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MANUAL

DE D IREITO DO
COMÉRCIO I NTERNACIONAL
E
DEFESA COMERCIAL

LUIZELLA GIARDINO BARBOSA BRANCO


ORGANIZADORA

COMISSÃO DE COMÉRCIO INTERNACIONAL


DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
SEÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - OAB/RJ
2004 -2006
Capa, Design e Projeto Gráfico: Filipe Souza
Contatos:
Telefone: (21) 9358-5701
E-mail: filipe@metalzone.com.br

Impressão: Quatro Centro Cópias


Rua Costa Lobo, 93 - Benfica - Rio de Janeiro/RJ
Telefone: 21-2234-7329
PALAVRAS DOS CO-PATROCINADORES

PALAVRAS DOS CO-PATROCINADORES

De acordo com a Organização Mundial do Comércio, mais de 80% do


fluxo de comércio mundial se dá entre a América do Norte, Europa e Ásia.
A América do Sul e Central respondem por apenas 3% do fluxo de comércio
mundial.

Considerando-se a América do Sul e América Central, o Brasil res-


ponde por 35% das exportações e 28% das importações da região. O Brasil
é, portanto, ator relevante e vem conquistando espaço não apenas nos fo-
ros de negociação, como também em novos mercados.

A relevância do papel desempenhado pelo Brasil nesse cenário, en-


tretanto, não se reflete em investimento na capacitação de pessoas para
atuar nessa área. A partir dessa constatação, o Instituto Mundi foi ideali-
zado com o propósito de promover a difusão de conhecimentos na área de
comércio internacional e auxiliar os atores brasileiros na difícil tarefa das
negociações internacionais, particularmente aquelas travadas no âmbito
da Organização Mundial do Comércio (OMC)

É com esse espírito de valorização da difusão de conhecimento que o


Instituto Mundi parabeniza e apóia a iniciativa da Comissão de Comércio
Internacional da OAB/RJ de elaborar o Manual de Direito do Comércio In-
ternacional e Defesa Comercial.

Apesar da crescente e vitoriosa participação do Brasil no mecanismo


de solução de controvérsias da OMC, o país dispõe de escassa literatura
sobre esses relevantes temas. Por isso, estudiosos e interessados pela
matéria acabam recorrendo, na maioria das vezes, a obras e autores es-
trangeiros. O Manual é, sem dúvida, uma excelente alternativa para aque-
les que querem iniciar o estudo dessa disciplina.

De fato, o comércio e as negociações internacionais hoje afetam o


cotidiano de todo tipo de negócio e envolvem uma série de conhecimentos
específicos. Deficiências nestas áreas expõem os governos e as empresas
a grandes e indesejados riscos, e, sobretudo, à perda de oportunidades
comerciais para parceiros mais eficientes e mais atentos ao que ocorre no
mundo.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 3


PALAVRAS DOS CO-PATROCINADORES

É no intuito de suprir esta lacuna no mercado que o Instituto Mundi


atua. Em conjunto com renomadas instituições de ensino, está altamente
capacitado a formatar, coordenar e realizar cursos, conferências e seminá-
rios, já que conta com corpo técnico especializado nas matérias relevantes
para a obtenção de novos mercados e a defesa dos interesses comerciais
brasileiros no exterior.

Apoios a essas iniciativas são fundamentais para contribuir com a


formação de excelência de profissionais capazes de compreender os ins-
trumentos contratuais e normativos do comércio internacional que afetam
a atuação dos agentes privados, e aptos a auxiliarem os setores público e
privado a utilizarem esses instrumentos em seu benefício.

INSTITUTO MUNDI
para Estudo e Pesquisa em Comércio,
Arbitragem & Negociações Internacionais.

4 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


INTRODUÇÃO

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o adensamento do comércio internacional tornou-


se um fato inexorável. Como resultado dessa transformação, um novo di-
reito surgiu para regular a estrutura alicerçada na ordem jurídica da Orga-
nização Mundial do Comércio - OMC.

O DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL tem como objeto o estudo


da atividade mercantil internacional, caracterizando-se como um verda-
deiro direito internacional econômico. Num mundo globalizado onde as
relações comerciais entre os países são cada vez mais próximas e
interdependentes, acreditamos ser de grande utilidade à criação deste
Manual, que visa orientar advogados, empresários, economistas, operado-
res de comércio exterior e estudantes sobre o aparato legal e funcional da
Organização Mundial do Comércio, buscando acentuar os desafios e as
barreiras que se impõem aos interesses brasileiros nesse segmento.

Nesse passo, estimular o estudo desse novo direito, que incluí o co-
nhecimento de disciplinas complementares como as ciências econômicas e
administração de empresas, se afigura uma tarefa importante e necessá-
ria, a fim de que em um futuro próximo tenhamos um corpo de profissio-
nais habilitados para defender direitos e representar interesses e posições
de caráter comercial do país, nos foros internacionais competentes.

De forma a complementar essas informações, trazemos, também, o


estudo da DEFESA COMERCIAL, matéria de importância estratégica e de
conhecimento fundamental para os agentes econômicos. Isso se justifica
uma vez que, em um mundo cada vez mais competitivo, o manejo, a con-
dução e aplicação precisa e adequada dos instrumentos de defesa, como o
dumping, subsídios e salvaguardas, ferramentas legais que compõem essa
especialidade, impõem-se como conhecimentos fundamentais aos empre-
sários e produtores brasileiros contra as práticas desleais de comércio,
que, não sendo diligentemente corrigidas, podem causar sérios prejuízos
aos interesses econômicos nacionais.

Assim, com o objetivo de contribuir com a difusão desses relevantes


temas, ainda pouco explorados no âmbito do direito brasileiro, a Comissão
de Comércio Internacional da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 5


INTRODUÇÃO
Estado do Rio de Janeiro - OAB/RJ tem o prazer de apresentar o MA-
NUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL,
primeiro compêndio do gênero a reunir essas disciplinas aos leitores.

A presente obra divide-se em seis Partes. A primeira dispõe sobre o


Direito do Comércio Internacional, seu surgimento, suas origens, regras e
princípios. A segunda Parte se dedica a analisar os principais Acordos da
Organização Mundial de Comércio, para, a seguir, na Terceira Parte, dis-
correr sobre seu mecanismo de solução de controvérsias. A Quarta Parte
analisa as modalidades das medidas de defesa comercial existentes. Em
seguida, a Quinta Parte estuda a utilização desses procedimentos à luz da
legislação nacional, apresentando também estatística das investigações
relacionadas ao tema no Brasil. Ao final, esse capítulo, traz, também, um
útil Anexo que relaciona as leis e as normas aplicáveis ao tema no país. A
sexta e última parte deste Manual contempla um completo glossário no
qual são explicados com detalhamento termos técnicos, e definidas siglas
e conceitos comumente utilizados nas áreas estudadas.

Esperamos, dessa forma, que a presente obra possa contribuir para


estimular o debate acerca dos desafios, diretrizes e resultados da política
comercial brasileira, bem como conscientizar o público sobre a repercus-
são e relevância dessas escolhas no nosso dia-a-dia.

Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2006.

LUIZELLA GIARDINO BARBOSA BRANCO


Organizadora

6 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


APRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃO

O sistema multilateral de comércio, consubstanciado nas normas da


Organização Mundial de Comércio (OMC), baseia-se em um conjunto de
regras (rules based system) que criam direitos e obrigações entre os Mem-
bros da OMC, na atualidade formada por 149 Estados. Essas regras estão
dispostas no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (General Agreement
on Tariffs and Trade - GATT 1994), no Acordo Geral sobre o Comércio de
Serviços (General Agreement on Trade in Services - GATS) e no Acordo
sobre Aspectos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio
(Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights -
TRIPS).

