando Ihe contei minha experiéncia ce Ihe perguntei se eu a imaginara ou se fora vitima de alguma alucinacéo, ele disse: — No, casas coisas acontecem, Mais tarde, indaguei de alguns sébios como podia reaizar-se um mila gre dessa natureza, Eles néo souberam explicar-mo, embora reconhecessem 201 {que a provincia de Bengala era famosa por tais priticas. Contei a historia « meu mestre ¢ ele, rindo-se de mim, falou: — Precisas entrar em contato com tods a sorte de coisas, se bem nio devas tentar praticé-las. Basta-te seguir a disciplina que te foi dada, Ease tipo de tantra nfo é a verdadeira ciéncia do tantra, mas uma ramificagio do tantrismo. Uss-te o poder da mente de iniimeras manciras, Sem conhecimento da meta da vida, as faculdades mentais podem ser dirigi as negativamente em detrimento de outros. Mas, a0 cabo de contas, 0 abuso dos poderes mentais acaba destruindo aquele que o pratica. Ainda existem pessoas com poderes tintricos. Mas em cem, uma é auténtica e as outras noventa e nove sio migicos 102 Cometeste muitos roubos Em minha mocidade, eu andava a cata de milagres, Certa ver, ao ver tum individuo deitado num leito de pregos, pergunte‘ he: — Eu gostaria de poder fazer isso. Nzo podes ensinar-me? — B dlaro que posso, ~ replicou o individuo, — Mas, primeiro, terés de pedir esmolas para mim ¢ trazer-me 0 dinheiro. Se prometeres dar-me todo o dinheiro que tens, eu te ensinareit Uma depois da outta, encontrei muita pessoas assim, que se despreza- ‘vam mutuamente, dizendo: — Ele nfo é nada, Bu te ensinarei algo melhor. Uma dessas pessoas tinha uma grande agulha de avo, que enfiava no proprio brago, atravessando-o de lado a lado. E declarou-me: — Vé, nfo ha sangradura. Eu te ensinarei a fazéo, e poderas ganhar dinheiro com demonstragées. Mas terds de tornar-te meu diseipulo e dar-me parte do que ganhares Deixei-o e fui ter com outra pessoa, que muita gente respeitava. Eu ‘queria saber por que tantos o seguiam. E perguntava a mim mesmo: “Que conhecimento exclusivo possui ele? Sera sibio? Seré um grande iogue?” Quedei.me juntc dele até que todos se foram. Quando ficamos a s6s, ouvi-o perguntar-me: = Qual é0 hotel mais luxuoso que conheces? ~ 0 Savoy Hotel, em Londres, ~ respondi. — Dé-me cem rupias que te arranjarei um pouco da comida deliciosa desse hotel. Deéthe cem rupias ¢, de repente, surgiu diante de mim um pouco de comida, exatamente como se preparava no hotel. Em seguida, pediThe um pouco da comida de Hamburgo, na Alemanha, Pagueidhe, dessa setenta rupias e ele satisfez 20 meu pedido. Apareceu o prato que eu s0l ra, coma conta, 103 Pensei: “Por que hei de voltar para meu mestre? Ficarei com este homem e todas as minhas necessidades estardo satisfeitas. E, entdo, sem nenhum contratempo, poderei meditare estudar sossegado.” ~ Que tipo de relogio desejas? — pergunton ele. Ji tenho um bom relégio, ~ repliquei = Darteci um melhor, — prometeu ele, E cumpriu a promessa Quando olhei para o religio, refleti: “Este relogio & fabricado na Suiga Ele nfo esté criando estas coisas; limitase a fazer um trugue, trans portando-as de um lugar para outro.” Duas semanas depois voltei & sua presengs ¢ incline-me diante dele. Firlhe uma massagem com dleo ¢ ajudeio a cozer a comida. Ble ficou satisfeito e ensinou-me a fazer coisas semelhantes as que tinha feito, Pus-me 1 praticar até que um dos summis do nosso mosteiro surgiu e me esbofeteou, interpelando-me: — Que estis fazendo? Em seguida, levou-me para junto do meu mestre, que me disse: — Cometeste muitos roubos. = Que roubos? — perguntei — Pedes doces, — explicou ele, — e estes chegam a ti provedentes de uma loja, Os doces desaparecem da Ioja € 0 dono nao sabe o que thes aconteceu Prometi a meu mestre que nunce mais tomatia a fazélo. ‘Mais tarde conheci um homem que trabalhava como vendedor numa loja de miquinas de costura em Deli, Fale:the de-am hoji ¢ seus poderes. Disse 0 vendedor: — Se ele conseguir trazer uma maquina de costura Singer da minha loja em Deli, eu 0 considerarei o maior homem vivo € 0 seguirei pelo resto david. Por isso fomos ambos a sua procura ¢ pedimoslhe que realizasse 0 milagre. Disse ele: = Tri-lae incontinenti E.a maquina apareceu! Depois, no entanto, o vendedor ficou preoou: ‘pedo, imaginando que poderiam dar pela falta da méquina na loja e acusi-lo de havéla roubado. O haji tentou devolvé-la mas, néo 0 conseguindo, abriu ‘carpirie ea lamentar-se: = Perdi meus poderes. 104 Um yelho e suave bio de Sri Nagar, no Himali ‘Quando 0 vendedor regressou a Deli, levou a maquina consigo. Entre- mente, na loja, baviam dado pela falta da méquina e apresentado queixa policia. Eata encontrow-a em poder do vendedor, que foi levado ao tribunal. Ninguém acreditow na sua historia e castigaram-no. ‘ive muitas experiéncias desse género ¢ insultava amidide mew mestre, dizendohe: — HA pessoas que tém poderes maiores do que os vossos. Eu gostaria de seguilas, E dle replicava: — Pois segue-as! Quero que crescas e sejas grande. Nao tens obrigagao de seguirme! Foal tne compronndi que « mioia domes fermen ao tmguen quando se lhes confirma a autenticidade, sf0 magia negra. A esprituali- dade nada tem que ver com tis milagre. O terceio capital das Sutras da Toga explica muitos métodos de obter sidis®, mas essas sidis criam ciladas 1no caminho da iluminaggo. Uma pessoa entre milhdes possui, de feito, siis, mas descobri que tais pessoas so, a miido, cipides, egoistas ¢ ignorantes. © caminho da iluminagio nio é 0 da cultivagio intencional de poderes. Os milagres realizados por Buda, Cristo e outros grandes sébios, esponti- neos, tinham um propésito, Nao foram executados por motivos egoistas nem para criar sensagio. No caminho da ioga topamos, ais vezes,'com posibilidades de sidis. © iogue que nfo tenha desejo algum de possuir uma sidi pode revebé-la, mas quem tiver consciéncia do propésito de sua vida jamais abusaré delas. O abuso das sidis é « ruina do iogue. O roubo é considerado um crime, social ¢ moralmente, A escamote: cdo no faz parte da ioga. As sidis existem, mas s6 entre os entendidos. * Poderes, 106 Um swami arremessador de fogo Conheci um swami capar de expelir fogo pela boca. A chama projets: vase a mais de um metro de distancia. Eu plo a prove a fim de verificar se ( fendmeno era auténtico. Pedi-the que lavasse a boca para ter a certeza de {que nao estava escondendo nela alguma coisa como fosforo, Fiz também que meus amigos o examinassem. Ele parecia genuino e, por isso, chegu seguinte conclusio: “Este homem deve estar postivamente mais adiantado que 0 meu mestre.” Disee-me o swami: — Estas desperdiyando tempo ¢ energia 20 pé de teu mestre, Segue me, que te darei um pouco da verdadeira sabedoria. Mostrarte-ei-como se produ fogo. Eu estava to influenciado por cle que decidi deixar meu mestre, Entrando a presenga deste iltimo, dissethe: — Encontrei alguém mais adiantado do que vés, ¢ resolvi tornar-me seu disefpulo. — Estou encantado, — disse-me ele, ~ Vai, quero que sejas feliz. Que €o que cle far? — Tira fogo da boce, — redargtii. — £ um suami muito poderoso. — Faze-me o favor de levar-me até ele, ~ pediu meu amo, Na manha seguinte lé fomos nds. O stoami morava nas montanhas, a uns trinta e sete quilometros de distancia, ¢ levamos dois dias para ir até li Quando chegamos, o swomi inclinou-se diante do meu mestre! ‘Surpreso, perguntei a meu mestre: — Conhecei-o? — Naturalmente, — foi a resposta. — Ele deixou nosso mosteiro hi algum tempo. Agora sei onde se tem escondido. Meu mestre perguntouslhe: 107 ~ Que tens feito aqui? Aprendi, senhor, a tirar fogo da boca, ~ respondeu o interpelado. Quando viu « chama sairthe da boca, meu mestre ru-se mansamente. instruiu-me: — Pergunta-lhe quantos anos levou para aprender a fazer isso, swomi envaidecia-se da sua proeza. E vangloriavase: ~ Pratiquei durante vinte anos para dominar essa arte, Disse-me entio men mestre: ~ Um fésforo produsiri fogo em um segundo: se estis querendo perder vinte anos para aprender @ produzir fogo com a boca, é um tolo. Mea filo, isto ndo é sabedoria. Se quiseres realmente conhecer mestres, et te direi onde estfo. Vai e faze as experiéncias Mais tarde compreendi que essas sidis no passam de sinae espalhados pelo caminho, Nada tém com a eapiritualidade. E descobri, depois de experi- ‘mentar ¢ examinar, que 830 poderes psiquicos de escasso valor, podem cziar obsticulos sérios no caminho. As vezes, os poderes psiquicos se desen- volvem; comecais a ler a sorte dos outros, comegais a conhecer coisas. Tudo ‘fo distraydes. Nao permitais que vos obstruam a senda. Muita gente, inclu- indo swamis, tem gasto tempo e energia com tais dstragies. Quem quiser desenvolver sidis poderd fazélo e poderd fazer demonstragio de algumas proezas sobrenaturais; mas a iluminagio é outro assunto, totalmente diverso. 