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‘Texto gentilmente fornecido e recomendado pela Prof* Ana Rosa de IELP Digtalizado por Hugo 7 e dedicato a todos os bixos de Letras 2007 Obs: Infelizmente a xerox-matriz jé estava des: letras. fich.com. br fomecidas. OBRIGADO, A. A. PONTE PRETA Um belo dia, os atores Ginaldo de Souza e Vera Viana, voltando de uma excursio ao Norte do pats, resolveram fazer uma apresentacgo em Campinas. Acontece que um dono da cultura local estava mon- tado num cargo piblico (desses para o qual o cidado € nomeado e néo eleito) e, ao saber que a peca que os. artistas queriam apresentar era QUANDO AS MA- © dono da cultura local se arvorou em defensor imp! cével das familias campineiras ¢ nfo permitiu que a ea fosse apresentada no teatro que era do munict. pio, mas que o papanatas pensava que era dele. (Des- Gragadamente, eu esqueci o nome do pilantroso.) Af se deu a confa. Ator brasileiro vive sempre catando lata e, diante do esquinapo, o Ginaldo e a Verinha fi- caram a perigo perpétuo. E jé fam se conformando em ficarem no prejufzo, qundo a geneiu-. gente da gloriosa Ponte Preta tomou conhecimento do assunto. Nem vacilaram. Abriram as portas de sua sede social para QUANDO AS MAQUINAS PARAM e garanti- ram 0 taco, em nome da liberdade de expresso, E foi um tremendo sucesso. A familia campineira pode assistir tranquilamente @ QUANDO AS MAQUINAS letras. ffich.com.br : areas. PARAM, © que significou 0 mesmo. que avisar ao ‘no da cultura que 0 povo brasileiro no gosta de pre- sepada dessa ordem. Naturalmente, o papanatas se fingiu de morto € no pediu demissio do cargo de dono da cultura, es Esse autor ficou pra sempre agradecido a glo- luz que me riosa Ponte Preta e a sua gentee, por essa lumina, muito mais feliz por ver AS MAQUINAS apresentada na casa do clube do povio, em vez de ser @presentada no templo do fajuto dono da cultura. De todo meu coracéo, obrigado, Ponte Preta PLINIO MARCOS 50 QUANDO AS MAQUINAS PARAM PRIMEIRO QuADRO {AO ABRIR O PANO, NINA ESTA COZINHANDO, FORA DE CENA OUVESE BARULHO DE MOLE- CADA JOGANDO BOLA. DE REPENTE, TODOS GRITAM: “Goooocoolllil Bos, 241 26 & 9 cobra!) ZE (FORA DE CENA) — Comigo ¢ assim. Bola no barbante. Um a zero pra nés. e vai ter mais (VoL JAM A JOGAR COMO ANTES. NINA VAI ATE. A JANELA,) NINA — Muito bonito, Zé) Eu te esperande com a Janta € vocé jogando bola com a molecadal Ven, comer, homem! ZE (FORA DE CENA) — Pra mim michou, Meu técnico tirou meu time de campo. (A MOLECADA FORA DE CENA GRITA; “Fugiu de medo, cagou no dedo!”) NINA (NA JANELA) — Por que nfo vlo falar pala- vrdo na porta de suas casas? ({AMOLECADA VAIA.) 2E (ENTRANDO) — Qual & bronca, Feole dos NINA — Essa molecada af, Ficam falando Palavréo aqui em frente. Por que ndo vo jogar noutro lugar? 51 ZE — Bola murchal Té queimada porque tomou vaia. Que vocé queria? Tirou Pelé de campo, leva vaia mes- NINA — No tem vergonha? Homefn casado brincan- do com moleque de rua. ZE — Vai me esculachar agora? NINA — Nao esté certo, ta? ZE — Popo furado esse seu. NINA — Devia tomar ZE — Deixa de onda. Que é que tem? Bater bola nun- ca fez mal a ninguém, Até ajuda a esquecer. NINA — Esquecer? Sei. Que adianta esquecer? ZE — Pelo menos nfo me arde 0 coco. NINA— Arde o meu. ZE — Quem manda ficar bronqueada a-toa? NINA — A-toa? Quem aguenta os cobradores af na porta sou eu ZE— Dispensa eles e fim. Que vou fazer? NINA — Eu sei 0 que dovia fazer. ZE — Devia pager? NINA — Claro! f ZE — Mas, como no posso pager, deixo pra Id Conta nova deixo ficar velha e conta velha eu nao pogo. NINA — Muito bonito pra nossa cara. i ZE — Mas, pombas! Se no posso pagar,néo é cul- pa minhal NINA — Seu Anténio da venda nao quer saber. Jé mandou receber umas vinte vezes. ZE — Que merdal NINA — Otha a boca, Zé! ZE — E isso mesmo! NINA — Mas no precisa falar palavrdo. Zé — E merda é palavrZo? NINA — €1 E eu nao gosto que fale. 52 ZE — Eu falo. Falo quanto quiser. O que esse labrego est pensando? Que eu vou roubar pra pegar ele? E! que se dane! Que a gente j4 danou h4 muito tem- po. NINA ~ Ele nfo fia mais pra nés. ZE — Azar! NINA — Azar nosso. ZE — E dele também. Porque agora, mesmo que pos- $2, no pago 0 desgracado, NINA — Isso 6 que nao! Quando gente puder, a gen- te paga até 0 Ultimo tostéo. Compramos, agora temos Sue pagar. No gosto de ficar devendo nada pra nin- guém. Deus me livre de dar calote nos outros! 2E ~ E ele vai ficar na miséria s6 por causa desse ca- No que a gente vai dar? NINA — Nao quero saber. Gastou, pagou. ZE — Essa conta sai na urina. Ele rouba no quilo mesmo. NINA ~ Se ele é ladrio, nbs deviamos era nfo com- rar ld € pronto, Agora temos que aceitar tudo sem reclamar, ZE — E no vamos comprar mais ld mesmo. NINA — Agora que ele nfo quer vender, né? ZE — Pobre 6 uma desgraga. Gente rica, que tem 98 tubos, ndo se afoba pare pagar. N3o querem nem saber. NINA — Eles slo eles! Nés somos nésl ZE — Sé que quem sempre se estrepa somos nés. Aquela coroa grafina i fez 0 acerto do vestido que vvoot fez pra ela? (PAUSA) Pagou uma oval NINA — Néo. Pagou, mas vai pagar. ZE — No dia de S30 Nunca, NINA — Ela sempre Pagou. ZE — Nessa altura do campeonato, aquele vestido jé deve estar todo esbagacado. A empregada dela deve 53 estar agradando na gafieira com aquele pano. E nds aqui, no ora veja NINA ~ Como voe8 gosta de falar. Nao faz ainda nem um més que ela levou 0 vestido, ZE — 0 cacetel Eu ainda estava firme no basquete quando ela veio aqui experimentar. Foi ou nfo (PAUSA) Nao responde ¢ que foi mesmo. Agora, Quando o labrego vier aqui estrilar, manda ele receber ‘na casa da piranha, NINA — Era s6 0 que faltaval ZE — Entdo quem quiser que espere. Nao estou no desvio porque quero. E no vou me azucrinar para pa- gar conta nenhuma NINA — Quem atura cobrador na porta sou e 2€ — Vou arrumar um cachorro. Quero ver quem pe 0 nariz af no porto. (PAUSA) NINA — 26, nio é pra te encher. Mas, vocé fica jogan- do bola af com a molecada, a vizinhanga pensa que vocé & vegabunde. Todo mundo sabe que vocé esté desempregado. ZE — Ninguém tem nada com a nossa vida. NINA — Mas eles falam, ZE — Deixa falar. N3o sou o Unico que esté parado aqui nesse bairro. S6 nessa rua tem uns vinte. NINA — Mas ninguém fica jogando bola com a molecada na rua. 2E — Eu ficol E dal? Gosto de brincar com mole- que. Quem quiser se badalar na minha vida, que se badale, Pombas! Nao tenho que dar satisfagdo a vi- zinho nenhum. Que zorral € preferivel ficar batendo bola ai na rua, do que ficar nos botecos enchendo o caco. 54 NINA — Natural que 6. Mas voc8 & homem casado. ZE—E dai? NINA —E dat é que nfo fica bem, ZE — Nao fica bem é eu nfo ter onde trabathar, Isso & que no fica bem. & me arraniar uma viragio, ninguém quer. (PAUSA) Escuta, Nina, a vida nfo esté sopa. Se a gente no se espalha um pouco, acaba en- doidando. NINA — Eu sei. Mas, as vezes fico com medo que vo- 8 machuque um moleque desses. Deus nos livre ¢ Suardel Mas voeé joga af como se fosse a Copa do Mundo. ZE (RINDO) — $6 vou na bola. N3o machuco n guém. Sei brincar © depois essa molecada é legal pac Gosto deles pra xuxu. NINA — $6 que eles tém a boca su ZE — Moleque 6 assim mesmo. NINA — Néo sel por que precisa falar palavréo. « ZE — Falam por falar, Mas sfo boa gente. Todos cles. Tem uns af que jogam direitinho. Podem até pra frente ¢ pegar um time bom. O Carvozinho 6 um. Como joga 0 diabo do criolinho. Nanico daquele jeito e dribla paca, Vai longe, NINA — (SORRINDO) — Deus queira 2€ ~ Tomara. (PAUSA GRANDE) NINA — Té pensando em qué, 247 ZE — Nessa molecada.Eles pastam o dia na rua. Os gue nlio derem sorte com bola esto lescados!