O conjunto de acordos que compõem o sistema multilateral de co-


mércio, portanto, constitui o que se caracterizaria como o Direito Material
da Organização Mundial de Comércio. Ao lado desse conjunto de regras da
OMC encontra-se o Mecanismo de Solução de Controvérsias, inscrito no
Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Con-
trovérsias, também conhecido como DSU (Dispute Settlement
Understanding). Ou seja, o Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC
faz parte da própria essência do sistema do sistema multilateral de comér-
cio.
Juntamente com o Direito Material, portanto, os Membros da OMC
têm resguardada a prerrogativa de recorrer ao Mecanismo de Solução de
Controvérsias para fazer valer os direitos garantidos pelo conjunto dos
acordos da Organização. O Mecanismo de Solução de Controvérsias da
OMC, dessa maneira, constitui o Direito Processual da OMC, ao estabelecer
os procedimentos que devem ser seguidos pelos Membros, quando da exis-
tência de conflitos relacionados à violação de Direito Material, estabeleci-
do nos acordos GATT 1994, GATS e TRIPS.

O Mecanismo de Solução de Controvérsias representa uma evolução


nas relações institucionais entre Estados, na medida em que se destina a
regulamentar definitivamente as disputas de natureza comercial entre os
Membros da OMC. Isso não significa que o antigo GATT 1947 não dispu-
sesse, ele próprio, de um mecanismo de solução de controvérsias. Ocorre,
porém, que as disputas comerciais cursadas pelo antigo sistema careciam
de força suficiente força para que as Partes Contratantes (denominação
dos Estados que integravam do GATT 1947) pudessem defender seus di-

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 7


APRESENTAÇÃO
reitos de maneira efetiva. Durante as negociações da Rodada Uruguai, que
resultaram na criação da OMC, foram introduzidas quatro mudanças fun-
damentais no Mecanismo de Solução de Controvérsias, com o objetivo de
reforçar substancialmente o sistema.

O Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC tornou-se um ver-


dadeiro sistema processual quase-judicial e orientado por regras (rule
oriented), que passou a: i) aplicar-se a todos os acordos da OMC; ii) ter
instância revisora, o Órgão de Apelação; iii) ter as decisões dos órgãos
judicantes (relatórios do Comitê de Arbitragem e do Órgão de Apelação)
aplicadas de forma cogente (legally binding); iv) ter as decisões que ema-
nam de tais órgãos judicantes adotadas automaticamente. Vale dizer, os
relatórios somente não são adotados se todos os Membros da OMC se opu-
serem, por consenso. Em contrapartida, no antigo sistema de resolução de
conflitos do GATT 1947, qualquer Parte Contratante podia vetar a adoção
do relatório do Comitê de Arbitragem (o que normalmente ocorria com a
parte perdedora).

O Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC foi amplamente


utilizado pelos Membros da Organização em mais de 11 anos de existên-
cia, alcançando atualmente o número de 345 casos. O Brasil tem participa-
do ativamente do Mecanismo desde sua criação, sendo que, até o presen-
te, atuou como parte em 51 disputas comerciais, seja como demandante,
demandado ou terceira parte. O número de atuações do Brasil como parte
nos casos da OMC fica atrás somente das participações dos EUA, União
Européia e Canadá, considerados grandes litigantes no sistema. Ou seja,
entre os países em desenvolvimento, o Brasil é o maior usuário do sistema.

A consolidação das regras multilaterais de comércio da OMC e a cres-


cente importância do Mecanismo de Solução de Controvérsias no cenário
internacional reforçam a necessidade de o Brasil continuar a se capacitar e
a desenvolver quadros para atuar no âmbito das disputas comerciais mul-
tilaterais. Esse desafio deve ser encarado como um objetivo contínuo, de
médio e longo prazos, tanto do Governo, quanto dos diversos atores ex-
tra-governamentais, muito embora existam situações e demandas que não
podem esperar o amadurecimento daquele objetivo. No caso de países com
escassez de recursos (financeiros e humanos) como o Brasil, portanto, esse
desafio muitas vezes necessita ser atingido sobre la marcha.

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APRESENTAÇÃO

Com vistas a atender às demandas próprias à participação do Brasil


no Mecanismo de Solução de Controvérsias da OMC, torna-se necessário
recorrer - com a ajuda do setor privado - à assessoria de quadros extra-
governamentais, detentores de conhecimento sobre as normas do sistema
multilateral de comércio e sobre as legislações nacionais concernentes a
cada caso. O envolvimento de atores extra-governamentais, quando bem
gerenciado, pode concorrer decisivamente para a disseminação de conhe-
cimento altamente técnico entre integrantes do Governo brasileiro e pro-
fissionais voltados para questões de comércio internacional, entre os
quais se destacam os profissionais do direito.

O presente Manual de Direito do Comércio Internacional e Defesa Co-


mercial certamente contribuirá para esse esforço conjunto do Governo bra-
sileiro e de atores extra-governamentais, que tem por objetivo a dissemi-
nação de conhecimento sobre as normas multilaterais de comércio e a for-
mação de quadros nacionais para atuarem nas disputas comerciais da OMC.
A iniciativa da Comissão de Comércio Internacional da OAB/RJ de tornar
mais didática complexa normativa da OMC, por meio do presente Manual,
deve receber total apoio dos agentes envolvidos com as questões relacio-
nadas ao sistema multilateral de comércio e do Direito do Comércio Inter-
nacional.

Brasília, 28 de julho de 2006.

CONSELHEIRO FLÁVIO MAREGA


Coordenador Geral de Contenciosos
do Ministério das Relações Exteriores - MRE

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COMISSÃO DE COMÉRCIO INTERNACIONAL DA OAB/RJ
COMISSÃO DE COMÉRCIO INTERNACIONAL DA OAB/RJ

Representantes:

SÉRGIO SOARES SOBRAL FILHO – Presidente


LUIZELLA GIARDINO BARBOSA BRANCO – Vice-presidente

Membros e colaboradores que participaram da elaboração desta obra:

ALEXANDRE BITENCOURT CALMON

BRUNO LEAL RODRIGUES

CLÓVIS TORRES JÚNIOR

DANIEL PIRES CARNEIRO

FERNANDA CRESPO FERREIRA

FLÁVIA DO VALLE ROCHA

FREDERICO DO VALLE MAGALHÃES MARQUES

GABRIELLA GIOVANNA LUCARELLI DE SALVIO

GUSTAVO SEIGNEMARTIN DE CARVALHO

LUIZELLA GIARDINO BARBOSA BRANCO

PAULA ALONSO

THEMISTOCLES MENESES NETO

10 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


RESUMO CURRICULAR DOS AUTORES POR ORDEM ALFABÉTICA - 2006
RESUMO CURRICULAR DOS AUTORES
POR ORDEM ALFABÉTICA - 2006

ALEXANDRE BITENCOURT CALMON

Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes (2001). Curso


de Extensão sobre o Sistema Legal norte-americano pela George Washing-
ton University. International Law Institute. Washington, D.C., EUA (ago/set
-2003). Curso de Extensão em Direito Societário e Mercado de Capitais
pela Fundação Getúlio Vargas (ago/dez - 2003). Pós-graduado em Direito
Internacional pela Escola Superior de Advocacia (2005). Professor Titular
de Direito Comercial pela Universidade Santa Úrsula - USU. Professor As-
sistente em Direito Societário pela USU (2002-2003). É membro do Rotary
Club (2002), da Sociedade Americana de Direito Internacional (2003) e da
Associação de Advogados do Rio de Janeiro (2003). Advogou na Advogou
na CVRD (1999-2000), no Xavier, Bernardes Bragança (2000-2003). Atual-
mente trabalha no Carneiro e Sesana Associados. Macleod Dixon Consul-
tores em Direito Estrangeiro (2004-hoje). Membro da Comissão de Co-
mércio Internacional da OAB/RJ