108 Um mistico surpreendente O desprendimento é um dos tinsis destacados do homem espiritual. Quando falta essa qualidade no cardter de alguém que se supe spiritual, cexse alguém, na realidade, nfo o é Um mestre conhecido, Nim Karoli Baba, favoreceu-me quando eu era ainda muito jovem. Vivi em Nanital, um dos sitios mais freqtientados do Himelaia. Morava ora aqui, ora ali Quando alguém o procurava, dizia: — Esta bem, agora ja te vi, tu ja me viste, ja, j, jo, jo 0 que quer dizer “ai, vai, vai, vai.” Esse era 0 seu habito. Certa ver, estévamos sentados, conversando, quando um dos homens ‘mais ricos da India veio vélo com um mago respeitavel de dinheiro indiano. Eo homem dise: = Senhor, eu vos trouxe isto, ‘Baba expalhou as notas ¢ sentou-se sobre elas. Depois disse: — Como almofadas nfo sio muito confortiveis, ¢ como no tenho lareira, néo posso queimélas para que produzam calor. Séo initeis para sim; que farei com elas? — Isso é dinheiro, senhor, — voltou o homem. Baba devolveu o dinheiro ¢ pedivJhe que o empregesse na compra de algumas frutas. 0 homem rico obtemperou: — Aqui nfo hi mercado, senhor. — Entio, como podeis dizer que isso é dinheiro? — sobreveio Baba. — Se néo serve para comprar frutas, nfo é dinheiro para mim. — Em seguida, {indagou do visitante: — Que queres de mim? — Tenho uma dor de cabega, — disse o homem. — Que tu mesmo criaste para ti, — replicou Babs. — Qe posto eu fazer por t? 5 109 — Vim pedir vossa sjuda, senhor, — protestou o homem, Baba abrandouse. — Esti bem, daqui por diante no haveri mais dor de cebere mas, a partir de hoje, seris uma dor de cabeps para os outros, Ficards to misera- yelmente rico que serés ums dor de cabeca para toda a tua comunidade. E até hoje, com efeito, ele continua 2 ser uma dor de eabega para toda a sua comunidade. E verdade que certs importincia em dinheito constitui um dos meios necessirios a uma existéncia confortivel no mundo. Mas também é verdade que ter mais que o necessério pode ser motivo de sofrimento, Entesourar dinheiro & pecado, pois estamos despojando outros ¢ eriando disparidades na sociedade, Nim Karoli Baba amava o Senhor Rama, encarnagéo de Deus, ¢ estava sempre murmurando uma mantra que ninguém entendia, Sibio adorado por muita gente no norte da India, as pessoas nao the davam sossego. Viaia- vam com ele de uma montanha e de uma aldeia a outras. Ele era extrema- ‘mente misterioso em seus provessos, Tive muitas outras experiéncias deliciosas e engragadas com Nim Karoli Baba que ninguém acreditaria, mas uns poucos americanos que 0 ‘conheceram compreenderio o que estou dizendo. Se alguém fosse vsitilo, dle dirie: ~ Estavas falando mal de mim com tal e tal pessoa debaixo de tal ¢ tal arvore. — E acrescentava com exatido a data ¢ a hora do dia. Em segui- da, mandava o visitante embora: ~ Agora jé me viste, vai, vai, vai E eobria-se com um cobertor. Um belo dia, um farmacéutico saiu de Talital levando um pouco de po para Malital. Fervoroso admirador de Nim Karoli Baba, detevese no meio do percurso para vélo. Bu também estava la, — Tenho fome, — disse Baba. ~ Que ests carregando ai? = Aménico, — retrucou 0 farmactutico. — Esperai, que vos trarei alguma comida. Mas Baba arrancowlhe 0 po das méos e engoliu um punhado dele, A seguir, pediu um copo d’égua. 0 farmacéutico receou vélo morrer envene- nado mas, no dia seguinte, encontrowo perfeitamente sfo, Ele nfo tinka consciéneia do exterior. Se alguém Ihe perguntasse: “Comestes 2 vossa comida?” responderia: “Ngo” ou “Sim”, mas nenhuma das respostas teria sentido. Quando a nossa mente se ausenta, podemos ‘comer muitas vezes por dia e continuar famintos. Era 0 que acontecia com ul le. Cinco minutos depois de comer, dia: “Estou com fome”, porque nfo se lembrava de jé ter comido. ~ Ji comestes a vosss comida, — diria eu. ~ Esta bem, ~ responderia ele, — entio nfo estou com fome. ‘6 ett nfo the dissesee: “Comestes agora mesmo”, ele nfo se deter. ‘Um dia, pensei: “Vejemos quantas vezes seré eapaz de comer”. Nesse dia, ingeriu quarenta refeig6es em vérias casas. Comeu o dia todo. Queriamos conhecer-the os poderes,¢ ele sabia o que querfamos Desse modo, quando alguém colocava comida i sua frente, comia — Comeres? — perguntavamdhe. Ede: ~ Esté bem. Ecomeu o dia inteiro. Finalmente me aproximei e adverti-o: ~ Fé comestes o bastante. jit ~ Ji, —repeti Nesse estado de elevagéo somos como criangas. Ele néo tem plena conseiéncia das coisas do mundo, mas esti sempre consciente da Verdade. tomou ele. 2 Minha mae ¢ minha mestra Certa vez, fui ao Asso a fim de conhecer Mataji*, grande dama iogue que tinha enti noventa e seis anos de idade. Ela morava ao lado de um famoso templo de Shakti chamado Kamakhya Toda @ gente aspira a ir até 1i, mas pouguissimos aleangam vsitar o lugar, que fica num canto afastado da India. De Calcuté, fui a Gohati e, dali, a pé, até Kamakhya. Cheguei 20 templo tarde da noite, tropegando na escuridio ¢ dando topadas com os dedos dos pés. Naquela ocasigo, havia trés ou quatro casinhas de madeira perto do templo. O sacerdote convidou-me a ficar no segundo andar do ‘mesmo edificio em que vivia a famosa mulher. Meu quarto tinha muitos buracos ¢ fendas, pelos quais entravam camundongos € cobras. Era terrivel, mas eu nio podia fazer nada. Fechei os buracos com pedagos de pano encontrados aqui ¢ ali. Consegui passar dois meses nesse quarto. Minhas experigncias ali foram chocantes ¢ surpreendentes no principio, porém ‘muito agradéveis no fim da minha estada, Fazia vinte anos que a velha senhora néo saia do quarto durante o dia. Entretanto, visitava regularmente o templo meie-noite e is trés da madru- cada. Nas primeiras quatro noites, permaneci no meu quarto mas, na quinta, sai e fui para o templo. Noite de luar. Chegando a0 porto, ouvi alguém entoando mantras no interior. Era a velha senhora, sentada, sozinha, com ‘uma lampada de dleo acesa ao seu lado. Ao sentir minha presenga do lado de fora do porto Norte, gritou, em tom peremptério: — Mo entres! Tu te mataris! Sou a Mae Divina, sai deste lugar! Conquanto assustado, eu ardia por saber o que estava acontecendo no interior do templozinho. Eapiei para dentro e ela precipitowse na minha diresdo. Estava completamente nua — um saco de 0860s embrulhado numa pele brithante. Cintilavam-lhe os olhos como tagas de fogo. E ela gritou: — Vaite embora! Por que estis espreitando o que fago? Inclineime, reverente e timorato, euidando acalmi-le assim, mas ela ‘urziu-me com a bengala e enxotowme. Voltei para o quarto. [Na manhi seguinte, a mie mestra chamov-me para o seu quarto € posse a falar comigo. — Preciso de vossas béngHos, — disse eu. Ele quedowse em siléncio por alguns segundos ¢ depois murmurou meu apelido, que ninguém mais conhecia além do meu gurudeva. Apertou- ne entre 08 bragos e porme no colo. Nio sei o que ento me acontece nas, se existe um sétimo ou, posso dizer que li estive, Acariciando-me a cabega, abengoou-me ¢ disse: = Encontrarés muitos obsticulos no caminho, mas todos serio transpostos. Vai-te com minhas béngios — Quero ficar aqui por algum tempo, — roguei eu, ¢ ela consentin, Quando the perguntei o que estava favendo sozinha no templo ds trés horas da madrugeda, respondeu: — Celebro 0 eulto de Shakti e no quero ninguém perto de mim & meianoite nem as trés da madrugeda. Da meiarnoite as duas ¢ das trés as quatro ¢ meia ninguém visita o templo. Ela permitiu que eu me sentasse perto dela durante meia hora todas as noites. Quando eu me sentava sua frente, toda a minha consciéncia ve ‘evava, como se eu estivesse sentado diante do meu mestre. Em meu cora ‘do, accitave-s por minka mie ¢ mestra. Eu queria fazerthe muitas pergun fas, mas ela me ordenou que permanecesse calado. Obedecithe ¢ recebi as respostas as minhas perguntas sem que nenhum de nés falasse. O silencio fea mais comunicativo do que qualquer outro tipo de ensinanga. Os profes- sores mais adiantados tranemitem em siléncio seus conhecimentos. Ela era uma velha muito poderosa ¢, nfo obstante, muito suave, dotada de tremenda forga de vontade. Observei que tudo © que dizia se revelava sempre verdadeiro. Quando alguém vinha pedirlhe sjuda, falava ‘muito pouco e sempre em sentengas breves: - Vai. = Aconteceré. — Bendito sejas. _~ Reza para a Mie Divina. ‘Bm seguida, ia para o seu quarto. 