| Que nem eu. NINA — Deus ¢ grande. ZE — Mas parece que esqueceu da gente. NINA — Nao diz bobagem. 55 2E — Todo dia ando pra meio de arrumar uma va, NINA — Nao pode desanimar. ZE — No pode mesmo, Mas s vezes 0 cara arreia. O ior é que tudo quanto ¢ fébrica estd mendando gente embora. S6 a Fipam mandou mil ontem. E dizem que véo mandar mais na semana que vem, NINA — Que seré que esté havendo? ZE — 0 qué? Esse governo, NINA — Mas tem que melhorer um dial ZE —Plor no pode ficar. NINA = E 0 Sindicato? ZE — Que pode fazer? Eles indenizem a gente e fim. NINA ~ Mas no dé para fazer uma greve? ZE — Ficou louca? Onde vocé jé viu greve de desem- pregado? NINA — Dos desempregados, ndo. Mas as que esto trabalhando paravam, até ter emprego pra todos, 2E — Vocé estd sonhando. NINA — Nao sei por que. ZE — Pombas, Ninal Nao diz besteiral NINA — Besteira, ndo! Antes, ndo tinha greve por qualquer coisinha? Até por bobegem faziam greve, Parecia até que ninguém gostava de traba que a coisa é séria, ninguém fala em greve. ZE — Isso era antigamente. Agora 0 papo é outro. NINA ~ Sio todos uns moles. ZE — Moles, no! Sé que é cada um pra sie olha lé. Quem tem emprego nfo quer saber. O cera que se assanha um pouco cai do burro. E todo o mundo sabe que no 6 canja arrumar outra vega. Até eu, que sou mais bobo, se estivesse trabalhando, me fechava em opas. Quem dé sopa pro azar é trouxa, ima e pra baixo e nfo hé (PAUSA) 56 NINA — Mas 0 sindicato devia fazer alauma coisa. 2E — Fazer o qué? NINA — Sei lél Mas fazer alguma coisa para os s6cios. ZE — E nio faz? Tem médico de graga. Tem dentista. Tem remédio com 50% de desconto. Tem uma por¢o de coisas. NINA — Temt Tem mesa de pingue-pongue e tudo! ZE — Pombas! Como vocé estd azeda hojel NINA — E ni é pra estar? ZE — Vocé néo 6 durona? Nao fica a{ dizendo que a gente nao deve desanimar? Entéo segura as pontas agora. Deus néo ¢ grande e os cambaus? Ento aguen- ta a mo. Chorar néo adianta, Pombas! Seré que vocd ensa que s6 vocé é que se aporrinha com essa joca? Eu também ando de saco cheio. Pensa que eu gosto de ficar devendo pra todo mundo? Gosto o cacetel Por mim, no devia um puto de um tostdo pra puto nenhum. NINA — Foxa, Zé! Desabafa, mas nfo fala nome feio. ZE — Esté bom, Nina, Vocé ganhou, Um a zero pra voeé. NINA (PONDO COMIDA NA MESA) — Vem comer, 261 (Zé SENTA-SE A MESA.) NINA — Pra amanha no tem mais feljao. ZE — Amanhé é outro dia, NINA — Seu Anténio da venda nfo fia mais pra gente. ZE — J escutei isso mil vezes. NINA — E 0 dinheiro da indenizagdo jé acabou, ZE — E aquela porra daquela grifina de merda que no te pagal NINA —Amanhi vou na casa da gréfina. ZE — Isso! Aperta aquela vaca. Ela tem que pagar. 57 (PAUSA) NINA ~ Nao fica chateado, Zé. Sempre se dé um jeito, ZE — Eu estou cansado de dar jeito, Nina, Precisava era acertar @ nossa vida de uma vez, NINA ~ Nada como um dia atrés do outro. © que ao pode ¢ desanimar. Quem sabe amanhé @ gente tem mais sorte? Se a dona Elvira pagar o vestido, a gente acerta com o seu Antonio, ZE — Dai ficamos sem grana e sem comida, NINA ~ Se a gente paga, ele volta a vender tiado, ZE — Serd? Aquele portuga é unha de fome paca, NINA — Ele néo € tao duro como parece. Agora vé se fica animado. Nao ia ter jogo hoje & noite? ZE — Jogo micho. Juventus ¢ Si0 Paulo, NINA ~ Escuta o jogo. Distrai, ZE — No vou eseutar. Nao quero nem saber o resul- tado. Depois, se me der vontade, vou Id no boteco ¢ vejo 0 video-tupe na televisio, NINA — Mas acaba to tarde. 2E ~ Que tem? Estou no desvio mesmo. No ter ho que levantar cedo. (PAUSA) Voeé fica chateada se eu for? NINA — Nao. E bom vocé se distrair, ZE — Mas voed fica af sozinha, NINA — Nao tem importan © vestido da dona Helena, ZE — Entéo eu acho que vou mesmo. S6 pra esfrier a mufa. Tomara que o Juventus ferre o Sio Paulo. Daf § que eu vou tirar um sarro na cara dos sio-paulinos, Mas, se esse time Perde, somem todos os torcedores. Sao nojentos. Quando Corinthians perde, eles apa. recem pacas. Af todo o mundo ¢ séo-paulino. Oh, Ga da peste! NINA ~ Vai torcer, mas néo precisa arranjar briga, 2ZE- Eu, brigar por causa de futebol? Nao sou touxal Vou ficar costurando 58 (PAUSA, NINA VAI TIRANDO OS PRATOS DA MESA.) ZE — Voce lembra? A gente estava pensando em com: Prar uma televisio com o décimo-terceiro salério. Vo- 2 lembra? Dai, caf do cavalo. Jé estava até paqueran- do uma que vi na vitrina. Jé tinha até visto 0 plano do crediério. ta ser legal, NINA — Ainda acho que foi sorte no comprar. Vocé i8 pensou se nés comprassemos e depois voc8 fosse despedido? lamos ter que devolver e perdfamos o di- nheiro da entrada e tudo. ZE — Mas ia ser legal ter uma, no la? NINA — Claro que ia. Esté passando cada novela ba- canal A dona Helena, quando veio trazer o vestido, me contou uma tio bonita. Quase choreil ZE — Vocé lembra daquele dia que a gente quase que- brou o pau porque vocé falou que queria ver um pro- grama que é bem na hora do futebol? NINA — Lembro. (RI) Como a gente é boba, no? ZE — Vocé falou que eu era fominha, que queria a te- isfo $6 pra mi NINA — E vocé logo comegou a estrilar, estrilar, xingar ... ZE — Porque vocé disse que eu estava com ciime da- quele fresco que era gala de novela. NINA (RINDO) — Era s6 pra te encher. ZE — E eu também $6 faloi palavréo pra te chatear. Sei que voce fica bronqueada NINA — Seil Vocé ficou queimado. Ficou ou néo ficou? 2E — Fiquei. E dai? NINA — Té vendo? ZE — E nio ¢ pra ficar? Vocé enchia a boca quando falava 0 nome do perobo. NINA — Voeé é bobo, 26. Vocé é muito mais bonito o que aquele galé. ZE — 4 eu dou um traquejo em mim, até que fico pintoso mesnio. NINA — Ccavencido! (OS DOIS RIEM,) i, No dia seguinte, fui trabalhar. Chegu ete azul, Puta sacanagem. NINA — A gente nunca podia imaginar. 