BRUNO LEAL RODRIGUES

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro


(1996). Pós-graduado (MBA) em Direito de Empresas pelo Instituto Brasi-
leiro de Mercado de Capitais – IBMEC (2001). Mestre em Direito pela Uni-
versidade Gama Filho (2005). Professor da disciplina de Direito da Concor-
rência pela CEPED-UERJ. Professor de Pós-graduação da disciplina de Pla-
nejamento Tributário (Fundação Getúlio Vargas). Advogou no Castro, Bar-
ros, Sobral, Gomes Advogados (1995/2000), Siqueira Castro Advogados S/
C (2000-2005) e J. G. Assis de Almeida e Associados Sociedade de Advo-
gados. Membro da Comissão de Comércio Internacional da OAB/RJ

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RESUMO CURRICULAR DOS AUTORES POR ORDEM ALFABÉTICA - 2006
CLÓVIS TORRES JÚNIOR

Graduado em Direito pela Universidade Católica de Salvador (1989),


LL.M. em Direito Internacional , Comércio e Finanças pela Tulane Law School,
New Orleans, USA (2003), MBA pela Fundação Getúlio Vargas, São Paulo,
Pós-graduação em Gerenciamento e Liderança Empresarial no MIT, em
Massachusetts, USA, e IMD, na Suíça. Diretor Jurídico Corporativo da Com-
panhia Vale do Rio Doce (CVRD), desde abril de 2003. Responsável pelas
áreas societária, projetos internacionais, joint ventures e novos investi-
mentos, fusões e aquisições, operações financeiras, comércio internacio-
nal e contencioso internacional, bem como pela negociação de todos os
contratos e demais questões jurídicas de projetos da CVRD fora do Brasil,
incluindo Austrália, Moçambique, Peru e China. Sócio do escritório Macha-
do, Meyer, Sendacz & Opice Advogados durante o período de Abril de 2000
a Abril de 2003, com expressiva atuação na área societária, banking e project
finance, tendo sido responsável pela abertura do escritório na Bahia e Ce-
ará. Advogado do IFC – International Finance Corporation (World Bank Group
), em Washington-DC. Membro da Comissão de Comércio Internacional da
OAB/RJ

DANIEL PIRES CARNEIRO

Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes Centro (2004),


Membro do Núcleo de Pesquisa de Direito e Economia – Linha de Pesquisa
de Direito Societário - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2004).
Atualmente está cursando sua Pós-graduação em Law and Economics na
Universitá de Bologna e University of Manchester. É palestrante e autor de
diversos artigos. Membro da Comissão de Comércio Internacional da OAB/
RJ

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RESUMO CURRICULAR DOS AUTORES POR ORDEM ALFABÉTICA - 2006
FERNANDA CRESPO FERREIRA

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2004)


Participou do Curso de Direito Internacional pela City University London
(2002-2003). Participou do Curso Básico de Importação e Exportação pela
Universidade Cândido Mendes – UCAM (2000). Participou do Programa de
Política Comercial da Embaixada Brasileira em Washington (maio/set/2005).
É membro do ABCI Institute - Analistas Brasileiros para o Comércio Inter-
nacional. Atualmente trabalha no Centro Brasileiro de Relações Internacio-
nais – CEBRI.

FLÁVIA DO VALLE ROCHA

Bacharel em Direito pela Universidade Santa Úrsula – USU (2000), Pós-


Graduação em Comércio Exterior pela Universidade Federal do Rio de Ja-
neiro (2000), Pós-Graduação em Relações Internacionais pela Universida-
de Cândido Mendes (2001), Mestranda em Direito Internacional e Integração
Econômica ela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000), Bolsista da
Enterprise and Investment Lawyers Course (Development Law Organization
– IDLO, Roma – Itália. Professora Contratada de Direito Internacional Priva-
do Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Professora Substituta de Di-
reito Internacional Público da Universidade Bennett (RJ), Professora Convi-
dada da disciplina de Instituições de Direito da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro - UERJ, Prestadora de serviços de Consultoria Jurídica para o
ex-Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Luiz Felipe Lampréia
(Lampreia Consultores).

FREDERICO DO VALLE MAGALHÃES MARQUES

Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de


Janeiro (1996). Mestre em Direito Internacional e Integração Econômica pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2000). Doutor em Direito Inter-
nacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2004). Visiting
Fellow na University of Baltimore e na Georgetown University, USA (2002/
2003). Advogado da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), desde outubro
de 2003, com atuação nas áreas de projetos internacionais, joint ventures
e novos investimentos, contratos internacionais e regulatório (ANTT, ANTAQ

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 13


RESUMO CURRICULAR DOS AUTORES POR ORDEM ALFABÉTICA - 2006
e ANEEL). Gerente Jurídico da Área de Contratos da Brasil Telecom (2000/
2002). Advogado do escritório Lobo & Ibeas Advogados (1999/2000) e da
Odebrecht Engenharia e Construção (1998/1999).

GABRIELLA GIOVANNA LUCARELLI DE SALVIO

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1994).


Pós-Graduação em Direito da Empresa e da Economia pela Fundação Getú-
lio Vargas (1998); Mestre (LL.M.) pela University of Warwick, Inglaterra
(1999). Pesquisadora-bolsista da Corte Permanente de Arbitragem na Haia,
Holanda (2003). Integrante do Programa de Capacitação para Jovens Advo-
gados junto à Missão do Brasil em Genebra (maio a agosto de 2004) e junto
à Coordenação Geral de Contenciosos do Ministério das Relações Exterio-
res (setembro a dezembro de 2005). Advogou na Companhia Vale do Rio
Doce - CVRD (1996-1998), no Veirano Advogados (1999 - 2001) e no Xavier,
Bernardes Bragança (2001-2006). É coordenadora do Núcleo de Estudos
de Solução de Controvérsias (NESC) no Rio de Janeiro. Membro da Comis-
são de Comércio Internacional e da Comissão de Arbitragem da OAB/RJ.
Sócia do escritório Xavier, Domingues, Advogados Ministra aulas e pales-
tras na área de comércio internacional. Autora de artigos sobre o tema.

GUSTAVO SEIGNEMARTIN DE CARVALHO

Bacharel em direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal


do Rio de Janeiro (1997), MBA em Direito da Economia da Empresa, Funda-
ção Getúlio Vargas (1999), Mestre em Relações Internacionais pelo Institu-
to de Relações Internacionais – PUC/RJ (2006). Ministrou curso sobre Mer-
cado Financeiro e de Capitais à Associação dos Especialistas em Tradução
do Rio de Janeiro (2001), aulas ministradas na Faculdade de Direito da Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro de Teoria Geral do Processo (1996).
Advogado responsável pelo departamento jurídico JGP S/A, - empresa de
gestão de recursos de terceiros (2004), advogou no escritório Castro, Bar-
ros, Sobral, Gomes Advogados (2005). Membro da Comissão de Comércio
Internacional da OAB/RJ

14 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


RESUMO CURRICULAR DOS AUTORES POR ORDEM ALFABÉTICA - 2006

LUIZELLA GIARDINO BARBOSA BRANCO

Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes (1992). Mes-


tre em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela Pontifícia Universida-
de Católica do Rio de Janeiro (1997). Pós-Graduada em Direito Comunitá-
rio pelo Centro de Estudos Europeus da Universidade de Coimbra (1995).
Curso de Direito Internacional Privado na Academia de Direito Internacio-
nal de Haia - Holanda (1995). Curso de Direito Internacional das Organiza-
ções dos Estados Americanos – OEA (1995) Professora de Mediação e Arbi-
tragem Internacional do Centro de Estudos das Américas da Universidade
Cândido Mendes (2003-2004). Participou do Programa de Política Comer-
cial da Embaixada Brasileira em Washington (set/2005 – jan/2006). É mem-
bro do ABCI Institute - Analistas Brasileiros para o Comércio Internacional
e do Núcleo de Estudos de Solução de Controvérsias (NESC) no Rio de Ja-
neiro. É Vice-presidente da Comissão de Comércio Internacional da OAB/
RJ. Trabalhou como assistente de pesquisa na Fundação Getúlio Vargas –
FGV (1992-1994), foi consultora da Bruno Bros Consulting (1998-2000).
Atualmente é advogada associada do escritório Castro, Barros, Sobral Go-
mes Advogados. Autora de diversos artigos e trabalhos sobre o tema.