4 # acini SNR EA ‘Quando eu soube que essa mfe, que eu chamava de Mie ¢ Mestra, no se deitava para dormir, mas permanecia sentada, em postura de meditacio, a noite inteira, comecei a observi-la espiando pela fresta em sua porta. Paseei trés dias trés noites a observi-la e descobri que, de fato, ela nunca domi, ‘Um dia, eulhe disce: — Mie, se vos deitardes, far-vorei uma massagem bem suave, que vos ajudaré a adormecer. Ela deu uma risadinha e respondeu: — Dormir! Isso nfo é para mim, Ja passei slém da preguiga e da inéreia. Gosto do sono acordada, para o qual ndo preciso deitar-me. Acredi- tas que uma pessoa que aprecia o sono iogue necesste do sono dos porcos! = Como susimi? — pergunte. . = Qs porcos comem mais do que podem comer, — explicou ela, ~ ¢ depois ve deitam, roneando. Pergunto a mim mesma como é possivel dormir tanto. Explicousne toda a anatomia do sono e perguntou-me se eu conhecia co mecanismo em que um ser humano vai do estado consciente para 0 estado de sonho e, em seguida, para 0 estado ainda mais profundo de sono. Prin pou a darme ligdes precisas ¢ sistematicas, Depois disso me foi possivel Compreender o Upanizade Mandukya, que explica os trés estados da mente: vigilia, onho, sono e © quarto estado, turiya, que recebe a denominacfo de csiado além. 0 Mandukya é considerado o mais importante ¢ dificil de todos os Upanisades. Enchi setenta piginas do meu diirio tomando notas fenquanto ela fava. Em sua fala macia e lenta nio havia repetigies nem frvos. Ela fer um comentirio sistemitico desse Upanixade, que eu jé com- preendia intelectualmente mas s6 compreendi realmente quando comecei # praticar o exercicio de permanecer consciente durante os quatro estados Depois dedois meses ¢ meio, chegou o dia da partida, Eu estava muito triste, mas ela me disse: "_- Nio te afeigoes & imagem da mie em meu corpo fisico ¢ em minke i yu a mae do universo que esté em toda a parte. Aprende @ a acima e além do meu eu mortal. Othei.a ocm os olhos marejados de ligrimas, ¢ ela me disse: — Nio temas. Estou contigo. Bu disseshe adeus e voltei, mais uma vez, para a minke morada hima- laica, Men mestre falou muito bem da velha senbora,.que vivia na rea daquele templo desde os doze anos ¢ li ficou até 208 101, quando deixou © ‘corpo mortal. us ( sau imarcescfve, Devaha Baba a nana sane can i ben Um iogue eterno Praticamente em todos os verdes, Devraha Baba, que vive no Uttar Pradesh Oriental, vem a um santuério nas montanhas do Himalaia, onde passe alguns meses. Dizem-no velhissimo, Nao fiquei sabendo disso direta- ‘mente, mas ouvi o dr. Rajendra Prashad, primeiro presidente da India, dizer que pode atestar, por experiéncia propria, que Devaha Baba tem mais de 150 anos de idade. E contou que, em sua infincia, seu pai o levou a esse babe, que jé em um homem muito velho. Na ocasido em que prestou esse depoimento, o dr. Prashad tinha mais de setenta anos. A afirmativa desper- tome a curiosdade ¢ fiz. questéo de conhecer 0 baba quando se detivesse em Rishikesh a caminho do santuério da montanhs. Conversamos ali muito amitde. Ele extava vivendo numa choga temporiria de pinho, que the txguiam onde cuer que fosse. As veres, também vivia ém casas de drvores. Parecia perfeitamente saudavel e ninguém the daria mais de setenta e poucos anos. Muito austero ¢ delicado, no. consente que nenhum estudante o toque ¢, is vezes, faz discursos sobre o amor divino. B muito famoso no norte da India, Imensas multidées se reinem para receber o seu darshana®, ‘Tem um grandeséquito e a policia e outros funcionérios do governo visitam- -no com freqiéacia, desejosos de serem abencoados, Varios dos meus alunos americanos visitaram-no durante Kumbha Mela, a grande feira que se reaiza de doze em doze anos na India que em 1974 se realizou em Hardwar, Tentei descobrirlhe o segredo da longevidade. Averigiel que cle pratica regularmiente certos aspectos da ioga, e s6 come frutas e vegetais. Existem muitas priticas especificas de ioga. Os aspirantes individuais esco- them as que mais Ihes convém, Durante minha conversagio com Baba ouvi-lhe: * Omar. — A {elicidade é # maior de todas as riquezas, A pontualidade é essen: cial. A pritica de métodos adiantados de respiragdo é igualmente importan- te. A técnica do nfo-envelhecimento resume-se numa técnica de pranayamat Esce Devraha Baba é um simbolo de amor. Kumbha Mela, onde os peregrinos fazem uma cidade de miles de moves Servigo de otvcao emt Narkipas * Controle da rapiragio, 8 Vv APRENDENDO HUMILDADE i Cultivar a vistude da humildade & dar um passo no 4 ramo da iluminagio, Sendo humildes ganhamos muito € 3 nada perdemos. A oragio e a contemplacao fortalecem 4 nossa forga de vontade no cultivo dessa qualidade interior. i | fo ienevensenn nieces (0 ego ea vaidade slo baldados Em certa ocasido meu mestre vivia num lugar sagrado do Himalaia denominado Tungnath. De uma feita, quando fui vélo, detive-me antes ‘num santuério da montanha chamado Kamaprayag. Um grande ¢ renomado swami, cujo nome era Prabhat Swami, vivie numa caverna perto do santuario «por isso fui visitéclo, Nesta époce eu estava sendo treinado para ser swam Saudeio de acordo com a nossa tradigio, Ele sentare-se num cobertor dobrado quatro vezes, e uns poucos aldedes se haviam sentado diante dele. Eu ainda sofria de um inchago do ego, em parte, pelo menos, porque as jpasoas na aldcias da Toda eapeitam os suomis se inclinam dante dls, Iso alimenta o ego e acarreta muitos problemas pars um swami que est sendo treinado. Prabhat Swami conhecia meu problet — Senta-te, por favor. — Nio poderias fazerme o favor de desdobrar teu cobertor pare et poder sentar-me ao teu lado? sortie disse: Insisti, mas ele apenas se riu de mim, — Por que nfo deixas que eu me sente ao teu lado? Eu era extremamente presungoso ¢ impolido. Ele citou 0 didlogo entre Rama ¢ Hanuman na Yoga Vesishtha* ¢ disse: A Deramente wmos um ¢ 0 mesmo mas, cma sees humane, ‘tu ée ainda um servo e eu sou teu amo,YO homem moderno tenta assumit 1 posigéo de amo sem atingir coisa alguma, ‘A.seguir, deu-me uma ligho, dizendo: * Obra pottica de trinta mil verzos sanscriticos,atribuidos ao sibio Valmiki, € que contém tim sem-nimero de histOrias metafiscas, as qualsilustram a flosofiz da iowa, 123, — Um homem foi ver um mestre que estava sentadi lta plata- Wa sentado num alts plata forma ensinando muita gente. 0 homem ocupava uma posigdo de relevo na sociedade ¢, por isto, imitava-se por ser tratado como os demais estudantes, sem obter atengio especial. Subindo sonde estava o mestre, perguntowlhe! ““— Senhor, posso sentar-me convosco na mesma plataformat? “Disse 0 mestre: “— Devias conhever 0 papel do estudante assim como o papel do smestre. home, Stier quis fo as obringbes do estudantet — peguntou 0 “O mestre explicou: “— 0 estudante limpa, eerve, lava pratos, cozinha, prepare-se, purif- case e serve seu mestre. “— Eque fax o mestre, senhor? — perguntou o homem. “— O mestre ensina .. nfo faz nenhum trabalho servi. Por que nio posto tornarme mestre sem fazer tudo isto? — pergunton o homem. — 0 trabalho servil néo tem relagio alguma com 0 meu aprendizado professoral “Disse o mestre: “— Nao, tu te ferris ¢ ferris os outros Precisas compreender desde © prinepio que o caminho espiritual tolera tudo, menos 0 ego.” 0 ego coloca um véu entre o aspirante e 0 processo do aprendizado. Quando se torna egocéntrica, a pessoa se isola, no consegue comunicarse com 0 mestre nem com 2 constiéncia, ¢ nfo segue as instrugbes do mestre. Um ego assim necessita de imensas austeridades ¢ modificagBes, sem as ais todo o conhecimento se exaure. 124 ‘Meu ego inchado Durante a estago chuvosa os suamis nfo viajam, mas ficam no mesmo lugar durante quatro meses. Acodem, entio, as pessoas ¢ aprendem com eles (os textos sagrados. Conquanto ainda estivesse sendo tieinedo para swam, ex também lecionava todos of digs. Os alunos eriam amide problemas para © mestre. A primeira coisa que fazem, por exempla, é colocé-o hem acima eles, de modo que limitam a comunicaco, Meus alunos construiram uma plataforma eleveda, na qual me pediram para sentar-me. Envaideciame extraordinariamente 0 grande nimero de pessoas que estudavam comigo. Tso acontece quando somos nedfitos e ambicionamos nome e fama. E quanto mais crtce a quantidade dos nossos alunos, tanto mais egotistas nos tornamos. Ficarame a impressio de que determinado swami entre os meus slunos nio era muito inteligente, Durante minhas palestras, costumava ficar sentado, quietinho, num canto, Esse swomi, na realidade, era um iniciado fdiantado, muito embora eu ignorasse totalmente o fato. Ele viera porque feu costumeva rogar 20 Senhor: “Senhor, iluminai-me. Ajudaime, Senhor.” En chorava ¢ orava sinceramente, de modo que o Senhor me mandara aquele hhomem. E que fazia eu? Davethe minha tangs para lavar, ¢ Ihe ordenava 0 dia todo que trabalhasse para mim. Ele esteve comigo dois meses antes de decidir ensinar-ree uma ligdo. Certa manhé, estivamos ambos sentados numa rocha & beira do Gan- ges. Enquanto excovava os dentes, ordeneithe: — Vai buscar-me um pouco d'égua. Ele estava farto do meu ego inchado. E disse: = Contin a escovar. [Nesse momento, perdi a consciéncia do que extave acontecendo. Dois dias depois, algumas pestoas me encontraram ali prostrado. Eu ‘tinha 0 rosto horrivelmente inchado. Deixara cair a escova, mas continuava 125 esfregindo 0 dedo na boca, sem parar. Fazia-o inconscientemente. Mew ‘mestre apareceu ¢ ordenot-me: — Levents-te! Abri os olhos mas nio pude erguer o rosto, de to pesado. Tinha as sgengivas inchadas e nfo eonseguia mover o maxila, ‘Men mestre, entio, me contou: ~ Aquele suami é um grande sébio. Foi Deus quem o mandou. Mas rio sabes ser humilde ¢ proceder como se deve com os homens de Deus. Expero que tenhas aprendido a liglo. Nao tornes a cometer esse erro. Erematou: — Levante-te, olha pare o céu ¢ comega a andar. — Se eu ficar olhando para o céu ¢ continuar andando, — protests, — acabarei tropicando e caindo. = Indlina a cabega e serés capar de caminhar sem tropicar, — disse cle, — Para prosseguir na perigosa jornada da vide, tens de aprender a ser Ihumilde. O ego e 0 orgulho s80 dois empecilhos nessa viagem. Se néo fores hhumilde, nfo aprenderis, Teu erescimento seri sustado. ‘Quando comeramos a trithar o caminho da espiritualidade é essencial «que sejamos humildes. 