2E — Claro que eu ouvia falar que fa ter corte. Mas, pombas! Nunca pensei que fa embarcar nessa canoa furada, Pensei que s6 fam chutar os outros. Eu nunca perdia dia de servico. Trabalhava direito. © mestre estava contente comigo. E tinha uma porrada de mau elemento Id. Mas, nfo quiseram nem saber. Mandaram todos pras pica NINA ~ Pacié ZE —O pior é que michou a televisio. NINA — Nao vamos morrer por causa disso. ZE —Mas eu queria tanto te dar uma. NINA — Quando voc8 puder, vocé dé, ZE — Amanh vou me bater por af. Tenho que der uma sorte, NINA ~ Vai firme que Deus hé de ajudar a gente. ZE — Eu sb nfo me entrego porque vocé sempre acredita. Isso me joga pra frente paca. Poxa, Nina, como voed ¢ positiva, Vooé é bacana pra xuxu. NINA ~ Sou tua mulher, Z6. (2E ABRACA NINA E A LUZ APAGA DEVAGAR.) (fim do primeiro quadro) 60 SEGUNDO QUADRO (AINDA NO ESCURO, ESCUTA-SE UMA RADIO- NOVELA) GALA — Dizes nfo? MOCINHA —Eodestino que nfo quernos tazerfelizes. GALA — Devemos lutar contra o destino. MOCINHA — Nao posso, Nao tenho forcas. Papai tem muitos preconceitos ¢ tudo faria para nos destruir. Jamais ele admitiria que sua Gnica filha se casasse com... com... GALA — Um plebeu. |ACORDE DE MUSICA) (LUZ ACENDE LENTAMENTE. NINA ESTA co- LADA AO RADIO.) MOCINHA — Nio fales assim, Eduardo. GALA ~ € a verdade inexoravel MOCINHA ~ Sei que és pobre, mas tensa alma nobre. GALA — Teu pai s6 olha para a bolsa e nunca para @ alma, que treme de emopdo 2o ver teus olhos, que so estrelas a iluminar como fardis a noite ne- gra desse coragio apaixonado, desse coraggo ferido pela incompreenséo de téo grande amor. MOCINHA (SUSPIRA) — Eduardo! GALA — Helenal MOCINHA — Eduardo, que devemos fazer? GALA — J4 que o destino nfo nos quer ver felizes. eu parto. 61 MOCINH A — Para onde, Eduardo? GALA — Eu vou me alistar ne Legido Estrangeira. MOCINH a — Ngo! Nao! (CHORA) (ACORDE VIOLENTO) LOCUTOR — Nao percam amanhg, neste mesmo hordrio, a empolgante novela “'Separados pelo Destino”, uma oferta de “Leite de Violetas”, 0 sa- bonete que seduz. (ACORDE VIOLENTO) (NINA DESLIGA O RADIOE SOLUGA,) 2 (ENTRANDO BEM TRISTE) — Oi, Nina, NINA (AINDA CHOROSA) — Como voce demorou, 26! ZE — Estava ié no boteco. Teve um bochicho do cacete. Mas, por que & que vocé esté chorando? NINA — Nao 6 nada, no. ZE — Alguém te aprontou alguma? NINA — Nao, Z6. Nao é nada, nfo, ZE — Foi c portuga da venda que veio aqui te encher? Ele texingou? Eu quebroaquele portuga, Diz se foi ele. NINA ~ Imagina se ele fa ter coragem, ZE ~ Entéo foi a grffina, Ela nfo to Pagou e ainda Te deu bronca. Vaca sem calgal Amanha quem vai co- brar ela sou eu. ZE — Entao diz 0 que foi. Quero saber. NINA ~ Jé disse que nao é nada. Coisa 4-toa, ZE — Ninguém chora &-toa, NINA ~ E por causa da novela. ZE — Por causa da novela? NINA — Esté bonita, 26 © pai da Helena no oie fie ela case com o Eduardo e ele vai entrar pare a Legiao Estrangeira, ZE — Legido Estrangeiral (PAUSA) Quando vier ca- brador na porte diz que eu fui para a L 62 ra. Legido Estrangeiral O Governo devia pegar todos esses perobos de merda e botar pra abrir estradas no Amazonas. So todos uns vagabundos. E vocé ainda fica chorando como uma bezerra desmamada, por causa que o Eduardo vai entrar para a Legifo Estran- geira. Al NINA — Voc néo briga por futebol? ZE — Futebol é outra coisa NINA — Cada um se diverte como quer. ZE — Chorar nio é divertimento, NINA —E brigar 6? ZE — Briguei uma vez. E néo foi por causa de futebol. Foi porque um italiano da peste, quando viu o Palmeiras tomando um couro, me atirou uma laranja na cabega. NINA ~ Se nfo fossa no campo, nfo brigave. 2E — Vou no campo para me distrair. NINA — E toda vez que o Corinthians perde, vocé fica uma vara. Nao se pode nem falar com voce. ZE — O que & que vocé tem contra 0 Corinthians? NINA — E 0 que € que vocé tem contra a novela? ZE—E que na novela so todos uns bichas. NINA — Dor de cotovelo. 2E — Dor de cotovelo por que? NINA — Sei ig, ZE — Eu sei. Quando chegar a hora de vender, vender Para livrar @ cara, a primeira coisa que vai é esse radio. (PAUSA GRANDE) NINA — Nao arrumou nade hoje? ZE — Se arrumasse, nfo estava assim, NINA — Continua ruim? 63 ZE — Cada vez pior. Hoje teve uma fabrica que chutou quinhentos. E diz que no vai indenizer guém, sen3o estoura. NINA — E 0 Sindicato? ZE — Vai na Justiga, NINA — E adianta? ZE — Sei li. Os caras tém direito. NINA ~ Mas se 0 patrio pagar, estoura, ZE — Al que quero ver. (PAUSA) Esté tudo uma merda _e ainda tem gente que fica chorando por. ‘ue o Eduardo entrou para a Legigo Estrange NINA — Poxa, 26, seré que nem minha novela vou poder escutar mais? 2E ~ Pode. Mas no precisa chorar. NINA — Que vou fazer? Eles falam cada coisa boni- tal Eu gostaria que vocé falasse assim pra mim, ZE — Se eu fosse cabega fresca, falava. Mas como eu vou pensar nestas bobagens todas, se vivo azucrinado? © depois. .. Eu nem tive estudo, nem nada, NINA — Quando a gente namorava, vocd falava, ZE — Vocé lembra, € NINA — Clarol Voce sempre dizia: “Met tesouro nessa vida so teus olhos de cetim, Se tu me dizes 40, isso serd o meu fim. Vou beber até morrer”, .. ZE — Isso & um tango que eu escutel, Do que eu mesmo inventei, vocé nfo gostava. NINA ~ 0 que era? ZE — Nao lembra que eu dizia: “Nina, nessa vida sb torgo pra vocé e pro Corinthians.”"? NINA — Nao gostava porque voc sé dizia isso no Sibado e no domingo se mandava pro campo. 2E - Peixio que escravizava, Tan-tan-tan-tan tanmmm, . NINA — E @ bobona que ficasse esperando, ZE — E esperava. Era gamadona. 64 NINA ~ Mas agora aprendi, Demorou, jé jantei. Teu rato td af em cima do fogdo. 2E —Poxal NINA — Ah, 26. Tava com fome. Voeé demorou, ZE — Passel lé no boteco e estava todo 0 mundo boquejendo. Eu fiquei também. Sabe © que aconte. ceu? NINA — 0 que? ZE — Prenderam o Toninho, filho de Baiana ali do 43, NINA — Aquele garotinho? 2E ~ E. Ele mesmo, Sempre jogava ali com a gente. NINA — Mas, 0 que ele fez? 2€ — Estava depenando um sutomével, NINA — Mas, pequeno daquele jeito e jé é ladrfo? 2E ~ Coltado, Nina. E moleque. Nao sabe o que faz. NINA ~ Nao sabe o que faz? Falar palavrio ele sabe, ZE — Que tem uma coisa com outra? Palavrio até eu falo, Todo mundo fala. Agora, roubar & que é espeto, Coitado! Seu Miguel baiano esté largando foo. Pai é ai. Nao quer acreditar que o filhote estivesse afanan- do as pecas, NINA — A culpa é dos pais, que no tomam conta dos filhos, Essa molecada vive largada o dia intelro na rua, ZE — Cada um faz 0 que pode. Véo prender dentro de casa? Moleque é moleque. NINA — Deviam botar ele numa escola, E — Facil falar. E 0 tutu? Pensa que $6 querer bo- tar 0 filhos na escola? Custa dinheiro, NINA — Bota o filho de aprendiz de mecénico, ou Gualquer outra coisa. Nao & todo mundo que preci- S2 ser doutor. Aprende um offcio. T4 af uma grande coisa, ZE — Falar & moleza, Eu 6 que sel. Nem oficlo pude aprender. Tive logo que me atirar no que pagava 65 inais pra ajuder em casa, Ful ser atconsorisa de ele- Uecor. Resultado esté af. Estou jogado fora. Opertrie gactilaxado se defende. Quem tem offcio se defend Agora, quem nfo sabe na Quando cheguei na idade de gente, me meti na fébrica, Primeira conte Nina S22 levou 0 pé na bunds foio trouxéo aqui, NINA ~ Esta molocade 6 diferente, Eles nfo stem da ZE — Conversal © Toninho estava se virando de lava- i 14 que se misturou com os maus ele. NINA — Também isso lé 6 emprego que um Pai arran- ie para um filho? 