PAULA ALONSO

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de


Janeiro (2002). Pós-graduação de especialização em Direito Tributário pelo
Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET (2005). Membro da Ordem
dos Advogados do Brasil, Seção do Rio de Janeiro (2003). Sócia do escritó-
rio Xavier, Domingues, Campos da Silva Advogados Associados.

THEMISTOCLES MENESES NETO

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1994).


Exerce a função de gerente no Departamento de Integração da América do
Sul, da Área de Comércio Exterior do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES). LLM na London School of Economics (2003-
2004). Membro da Comissão de Comércio Internacional da OAB/RJ.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 15


Sumário

Palavra dos Co-Patrocinadores....................................................................03

Introdução...................................................................................................05

Apresentação ..............................................................................................07

Membros da Comissão de Comércio Internacional da OAB/RJ que


participaram desta obra ..............................................................................10

Resumo Curricular dos Autores por ordem alfabética..................................11

PARTE I

I. DIREITO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO................................24

1. O surgimento do GATT e as Origens da Organização Mundial


de Comércio – OMC........................................................................25

2. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO LIVRE COMÉRCIO - GATT 1994..............33

2.1. Princípio da Não-Discriminação: Princípios da Nação Mais


Favorecida e do Tratamento Nacional...................................33

2.1.2. Princípio da Nação Mais Favorecida (NMF)........33

2.1.3. Exceções ao Princípio (NMF)....................................34

2.2. Princípio do Tratamento Nacional.............................................35

2.3. Princípio da Liberalização do Comércio....................................35

2.4. Princípio da Reciprocidade ......................................................37

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 17


Sumário

2.5. Princípio da Proteção ao Mercado Doméstico...........................39

2.6. Princípio do Desenvolvimento: tratamento especial à


países em desenvolvimento......................................................39

3. MOMENTOS DE TRANSIÇÃO: A CRIAÇÃO DA OMC...................................40

3.1. O que é a OMC?.........................................................................41

3.2. Regras Básicas da Lei e da Política da OMC...............................42

3.3. Princípio do Tratamento Nacional.............................................43

3.4. Acesso a Mercados, Encargos Aduaneiros, Limitações


Quantitativas e Barreiras Não-Tarifárias................................44

3.5. Transparência, Previsibilidade e Justiça.....................................44

AUTORES: GUSTAVO SEIGNEMARTIN DE CARVALHO E


THEMISTOCLES MENESES NETO

PARTE II

II. RESUMO DOS PRINCIPAIS ACORDOS CONSTITUTIVOS DA OMC............. .46

1. Acordo de Agricultura .............................................................................49

1.1. Acesso a Mercados....................................................................51

1.2. Suporte Doméstico....................................................................52

1.3. Subsídios à Exportação..............................................................54

18 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


Sumário

1.4. A “Cláusula da Paz”...................................................................55

1.5. Comitê de Agricultura e obrigações de notificação..................56

1.6. Relação do Acordo de Agricultura com os demais Acordos da


Rodada Uruguai........................................................................56

2. Acordo sobre Barreiras Técnicas - Acordo TBT........................................57

3. Acordo sobre Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias -


Acordo SPS...............................................................................................60

4. Acordo de Direito de Propriedade Intelectual Relacionado ao Comércio –


Acordo TRIPS.............................................................................................64

4.1. Estrutura do Acordo TRIPS........................................................64

4.2. Princípios Básicos......................................................................65

4.3. Âmbito de abrangência e as normas específicas de cada direito


de propriedade intelectual.......................................................66

4.4. Conselho de TRIPS..................... ...............................................69

4.5. Mecanismo de Solução de Controvérsias..................................69

4.6. Implementação do Acordo TRIPS..............................................69

5. Acordo Geral sobre Comércio em Serviços – Acordo GATS......................70

5.1. Âmbito de Aplicação.................................................................70

5.2. Os “Modos” de Prestação de Serviços.......................................71

5.3. Princípios do GATS...................................................................71

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 19


Sumário

5.4. Cláusula da Nação Mais Favorecida (NMF)..................................72

5.5. Cláusula de Tratamento Nacional (TN).......................................72

5.6. Listas de Compromissos Específicos..........................................72

5.7 . Exceções ao cumprimento das obrigações do GATS.................73

5.8. A oferta de serviços na OMC......................................................74

5.9. As controvérsias relativas a serviços no âmbito do GATS..........74

AUTORES: BRUNO LEAL RODRIGUES, GABRIELLA LUCARELLI DE SALVIO


LUIZELLA GIARDINO BARBOSA BRANCO E PAULA ALONSO

PARTE III

III. SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA OMC..............................74

AUTORES: CLOVIS TORRES JUNIOR E FREDERICO MARQUES

PARTE IV

IV. MEDIDAS DE DEFESA COMERCIAL............................................................83

1. Medidas antidumping..............................................................................84

2. Medidas compensatórias..........................................................................89

3. Medidas de salvaguarda...........................................................................92

4. Quadro Comparativo dos Instrumentos de Defesa Comercial..................95

AUTORES: FLÁVIA DO VALLE ROCHA E LUIZELLA GIARDINO BARBOSA BRANCO

20 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


Sumário

PARTE V

V. DEFESA COMERCIAL NO BRASIL...............................................................97

1.1. A Estrutura da Defesa Comercial no Brasil................................97


1.2. Organograma do Sistema de Defesa Comercial no Brasil......99

1.3. O Procedimento Administrativo..............................................100

1.3.1. Pedido..........................................................................100

1.3.2. Análise Preliminar/Adequação da Petição..................100

1.3.3. Instrução e Defesa ....................................................101

1.3.4. Medidas Provisórias...................................................102

1.3.5. Compromissos...........................................................103

1.3.6. Encerramento da Investigação...................................103

2. Salvaguardas Relativas a Produtos Chineses.............................106

2.1. Salvaguardas Relativas a Produtos Chineses.


Salvaguardas Têxteis. Quadro Resumo............................109

3. Salvaguardas Relativas a Produtos Chineses.


Resumo.........................................................................................110

3.1. Modalidades. Salvaguardas Transitórias.


Decreto n. 5.556/06........................................................110

3.2. Condições Necessárias...................................................110

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 21


Sumário

3.3. Competências.................................................................111

3.4. Trâmites.........................................................................111

3.5. Prazos.............................................................................112

2. INVESTIGAÇÕES RELACIONADAS À DEFESA COMERCIAL NO BRASIL.


ESTATÍSTICAS...............................................................................................114

3. LEGISLAÇÃO.............................................................................................114
3.1. Medidas Compensatórias.......................................................115
3.2. Medidas antidumping.............................................................115
3.3. Medidas de Salvaguarda.........................................................115

AUTORES: ALEXANDRE BITENCOURT CALMON E


LUIZELLA GIARDINO BARBOSA BRANCO

PARTE VI
AUTORES: DANIEL GOMES CARNEIRO E FERNANDA CRESPO FERREIRA

GLOSSÁRIO .................................................................................................117

BIBLIOGRAFIA...............................................................................................155

22 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


PARTE I
DIREITO DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL
DE COMÉRCIO

GUSTAVO SEIGNEMARTIN DE CARVALHO

THEMISTOCLES MENESES NETO

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 23


O SURGIMENTO DO GATT E AS ORIGENS DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO
1. O SURGIMENTO DO GATT E AS ORIGENS DA
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO - OMC

A OMC foi criada a partir das negociações da Rodada Uruguai, que


demoraram ao redor de 08 anos (1986-1994) para serem concluídas, e
iniciou seus trabalhos oficialmente em 1o de janeiro de 1995. Apesar de
seu nascimento recente, a OMC pode ser considerada como parte de um
longo processo de institucionalização da ordem econômica internacional.
Sua concepção e origens podem ser traçadas até o período da criação do
Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, e alguns dos princípios
por ela incorporados, muitos deles já presentes no Acordo Geral sobre Ta-
rifas e Comércio – GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) e fun-
damentais ao comércio internacional, remontam ao século XIX e até mes-
mo à Idade Média.

