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MATRIMÓNIO E VIRGINDADE

– O matrimónio, caminho vocacional. Dignidade, unidade, indissolubilidade.

– A fecundidade da virgindade e do celibato apostólico.

– A santa pureza, defensora do amor humano e do divino.

I. O EVANGELHO DA MISSA1 apresenta-nos uns fariseus que se


aproximaram de Jesus e lhe fizeram uma pergunta para pô-lo à prova: É lícito
a um homem repudiar a sua mulher por um motivo qualquer? Era uma questão
que dividia as diferentes escolas de interpretação da Escritura. O divórcio era
comummente admitido; a questão que propõem a Jesus refere-se à casuística
sobre os motivos. Mas o Senhor serve-se dessa pergunta banal para entrar no
problema de fundo: a indissolubilidade. Cristo, Senhor absoluto de toda a
legislação, devolve ao matrimónio a sua essência e dignidade originais, tal
como foi concebido por Deus: Não lestes – responde Jesus – que no começo o
Criador criou um homem e uma mulher, e disse: Por isso deixará o homem pai
e mãe, e juntar- se- á com a sua mulher, e os dois serão uma só carne? Por
isso já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu o homem
não separe [...].

O Senhor proclamou para sempre a unidade e a indissolubilidade do


matrimónio acima de qualquer consideração humana. Existem muitas razões
em favor da indissolubilidade do vínculo matrimonial: a própria natureza do
amor conjugal, o bem dos filhos, o bem da sociedade... Mas a raiz profunda do
matrimónio indissolúvel está na própria vontade do Criador, que o fez assim:
uno e indissolúvel. Este vínculo é tão forte que só a morte o pode romper. São
Francisco de Sales emprega uma imagem muito expressiva para explicá-lo:
“Quando se colam duas peças de madeira de abeto, se a cola é fina, a união
chega a ser tão sólida que será mais fácil quebrar as peças noutros lugares do
que no lugar da junção”2; assim é o matrimónio.

Para levar adiante esse compromisso, é necessário ter consciência da


vocação matrimonial, que é um dom de Deus3, de tal forma que a vida familiar
e os deveres conjugais, a educação dos filhos, o esforço por sustentar e
melhorar economicamente a família são situações que os esposos devem
sobrenaturalizar4, vivendo através delas uma vida de entrega a Deus; devem
estar persuadidos de que Deus os assiste para que possam cumprir
adequadamente esses deveres que configuram a situação em que devem
santificar-se.

Pela fé e pelos ensinamentos da Igreja, nós, cristãos, adquirimos um


conhecimento profundo e completo do matrimónio, da importância de que a
família se reveste para cada homem, para a Igreja e para a sociedade. Temos,
portanto, a grande responsabilidade de defender essa instituição humana e
divina, principalmente nuns momentos históricos em que se lançam contra ela
ataques incessantes nos meios de comunicação de massas: nas revistas, nos
jornais que dão especial publicidade aos escândalos mais chamativos, nos
seriados de televisão que alcançam grande audiência e vão pouco a pouco
deformando a consciência do público... Ao difundirmos a recta doutrina neste
ponto – a da lei natural iluminada pela fé –, fazemos um bem enorme a toda a
sociedade.

Meditemos hoje na nossa oração se defendemos a nossa família dessas


agressões externas, e se nos esmeramos em viver delicadamente algumas
virtudes que contribuem para a solidez da família: o respeito mútuo, o espírito
de serviço, a amabilidade, a compreensão, o optimismo, a atenção vigilante
para com todos...

II. A DOUTRINA DO SENHOR a respeito da indissolubilidade e dignidade do


matrimónio foi tão chocante aos ouvidos de todos que até os próprios
discípulos lhe disseram: Se tal é a condição do homem a respeito da mulher,
não é vantajoso casar- se. Jesus aproveitou esse comentário para proclamar o
valor do celibato e da virgindade por amor do Reino dos céus, a entrega plena
a Deus, indiviso corde5, que é um dos dons mais preciosos da Igreja.

Os que receberam a chamada para servir a Deus no matrimónio


santificam-se precisamente mediante o cumprimento abnegado e fiel dos
deveres conjugais, que para eles se tornam caminho certo de união com Deus.
Os que receberam a vocação para o celibato apostólico encontram na entrega
total a Deus e aos outros por Deus a graça necessária para viverem felizes e
alcançarem a santidade no meio dos seus afazeres temporais, se ali o Senhor
os procurou e deixou: são cidadãos correntes, com uma vocação profissional
definida, que se entregam a Deus e ao apostolado sem limites e sem
condições. É uma chamada que revela uma especial predilecção divina e para
a qual o Senhor dá ajudas muito determinadas. A Igreja cresce assim em
santidade pela fidelidade desses cristãos que correspondem à chamada
peculiar que o Senhor lhes faz. É uma entrega plena que “sempre teve na
Igreja um lugar de honra, como sinal e estímulo de caridade, e fonte peculiar de
fecundidade espiritual no mundo”6.