2E ~ Vai fazer 0 que? Esto na merda, ‘Quem pode tem que ajudar. NINA ~ Eles no estio tdo ruins assim, ZE — Voeé & que pensa, NINA ~ Estéo melhor do que a gente, Seu 'o menos tem emprego. ZE ~ Sélario mfnimo, mulher ¢ quatro 198. Jd @ bosta de vide que o coitado deve levar, NINA ~ Que mania que voce tem de falar nome feiol ZE — Porque vocé me enche o saco com eres onda de achar que toda mundo esté melhor que nbs, NINA ~ Seil Nés vamos de vento em pona, 2E — N&O, no vamos. Mas, os outros também no vio. T& todo mundo bombardeado. Acs muito ba- cana por af anda assombrado. NINA — 0 que eu sei é que seu Tar mais um pouco até arranjar um negécio melher pare © Toninho. Lavador de carro nfo dé futuro. ZE — Esperar de que jeito? Sé de aluguel 0 cara aga cento e vinte gi NINA ~ Por falar em 6s estamos trés me- Ses,trasados. Sou Raul veio af receber outra vee, uel pe- ZE ~ Pombas! Quando nfo 6 um, 6 outro. Sempre tem que vir alguém encher o saco, NINA ~ Que se vai fazer? A gente deve. ZE — Mas o sou Raul sabe que estou por baixo. Bati uma caixa com ele e tudo. Ele falou que fa segurar 0 apito. Que sabia que isso acontece com qualquer um, Acora vem ai dar arroxo na gente. Ele sabe que, quando eu puder, eu pago. NINA — Ele foi educado, $6 queria saber se vocd esté trabalhando. 2E — Vocé falou que eu estou me batendo Por af atrds de emprego? Falou que eu no tenho medo de trabalhar? NINA ~ Claro que falei, Zé. E nem precisava falar. Ele sabe quem vocé 6. Até fez seu cartaz, ZE — 0 que ele falou de mim? NINA — Que vocé é um bom mogo, Que foi uma pe- fa acontecer isso com voeé, que 6 trabalhador, q sempre cumpriu com suas obrigag&es. Que ele sabia ue voeé devia andar preocupado com o aluguel, por- Que vocé sempre pagou em dia. Mas, que vocé nfo de- via se preocupar, nfo. Que ele compreendia tudo. ZE —Pombas! Esse seu Raul até que é bem bacana. Poxa, que cara legall Hoje em dia, achar um que compreende 0 sujeito que esté devendo nao é sopa. Todo mundo acha que a gente nio paga porque no quer. Esse papo dele me deixou contente. No duro, Que troco legal NINA — Eu também fiquei bem alegre. A nica coi- 82 chata 6 que ele vai precisar da casa daqui a uns trés meses. ZE — Vai precisar da casa? NINA ~ E. Vai casar a filha dele. Ele vai mudar para 4, pra deixar a casa em que ele esté pra ela. ZE—E nés? 67 €m ultimo caso, ole aj , sjuda a gente. D; £0 pra mudanca, ’ isa ZE ~ Filho.de uma i putal Nojentol NINA ~ Que foi, 267 ae 2E ~ Ele vai despejar a gente, Ninal Naa : Despejar? ~E Ele pede a casa de fininho, M, . Mas 0 que el Guer é boter a gente pra fora daqui. Canalhat Pre onde a gente vai, Nina? Pra onde? (PAUSA) om ZE — Mas pra onde a gente muda? Quem lugar casa pra desempregado? Quem? “a! S42"= (NINA ESTA ABATIDA. PAUSA, ZE, NERVOso, CURA UM CIGARRO, mas NAO , HA MAIS NeE- NHUM. AMASSA-O IRRIT, Sree ADO E ATIRA O MA. ZE — Merda de vidal (NINA LEVANTASE, VAI ATE a PRATELEIRA, PEGA UM be UM MAGO DE CIGARROS E DA PARA O NINA — Othaai 2E ~ Voce comprou? NINA ~ Claro, ZE — Com que dinheiro? NINA ~ Dona Elvira pagou o vestido, Paguei a com ot pare OC Compr ss Maco de Cigarros 2E — Foi gastar em bobagens seu heiro? NINA — Bobagem, ndo, Zé. Voc’ gosta. 68 le ZE — Poxa, Nina, como vocd 6 bacana. Se vocé néo fosse to positive, eu jé tinha me entregado. Palavra que voc8 me dé um puta embalo. (ENCABULA.) Desconta 0 palavrio. NINA — Néo tem importéncia, Jé estou acostuman- do. ZE — Vocé ¢ uma firmeza. Eu gostaria de te dar uma boa vida. Vocé merece. Mas pegamos um mar de azar, que eu vou te contarl Se no fosse vocd ser quem vocé é, eu me entortava. Mas a gente se apruma um dia, pode botar £6. NINA — Eu acredito. Tudo tem que melhorar. Deus hd de ajudar a gente. Nés nunca fizemos mal a nin- guém. ZE — Isso 6. E quando melhorar, vocé vai ver que vi- da boa vou te dar. Logo de safda compro uma televi- so. NINA — Espera firmar. Televiso é muita cara. ZE — Nao quero nem saber o prego. Compro a pres- tagdo. PrestacSo é pra isso mesmo. Pra gente comprar. Al, vocé vai se badalar de ver novela. NINA ~ E vocé de ver futebol! ZE — Mas a televiséo ¢ sua. Vocé ¢ quem manda. SO vejo futebol quando nfo tiver programa que voce goste. (PAUSA) NINA —ZE, ZE— Ham? NINA — Voc8 deixa sdbado eu Ir ver televisiio na casa a Carminha? ZE — Que tem sébado? NINA — Desfile de misses. ZE — E voce quer ver isso? 69 NINA — Quero. & bonito. As mogas destilam com cada vestido bacanal Depois de maid. Todas com eade Benteado que eu vou te contar. Vocé delxa eu ir? 2E — Deixo. Mas, pra mim, vocé & male bacana que todas as missos juntas, NINA — E que voc8 nfo viu elas. Sé que tem um ne- gécio, ZE ~O que é? NINA ~ Acaba tarde. 2E — Nao faz mal, eu vou te buscar. NINA — Oba! Que bom! ZE — Agora vamos dormir. Amanha quero sair ba- tendo perna bem cedo. Vou em Osasco. 0 Otévio clsse que tem uma fabriea que precisa de gente, Quem sabe dé certo? NINA ~ Deus ajuda, 24, vocé no jantou? ZE — Estou sem tome. NINA ~ Isso € ruim, Precisa Se cuidar. (PAUSA. ZE JA ESTA DEITADO, OLHANDO NINA COM MALICIA. NINA TAMBEM val PARA A CAMA.) NINA — Vocé esté preocupado por causa da casa? ZE — Nisso a gente dé um jeito, NINA — Tem que dar! ZE — Tem que ar! (LUZ APAGA. NO ESCURO, OUVESE A voz DE NINA:) NINA — 26, se eu brigasse com vocé, vooé entrava pra Legido Estrangeita? (Final do segundo quadro) 70 TERCEIRO QUADRO VESTIDO. |A_ESTA ARREMATANDO UM ESTA BEM CONTENTE. ENTRA ZE, DESANIMA- DO.) — Oi, Ninat Ais (PULA DA CADEIRA E DA UM BEIJO NO ZE.) — Alquma novidede? ZE — Tudo bola fora. NINA — Nem em Osasco? ZE — Lé entio & que me quebrou mesmo. NINA — Nao tinha vaga? ZE — Tinha, sim. S6 que © negé ‘sacanagem. NINA — $6 querem oficial? 2€ — Querem nada. Sl naest INA — Conte as coisas direito, Zé. ee broca, Nina. Puta de um jogo sujo. Os homens s6 batom da barrige pra cima. Nio querem nam saber. O nao ded noo, NINA ~ Fala claro. Explica com calma, oe ves comecar pelo comeco, s6 pra voct sen- tir o peso da batota. — Entéo comeca. : me Chagall cetsfsaces 6 [8 Avie bogota t ‘Mas, eu fiquel um dos primeiros. Logo de sa(da, vi a maior tabuleta da paréquia pedindo gente. Jurava re mim mesmo que fa tirar 0 pé da cova. Mas, logo m 1d 6 na base da n i i i ea content8es. Os outros, mistério, Dai, o Porcdo ch Pras encolhas. na % O.que ele queria? | $6 querendo saber o egou em mim e me levou in do lugar e tal coisa, IA — Poxa, que adivir Bi ivinh3o! ‘natural que queria um ass Piece — Pois & Mas vai es a: i, scutando sé, E| is as nr Ei tee devia estar dando pinotes. Que até ele, a 0, sem ngPT20, ttave apertado, Eu, casadn gee ,, viragdo, dey ic ‘foi p : scorned’ tea war ioe: E fal ior at ite NINA~E& vocé deu ‘trela? ae ~ $6 escutava, INA — Mas vocé disse ZE~Nio