Sua origem remonta ao final da 2ª Guerra Mundial quando Estados


Unidos e Grã-Bretanha iniciaram uma série de negociações para estabele-
cer os termos da nova ordem econômica internacional (FINLAYSON & Zacher,
1981; JAMES, 1996). Havia um consenso nos círculos políticos dos países
aliados quanto aos problemas a serem resolvidos (BORDO, 1993), e o
surgimento dos totalitarismos e contradições que levaram à 2ª Guerra Mun-
dial 1 era diretamente atribuído por esses círculos às conseqüências da
crise econômica da década de 30 do século XX (LIPSON, 1982; OMC 2003b)
. Problemas como a volatilização das moedas nacionais após o abandono
do padrão-ouro, as desvalorizações cambiais perseguidas pelos países na
tentativa de assegurar a competitividade no comércio internacional, a falta
de liquidez mundial, a retração dos investimentos e a adoção de diversos
entraves ao comércio internacional deviam ser resolvidos de maneira defi-
nitiva para que se garantisse o crescimento econômico e a paz mundial. O
grande desafio dos idealizadores do sistema era combinar as preocupa-
ções e os interesses distintos das duas potências.

1
Duas versões clássicas deste argumento estão no livro de E. H. Carr, “Vinte Anos
de Crise, 1919-1939: Uma Introdução ao Estudo das Relações Internacionais”, edita-
do no Brasil pelo Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais da Universidade
de Brasília e pela Editora Universidade de Brasília, e no livro de Charles Kindleberger,
“The World in Depression, 1929-1939”, editado pela editora da Universidade da
Califórnia.

24 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


O SURGIMENTO DO GATT E AS ORIGENS DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO
Assim, ao longo do ano de 1943, equipes de ambos os governos,
chefiadas do lado britânico por John Maynard Keynes e do lado norte-ame-
ricano por Harry Dexter White, iniciaram negociações para criar uma or-
dem mais institucionalizada e extensa, que tivesse por objetivo corrigir os
problemas experimentados no período entre guerras e promover uma maior
estabilidade no sistema econômico internacional.

Mas estas negociações não procuraram apenas restaurar o liberalis-


mo e a liberdade de comércio praticada durante o século XIX. Os processos
econômicos e políticos desencadeados durante o final do século XIX e o
fenômeno da guerra total, pela qual o Estado demonstrou sua capacidade
de intervir e mobilizar todos os recursos da sociedade (presente em menor
escala na 1ª Guerra Mundial e aperfeiçoado na 2ª Guerra Mundial), deixa-
ram profundas marcas nos sistemas econômicos, principalmente dos paí-
ses europeus. Exemplificando este compromisso instável entre o liberalis-
mo e o intervencionismo estatal nacionalista, a Carta do Atlântico, assina-
da em agosto de 1941, e o Pacto de Ajuda Mútua, assinado em fevereiro de
1942, ambos entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, previam a aceita-
ção do princípio da não-discriminação no comércio internacional pelos
britânicos, em contrapartida ao compromisso de respeito, pelos Estados
Unidos, da prioridade dada pela Grã-Bretanha à busca do pleno emprego
(BORDO, 1993; EICHENGREEN, 1996).

Tais divergências se refletiram na proposta de constituição das insti-


tuições que comporiam esta nova ordem, preparada pelas equipes de Keynes
e White e posteriormente utilizada como ponto de partida para a Confe-
rência de Bretton Woods, realizada no estado norte-americano de New
Hampshire em 1944 e que reuniu a Grã-Bretanha, os Estados Unidos e
mais 44 países aliados. Do confronto entre os ideais liberais e os ideais
nacionalistas, que formou o que John Gerard Ruggie chamou de “Liberalis-
mo Implícito” (embedded liberalism) (RUGGIE, 1982), nasceram as princi-
pais instituições do novo sistema, posteriormente batizado de “Sistema de
Bretton Woods”: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interna-
cional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (ou, simplesmente, Banco
Mundial).

A questão da criação da Organização Internacional do Comércio


(International Trade Organization, no original, OIC em português) é uma
amostra interessante dos problemas deste “Liberalismo Implícito” do pós-

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 25


O SURGIMENTO DO GATT E AS ORIGENS DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO
guerra. A criação da OIC estava nos planos originais da Conferência
(RUGGIE, 1982; EICHENGREEN, 1996; KEYLOR, 2001), principalmente por
influência da delegação norte-americana3 . A revalorização do comércio
multilateral no sistema internacional era visto, tanto pelo governo quanto
pelos setores industriais norte-americanos, como uma das garantias para
a paz e para a sustentação da expansão da economia norte-americana
(LIPSON, 1982; EICHENGREEN, 1996; KEYLOR, 2001). Além do mais, um
sistema baseado na liberdade comercial e na não-discriminação era visto
por aqueles setores como uma oportunidade para resolver diversas
distorções e barreiras criadas no comércio internacional, como o sistema
de preferências imperiais criado pela Grã-Bretanha em 1931 e os acordos
bilaterais assinados pela Alemanha nazista com os países do Leste Euro-
peu (BORDO, 1993; EICHENGREEN, 1996), além de servir de controle ao
lobby protecionista norte-americano 4 . No entanto, diante das divergênci-
as generalizadas quanto à questão comercial, a criação da OIC foi deixada
em segundo plano e somente em dezembro de 1945 foi retomada pelo
governo norte-americano (JAMES, 1996).

As negociações que se seguiram culminaram com a preparação e acei-


tação dos Estatutos da OIC por 56 países na Conferência de Havana de
1947 5. Ironicamente, os estatutos não foram ratificados pelo Congresso

3
A liberalização do comércio foi elevada a um dos objetivos do FMI, incluída no
artigo 1º de seus estatutos, mas não houve consenso sobre como promovê-la. A
própria redação do artigo mostra o conflito de interesses entre a liberalização comer-
cial e a proteção do mercado doméstico: o FMI teria por função promover a “expan-
são equilibrada e balanceada do comércio internacional, contribuindo para a promo-
ção e manutenção de altas taxas de emprego e de renda real”. (JAMES, 1996) (tradu-
ção livre).

4
Basta lembrar que alguns autores atribuem uma parcela de culpa pelo declínio do
comércio internacional nos anos que antecederam a 2ª Guerra Mundial à resposta
protecionista do governo norte-americano à crise da década 30, simbolizada pela
tarifa Hawley-Smoot, de 1930, que aumentou tarifas sobre produtos agrícolas e in-
dustrializados em média em 59% (KEYLOR, 2001). Kindleberger alega em sua obra
sobre a depressão norte-americana (citada na nota 1) que as conseqüências da crise
mundial poderiam ter sido minimizadas caso os Estados Unidos tivessem garantido a
liquidez do sistema internacional, fornecendo empréstimos e importando os produtos
produzidos no resto do mundo (KINDLEBERGER, [s.d.]). Isto, no entanto, não ocor-
reu. Uma mostra de como a crise de 1930 exacerbou o sentimento protecionista
norte-americano está no fato do governo atribuir a responsabilidade pela crise à super-
produção mundial de matérias-primas e à cartelização das economias européias
(KINDLEBERGER, 1996 (1978).

26 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


O SURGIMENTO DO GATT E AS ORIGENS DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO
norte-americano, em uma reversão do ambiente positivo anterior, e a
idéia acabou sendo abandonada pela administração Truman (FINLAYSON &
ZACHER, 1981; RUGGIE, 1982; JACKSON, 1994; EICHENGREEN, 1996; JAMES,
1996; OMC, 2003a). A ordem econômica internacional do pós-guerra aca-
bou assim sustentada por apenas duas das três colunas institucionais ini-
cialmente planejadas: o FMI, quanto às questões cambiais e de financia-
mento de curto prazo da balança de pagamentos, e o Banco Mundial, quanto
às questões de investimento e financiamento de longo prazo.