0 ego cria barreiras e perdese a faculdade de diseri- ‘minagio. Se a discriminago nfo for sgucada, a razio nio funcionari como convém ea mente néo terd clareza. Ume mente anuviada no é um bor instrumento no caminho da iluminagio. E preciso haver renincia, E preciso haver ago, Na reconciliagko das duas ‘Reside a coroa da vida, Nao é & a¢do que curmpre renunciar, mas ao seu frato, Certificate de que o ego foi aniquilado no oceano da consciéneia. Certificate de que ele no estéexpreitando, escondido em algum lugar na cémara escura interior do teu coraglo. Seus métodos sfo variados e suas formas, numerosas. A acio azeitads com amor proporciona um lampejo de etemidade ¢ de perpétua alegria. 126 sessed ate Caltivando qualidades interiores Quando eu estava em Sri Nagar, Cexemira, conheci um grande estudio- 20 do Vedente, chefe do departamento de filosofia de renomada universi- dade. E ele me disse: — Se eu puder, folgarei de responder as vossas perguntas. ‘Assim sendo, formulei-the as seguintes: — Os Upanixades* parecem estar cheios de contredigéex. Num lugar dizem que Bram: é tinico e nio tem segundo. Em outro, afirmam que tudo é Brama, Num terceiro, sustentam que este mundo é falso ¢ que so Brama € verdade. E num quarto lugar esta escrito que «6 existe uma realidade absoluta debaixo de todas essas diversidades. Como se ha de compreender todos esses enunciados conflitantes? Ele replicou: — Nio sei responder is perguntas de um swomi Estais aprendendo a ser um swami di ordem do Shankaracharys. Devieis conhecer as respostas melhor do que eu. Procurei muitas outras pessoas eraditas, mas ninguém pode satisfazer- «me, Ofereciamme comentérios sobre diferentes Upanixades, mas ninguém conseguia resolver essas aparentes contradigies. Finalmente, fui ter com um swami perto de Uttarkashi, 2 216 quil6metros no interior do Himalaia. Seu nome era Vixnu Maharaj. Andava sempre nu, pois nao tinha roupas nem quaisquer outras propriedades. Eu disselhe: — Desejo conhecer alguma coisa a repeito dos Upanixades. = Inclina-te primeiro, — ordenou ele. — Estés fazendo perguntas sobre os Upanixades com 0 ego inchado. Como te serd possivel aprender cessas verdades sutis? © Os Upanixades so as partes mais recentes dos Vedas, que hoje constituem os textos sais antigos da bibioteca do homem. wz Eu nio gostava de inclinar-me diante de ninguém e, por isso, fu-me ‘embora dali. A partir de entdo, sempre que eu fazia uma pergunta sobre os Upanixades, a resposta era invariavelmente a mesma: ~ Procura Vixnu Maharaj. Ninguém mais pode responder-te. Mas eu estava com medo porque ele sabie que todo o meu problema se +esumia no meu ego, que ele pds 4 prova incontinenti, ordenando-me: — Inclina-te primeiro que depois responderei é tua pergunta. En nfo queria submeterme. Fiz 0 que pude para encontrar outros swamis capazes de responder as perguntas, mas todos, sem excecio, me mandavam a Vixnu Mahara, ‘Todos os dias eu me aproximava da sua caverna a beira do Ganges. E pensava: “Vejamos como responde as minhas perguntas.” Mas, ao chegar perto, com muito medo da confrontagio iminente, mudava de idéia e recuava. Um dia, ele me viu por Ié e convidou-me: — Vem eé, sentate, Estas com fome? Queres comer comigo? Mostrousse muito agradivel e gr disse, depois: 20. Dew-me de comer ¢ de beber — Agora deves it. Jé nfo tenho tempo para gastar contigo. = Vim fazer-vos algumas perguntas, senhor, Comida e bebida consigo em outro lugar. Desejo um alimento espiritusl, — Nio estis preparado, — revidou ele. — Em tua mente queres exami- nar-me; queres saber se sou ou no capar de responder as tuas perguntas; ni estis querendo aprender. Quando estiveres preparado, vem ter comigo que te responderci. ‘No dia seguinte, muito humilde, en the disse: — Preparei-me durante a noite inteira, senhor, e agora estou pronto! Ele, entéo, me ensinou ¢ todas as minhas questées foram resolvidas. Respondendo sistematicamente as perguntas que lhe fiz, disse que no hi contradigées nos ensinamentos dos Upanixades. Tais ensinamentos so recebidos diretamente pelos grandes sibios num estado de profunda contem- plagéo ¢ meditagio. B explicou: = Quando o aluno comega a praticar, compreende que o mundo aparente & mutével, a0 pasco que a verdade néo muda. Em seguida, fica sabendo que o mundo de formas ¢ de nomes, cheio de mudancas, & falso, € que por tras dele existe uma realidade absoluta e imutavel. No segundo paso, depois de conhecer a verdade, compreende que ha apenas uma verdade € que essa verdade € onipresente, de modo que realmente nfo 128 | existe a falsidade. Nessa fase, conhece # Realidade, ‘nica e idéntica tanto no mundo finito quanto no infinito. Mas existe ainda outro estado mais dlevado em que c aspirante compreende que s6 ha uma realidade absoluta, sem segundo, e que 0 aparentemente falso, na verdade, é uma manifestagio do Uno absoluto. “As contradigées aparentes s6 confundem o aluno que nfo estudou os Upanixades com um mestre competente. O mestre competente infunde a0 aluno a consciéncia das experiéncias que se tém em varios niveis. Estes si0 os niveis de corsciéncia e nfo hd contradigio neles.” E prosseguiu: “Os ensinamentos dos Upanixades nao so compreendidos pelas mentes comuns, rnem mesmo pelas mentes intelectuais. Sé o conhecimento intuitivo conduz ‘a compreensto dees”: De feito, en desejava fortalecer meus conhecimentos, que recehera de meu mestre ¢ costumava formular intencionalmente” essas perguntas ‘outros. Os sibics nunca respondem a perguntas assim, formuladas sem humildade. A propria humildade resolve as questdes. Esse grande homem ‘me ensinow a elevar-me acima da argumentacio ¢ a permitir que & intuigao flua, ininterrupta, a fim de solucionar tais questées sutis, 129 Eu me julgava perfeito Quando jovem, eu supunha haverrme tornado perfeito e, portanto, poder dispensar novos ensinamentos ou novos estudos. Achava que nio havia em toda a [ndia um suami tZ0 adiantado quanto eu, porque parecia intelectualmente mais instruido do que os outros, e eu mesmo lecionava muitos swomis, Quando confiei a meu mestre esta empolada opinio de ‘mim mesmo, ele ftow-me e perguntou: — Betis drogedo? Que queres dizer! — E-claro que nfo, ~ respondi. ~ assim que penso Ele voltou ao assunto alguns dias depois. __~ Ainda é uma erianga. Sabes, quando muito, freqientar um colégio Hii quatto coisas que ainda no dominaste. Domine-as e teras conseguido algo. “Alimenta 0 desejo de ver ¢ conhecer a Deus, mas nfo tenhas desejo algum de adquirir coisas para ti, Renuncia a toda célera, a toda cobiga e a toda afcigio, Pratica a meditagéo com regularidade. Quando tiveres feito essas quatro coisas, serés perteito.” Em seguida, recomendou-me que visitase alguns sdbios. E disse-me: — Estando com ees, sé humilde. Se te toraresobstinado ou agress- Vo, verteds privado dos seus conhecimentos. Eles cerrario os olhos ¢ se absorverio na meditagio. Ele die ixo porque me sabia obstinado ¢ impaciente, rm seus, dene uma lta de aioe de diferentes orden, Enum amigos seus, que me haviam conhecido ainda pequeno porque eu 0 acom- panhara quando ele fore visité-los. Eu hava sido levado da breca,Costumava Htormentalos e arremessar coisas, de modo que sabiam quando eu andava por perto, Todas es vezes que vinham visitar meu mestre, perguntavam: — Ele ainda esti convosco? 