disse nada, eee ee ee Como ele sabia? — Sei Acho que manj jor NINA — Homem t. cant ze engae aa repara nessas coisas? — Poxa, nao precisa z= Pamieren Isa responder assim, ler Ouvi ac NINA ~ Entio conta, a 72 ZE — Entéio nfo corta a histéria pra fazer pergun- ta besta. NINA — Pergunta besta, no, Eu s6 queria saber como ele descobriu que voct é casado. ZE — Isso nfo interessa. NINA — Pra mim interessa. ZE — Ninal Néo faz. ondal Jé venho da rua com os bagos chelos, chego aqui, vocé quer me encher mais. NINA — Desculpe, Zé. Eu s6 quis saber o que vocé di 2E — Eu néo dizia porra nenhuma, S6 ouvia o porcéo falar, pra ver o bicho que dava. NINA — E 0 que deu? ZE — Deu que o porco disse que, se eu queria a vaga, era com ele mesmo o ajuste. Que ele podia clarear minha barra, mas eu tinha que adiantar o lado dele. NINA — Como? Vocé desculpe, mas no enter ZE — Ele queria uma granal Queria tutul Dinheiro vivo. Nao estava ali pra botar azeitonas na empadinha dos outros, Queria o dele. Entendeu? NINA — Ele queria que vocd desse dinheiro pra ele? Que comprasse o lugar? ZE — Pois 6 Falou que todo mundo tinha entrado na jogada. Sé restava uma vaga, podia ser minha. Se eu tivesse cem giripocas. (PAUSA LONGA) NINA — Parece até mentiral Que coisa mais bestal Serd que esse homem néo sabia que quem estava Id precisava mesmo trabelhar? Que ninguém entra numa fila dessas pra brincar? Ser que ele no sabe disso? ZE — Claro que sabel Por isso mesmo é que achaca. NINA — Seré que esse homem nfo sente vergonha na cara de querer roubar quem precisa? Serd que ele nfo 73 we eanulher? Fihos pra sustentar? E se tem, ele n dird vars, "2? Duro pra ele, que tem emprego, ano Girt Para os Outros, que nem a gente, quo tay nde calr morto? Seré que ele no va isso? Merce $0 dos otérios, NINA~Eo ad sa sine ZE— Que Sindicato? NINA ~ Nao ve isso? ze Ver 0 qué? Voi E dai? Fica a mi quem puder. dinheiro mesmo, , Pra que arriscar a Perder o er mepcitfo8 que se danem! Quem ido tem porione re pagéo mesmo. Isso é que é ae 10 da puta nem a mae di eal dele. Desse o que 5 queria ser solteiro. Fazia o ar, Vocé no gosta meis de mim?” io € isso. Eu sou gamado por vocé, s Vocé no queria ser solteire? do ter responsal i lade e i hele dar um castigo que hoje eu NINA ~ 2€— Na NINA ~ Ma ZE ~ Pra ra um cara NINA ~ Deixa que Deus castiga ele, 74 ZE — Juro por tudo que é mais sagrado que eu quese que dei um murro na cara do bruto. Mas, daf, afem voeé, cho- tudo. Deixei pra , deu, O sujeito era uma it6 que ele podia descontar a grana no iro pagamento. Mas, que nadal Ele queria na fi cha, Nada de recibo, que podia dar truta e ele no fe pra grupo. Jogava com carta marcada. Os outros fam arrumar grana emprestada, eu que fizesse 0 mesmo. munheca. Fal nha que bufar com o dinheiro. Desisti. Nem volte mais pra fila. Me arranquei direto. A gente é to joga- a fora, .que no tem nem pra quem pedir. (PAUSA LONGA) NINA — Por que vocé no contou pros outros que es- ‘tavam na fila? Todo mundo podia estrilar. ZE — Pensel nisso, Mas eu estava tio jururu que nfo tive nem coragem. (PAUSA LONGA. OS DOIS ESTAO BEM TRISTES. NINA COMEGOU A ALISAR OS CABELOS DE Zé.) NINA — Nao desanima, Zé. Tem coisa ruim que ver pra bem. Deus 6 grande e escreve certo por linhas tor- tas, Quem sabe se vocé nfo (a se dar bem por [é? E depois, Osasco é tBo longe. E pra ld de onde Judas perdeu as botas. S6 pra chegar naquele fim de mundo 6 um tempio. Sem contar que vocd fa gastar meio or- denado de énibus. O plor mesmo era que a gente qua- se nem fa se ver. Quando vocd chegasse aqui, esteva 75 na hora de voltar pra Id. Acho até que foi burn voce ‘do pegar esse emprego. E no precisa se preocupar ‘muito com nada, no. (QUASE CHORANDO) Eu sou sua mulher. Estou sempre com vocé. Venha o que vier, dé 0 que der. Se 0 sou Raul pedir a casa e a gente nfo puder mais morar aqui, a gente mora em outro lugar qualquer. Na rua é que no vamos ficar. Pra comer, sempre se di jeito. Morrer de fore no vamos. A gente come na case da minha mée e vai se aguen- tando, 2E ~ Lé, no. E chato pedir favor pra sogra. NINA ~ E sua sogra, mas & minha mée. Que é que tem? Ela ¢ vidva e tudo. Melhor pra ela. ZE — Mas, se a gente comegar a comer Id, sua irma val dizer por af que eu estou cafetinando a viva. Lé eu nfo quero. Prefiro passar fome. NINA — Esté bem. Mas, passar fome é que no va- mos. Eu pego mais encomenda de costura e vamos vi- vendo, Tenho {6 que logo vocé arruma emprego. Voc8 6 um homem de valor. Quer trabalhar. Eu te conhego, Sei que voc8 nunca foi vagabundo. € 6 ter um pouco de paciéncia. Em tudo se dé um Jeito. ZE — Eu estou comegando a canser de dar jeito pra 4, dar jeito pra Id. Eu queria era ter um negécio fir- ‘me qualquer. A maior mancade que dei_nessa vide foi néo ter aprendido uma profissic. Jé que eu néo pude estudar, devie ter um oficio qualquer. Ser barbeiro, Ou alfeiate, sei Id. Mas ter um oficio. Pelo menos, me especializar em alguma coisa. Torneiro meca trabalha, quem sabe alguma coisa se vira. Os caras que nem eu & que sempre esto na mao. Apertou, so os primeiros a irem pra NINA — Nao adianata lamentar. £ tocar pra frente. ZE — Eu sei que néo adianta. Sé estou falando. Que Posso fazer? Quando era pequeno tive que ir dar 76 duro para ajudar em casa. Sempre tinha que escolher © que pagava mais. Aprendiz naquele tempo as vozes nem ganhava nada, Agora estou na mao das tracas. Por isso que me dé pena ver essa molecada solta na rua. Deviam ir aprendendo um of{cio. NINA — Deviem mesmo, Mas nfo querem saber de outra vida, s6 jogar bola é 0 que eles querem. ZE — Vocé pensa que ¢ fécll se encalxar de aprendiz? So fosse, nfo tinha tanto garoto na rua. NINA— Mas, nfo se pode ficar pensando muito nos outros. Jé temos tantos problemas. a ZE — Eu sei. Mas & que gosto dessa molecada. Sio bons meninos. So é pena serem largados por af. NINA ~ Serd que jé soltaram o Toninho? ZE — Sei, nfo. Seu Miguel balano fa tentar soltar Mas até esquec! de perguntar. Coltado do garo- to. NINA — Coisas da vida. (PAUSA) ZE — Hoje niio é sbado? NINA ~E. ZE — Nao era hoje que vocé (a ver as misses? NINA — Mas nfo vou, nfo. ZE — Vocé queria ver. Vai. E bom, distrai. NINA — Eu, nio. Vocé esté chateado, néo vou te dei- xar af sozinho. ZE — Se é 36 por isso, val, J4 melhorei, Vocé me deu moral outra vez. As vezes eu penso que, se eu casasse com uma bolha, eu jé estava apagado. Ainda bem que eu casel com vocé, que é muito bacana. Quer ir ver a fofoca, val. Voc8 merece. Depois te pego | NINA ~ $6 vou, se voc8 for no jogo. 7 ZE — Com que roupa que eu vou? NINA — Hoje no joga o Corinthians? ZE ~ E da(? Entrada custa uma nota, E a gente estd mais dura que pau de galinheiro, NINA (TIRA UMA NOTA DO ARMARIO) — Pega 388 @ vai. ZE — De onde apareceu? NINA — A dona Helena pagou a blusa dela, ZE — Mas vai fazer falta. NINA — Amanhé € outro dia, Vamos aproveitar hoje. Vai torcer por teu