Com o impasse na criação da OIC, acabou-se optando por uma solu-


ção paliativa para promover um arcabouço institucional mínimo para a
regulação do comércio internacional. Em paralelo e na esteira das negoci-
ações para a criação da OIC, foi realizada, em 1947, uma conferência com
o objetivo de registrar as concessões tarifárias e as regras de comércio
mínimas acordadas pelas partes integrantes das negociações 6. O resulta-
do foi registrado no GATT, que deveria ser o primeiro de diversos acordos
a serem negociados sob os auspícios da OIC (FINLAYSON & ZACHER, 1981).
Com os problemas envolvendo a criação da OIC, o GATT passou de um
acordo provisório a um arranjo paliativo com status de definitivo (FINLAYSON
& ZACHER, 1981; OMC, 2003a).

O GATT, portanto, teve sua negociação concluída em novembro de


1947, com a conclusão da Conferência de Genebra, ao passo que a Carta
da ITO somente foi concluída em 1948. Mesmo sabendo que o acordo de-
veria ficar subordinado à Carta da ITO, alguns negociadores julgavam ne-
cessário que o GATT entrasse em vigor imediatamente.

De acordo com os analistas da época, a demora na implementaçaão


do acordo poderia dar azo à divulgação antecipada dos resultados obtidos,
o que apontava para a necessidade de se implementar o quanto antes os
acordos tarifários alcançados em novembro de 1947.

5
Durante a Conferência de Havana (1947-1948) os países criaram o primeiro em-
brião da atual OMC, à época não efetivada, mas substituída “provisoriamente” (du-
rante meio século) pelo GATT.

6
Um dos objetivos principais da conferência, sem dúvida, foi aproveitar a autoridade
conferida pelo Congresso norte-americano ao executivo para o corte de tarifas atra-
vés da extensão da validade do Reciprocal Trade Agreements Act de 1934
(FINLAYSON & ZACHER, 1981; JACKSON, 1994).

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 27


O SURGIMENTO DO GATT E AS ORIGENS DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO

De outra parte, outra motivação para imediata entrada em vigor do


GATT, pressionava especialmente os negociadores americanos. Pois tais
negociações foram entabuladas sob a autorização legislativa concedida em
1945, por três anos, e a demora na implementação do acordo poderia forçá-
los a submeter o acordo à apreciação do poder legislativo de seu país.

Por outro lado, os governos enfrentavam dificuldades para a


implementação imediata do acordo, sobretudo no plano jurídico. De fato,
o ordenamento jurídico interno de alguns países exige prévio exame pelo
poder legislativo para que as obrigações sejam incorporadas ao
ordenamento jurídico doméstico. Diante de tal requisito jurídico, os go-
vernos avaliavam que submeter o acordo tarifário e depois a Carta da futu-
ra organização internacional, significaria muito desgaste político interno.

Para evitar submeter os acordos à apreciação do legislativo em duas


etapas, em vez de um único pacote, os países concordaram com a adoção
de um Protocolo de Aplicação Provisória (Protocol of Provision Application).

Tal Protocolo tinha duas disposições fundamentais: a primeira con-


siste na forma de aplicação do GATT, ou seja, as partes I e III, seriam apli-
cadas imediata e incondicionalmente, sem qualquer exceção. A parte II,
por sua vez, somente seria aplicada no que não conflitasse com a legisla-
ção doméstica dos países existente à época em que o país se tornou parte
no acordo. Esta segunda parte ficou conhecida como cláusula do avô
(grandfather’s rights) e na prática permitia aos países continuar aplicando
sua legislação interna, ainda que em conflito com o disposto no GATT.
Dessa forma, o GATT entrou provisoriamente em vigor, situação que per-
durou até a conclusão da Rodada Uruguai em 1986.

Durante o período de vigência do GATT, foram realizadas sete roda-


das de negociações multilaterais, com ênfase na redução de tarifas. Com
efeito, sob o GATT conseguiu-se a redução de tarifas na ordem de 40% 7 .
A partir da Rodada de Tóquio, novos temas foram inseridos na agenda do
GATT e os países passaram a discutir questões como serviços, meio ambi-
ente, propriedade intelectual, dentre outros.

7
JACKSON, John et al. Legal Problems of International Economic Relations.
Minnesota: West Group, 2002.

28 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


O SURGIMENTO DO GATT E AS ORIGENS DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO
A última dessas rodadas de negociação iniciou-se em 1986, em Punta del
Este, Uruguai e teve a duração de 8 (oito) anos. Conhecida como Rodada
Uruguai, essa última Rodada de Negociações do GATT é considerada uma
das mais ambiciosas, pois além do aprofundamento no corte de tarifas,
trouxe inovação institucional; acordos sobre serviços; agricultura; investi-
mentos, dentre outros.

O Acordo de Marrakesh, assinado em 15 de abril de 1994, tem como


objeto principal a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), com
natureza jurídica de pessoa de direito público internacional, que goza dos
privilégios e imunidades conferidos pela Convenção das Nações Unidas
sobre Privilégios e Imunidades de Agências Especializadas 8 .

Conforme já salientado acima, dentre outros dispositivos, o Acordo


de Marrakesh estabelece os objetivos, as funções e a estrutura da OMC. No
que se refere ao acordo sobre bens, cabe destacar o Artigo II do Acordo de
Marrakesh, que estabelece a forma de incorporação dos acordos pré-OMC
ao sistema inaugurado com a conclusão da Rodada Uruguai.

De acordo com o parágrafo 1, do Artigo II, “a OMC constituirá o qua-


dro institucional comum para a condução das relações comerciais entre
seus membros nos assuntos relacionados com os acordos e instrumentos
legais conexos incluídos nos Anexos ao presente acordo” 9
.

Ou seja, conforme delineado pelos negociadores de 1948, de acordo


com a norma acima transcrita, o Acordo de Marrakesh funciona como uma
superestrutura, à qual os demais acordos foram incorporados 10 . É o que
se verifica nos demais parágrafos do artigo em tela, assim redigidos:

8
Aprovada pela Assembléia Geral em 21 de novembro de 1947.

9
Tradução oficial. Decreto n.º 1.355, de 30 de dezembro de 1994, publicado no Diário
Oficial da União, Suplemento ao n.º 248-A, Seção 1, de 31 de dezembro de 1994, p.1
e seguintes.

10
A doutrina americana e inglesa referem-se ao Acordo de Marrakesh como um
umbrella agreement (acordo guarda-chuva, em tradução livre), pois os demais acor-
dos ficam sob sua proteção. Alguns autores (Deborah Cass) se referem à
“constitucionalização” do direito do comércio internacional, traçando um paralelo com
a famosa pirâmide de Kelsen.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 29


O SURGIMENTO DO GATT E AS ORIGENS DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO
2. Os acordos e os instrumentos legais conexos incluídos nos Anexos
1, 2 e 3 (denominados a seguir “Acordos Comerciais Multilaterais”) formam
parte integrante do presente Acordo e obrigam todos os Membros.

3. Os acordos e os instrumentos legais conexo incluídos no Anexo 4


(denominados a seguir “Acordos Comerciais Plurilaterais”) também formam
parte do presente Acordo para os Membros que o tenham aceito e são
obrigatórios para estes. Os acordos comerciais plurilaterais não criam obri-
gações nem direitos para os membros que não os tenham aceitado.