130 hae mc Ne NAN Primeiro fui ver um swami oélebre pelo eiléncio. Afastado das preocu- pagSes mundanas, fosse o que fosse que acontecesse & sua volts, nunca levantava os olhos. A caminho da sua morada, conversei com aldedes das proximidades, que me contaram: — Ele néo fala com ninguém nem olha para ninguém; nem sequer come. Este & 0 terceiro més em que esté no mesmo lugar sem se levantar. Nunca vimos um homem assim. Chames-se a esse fendmeno Ajagaruritti, isto é, “tendéncia de jibdia”. ‘Assim como a jibdia permanece em estado de hibernagio durante longo tempo, alguns sibjos no fazem um movimento sequer por muitos dias, mas deixam-se ficar imersos em profunda meditagio. Quando fui vé-lo, encontrei-o deitado num ‘outeiro, debaixo de uma figueira-brava, sorrindo, com os ollis fechados, como win senhor do univer- ‘so, Nunca usava nada sobre 0 corpo, quer no verdo, quer no inverno, quer nna estago chuvosa. Dirseia que sua pele fosse & prova de intempéries, como 2 dos elefantes. Nao possuia coisa alguma, mas vivia plenamente contente, ‘Assim que 0 vi deitado daquele jeito, pensei comigo mesmo: “Ele devia, pelo menos, ter um pouco de decéncia.” Depois pensei também: “Meu mestre recomendou-me que o visitasse, sei que ele néo me faria perder tempo. Vejothe apenas 0 corpo.” Toquei-the os pés*. Ele no era sensivel a estimulos externos; estava em outro lugar qualquer, Por trés ou quatro vezes exelamei: — Oli, senhor; como estais? Mas o swami nao respondia. Continuava imével, sem resposta. Come- cei a massagear-Ihe 0s pés. Fazemolo com freqiiéncia quando nossos mestres, ‘estio cansados. Pensei que ele se agradasse disso, mas a nica coisa que fez foi dar-me um pontapé, Um pontapé to forte que me atirou para tras. Desei rolando © moro que acabara de subir, e que era bem escarpado, ¢ fui dar com os costados num lago que havia nas faldas do morro. Na descida, fui batendo em arvores e rochas, de modo que fiquei com uma porgo de machueaduras dolorosas. Eu era vingativo. E pensei: “Que razio tem de para fazer uma coisa dessas? Procureto, reverente, comecei fazendo massa- fens nos seus pés e ele me deu um pontapé. Nao é um sibio. Ensiné-lo-i. Quebrarthe-ei as duas pernas. Darlhe-ei em dobro o que me dew”. Eu desejava realmente desforrarme. Conclui que meu amo talver me -tivesse ‘mandado a ele para que eu 0 ensinasse € nfo para que ele me ensinasse. re De acordo com © nwo costume, quando Ihes tocamos os pés, os grandes homens pos abengoam. 131 Quando tornei a subir o morro para dar vazio a minha célera, ele, sentado, sorria, E perguntou-me: — Como estis, filho? — Como estou? — retraguei. Depois de me chutar e derrubar morro abaixo, ainda me perguntais como estou? = Teu mestre, — disse ele, — recomendoute que dominasses quatro coisas ¢, em ver disso, até destruiste uma delas. Dei-te um pontapé para Gr & prova o teu dominio da célera. Agora estis tio irado que nfo podes aprender coisa alguma aqui. Estés intranqiilo. Ainda é& muito imaturo. [Nao segues os ensinamentos espirituais do teu mestre, tio desprendido. Que poderias, acaso, aprender comigo? Nao estis preparado para as minhas easinangas. Vaite embora! Ninguém jamais felara assim comigo. Quando pensei no que ele me Alissera, conheci que era verdade; eu estava totalmente possuido pela cblera. ~ Sabes por que tocamos os pés de um sébio? — pergunton. E recitou algo belo, um credo persa: sibio di a methor parte de sua vida, entregandora sos pés de I6tus 40 Senhor. As pessoas, de ordiniro, s6 vos conhecem pelo sto, mas ‘0 10sto do sébio ndo esti aqui; estd com o seu Senor. As pessoas aqui sh encontram pés, de modo que se incinam diante dos pés Erematou: = Devias ter esse humildade 20 tocar os pés de alguém. Agora nlo poidesficar aqui. Tens de i Chorei e pensei: “Ha alguns dias eu me julgava perfeito, mas de certo lo 0 sou.” E prom — Seahor, voltarei a procurar-vos quando tiver realmente dominado meu ego. E parti ‘Todos os pontapés e golpes que a vida nos di ensinam-nos algume coisa. Nao importa de onde venham, si is ite # powa chamsar de mau- Toda ¢ qualquer adversidade da da the proporciona um degrau para o seu erescimento; baste lhe saber utiliz-to."] a - Visitei outro suami ¢ decidi que, fizesse ele o que fesse, eu nfo me zangaria. Ele possuia uma bela fazenda. E disse: 132 = Dartee esta fazenda. Gostarias de tela? — Naturalmente, — repliquei Elesorrin. — Tou amo recomendou-te que nio te apegasses a coisa alguma e ests pronto para apegar-te a uma fazenda, Sentirme pequenino. Minha mente parecia pender para a cblera e para a afeigio e nfo para coisas mais elevadas. Mais tarde fui mandado a um terceiro swzami. Este sabia que eu estava 1 caminho. Havia uma pequena fonte natural no trajeto, onde costumiva- ‘mos ir lavar-nos. Ele deixou ali algumas moedas de ouro. Parando a0 pé da fonte, deseobri trés. Por um segundo alimentei a idéia de pegi-las. Peguei-as ¢ enficias no interior da minha tange. Depots, comecei a pensar: “Eas moedss no me pertencem. Para que preciso delas? Isto nto é bom.” E recoloquei-as onde estavam, Quando entrei a presenga do swam, parecewsme contrariado, Incline cme e ele me perguntou: = Por que pegaste as moedas? Porventura ainda tens a cobiga do ‘ouro! Sai daqui. Este nfo é lugar para ti Protestei; — Mas eu as deixei li. — Deixaste-as mais tarde, — disse ele. — O problema é que te sentiste atraido por elas e primeiro as spanhaste. Pelas experiéncias que eaves sibios me propiciaram, comecei a com- preender a diferenga entre o'conhecimento haurido, em livros e 0 conheci- mento havido pela experiéneia. Principiei a ver muitas de minha feaquezas € © espeticulo nfo me pareceniedificante, Finalmente, voltei para junto de meu mestre, gue me perguntou: = Que aprendeste? — Aprendi que possuo conhecimentos intelectuais, mas néo provedo de acordo com eles. Ede dise: — Bese é 0 problema de todos os intelectuais. Tornam-se excessive mente orgulhosos dos seus conhecimentos. Agora te ensinarei 2 praticar, ‘para que conhegas. : ‘Um ser humano conhece o bastante, mas seus conhecimentes precisam set levados & vida de todos os dias. Se 0 nfo fizer, o8 conhecimentos serio 133 limitados pelas fronteiras do saber apenas. Todos sabemos o que fazer ¢ 0 que no fazer, mas é muito dificil aprender a ser. O verdadeiro conheci | | mento nao se encontra no saber, seno no ser. | ‘Um sadu nas montanhas do Himalaia 135 ‘A pritica torna perfeito Certa vez, quando en estava dando uma aula sobre a vida ¢ a morte, ‘um swami entrou calmamente ¢ sentouse com os meus alunos. Julgando tratarse de um principiante, dispenseithe © acolhimento que dispensava 208 outros. Mas fiquei aborrecido vendo-o apenas sori, sorzi sempre, 20 ppasso que 0s outros, muito conscienciosamente, tomavam notas. Por fim, perguntei: — Estés prestando atengio ao que digo? — Estis apenas falando, — disse ele, — mas eu posso fazer uma de- ‘monstragéo do dominio sobre a vida e a morte. Trazeme uma formiga. ‘Trouxeramthe um formiglo. Ele cortou-o em trés pedagos e separou- os. A seguir, fechou os olhos e quedou sentado, imével. Passado um mo- mento, as trés partes se moveram uma na diregGo da outra. Juntaramse ¢ 4 formiga rediviva saiu correndo dali. Eu sabia que nfo era hipnose, nem ‘coisa alguma parecida. Sentime muito pequeno diante daquele swami. E fiquei enleado perante meus alunos porque conhecia os textos dos livros sagrados, mas imeira mio, nem o dominio da vida e — Onde aprendeste isto? — pergunteithe. — Teu mestre ensinou-me, — respondeu-me ele. Ouvindo-o, encolerizei-me contra men mestre ¢ saf imediatamente 4isua procura. Ao vere, ele me perguntou: — Que acontecen? Por que estés permitindo, mais ums vez, que @ célera te domine? Continuas escravo das tuas violentas emogbes. Eu dise-he: -— Ensinais aos outros coisas que nfo me ensinais, Por que? — Ele olhou para mim e respondeu: 136 4 i — Ensineite muitas coisas, mas nfo as praticas. Nao é minha culpa! Todas essas prozzas dependem de pritica, ¢ nio «6 do seu conhecimento verbal. Se soubsres tudo sobre piano mas no praticares, jamais criarés misica O conhecimento é inatil sem a pritica. E mera informaggo. A pritica proporciona a experiéncia direta, 2 dnica que constitui conheci- mento valido, 137 (0 sibio do Vale das Flores Nio havia uma literatura muito extensa sobre as flores ¢ a ecologia do Himalaia, mas fir 0 possivel para examinar tudo o que estivesse & minha disposicéo. Um autor briténico escreveu um livro sobre os Vales das Flores do Himalaia, Depois de ler o livro, uma chama de desejo ardente surgiu em meu coragio, No Himalaia hi um sem-nimero de variedades de lirios, rododendros ¢ outras flores, mas eu ansiava especificamente por ver um dos dois vales. Ali vivia.um sibio que viajava constantemente na regio do Himalaia ‘onde existe o Vale das Flores. Eu o conhecia bem. Muito forte e sadio, com seus oitenta anos de idade, era_um homem fora do comum. Costumava carregar um cobertor singular o tempo todo. Pesadissimo. O cobertor pesava entre 36 ¢ 45 quilos. Talvex pergunteis vos mesmos como é que cle conseguia tornar tio pesado 0 cobertor. Acontece que ele costurava no cobertor todo ¢ qualquer pedago de pano que encontrasse no correr de suas longas viagens, 0 que 0 transformava no cobertor de mil retalhos. 