Corinthians. E eu vou ver televisdo na casa da Carminha. ZE —Serd que devo ir? NINA — Claro que deve. Precisa co dist Pensando 6 que néo resolve. S6 vai conseguir 6 fi. car careca, ZE — Deus me livre! (TIRA UM PENTE DO BOLSO E PENTEIA O CABELO,) Se eu tenho uma coisa le. 21, ¢ a juba. Bom, entfo tenho que picar a mula. J estou atrasado, (Zé PEGA UMA BANDEIRA DO CORINTHIANS E VAISAIR.) NINA — Na volta, passa na casa da Carminha e me apanha, 2€ — Ti. (DA UM BEIJO RAPIDO EM NINA, VAL SAIR, PARA NA PORTA, VOLTA ATE NINA) Ni- na, NINA — Que ¢? ZE — Nina, nessa vida s6 tor¢o pra vocé e pro Corfn- thians! (0S DOIs RIEM E SE ABRAGAM, LUZ APAGA.) (Final do tereeirn quadro) 78 QUARTO QUADRO (2E ESTA ESCUTANDO UM JOGO PELO RADIO.) UTOR — Clodoaldo pra Pelé, o R enc a colocagio dos seus, tem a sua frente um inimigo. Evita-o com majestede e langa pra Edu, que recebe livre, avanga, vai chuter, chuta e 0 bolio rente as balizas defendides por Dimas. Placar em V! Santos 4, Guarani de Campinas 0. Com esse resultado, o alvinegro praiano continua invicto e dé mais um passo rumo 20 titulo. Vai ser cobrado 0 tiro de meta. Nada mais pode fazer o Guarani. Estamos no crepisculo da partida, Beber Pred é beber vida. Pred, a cachaca dos esportistas, (ZE_DESLIGA O RADIO, ANDA NERVOSO DE UM tA00 PARA OUTRO. ENTRA NINA, TRAZ UMA. SACOLA CHEIA NA MAO.) NINA ~ i, 26, ZE — Tudo bem ld? NINA — Gracasa Deus. ZE — A velha esté positive? NINA — Mamie esté toda contente porque vai rece- ber uma bolada de dinheiro. ZE — Vai vender a casa? 79 NINA — Ela no loucal Vai receber o dinheiro da estrada. Lembra quando apareceu aquele advogado que descobriu que as vidvas dos ferrovisrios tinham direito a receber um atrasado? Aquele negécio de argo maior? Vocé lembra, sim. Voc8 até achou que o cara era vigerista. ZE — Achei, ndo. O cara cheirava a vivaldino, NINA — Pois & SO que mamée vai receber os atrasa- dos. Ele que arrumou. ZE — Entéo € que vai querer ser vereador nas préxi- mas eleigdes. Aquele cara no me engana. NINA — Voeé nunca viu ele. 2E — E daf? Pelo que vocé falou, jé me toquei. NINA — O que interessa 6 que mame vai receber, ZE — Sorte dela, NINA — Vocé nfo fica contente? ZE —Muitol Estou morrendo de alegria, NINA — Poxa, 26. Nao & todo dia que se ganha di- nheiro. ZE — Eu no ganhei nada. NINA — Mame ganhou. 2E — Que faca bom proveito, NINA — Mas ndo € por que ela se deu bem que vo- 8 precisa ficar com essa cara. ZE — Néo estou com essa cara por cause dela, NINA ~ Entdo por que estd assim? ZE — Por causa do Guarani de merda, que $6 jo- 98 contra 0 Corinthians. Contra a gente, ficaram Os onze embaixo da trave para conseguir empatar. Contra o Santos, foram Ié pra frente como umas estas. Bem feito! Tomaram quatro e, se 0 jogo nfo acaba, levavam mais. NINA — Vocé no saiu? i ZE — Bati uma bola com @ molecada af em fren- te. Depois vim escutar 0 jogo. 80 NINA — Viu 0 jornal? ZE — Nada que preste. je, que 6 domingo? $6 falam em guerra. Guerra no Viat- ‘nd, guerra no deserto, guerra na China, guerra na ca- sa do cazzo. Emprego mesmo $6 tem michuruca. NINA — 0 Zelito esté inda muito bem com o taxi. ze - ava 6? NINA — S6 foi levar a Aninha. Depols foi trabalhar. fa perder 0 domingo. Aninha disse que tem domingo que ele faz cinquenta contos livrinhos. ZE — Logo eles amarram o cavalo na sombra. NINA — Fim do ano acabam de pagir o taxi. ZE — Daf 6 que vai chover na horta d NINA — Eles estéo com vontade de comprar um terreno em Suzano. Depcis véo construindo devagar. ZE — Suzano é longe pacas. NINA — Mas vai ser deles. ZE — E! Depois, de carro é sopa. NINA — Eles esto bem. E merecem, O Zelito sempre trabalhou, ZE (TRISTE) — Ele sabe guiar. NINA — Voc8 podia aprender. ZE — De que jeito? NINA — 0 Zelito te ensina. ZE — Vou nessa. Ele fa querer que eu esbagassasse © carro dele? NINA — Ele mesmo se ofereceu, ZE — Voeé foi Id chorar miséria? : NINA — Eu, néo. Ele que perguntou se vocé ain: da estava parado. Daf, eu disse que estava, ZE — E ele morreu de pena. NINA — $6 disse que vooé podia aprender a guiar com ele. Que, depois, ele trabalhava de dia e vocé de noite, com o carro, Podia dar pros dols. ZE — Té al uma saida, NINA — E bem legal! ZE — Jé pensou eu por al de carango? NINA — Com 0 tempo vacé compra um pra nés. ZE — E meto a maior decalcomania do escudo do Corinthians no vidro. O do Zelito tem aquele no jento do So Paulo. NINA —E 0 time dele. 2E — Paciéncia. Sé vou aturar aquilo na minha frente por uns tempos, Porque a gente precisa, Se no, ndo pegava nesse carro. O pessoal vai me tomar 0 pelo. Vo até dizer que eu virei casaca. NINA — Mas vocé no pode achar ruim, 2€ —Eu, me bronquear por futebol? Sé quero traba- thar. NINA ~ Vou te fazer uma camisa de chofer, Daquelas que tém dois bolsos aqui e alca no om. bro. Quer? ZE — Azul? NINA — Nao, beige. ZE ~ Pretiro azul. NINA ~ Mas beige é mais legal. ZE ~ Eu gosto de azul. NINA ~ A do Zelito é beige. 26 — E dai? Ele usa a cor que ele quiser. Eu quero azul. NINA — Mas se os dois tém beige, parece até que 6 uniforme. Bacana pra xuxu. ZE — Nao é Gnibus, pra tudo quanto é chofer an- dar igual. NINA — Mas dé impressio que é téxi bem orga- nizado, ZE — Dé imprestio que eu sou um puxa-saco, Que anda vestido igual ao patr3o. Jé nao chega a merda do escudo do So Paulo no vidro? 82 NINA — Té bom, eu fago azul. (PAUSA) Mas, se eu também fizer uma beige, vocé usa? ZE — Daf uso. NINA z Ent&o vou fazer. Vocé vai ficar bacana pra xuxu com essa camisa. S6 quero ver. (PAUSA) ZE —Nio vai dar pé, Nina. NINA — O que? ZE— Essa jogada de eu ser motorista. NINA — Nio sei por que. 2€ —Falta a gran: , NINA — Ora, que grana? O Zelito ZE — Mas pra tirar a carta? NINA — Minha me falou que empresta. Ainda mais da sua velha. NINA — Esmol iro emprestado. Nao sei por que voeé implica tanto com minha mael ZE — Porque ela sempre me agourou. Acho até fiquel assim de tanto ela me secar. NINA" Voo8 acha que minha mie fa querer nossa desgraca? Ze Ela io quiere pam que Voot oe, cataen ooslan: NINA — Ela s6 queria qua a gente esperasse um pou- co mais. Até vocé se firmar na vida. ZE — A velha coroca queria era te fazer cansar de vo. esperar. Se fosse esperar, até hoje a gente era no Jé amos fazer bodas de prata de noivado. E nada de eu me acertal NINA — No xinga minha me, 26. ZE — S6 estou falando a verdade. Ela que rogou pra- ga na gente. Disse que eu néo fa ser nada, Pimba, acertou na mosca, Praga de sogra seca até pimente NINA — Mame sempre gostou muito de vocé. 83 ZE — Claro! Porque eu dei fama de bidu pro ela. Me estrepei, ela esté contente. P3e a boca no trom. bone pra anunciar: No disse? N&o falei? Nio quise. fam escutar, entraram bem, MINAS A gente ndo estd assim por cupa d ~ Estamos assim por mi NINA — Minha é que nfo ee noe ZE — Entio é minha? NINA — Nao sei. Da minha mie nio é, (PAUSA) ae Aculpa é da situagao, A — E minha mie no tem nada com a sit a