4. O Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio 1994, confor-


me se estipula no Anexo 1A (denominado a seguir “GATT 1994”) é juridi-
camente distinto do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio com
data de 30 de outubro de 1947, anexo à Ata Final adotada por ocasião do
encerramento do segundo período de sesões da Comissão Preparatória da
Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Emprego, posteriormen-
te retificado, emendado ou modificado (denominado a seguir “GATT 1947”).
11

O antigo GATT 1947 foi incorporado, com todas as suas retificações,
emendas e modificações, ao Acordo de Marrakesh e rebatizado de GATT
1994. Antes um documento autônomo, o GATT passou a ser um dos quatro
anexos que compõem o Acordo de Marrakesh. Isso não significa, entretan-
to, que sua importância foi diminuída, pelo contrário, o GATT 1994 contém
os princípios basilares sobre o qual está montado todo o sistema jurídico
que disciplina as relações econômicas internacionais.

Uma vez que seu objetivo principal era o de registrar concessões


tarifárias, o GATT deixou diversas questões importantes para serem abor-
dadas no âmbito da OIC e que acabaram sem um tratamento institucional
específico (FINLAYSON & ZACHER, 1981). No entanto, alguns princípios fun-
damentais do comércio e do direito internacionais, sempre temperados pelo
“Liberalismo Implícito”, estavam a ele incorporados e formaram o arcabouço
institucional que permitiu o florescimento do comércio mundial no pós-
guerra e, posteriormente, a retomada da idéia de criação de uma organi-
zação para a regulação do comércio.

11
Ver nota 2, acima.

30 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


O SURGIMENTO DO GATT E AS ORIGENS DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE COMÉRCIO

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 31


PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO LIVRE COMÉRCIO - GATT 1994
2. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO LIVRE COMÉRCIO - GATT 1994

2.1 PRINCÍPIO DA NÃO-DISCRIMINAÇÃO: PRINCÍPIOS DA NAÇÃO


MAIS FAVORECIDA E DO TRATAMENTO NACIONAL

2.1.2 – PRINCÍPIO DA NAÇÃO MAIS FAVORECIDA


(MOST FAVORED NATION)

O princípio que pode ser apontado como a pedra basilar do GATT é o


Princípio da Não-Discriminação, ou Princípio da Nação Mais Favorecida In-
condicional (Unconditional Most Favored Nation), previsto no artigo 1.1 do
acordo (FINLAYSON & ZACHER, 1981; LIPSON, 1982).
Esse princípio geral do direito internacional do comércio encerra em
sua nomenclatura uma contradição com seu objetivo. Com efeito, o escopo
do princípio não é conceder privilégio a determinados parceiros comerci-
ais, na verdade, o Princípio da Nação Mais Favorecida (NMF) estabelece a
obrigação de que qualquer “vantagem, favor, privilégio ou imunidade” con-
cedido por um membro da OMC a outro, deve ser imediata e incondicional-
mente estendido aos demais membros da OMC.
O Princípio da Não-Discriminação se baseia no princípio clássico da
NMF, formulado no Tratado de Comércio Anglo-Francês de 1860 (o Trata-
do de Cobden-Chevalier) e depois reproduzido em outros tratados bilate-
rais no resto da Europa (LIPSON, 1982).
Por esse Princípio, em sua formulação clássica, as partes contratantes
estavam obrigadas a estender mutuamente quaisquer reduções de tarifas
que aplicassem aos produtos importados de terceiros. Quando se espa-
lhou para outros países europeus com compromissos recíprocos, este sis-
tema a princípio bilateral de redução de tarifas acabou se tornando verda-
deiramente multilateral.
Como já mencionado, à aplicação do Princípio da NMF é incondicional
e bastante ampla, diferenciando-se do princípio clássico em três aspectos.
Em primeiro lugar, não se aplicava apenas a tarifas aduaneiras, mas a to-
das as regras de comércio previstas no GATT. Em segundo lugar, se aplica-
va igualmente e diretamente a todos os membros do GATT. Por fim, se
aplicava a tarifas e concessões mesmo que não tivessem sido objeto de
negociação entre os membros do GATT (FINLAYSON & ZACHER, 1981). Por-
tanto, o Princípio NMF abrange não só tarifas e medidas alfandegárias, bem
como tributos internos, taxas e regulamentos que afetem a circulação, dis-
tribuição e uso dos produtos.

32 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO LIVRE COMÉRCIO - GATT 1994
Dentre os vários motivos para adoção do princípio da NMF, a doutri-
na12 destaca a remoção de obstáculos à vantagem comparativa e o estímu-
lo à livre concorrência e a competição.

2.1.3 EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA NMF

Apesar de sua importância, o Princípio NMF comportou diversas ex-


ceções, como a que permitiu a continuidade dos sistemas imperiais de pre-
ferências tarifárias da Grã-Bretanha e da França (expressamente prevista
no artigo 1.2 do GATT) e a que permitiu a criação de uniões aduaneiras e
áreas de livre comércio (Artigo XXIV), no interesse da “maior integração
econômica dos países membros destes acordos” (artigo 24 do GATT)
(FINLAYSON & ZACHER, 1981; RUGGIE. 1982). Assim, na prática internaci-
onal, tanto nos tratados bilaterais, quanto nos multilaterais (inclusive na
OMC), o princípio da NMF somente é concedido aos países que estão dis-
postos a concederem a mesma condição (reciprocidade) 13. Outras exce-
ções fundamentais permitiam ainda a discriminação por intermédio da im-
posição de quotas para a proteção do balanço de pagamentos e da imposi-
ção de medidas antidumping e de salvaguarda contra práticas de comércio
desleais. Posteriormente, a Rodada Tóquio oficializou a aplicação de pre-
ferências discriminatórias em favor dos países em desenvolvimento atra-
vés do Sistema Geral de Preferências - SGP (Artigo XXVIII) (Generalized
System of Preferences)14 (FINLAYSON & ZACHER, 1981).

12
MATSUSHITA, Mitsuo; SCHOENBAUM, Thomas J. e MAVROIDS, Petros. The World
Trade Organization: Law, Practice, and Policy. Londres, Oxford, 2004.

13
Apesar de sua longa existência (e prática) nas relações econômicas internacionais,
o princípio da NMF não tem a natureza jurídica de um costume internacional. Isto
implica, portanto, no fato de que somente pode ser alegado com base em tratado
bilateral ou multilateral. Houve tentativas mal sucedidas de se estabelecer o princípio
da NMF como um princípio geral de direito internacional, como a iniciativa de 1978,
da Comissão de Direito Internacional da ONU, e a Carta de Direitos e Deveres Eco-
nômicos dos Estados publicada em 1974 pela Assembléia Geral da ONU.

14
O Sistema Geral de Preferências foi criado por meio de acordo aprovado em outu-
bro de 1970 pela Junta de Comércio e Desenvolvimento da UNCTAD (United Nations
Conference on Trade and Development), a agência das Nações Unidas para o De-
senvolvimento e o Comércio, e prevê a redução de tarifas pelos países membros da
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (Organization for
Economic Co-operation and Developement, em inglês) para determinados produtos
exportados por países em desenvolvimento (Ministério do Desenvolvimento, da In-
dústria e do Comércio Exterior, [s.d.]).

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 33


PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO LIVRE COMÉRCIO - GATT 1994

2.2 PRINCÍPIO DO TRATAMENTO NACIONAL


(NATIONAL TREATMENT PRINCIPLE)

O Princípio do Tratamento Nacional (PTN) obriga a não discriminação


entre produtos nacionais e estrangeiros. Em outras palavras, no que se
refere aos bens, o PTN estabelece que uma vez desembaraçado na alfân-
dega e aplicado eventuais impostos e/ou tarifas, os produtos importados
devem receber o mesmo tratamento dispensado aos produtos da mesma
natureza produzidos no país. Caso contrário, o tratamento discriminatório
pode inviabilizar as concessões tarifárias estabelecidas com base no Arti-
go II, do GATT 1994.

O Artigo III, do GATT 1994, que veicula o princípio ora em tela, esta-
belece que nenhuma lei, regulamento ou tributação pode modificar desfa-
voravelmente as condições de concorrência entre produtos dométicos ou
importados similares.