0 swomi chamavathe gudari, que significa “‘cobertor de retalhos” as ‘pessoas o designavam pelo nome de Gudari Babe, A minha solicitagdo ele responden: ~ Se te interessar realmente ver o Vale das Flores ¢ se quiseres seguir-me, terds de carregar 0 cobertor. Concorde! mas, quando pus 0 cobertor nos ombros, cambaleei sob 0 eu peso, = Como ¢ possvel, ~ pergunto ele — que um raps como see ‘20 fraco sendo aparentemente tio sadio? ~ Apanhou o cobertor e ajuntou: ~ Eats vendo como é leve? Em seguida, tornou a colocélo sobre meus ombros. Ele conhecia meu rmestee ¢ por isso permitiu que eu 0 acompanhasse ao Vale das Flores. Enquanto en o seguia, disse 0 sébio: 138 é i serene tp — Ninguém pode conservar a meméria quando atravessa o Vale das Flores durante a temporada da florescéncia. Deveriamos trazer para cé todos 0s garotos obstinados como tu e endireité-los. Os que tentam ser intelectuais e discutem concsco também deviam ser trazidos para cé a fim de compreen- der 0 quanto valem, — Mas en vos estou seguindo, ~ exclamei. — Oh sim, ~ tornou ele. — Discutes 0 tempo todo e no ouves com a devida atengéo. Tens muito orgulho dos teus conhecimentos intelectuas. Eu nfo sei ler nem escrever. Es mais culto do que eu. Tens educagdo, mas eu tenho 0 dominio da mente. — Eu também tenho 0 dominio, ~ disse eu. — Veremes, ~ replicou ele. ~ Primeiry que tudo, senhor, — pedi, ~ fazeinte 0 favor de tirar 0 vosso cabertor de cima de mim porque ele é muito dificil de carregar. Ele entrou a lamentarse: — Oh, filhos deste idade moderna! ~ Tirou o cobertor dos meus ombros e entrou a conversar com ele: ~ Bem-amado cobertor, ninguém te compreende. Ninguém sabe que és um cobertor vivo. Othei pare cle-¢ pensei comigo mesmo: “Esse homem esti maluco!” [Na manhé seguinte, juntou-se a nés um monge japonés, que também ansiava por ver o Vale das Flores. Como eu, © monge japonés supunha que Gudari Baba estivesse louco. E perguntou-me: — Rama, podes explicar-me por que este homem earrega um fardo to pesado? rineipiamos a falar e supus que talver nos conviesse partlhar essas experiéncias. (© monge japonés tinh medo de ir sozinho ao Vale das Flores, porque alguém Ihe dissera que, a0 visitaro vale, o viajante se esquece de tudo e seus sentidos nao se coordenam na percepgao dos objetos sensorisis. Além disso, perde’a meméria¢ sorri o tempo todo. Segundo ele, esse baba era a pessoa ‘erta para guiarnos, porque viajava na regio e conhecia todas as trilhas. No dia seguinte, © monge japonés posse a tremer de febre. Vivera nas florestas da Birminia e apanhara maleita. Tinka uma temperatur: de 39,5 a 40 graus centigrados ¢ o ritmo do seu pulso estava muito alto. Disse-the baba: = Disseste a este menino que eu estava louco. Queres ve o poder vital do meu eobertor? Sabes que ele ndo é um mero cobertor, mas uma force vive? Queres ficar bom? Entio, ajoelha-te e sé humilde, 139 ‘A caminho do Vale das Flores babs cobriu o monge japonés com 0 cobertor. ~ Serei achatado! ~ exclamou o monge. — Ele é pesado demais ¢ eu sou um homem pequeno. — Cala 2 boca! ~ ordenowlhe o babs. Minutos depois, tirou 0 cobertor de cima do monge. Quando 0 baba afastou o cobertor, o monge estava tirtando. E o baba perguntowlhe: = Que scontecen & tua febre? — Jando tenbo febre, senhor, ~ disse ee. — Este cobertor é muito generoso ¢ bondoso, — disse 0 baba, ~ e evoute a febre. ~ Em seguida, olhou para mim ¢ perguntou-me: ~ Queres que a febre dele seja curada para sempre? = Sim, por favor, — disse eu. — Mas ele me chama de louco, — tomou o baba. ~ Néo ereio que ‘merega minha ajuda, Os sébios so bondosos ¢ grandes e sempre perdoam os outros, — respondi, Sorriuse 0 baba e disse: ~ Eddaro queo ajudarei. ijamos juntos quinze dias e o monge japonés ndo voltou a ter febre. A catorze quilémetros de Badrinath, um desvio condus ao Vale das Flores, onde existe um pequeno guru duara (templo de siques). Ali toma ‘mos nossa refeigdo, povo desse templo conhecia muito bem Gudari Baba, Descansamos 0 dia inteiro no templo e encetamos nossa jornada para ‘Vale das Flores, no ramo de Hemkund, no dia seguinte. [As flores estavam em plena florescéncia até onde a vista alcangava. Nas primeirss horas, aquilo foi suavizante para os sentidos ¢ estimulante para a mente. A pouco e pouco, porém, comecei a notar que a meméria me fugia. Cinco ou seis horas depois, o baba perguntou: — Ei, repazes! Podeis dizer-me vossos nomes? Estivamos ambos tio desorientados que nfo conseguiamos recorda- Jos, Haviamo-los esquecido de todo. Eu s6 tinha consciéncia da minha ‘existincia e uma vaga idéia de estar em companhia de duas outras pessoas. Sé isso. A fragrincia das flores era tdo forte que no podiamos pensar acionalmente, Nossa capacidade de raciocinar negavase a funcionar, ‘Nosioe sentidos haviam sido anestesiados, Tinhamos uma idéia muito leve cexisténcia e da existéncia das coisas que nos cercavam. A conversa {que mantinhamos uns com 0s outros no fazia o menor sentido. Vivemos nese vale durante uma semana. Foi altamente agradavel. O baba meteu-nos riso 0 tempo todo e disse: de nos ui — Vossa edvcagio e vossa forga no tém valor. Depois que saimos do Vale das Flores, disse o baba: ~ Vossa alegria foi causada pela fragrincia das flores. Nio estiveis meditando. Eo que a maconha e 0 haxixe fazem as pessoas, que entdo supdem estar meditando. Olhai para mim, Ngo fui afetado nem indluenciado pela fragrincia das flores selvagens. Ha, ha, ha! Freqientastes um colégio e lestes muitos livros. Mas, até agora, 86 vivestes baseados em pareceres alheios. Hoje tendes ums boa oportunidade de compreender e comparar 0 conhecimento direto e 0 pretenso conhesimento, que, na realidade, & «6 imitagdo. Até agora vossos conceitos si0, na verdade, conceitos de terceiros. Os que viver com base nas opinides dos outros ndo tém sequer a capacidade de decidir ¢ expressar as suas. Meninos, nfo consideramos verdadeiro esse conhecimento informativo. Ainda que compreendais que #6 0 conhecimento direto é valido, nao tendes 0 dominio da mente. A educagao dada is crian- ‘ga8 modernas é muito superficial, Sem uma disciplina, o dominio da mente io & possivel e, sem o dominio da mente, é impossivel « experiéncia direta. 0 monge japonés foi para Bodhi Gaya ¢ eu vivi com baba por mais quinze dias. Nomade livre dessa regio, todos os peregrinos jé ouvirasn falar nele, Para o aprendizado pritico, é importante que o renunciante viva com sibios que possuam o conhecimento direto dos valores da vida com suas, correntes ¢ contracorrentes. 142 v VENCENDO 0 MEDO 0 medo é © maior de todos os inimigos. & um demé- nio que mora dentro de nds O destemor é 0 primeiro degrau ds escada de liberdade. 43 ica ssi eR, O diabo Certa noite em que men condiscipulo ¢ eu tinhamos caminhado quarenta ¢ oito quilmetros nas montanhas, paramos para descansar @ uns trés quilometros adiahte de Kedarnath. Como estivesse cansadissimo, logo adormeci, mas meu sono foi agitado por causa de minha extrema fadiga, Fazia frio, e como ndo tivesse cobertor para enrolar no corpo, coloquei as ros em torno do pescogo a fim de manter-me aquecido. Raramente sonko. Eu 25 sonhara umas trés ou quatro vezes em minha vida, ¢ todos os meus sonhos se haviam realizado. Nessa noite sonhei que o disho me apertava a {garganta com mos vigorosas. Tive a impressio de sufocar, ‘ Quando meu condiseipulo percebeu a mudanga de ritmo da minha respiragdo € compreendeu que eu estava experimentando um desconforto rmiito grande, aproximouse de mim e acordow-me. ~ Alguém estava apertando minha garganta! — disse eu. E dle me contou que minhas proprias mios’me constringiam 0 pescogo. O que chamamos de diabo far parte de nés. O mito do diabo e do mal ‘nos é imposto pela nossa ignorancia. A mente humana é um grande prodigio eum grande magico, Tanto pode assumir a forma de um deménio quanto a de um ser divino, a qualquer momento que o desejar. Pode ser um grande inimigo ou um grande amigo nosso, criando o inferno ou o céu para nos. ‘Hi imimeras tendéncias ocultas na mente inconsciente, que, precisam ser desveladas, enfrentadas e transcendidas antes que tencionemos palmilhar 0 caminho da iluminagéo. << Sonhar é um estado natural da mente, intermediério entre o velar € 0 dormir. Quando impedimos os sentidos de receber as percepgGes sensoriais, at'amente principia a recordar as lembrangas do inconsciente. Todos os desejos ocultos também se encontram no inconsciente, esperando verse ealizados. Quando os sentidos ndo estio pereebendo os objetos do mundo ‘€ 4 mente consciente esti em repouso, comegam a apresentarse as lembran- ‘$28 recordadas e dé-selhes o nome de sonhos. Através dos sonhos podemos 4s Confundido com um fantasma Quando parei nas florestas de Nanital, nos contrafortes do Himalaia, descia, is vezes, a uma cidadezinha situada'a 1.800 metros de