situacao. (COMEGA A CHORAR.! Por ela a gente (a sempre bem. Voeé ache, 2é, que ela quer ver nossa desgraca? Ela é minha mae. Vocé casou comigo, é que nem ti- {ho dela. Ela gosta muito de vocé. Ela sempre reclama Que vocé nfo visita ela, nem nada, ze dq, NiO, chora, bobocal Pombas! Eu estava brin- cando, no precisa se queimar. Vai, Nini : de chorar. Que coisa mai ogee NINA ~ Voeé falou sério. ZE — Falei brincando, NINA — Jura? ZE — Juro. NINA — Entéo nfo brinea mi i Fab gua eo yc brnss mals stim, 26, Voce ZE — Nao... ndo brinco. (PAUSA) S6 que 6 foro ter que pedir grana emprestada pra aprender a Gir, pra depois ir trabalhar, pra depois ir pagar. NINA ~ Que & que tem? Mie é mae f 2€ — Eu nem sei se levo jeito pra coisa, NINA — Qualquer um aprende a dirigir, 2E — So que eu nfo sou qualquer um. 84 NINA — Voc 6 igual aos outros. Igual aos outros, virgula. Vocé é melhor. ZE — Um cera que precisa da grana da sogra pra aprender uma profissio é 0 fim da picada. NINA — Nao pée minhoca na cabera, Zé. ZE — Mas 6 isso mesmo. J4 pensou minha cara, se eu do aprendo a guiar? Se néo tiro carta? NINA — Mas por que vocé no hé de aprender? ZE — Por que? Porque, sei !4. Estou aterrado. NINA — Bobagem, Zé. Tudo val sair certo. (PAUSA) Voeé vei aprender? ZE — Que remédio, né? Vout NINA -- Posso falar pro Zelito que vocé topa? ZE — Pode. NINA — Sabe de outra coisa legal? Minha mie falou que, se 0 seu Raul quiser a casa mesmo, ela faz um quarto nos fundos da casa dela pra nés. (ZE ESTA ABATIDO. NINA NEM PERCEBE. VAI TIRANDO MANTIMENTOS DA SACOLA E PON- DO EM CIMA DA MESA.) NINA — Olha quanta coisa mame deu pra gente. ZE — Comida? NINA —Poxa, Zé, ela perece que adivinhou. Nos esté- vamos bem ruins. Amanh& nem sabie o que fa fazer pro almogo. Nao tinhamos nada. ZE — Nina, o que vocé pensa de mim? NINA — 0 que? ZE — Vocé acha que eu vou comer esmole? Morar de esmola? Vocé acha que eu vou viver de esmola? Eu no sou aleijado, nem nada. Sou forte. Quero traba- thar. Eu néo vou viver de esm NINA — Eu sell Mas Isso nfo 6 esmola. Foi minha me que deu. E s6 até a gente dar um jeito na vida. ZE — Vocé deve ter chorado as pitangas Id na casa da sua velha. Ela deve ter ficado com uma puta pena 85 inha dela. Coitada, casada com um vagabundo, que nfo quer bulhufas com o basquete. A velha ficou com tanta pena, que até deu esmal: NINA — Mamie s6 quer ajudar a gente. Ainda mais agora, ZE — Que tem agora? NINA ~ Agora, 2E — Que vocé foi la contar miséria? NINA — Nao, Zé, Nao € nade disso. ZE — Entéo por que 6 agora é que a coroa se lem- brou de dar uma colher de chd pra nbs? NINA — Eu. . . estou gravida, 26, 2E — Gravida? NINA — Vou ter um filho. ZE — E nfo dizia nada? NINA ~ Queria ter certeza. 2E — Vamos ter um filho? NINA ~ Se Deus quiser. 2E — Poxa, eu vou ser pai? NINA — Vai ZE — Vou ser pail Que legall NINA — Quer homem ou mulher? ZE —Homem, claro! E vocé? NINA ~ O que Deus mandar esté bom. ue (ABRAGA NINA.) — Vem c4, Nininha. Vem NINA — Tomara que nasca parecido com vocé, 2E (BATE NA MADEIRA.) — Isolal Isolal J pen sou uma crianga com uma cara dessas? (OS DOIS RIEM, LUZ APAGA.) (Final do quarto quadro) QUINTO QUADRO (NINA ARRUMA A MESA E CANTA ALEGRE. FO- RA DE CENA, MOLECADA JOGA BOLA. ZE EN- TRA E SENTA-SE SEM DIZER NADA. NINA ES- TRANHA, MAS FINGE QUE NAO NOTOU ACA. RA DE DESANIMO DE ZE.) NINA — Ent&o, Zezinho? Vai hoje falar com o Ze- lito? 2E — Tenho que ir, né? NINA — Animo, homem! A vida vai melhorar. ZE - Vai. NINA — Vamos comer, Zé. Hoj é gosta. Picadinho. ZE — Vamos comer, 0 po que o Diabo amassou. NINA — No fale assim, Zé. ZE — Por melhor que seja 0 tempero, essa comida vai ser dura de descer. Onde jé se viu? Eu, um cara forte, tendo que viver de esmol NINA — Vai comecar outra vez com essa historia? Isso é uma ajuda que minha mie deu pra nds. ZE — Esmola. NINA (POE O PRATO NA FRENTE DE ZE.) — Co- me, Z8. E no cria caso, ZE (ATIRA O PRATO LONGE.) — Néo vou comer porra nenhumal Nem que me dane todo. Nem que tenha que comer merda, No vou engolir essa porcarla. fiz a comida que vo- 87 NINA — Vocé faz o que quiser. Morrer de fome é que no vou, 86 porque vocé é cheio de orgulho besta, ZE — Orguiho besta querer trabalhar? NINA — Mas se no tem emprego? ZE — Se no tem emprego, estende a mo e pede es- mola. E depois? Com que cara vou me olhar no espe- tho? Aqui, 61 Me lasco, mas nfo me dobro. Tenho vergonha na cara. NINA ~ Sem comer, ninguém pode viver ZE — Me lembro que minha mae sempre dizia, quan- do 0 almogo atrasava e a gente reclamava que queria comer. Esté com fome? Faz como o lobisomem. Vai ‘na rua, mata um homem e come. NINA — Claro que sua mae falava brincando. Nio existe lobisomem. 2E — Claro que era brincadeira. Mas, para um cara de $8c0 roxo que nem eu, é preferivel desapertar em ei- ma de um sacana qualquer, do que aceitar esmola, fo ganhar nem pra comer é fogo, Nina. Deixa o su. ieito ruim. Ou ele vira um cara de pau, nunca quer mais nada com nada e vai s6 no “me dé, me da”, au vira lobisomem e come os outros. Te juro por essa luz que me alumia, que estou para embarcar numa dessas, (PAUSA) NINA ~ Antes de fazer besteira. .. Lembra que ago- fa vocé vai ser pai (PAUSA LONGA. ZE PARECE TER UM GRANDE CONFLITO INTERIOR. DEPOIS DE MUITO TEM. PO, VIRA-SE DE COSTAS PARA NINA.) ZE — Nina . .. Vocé vai tirar esse filho 88 NINA — Néo entendi. ZE — Vocé vai tirar esse filho. NINA ~ 26, vocd esté falando sério? ZE — Com essas coisas no se brinca. INA — Vocd esté louco. Be tunes aot tho ligedo. Por isso mesmo & que no quero filho. NINA — Mas é meu filho. E seu filho. ZE — E de quem vocé queria que fosse? NINA — $6 que eu n&o estou entendendo. Vocé gosta tanto de crianga. ZE — Claro que gosto. Por isso mesmo nfo quero que esse af nasca. Nascer pra que? Pra viver na merda? Sempre por baixo? Sempre esparro? Sempre no arro- xo? Aquil Eu sel bem como é essa vida. Uma putaria franciscand, Quem puder mais chora menos. E nés no podemos nada, Nem ter filhos. (PAUSA) INA — Eu estou te estranhando. 2 — Até eu estou me estranhando. De repente, eu abri os olhos e vi que pra gente néo tem sada. Nzo ol rane Ae NINA — Mas é seu 10. ZE — E daf? Voc8 quer que eu fique de boca aberta, como artista de cinema americanc? NINA — Naol S6 quero que voeé no diga besteira, Vocé esté pensando que filho & 0 qué? ZE — Filho é luxo. € pra quem pode. NINA — Se Deus manda, agente tem que reeber, ZE — Que Deus mandal Se 2 gente seguisse a tabela ito, voed no pegava. NINA — Pois é. Mas peguel. Z€ —E vai tirar na marra. 