A virgindade e o celibato não só não contradizem a dignidade do matrimónio,


como a pressupõem e confirmam. O matrimónio e a virgindade “são dois
modos de exprimir e de viver o único mistério da Aliança de Deus com o seu
povo”7. E se não se estima a virgindade, não se compreende em toda a sua
profundidade a dignidade matrimonial. Por sua vez, “quando não se considera
a sexualidade humana como um grande valor dado pelo Criador, perde
significado a renúncia pelo Reino dos céus”8. “Quem condena o matrimónio –
dizia já São João Crisóstomo – priva também a virgindade da sua glória; e
quem o louva torna a virgindade mais admirável e luminosa”9.

O amor vivido na virgindade ou no celibato apostólico é a alegria dos filhos


de Deus, porque lhes permite ver o Senhor neste mundo de um modo novo,
contemplar o rosto divino através das criaturas. É para os cristãos e para os
não crentes um sinal luminoso da pureza da Igreja. É fonte de uma especial
juventude interior e de uma eficácia gozosa no apostolado. “Embora tenha
renunciado à fecundidade física, a pessoa virgem torna-se espiritualmente
fecunda, pai e mãe de muitos, cooperando na realização da família segundo o
desígnio de Deus. Os esposos cristãos têm, portanto, o direito de esperar das
pessoas virgens o bom exemplo e o testemunho da fidelidade à sua vocação
até à morte. Assim como para os esposos a fidelidade se torna às vezes difícil
e exige sacrifício, mortificação e renúncia, o mesmo pode acontecer às
pessoas virgens. A fidelidade destas, mesmo nas eventuais provações, deve
edificar a fidelidade daqueles”10.

Deus, diz Santo Ambrósio, “amou tanto esta virtude, que não quis vir ao
mundo senão acompanhado por ela, nascendo de Mãe virgem”11. Peçamos
com frequência a Santa Maria que haja sempre no mundo pessoas que
correspondam a esta chamada concreta do Senhor; que saibam ser generosas
para entregarem ao Senhor um amor que não compartilham com ninguém e
que lhes permite dar-se sem medida aos outros.

III. PARA PODERMOS REALIZAR a nossa vocação, é necessário que


vivamos a santa pureza, de acordo com as exigências do nosso estado de
vida. Deus dá as graças necessárias aos que foram chamados ao matrimónio,
bem como àqueles a quem pediu todo o coração, para que uns e outros sejam
fiéis e vivam essa virtude, que não é a principal, mas é indispensável para
termos acesso à intimidade de Deus.

Pode acontecer que haja ambientes em que a castidade seja uma virtude
desvalorizada e que muitos pensem que vivê-la com todas as suas
consequências é algo incompreensível ou utópico. Meditemos nestas palavras
de São João Crisóstomo, que parecem escritas para muitos cristãos dos
nossos dias: “Que quereis que façamos? Que subamos aos montes e nos
tornemos monges? E isso que dizeis é o que me faz chorar: que penseis que a
modéstia e a castidade são próprias dos monges. Não. Cristo estabeleceu leis
comuns a todos. E assim, quando disse: Quem olhar com cobiça para uma
mulher (Mt 5, 28), não falava com o monge, mas com o homem da rua [...]. Eu
não te proíbo que te cases, nem me oponho a que te divirtas. Só quero que o
faças com temperança, não com impudor, não com culpas e pecados sem
conta. Não estabeleço como lei que tenhais que viver nos montes e desertos,
mas que sejais bons, modestos e castos, mesmo vivendo nas cidades”12.

Que enorme bem podemos realizar no mundo vivendo delicadamente esta


santa virtude! Levaremos a todos os lugares que frequentamos o nosso próprio
ambiente, com o bonus odor Christi13, o bom aroma de Cristo, que é próprio
das almas fortes e enérgicas que vivem a castidade.

Trata-se de uma virtude que está rodeada de outras que chamam pouco a
atenção, mas que definem um modo de comportamento sempre atraente.
Assim são, por exemplo, os detalhes de modéstia e de pudor no vestir, no
asseio, no desporto; a recusa clara e sem paliativos de participar em conversas
que não condizem com um cristão e com qualquer pessoa de bem, o repúdio
aos espectáculos imorais, o cuidado em guardar a vista com naturalidade pela
rua, etc. Quem vive com esmero essas virtudes “menores” terá assegurado em
grande parte a virtude da pureza, pois também neste campo o que é grande
depende do que é pequeno.

Lembremo-nos por fim de que a virtude da pureza, tão importante para uma
eficaz acção apostólica no meio do mundo, é guardiã do Amor, do qual por sua
vez se nutre e no qual encontra o seu sentido; protege e defende tanto o amor
divino como o humano. Não pensemos que nos pede uma atitude repressiva,
mas a abertura e a juventude de quem se entregou a um grande Amor.

(1) Mt 19, 3-12; (2) São Francisco de Sales, Introdução à vida devota, 3, 38; (3) cfr. Conc. Vat.
II, Const. Lumen gentium, 11; (4) cfr. São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 23; (5) 1
Cor 7, 33; (6) Conc. Vat. II, op. cit., 42; (7) João Paulo II, Exort. Apost. Familiaris consortio,
22-XI-1981, 16; (8) ib.; (9) São João Crisóstomo, Tratado sobre a virgindade, 10; (10) João
Paulo II, op. cit.; (11) Santo Ambrósio, Tratado sobre as virgens, 1; (12) São João
Crisóstomo, Homilias sobre o Evangelho de São Mateus, 7, 7; (13) 2 Cor 2, 15.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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