altitude. As pessoas ali costumavam sair no meu encalco pedindo béngdos e conselhos, como costumam fazer com a maioria dos iogues e swamis, A fim de ter tempo para minhas priticas, achei necessério proteger-me dos visitantes. Encontrei por ali um cemitério tranguilo ¢ conservado com muito asseio, em que eram sepultados os britanicos. Vestindo uma longa tinica branca, feita de um cobertor, para proteger:me do frio, cu demandava o cemitério no intuito de meditar & noite. Certa noite, dois policiis que patrulhavam # area atravessaram 0 cemitério, projetando suas lanternas de um lado para outro, a fim de ver se havia vandalos por li. Ora, eu estava sentado, em profunda meditagdo, sobre o vasto monumento de um oficial militar briténico. Todo o meu corpo, incluindo a cabera, ficara debsixo do cobertor. Os policiais dirigiram suas luzes na minha diregio desde certa distineiae assustaramse 20 ver uma figura com toda a aparéneia de humana envolta num cobertor. Regressaram 20 posto policial e contaram aos outros policisis ¢ funciondrios que tinhar visto um fantasma no cemitério. © rumor logo se espalhou por toda a cidade ‘¢ muita gente ficou amedrontads. O superintendente de policia foi a0 camposanto na noite seguinte, em companhia de varios policais armedos e, mais uma vez, iuminou 0 meu vulto, Naquele estado de meditasi0, ndo ime adverti da presenca deles, de modo que nfo me mexi. Todos imaginaram que eu fosee um fantasma. Sacaram dos revolveres para atirar em mim, pois queriam verificar se as balas afetariam um fantasma. Mas o superintendente interveio: — Esperai, interpelemos o fantasma primeiro. Talver nfo seja um fantasma ¢ sim alguma pessos. + Acerearam-se e rodearam 0 monumento em que eu estava sentado, ‘mas ainda assim néo puderam imaginar 0 que havia debaixo do cobertor. 48 oF ‘css aad ts cunadaio Rie ised Deram, entdo, um tio para 0 ar. De um modo ou de outro, advertimme da presenga deles e sai da minha meditagio. Descobri-me e perguntei — Por que me perturbais aqui? Que quereis de mim? 0 superintendent de policia, que era inglés, conhecia-me muito bem, Pediu desculpas por incomodar-me e ordenou aos policiais que patrulhavam a area que me dessem cha quente todas as noites. Assim se desvelou o mito do fantasma, que assustara tanta gente. aw. Peuee, superintendente de policia, passou a visitarme regular- mente. Queria aprender meditacio comigo. Um dia, interrogou-me a respei- to da natureza do medo no homem. Eu disse que, entre todos os medos, o de morrer parece estar profundamente arraigedo no coragio humano. O sentido da autopreservacio nos condus. a muitas alucinagdes. Um ser huma- no vive acossado por medos. Perde o equilibrio ¢ corhega a imaginar ¢ a projetar suas idéiss da maneira que Ihe apraz. Aprofunda esse processo Tepetindo-o muitas € muitas yezes. 0 medo & o maior inimigo do homem. O sx. Peuce tinha muito medo de fantasmas e queria saber se eu ja vira algum. Respondith = Ji vio reidos fantasmas, que é 0 homem. homem é um fantasma enquanto se identifica com os objetos da sua mente. No dia-em que se der conta da sua natureza essencial, do seu verdadeiro eu, estard livre de todos os medos. Dalia pouco muita gente prncipiou » vs vere: Meu aio os Peuce, por uma razio qualquer, decidiu pedir demissao e ir para a Anstralia. Deixei a cidade ¢ dirigime is montanhas Almora. Cheguei & conelusio de que & initil viver sob as pressbes do medo, pois nio ha alegria no medo sentido a cada passo da vida. Se nfo o enfrentarmos, estaremos apenas robustecendo-o. No caminho da espiritualidade, o medo ¢ a preguica sfo 6s principais inimigos. 49 ‘Meu medo de cobras Deixaicme falar sobre o meu medo. Quando moco, eu era normalmen- te destemido, Atravessava o rio Ganges na maior das cheias © entrava na floresta sem o menor medo dos tigres, mas munca venci o pavor que as cobras me inspicavam, Tenho tido inameros encontros com elas, e sempre oculte’ meu medo de todos, até de meu mestre. Certa vez, em setembro de 1939, meu mestre ¢ eu descemos para Rishikesh. Estivamos a caminko de Virbhadra ¢ acampamos mum lugar conde hoje se exgue meu ashram. De manhd bem cedinho nos banhamos no Ganges ¢ sentamos numa de suas margens para meditar. A esse tempo eu ja me habituara a ficar sentado por duas ou trés horas sem interrupcio. Eram aproximadamente sete horas ¢ meia quando abri os olhos ¢ vi que cestava defronte de uma naja, que tinha # parte inferior do corpo enrolada no chio ¢ a superior erguida. Muito quieta, a pouco mais de meio metro de distincia, olhava para mim. Fiquei aterrado e, imediatamente, tornci 1 fechar os olbos. Eu no sebia 0 que fazer. Passados alguns segundos, quando voltei a abrilos e descobri que ela nio se movera, dei um salto rapido € sai correndo. Depois de correr alguns metros, olhei para tras ¢ vique a ngja comecava a arrastarse na diregao do mato. Voltei para junto de meu amo e expliquei o que acontecera. Ele sorriu ¢ disseme que era natural pera qualquer criatura viva ficar num estado de meditaglo perto de alguém imerso em meditagfo profunda. De outra feita, depois de passar por muitas espécies de treinamento, tive uma segunda experiéncia assustadora com serpentes. Bu havia sido solicitado a ir para o sul da India, regido considerada o lar da cultura indiana ¢, mama noite fria e chuvoss, dirgi-me a um templo a fim de pedir abrigo. AA prinefpio, me perguntaram: = Se és um sami, por que precisas de abrigo? «Ao depois, todavia, uma senhora veio do templo e disse-me: — Vem comigo. Eu te darei abrigo. 150 ‘A mulher levou-me a0 interior de uma chogazinha de sapé de 9,5 m? e disse-me para ficar ali. Em seguida, saiu, Bu #6 tinha uma pele de vedo para sentarme, um xale ¢ uma tanga. Nao havia luz na choga mas, gragas & Claridade que passava pela entrada, eu conseguia enxergar um pouco. Apos flguns minutos, vi uma naja rastejando a minha frente e, logo, outra a meu lado, Pouco depois me dei conta da presenca de virias najas no interior da choca. Compreendi que me achava num templo de cobras! Era uma situagao muito perigosa e eu estava com medo. A mulher queria verificar se eu era ‘ou néo um auténtico swami e, na verdade, eu estava justamente eprendendo 4 ser um swami, Fiquei apavorado, mas peneei: “Se fugir& noite, para onde izei? Ese sair daqui, essa mulher nunca mais dara esmolas a swamis no futuro,” Diante disso, decidime: “Ficarei. Se eu morrer, pelo menos nio se poderd dizer que falharam os principios da reniincia.” Em seguida, refleti: “A mulher néo parece ser iluminada e, no entanto, entra nesta choga. Assim sendo, por que nfo posso ficar aqui sem softer Gano algum?” Lembrando-me das palavras do meu mestre, eu disse entre mim: “Se eu permanecer imével, que me fardo as najas? Nzo tenho nada que elas queiram.” Fiquei li a noite inteira vigiando, ¢ a tnica coisa que perdi foi a meditaglo. Eu so conseguia meditar sobre najas. ‘A despeito das duas experiéncias, contudo, meu medo de cobras per durou. Como um jover swomi, muita gente, incluindo altos funcionéios do {governo, vinham procurar-me, inclinavam-se diante de mim ¢ eu os abengoa- ya. Dentro de mim, porém, havia um medo obsessivo de serpentes. Eu tensinava as Sutras de Brama, a filosofia do destemor, aos meus alunos, mas o medo estava li, no meu intimo. Fiz quanto pude para afasté-lo intelectuali- zando-o, mas, quanto mais eu tenteva, mais forte ficava ele. Ficou tio forte que comecou a criar problemas. A qualquer ruido sibito, a idéia de cobras me entrava na mente. Quando eu me sentava para meditar, abria freqtiente- mente os olhos ¢ relanceava-os & minha volta. Aonde quer que eu fosse, procurava cobras. Por fim, eu disse a mim mesmo: “Tens de eliminar este edo, ainda que morras tentando fazélo. Isso nfo ébom para o teu cresci- mento. Como podes dirigir pessoas que te amam, respeitam e dependem de 1H? Tens medo e, apesar disso, diriges os outros — és um hipécrts.” Pui ter com meu mestre. — Senhor? ~ Sei o que desejas, ~ disse-me ele. — Tens medo de cobras. — Se o sabieis, por que néo me dissestes o que devo fazer para liber- tarme? — perguntel — E por que haveria eu de dizer-te? ~ tomou ele. ~ Bras tu que devias perguntar-me. Por que tentaste escondé-lo de mim? 4s1 Eu munca tivera segredos para ele mas, de um modo ou de outro, nunca Ihe falara sobre o meu medo. 1 Em seguida, levou-me para a floresta e disse: — Observaremos o siléncio a partir de hoje. As trés e meia da madru- we levatantedse colbert folhseforesevestres para um ealto especial Na mani gine nconie um mont de flan, No moments em que peguei o montéo no eseuro, percebi que havia uma naja dentro dele, Ela estava na minha mao ¢ no havia escapar. Eu nio sabia o que fazer. Meu medo era tamanho que quase desmaiei. Minhas mos nfo paravam quietas. Meu mestre estava Ide disce-me: — Traze-a para mim. Eu tremia da cabega aos pés.E ele afirmoume: — Elanio te picaré. Nio obstante, 0 medo inconsciente jorrou. Disse minha mente: 4 morte que estés egurando na mo.” Eu acreditava em meu mestre, mas 0 ‘medo era mais forte que a crenga : ~ Por que no amas a cobra? — perguntou ele. — Amar? — exclamei. — Como se pode amar yuan std sob 0 influxo do medo? pe a Ena situagio ¢ familiar no mundo:-se tiveres medo de uma pessoa, nfo poderis mila ‘Tris inconscientemente medo dela o tempo todo. A causa do medo agiganta-se no inconsciente. Diste meu mestre: ~ V6, é uma criatura tio bela! Anda por toda a parte, mas est limpa ¢ asseada. Tu nfo permaneces limpo; precisas tomar banho todos os dias. A cobraé a criatura mais limpa do mundo. — Elimpa, mas perigosa, — revidei ~ 0 homem & menos asseado © mais venenoso do que a cobra B capaz de matar e ferir outros, Todos os dias projeta veneno em forma de clera ¢ outras emogSes negativas sobre aqucles com os quais convive. A cobra nfo far igo. $5 pica em defesn propria. — E prossegui, volvido um instante: — Quando estas profundamente adormecido, teu dedo pinicateus olhos? Tens dentes mordem tua lingua? Hé uma compreensio de que todos * O nome do culto é parthiv puja (calto de Xiva). 