89 NINA ~ E acrianca, Zé? Pensa na ccriangal ZE — Vira anjo, E melhor pra el NINA ~ Isso 6 pecado. ZE — Pecado & largar 0 fllho a olho no mundo. Que nem esse seu Miguel Baiano, que se encheu de filho e no pode cuidar deles. Depois, fica ninho. Bela merda ter filho pra isso, Eu no vou botar ria no mundo pra isso. NINA — Jé botou, 261 Jé botoul Ele esté aqui den- Wo de mim. Sou mie. Jé estou carregando a crianga na barriga, J sinto umor por ela, Rezo por ela. Peco Deus que a proteja, quer mulher ou bichio, vou proteger essa vida que osté nascendo, ZE — Eu também .yuero proteger, Nina. E quero li- vrar a cara dele dessa sacanagem de nascer pobre. Eu no quero que meu filho amanhf seja que nem eu, que s6 pego 0 pior. NINA — A gente ndo pode pensar assim. Zé. Hoje a gente esté por baixo e amanh§ pode estar por cima. Todo mundo melhora. A gente também tem que me- Inorar. E voeé ja pensou que remorso que nds vamos ter, se matamos essa crianca? ZE — Se a gente melhorar, a gente faz outro, NINA ~ Isso nunca! Esse vai nascer. Se nfo queria fi- Iho, devia ter pensado antes. ZE ~ Cabeca quente no pensa. NINA — Eu nunca pensei que vocé fosse to mau! ZE — E eu nunca pensei que voc8 fosse tio burra. NINA — Também achoque fui burra de casar com voce, 2€ — Burra de querer botar um bacuri no mundo, ‘sem saber o que vai ser dele. Que pao ele vai comer. NINA — H4 de comer todos os dias. Onde come um, come dois. 90 if tem vida. E eu, como qual- ZE — Mes a gente nfo 6 #5 comer. Nés estamos nessa bosta por que? Porque eu s6 comi. Nao sei fazer outra coisa, NINA — E vocd nfo 6 feliz? No casou comigo? Nio temos um lar? ZE — Felizes. , . Ndo podemos nem ter filhos. NINA — Podemos! Isso podemos! Sou mulher igual- zinha as outras. ZE — Nao é issol Pra nés, falte grana. NINA — Sempre faltou, E agente sempre quiscrianga. Lembra quantas vezes a gente combinava? Vocé fala- va: Nina, vamos aproveltar uns dols, trés anos pra pas- sear, porque quando a gente namorava sua mie no largava meu pé. Depois que a gente desforrar, entio vamos ter um monte de filhos. Uns onze machinhos. Vai tudo jogar no Cor{nthians. E eu te dizia: Também quero uma menininha. E vocé dizia: A gente faz. Vo- 8 lembra disso tudo, Zé? ZE — Se eu soubesse das colsas que sei h nha te mandado dar um né nas trompas. ina, ti- (PAUSA) NINA -- Como voeé mudou, Zé, ZE-£,.. Eu mudel. NINA -- Vocé sempre fol de acreditar. ZE — Pra vocé ver. Me dobraram. NINA — Vocé se entregou. 26. 2E — O jogo & bruto. NINA — Me dé vergonha de ver voc8, ZE — Porque vocé nfo sabe das coisas. NINA ~ Sei mais do que vocd pensa, ZE — Que é que voct sabe? NINA — Que o futuro a Deus pertence. 91 ZE — Deus 6 que nem Papal Nosl. Sé baixa om terrei- 10 de rico. NINA ~ Vocé afinou, Z6. ZE — $6 abri os olhos. NINA — Esqueceu que agora vocé vai ser chofer? ZE ~ No vou longe com aquele téxi NINA — Pelo menos é um empre ZE — Que nf NINA ~ 0 Zelito esté muito bem. ZE — Ele é 0 dono. Os donos das coisas esto sempre bem Instalados. Agora, quem no tem nada, no adi- anta se afobar, se bater pelas paredes. O cupim sem- pre alcanca o pé da genti NINA — Vocé s6 queria um emprego. Agora j4 quer ser rico, ZE — S6 quero 6 ter sossego. NINA — Sombra e égua fresca. ZE — Voc me conhece. Sabe que néo ¢ isso. Eu que- ria 6 me sentir seguro. Saber que sempre (a ter traba- ‘ho, ter casa, ter comida, escola pera os filhos da gen- te, S6 isso que eu queria. E é 0 que todo mundo quer, - NINA — Trabalhando com 0 Zelito, vocé vai ter tudo isso, ZE — Sei lél A noite passada, eu me esqueci ligado. Quate queimei a mufa. Pensei, pensei, pensei. S6 vi ca- ca. Pensei em vocé, em mim, na vida de bosta que a gente leva. Pensei um cacetéo de tempo. Pensei no Porcio Ié de Osasco, que se serviu da desgraca dos ou- tos. Pensei nos caras que se arregalaram com ele, pen- sei nas contas que a gente tem pra pagar, no seu Raul Pedindo a case, na comida que sua mée tem que dar pra gente, pra gente ndo morrer de fome. Pensei favor que 0 Zelito vai me fazer, me ensinando a dirl- Gir, pra depois eu ficar devendo favor para o patréo, ue vai beber meu sangue. Pensei naquela puts fila de 92 Osasco. Todos, todos, até eu, umas vaquinhas de pre- séplo, engolindo enrolado. E por que? Quantos caras de verdades estavam nequela canoa? E por que de re- Pente, todo mundo se rende ¢ entra no jogo sujo? (PAUSA) Por que, Nina? NINA — Sel Id. ZE — Porque eles tem mulher r com nojo, mas aceiter. E esté af a bosta toda. E é por isso que & melhor nfo ter filhos. (PAUSA) NINA — Eu néo sei mais nada, Zé. Sempre estive do seu lado. Topei todas as parades com voc#. Desde que ‘casamos, nunca fomos num cineme, nunca passoamos, ‘nunca comprel um vestido novo e nunca me queixel, Aguentei cobrador na Ports, aturel desaforo e nunca desanimel. Nunca. Porque vocé estava af firme, Sem- Pre pronto pra sair pra outra. Sempre, sempre reagin- do. E assim, a gente (a. Aos trancos e barrancos, mas fal famos ter filhos, famos ser como todo mundo. Eu era feliz, 26. Agora, no sei. Nao sei mais nada. S6 sei ue estou gravida. (PAUSA) E vou ter meu filho. (PAUSA) NINA — Vocé sempre gostou de crianga, 26, (PAUSA LONGA) NINA ~ Se for homem, 2E — Mané 6 nome feio. NINA — Entéo vai ser Zezinho. 26-2 val ter 0 nome de seu pal. 93 NINA ~ Se for homem, vooé escolhe o nome, Se for mulher, ou escolho, t4? (PAUSA) Se for homem, que nome vocé vai escolher? ZE — Nenhum, Ninal Vooé no percebeu que eu nfo quero filho? NINA — Mas eu quero! ZE — Mas nfo vai ter! NINA ~ Vou ter, custe 0 que custar! Z€ — Voi tirar! NINA — Nuncal ZE -S6 que vail NINA — Isso estraga a mulher. ZE — Quando a parteira é boa, no estraga. NINA ~ Isso € pec ZE — Pecado uma NINA’ Deus castiga a gente. ZE — Quoro que se «lane. NINA — Mas eu nao. € meu filho. Gosto deste e vou ter. ZE — Vai ter uma pindia. NINA — Eu vou ter esse filho, Zé! ZE — Nio vail NINA — Se vocé & um frouxo, que tem medo de en- frentar as coisas, eu no tenho. Vou ter meu filho. ZE — Mulher minha faz o que eu mando, NINA — JJ disse que vou ter a crianca. ZE — Jé disse que no vai e fim, NINA — Vocé nifo nianda em mim, ZE — Na minha mulner, eu mando. NINA — Nao sou mais sua mulher, entéo. Nao sou mulher de um coverde. Isso 6 crime e & pecado, a tes de tudo, ZE — Se nfo 6 minha mulher, fora daqui. NINA ~"Vou agora inesmo, ZE — Pra onde? 24 i NINA — Nao 6 da sua contal Z® — Pra onde vocé vai NINA — Pra casa de iho! ZE — Daqui vocé nfo sail NINA — Voeé mesmo me mandou emboral ZE — Deixa de besteira, Nin NINA — Vooé 6 que esté louco! ZE — Néo fale assim comigol Jé estou cansedo de te aturar. NINA — Jé vou embora. ZE (EMPURRA NINA.) — Fica at inha mie. Lé eu posso ter meu (PAUSA) NINA — Vamos ter 0 filho, 24? ZE — N&ol Néo vamos ter porra nenhumal NINA — Entio, eu vou embora ZE —Por aqui, vocé néo sai, (2E SEGURA NINA, QUE FORGA A PASSA- GEM.) NINA — Me deixa ir, Zé! Me deixa ir! Agora no sou mais tua mulher! (ZE EMPURRA NINA, ELA BATE NA MESA E Fl- CA FORA DE SI.) NINA — Porcol Nojento! Bruto! Covarde! Sei da frentel (NINA VAI SAIR, 2E IMPEDE. NINA INSISTE, ZE DA UM SOCO NA BARRIGA DE NINA, QUE SE DOBRA LENTAMENTE E VAI CAINDO COM ES- PANTO E DOR NA EXPRESSAO, SEMPRE OLHANDO PARA OE.) (A LUZ SAI BEM DEVAGAR,) (FIM)

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