152 ) ; nea ae a AE SRT ‘0s teus membros pertencem a um corpo. No dia em que tivermos uma compreensio semelhante de que todas as criaturas so uma 68, nfo teremos medo de nenhurs. Continue’ a segurar « cobra enquanto ele falava ¢, 208 poucos, o meu edo foise aquietando. Entrei a pensar: “Se eu nfo matar cobras, por que tuma cobra haverd de matar-me? As cobras nfo picam ninguém sem rando. Por que haveriam de ferir-me? Néo sou ninguém em especi ‘A pouco € pouco, minha mente comegou a funcionar de mancira normal, Depois dessa experiéncia nunca mais tive medo de cobras, Os animais sZ0 inctintivamente muito sensiveis ¢ tH receptivos 20 dio quanto 20 amor. Quando nio temos a intenglo de ferilos, tornam-se passivos e amistosos. Até animais selvagens gostariam de ascociarse com Feres humanos. Nos vales do Himalaia observei essa tendéncia por virios fanos. Os animais se aproximam das aldeias a noite e fegressam a floresta de manhf cedinho. Parecem querer estar perto dos homens, mas temem s natureza violenta dos humanos, Com todo o seu egoismo, seus apegos ¢ feu Odio, o ser humano perde contato com sua natureza essencial e assusta fs animais que, entio, atacam num movimento de autodefess. Se aprender 42 comportar-se delicadamente com animais, a pessoa néo seri atacada Lembrome amiade do modo com que Valmiqui, Si0 Francisco e Buda amavam of animais, ¢ procuro seguirlhes o exemplo. 0 medo dé origem a inseguranca, que gera o desequilibrio na mente € influi no comportamento da pessoa. Ume fobia controls a vida humana e, finalmente, leva a pessoa a um asilo de doidos. F verdade que o medo eria 0 perigo, ¢ os seres hhumanos precisam protegerse do perigo que eles mesmos Griaram. Mais cedo ou mais tarde, todos os nossos sonhos se materializam. Na realidade, portanto, € 0 medo que atrai o perigo, embora costumemos pensar que perigo acarreta 0 medo, © medo ¢ a maior doenga que desiva fa nosta imaginagio. Tenho visto que todos os medos e toda confusfo necessitam apenas encontrar alguma experiéncia pritica para poderem ser facilmente euperados Os dex. primeiros compromiseos das Sutras da loge sio requisitos preliminares para aleangar 0 samédi e o primeiro é ahimso. Ahimse quer Sizer nfo matar, nio fazer mal, nfo ferir. Torando-se egoistas ¢ egotistas, (os seres humanos tornam-se insensiveis ¢ perdem o poder instintual. O instinto € um grande poder e, adequadamente usado, ajuda-nos a seguir 0 nobre caminho de chimsa, Em todos os meus anos de perogrinasio pelas montanhas ¢ florestas da fndia, eu nunca soube que um sadu, um suami ou um iogue tivessem ‘ido, algun dia, atacados por um animal selvager. Essa gente ndo se protege dos animais ou das ealamidades naturais, como avalanchas.E a forga interior 153 que nos toni destemidos e sf0 os destemidos que transpdem a consciéncia individual e passam a ser um com a consciéncia universal. Quem pode matar quem? Pois Atman* é eterno, conquanto o corpo, mais cedo ou mais tarde, regresse ao po. Essa vigorosa fé deleita os sibios de diferentes ordens no regago do Himalaia “= OBuinterior, 1st [Na caverna de um tigre Bm certa ocasifo eu visjava sozinho em Tarai Bhavar, demandando a: montanhes do Nepal. A caminho de Catmandu, capital do Nepal, eu cami hava de trinta e dois a quarente ¢ oito quilémetros por dia. Posto o sol fazia uma fogueira, meditava e, a seguir, deseansava. Punha-me a caminhar de novo is quatro da madrugeda sepuinte e andava até as dez, Em seguida sentavame 2 beira da gua, debaixo de uma drvore, ¢ assim passava a parte imédia do dia, voltando a visjar das trés ¢ meia da tarde até ds sete da noite Caminhava descalgo, carregando am cobertor, uma pele de tigre € um pote de agua. ‘Numa tarde, por volta das seis horas, senti-me cansado e decidi cocht lar um pouco numa caverna que ficava a uns trés.quilometros da estrads mais provima. Estendi meu cobertor no,chio da cavemazinha porque me parecen uum pouco iimido. Assim que me deitei e fechei os olhos, arremete rim a mim trés fillhotinhos de tigre, que soltavam gritinhos ¢ me arranhavart {corpo com as:patas. Eatavam com fome e acreditavam que eu fome a mie Geles. Teriam, quando muito, de doze a quinze dias de idade. Por alguns minutos ali fiquei, # acarinhi-Jos. Quando me sentei, dei com 2 mae deles, de pé, na entrada da caverns, Primeiro receei que-ela se precipitasse ¢ we Gtacasse mas, logo, tum sentimento forte veio de dentro de mim. Pense: ‘Nao tenho a menor intengdo de fazer mal a esses filhotes. St ela sxir de entrada da caverna, eu partiré.” Apanhei meu cobertor e o pate de gut ‘A me dos tigrinhos afastouse da entrada as arreeuas ¢ eu sai. A uns quinie metros da entrada, olhei para tras e via tigresa entrar calmamexte na caver na para juntarse aos filhotes. ‘Tais experiéncias nos ajudam a controlar o medo e a ter umn viskubre da unidade qué existe entre os animais ¢ nds. Os animais iarejam com facilidade a violéncia e 0 medo. Tomamse, entfo, ferozmente defensives. Mas quando ficam amigos dos homens, sio muito protetores © de grande ajuda, Um ser humano pode desertar outro num momento de perigo, mas fe animais raro o fazem, O sentido da autopreservagio, natiralmente, ¢ 155 A caminho do Nepal edo Butio. amas muito forte em todas as eriaturas, mas os animais s{o amantes mais dedica- dos do que os seres humanos. A amizade deles merece confianga, £ incon- dicionsl, ao asso que as relagSes entre pessoas aio cheias de condigdes Construimos muros em torno de nés mesmos € perdemos contato com 0 ros acr interior ¢ depois com os outros. Recuperada a insintiva sensibili- dade 20 nosso relacionamento com os outros, podemos realizarnos eem auto esforgo. 157 vi (0 CAMINHO DA RENUNCIA 0 caminho da renincia é o caminho do fio da nava- tha. Destinase a poucos felizardos e néo a todos. A desafei- fo eo conhecimento do Eu sio dois importantes requisitos prévios desse eaminho, 159 i Todo o meu ser é um otho Visited regularmente um swomi perto de Sri Nagar num periodo de dois anoa. Eu 0 servia, mas ele nunca falava comigo ¢ taro abria os olhos Chamavae Hari Om. Durante dois anos inteiros néo olhou uma inca vex para mim! Um dia eu disse a meu mesire: — Eston farto daquele swami O mesmo é visitar ¢ servir uma tora de madeira ou rocha. — Nio digas uma coisa deseas, ~ revidou meu mestre. — Talves nfo dis tento disso, mas ele realmente te vé. — E como pode verme? Seus olhos estio fechados. — repliquei. Naquele dia, quando fui vélo, Hari Om sorriu e, logo, deu uma risadi- nha. Em seguida, diss = Com que, ento, sou uma tora de madeira ou uma rocha? Néo sabes que minha alegria é to grande que nfo tenho motivos para abrir 08 colhos? Por que haveria en de abri-los se ja estou com Aquele que é a fonte dx beleza e da gloria? O gozo parcial que 2 maioria das pessoas procura {i no me satisfaz. Por isso mantenho os olhos fechados. Terés de abrir 0 colho da tua mente para ver a beleza perene, pois a capacidade dos sentidos é limitada, Eles 66 percebem a beleza limitada de objetos limitados. Senti-me inspirado por essas belas palavras. Depois disso, quando eu ia védlo, ele descerrava muito ligeiramente as pilpebras. E quando os olhos se abriam um pouquinho, dirse-ia que o vinho transhordara da taca. Era até possivel experimentar a alegria que fluia do interior. Ele murmurou o verso sinserito: “Durante o que é noite para o8 outros, 0 iluminado se mantém vigil”. E explicou: — As melhores horas sG0 as da noite, mas pouguissimos’ #4 utilizarthes 0 valor ¢ 0 siléncio, Tris categorias de pessods permianecem 161

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