O parágrafo 1, do Artigo III, contém princípios gerais e serve como


contexto para a aplicação dos demais parágrafos. Ademais, o parágrafo 1
estabelece o escopo de aplicação do Artigo III, a saber:

1. tributos internos e cobranças

2. leis, regulamentos e requerimentos que afetem a venda, transpor


tem distribuição ou uso do produtos

3. regulamentos internos que exijam mistura, processamento ou uso


do produtos em proporções determinadas.

O objetivo do Artigo III é, portanto, garantir a efetiva igualdade de


oportunidade dos produtos importados para competir com os produtos
domésticos e, também, evitar que medidas adotadas no âmbito doméstico
afetem as concessões tarifárias (conforme destacado acima) e limitar as
medidas protetivas aos controles de fronteira.

2.3 PRINCÍPIO DA LIBERALIZAÇÃO DO COMÉRCIO

Como visto anteriormente, o Princípio da Liberalização do Comércio


estava por trás do impulso (principalmente por parte do governo norte-

34 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO LIVRE COMÉRCIO - GATT 1994
americano) de criação da OIC e de eliminação de barreiras não-
tarifárias como, por exemplo, as quotas de importação (EICHENGREEN,
1996). Apesar deste princípio não ter sido unânime entre os países (espe-
cialmente os europeus), não foi abandonado juntamente com os planos de
criação da OIC. Inspirado no imperativo de proteção do pleno emprego e
de estabilidade econômica, o princípio foi elevado pelo artigo 12 do GATT
ao status de uma das normas básicas do sistema (FINLAYSON & ZACHER,
1981; RUGGIE, 1982).

No início, as primeiras negociações para a liberalização no âmbito do


GATT se concentraram na redução de tarifas (FINLAYSON & ZACHER, 1981;
LIPSON, 1982; OMC, 2003a). A primeira rodada de negociações 15, que co-
incidiu com a própria instituição do GATT, em Genebra, conseguiu redu-
ções expressivas nas tarifas, em grande parte por concessões dos Estados
Unidos (FINLAYSON & ZACHER, 1981; LIPSON, 1982; EICHENGREEN, 1996).
As Rodadas de Genebra (1947), Annecy (1949), Torquay (1950-1951), e
Dillon (1960-1961) pouco avançaram nas reduções (FINLAYSON & ZACHER,
1981; LIPSON, 1982; EICHENGREEN, 1996). A rodada Kennedy (1964-1967)
conseguiu romper o imobilismo graças às mudanças no cenário econômico
europeu e à autorização do Congresso norte-americano para o corte ex-
pressivo de tarifas, mas não trouxe grandes avanços no campo de medidas
não-tarifárias (com exceção da aprovação de regras para a aplicação de
medidas antidumping) (FINLAYSON & ZACHER, 1981; LIPSON, 1982). Ape-
nas a Rodada Tóquio 16 (1973-1979), que estudaremos com mais vagar no
Acordo sobre Barreiras Técnicas, procurou atacar de maneira mais siste-
mática a utilização de barreiras não-tarifárias e outros empecilhos ao co-
mércio através da aprovação de códigos como o de Compras Governamen-
tais (Government Procurement Code), de Licenciamento de Importações
(Import Licensing), de Barreiras Técnicas (Technical Barriers) e de Subsídi-
os e Medidas Compensatórias (subsidies and Countervailing Duties)
(FINLAYSON & ZACHER, 1981; OMC, 2003a). Finalmente, a Rodada Uruguai

15
No âmbito do GATT, as reduções tarifárias e eventuais alterações nas regras de
comércio foram promovidas através de rodadas multilaterais de negociação. Antes
da OMC, as rodadas foram as de Genebra (1947), Annecy (1949), Torquay (1951),
Genebra (1956), Dillon (1960-61), Kennedy (1964-1967), Tóquio (1973-1979) e Uru-
guai (1986-1994) (OMC, 2003a). Com a criação da OMC, a negociação através do
sistema de rodadas foi mantida, estando atualmente em discussão a Rodada de Doha.

16
A Rodada Tóquio será estudada com mais detalhes no capítulo IV, quando será
pormenorizado na análise sobre o Acordo sobre Barreiras Técnicas.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 35


PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO LIVRE COMÉRCIO - GATT 1994
procurou ampliar o escopo das reduções tarifárias, além de promover
uma maior discussão da questão agrícola.

2.4 PRINCÍPIO DA RECIPROCIDADE

O Princípio da Reciprocidade possui uma longa história não apenas


no comércio internacional como também no direito internacional. Segundo
o saudoso Professor Celso Mello, o princípio é encontrado em tratados
datados do século XII e XIII (MELLO, 2000) e a idéia de que um país que se
beneficia de concessões feitas por outro deve estender a este os mesmos
benefícios sem dúvida constituiu a base do Princípio da Nação Mais
Favorecida.

Por influência do governo norte-americano, o mesmo princípio foi


incluído como uma das principais normas do GATT no artigo 28 e até a
década de 60 se constituiu em uma exigência legal interna norte-america-
na para a condução de negociações comerciais (FINLAYSON & ZACHER,
1981).

Apesar de muito importante para a interpretação e o desenvolvimen-


to do GATT, a aplicação do Princípio da Reciprocidade na prática se revelou
muito mais complicada. O “Liberalismo Implícito” que permitiu a criação do
GATT também permitiu a aplicação desigual dos princípios comerciais quan-
do fosse do interesse dos Estados envolvidos proteger seus mercados na-
cionais; algumas alterações propostas ao GATT, a aprovação do Trade
Expansion Act pelo Congresso norte-americano em 1962 17, a exclusão
dos países em desenvolvimento do requisito da reciprocidade em 1965 e a
criação do SGP, em 1971, comprometeram ainda mais a aplicação do Prin-
cípio da Reciprocidade. Com isso, ele acabou se restringindo ao conceito
de “Cobertura Comercial” (trade coverage), pelo qual a reciprocidade pas-
sou a ser avaliada com relação ao volume de importações coberta pelas
concessões tarifárias (FINLAYSON & ZACHER, 1981). Como efeito não-de-
sejado desta visão limitada, ao invés de assegurar um tratamento igualitá

17
Com o Trade Expansion Act, os negociadores norte-americanos deixaram de estar
obrigados a negociar com base em uma reciprocidade de “item por item” ou “produto
por produto” e passaram a adotar uma reciprocidade baseada em “pacotes”
(FINLAYSON & ZACHER, 1981).

36 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DO LIVRE COMÉRCIO - GATT 1994
rio das partes, o princípio permitiu a predominância dos países desenvol-
vidos nas trocas comerciais, seja pelo tamanho de seus mercados internos,
seja por sua capacidade de oferecer “concessões” tarifárias, especialmente
em produtos e matérias-primas que não afetassem diretamente sua eco-
nomia doméstica ou lhe fossem complementares (FINLAYSON & ZACHER,
1981).

2.5 PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AO MERCADO DOMÉSTICO

Como visto acima, a preocupação dos países europeus (e especial-


mente da Grã-Bretanha) com os efeitos que a liberalização comercial po-
deria ter sobre suas economias no pós-guerra levaram à relativização dos
princípios da Liberalização do Comércio e da Reciprocidade incorporados
ao GATT, através da inserção de “cláusulas de escape” que permitissem
aos países membros adotarem salvaguardas temporárias específicas quando
as mudanças nos ambientes doméstico e internacional pudessem causar
desestabilização de suas economias domésticas (FINLAYSON & ZACHER,
1981; LIPSON, 1982).

Assim, o artigo 12 permitia, por exemplo, a imposição de restrições


quantitativas pelos países membros para responder a distorções na balan-
ça de pagamentos, benefício ainda mais ampliado para os países em de-
senvolvimento pelo artigo 23.B. Por sua vez, o artigo 19 (e também o arti-
go 28) conferia o benefício de exceções às regras do GATT nos casos de
desorganização dos mercados locais, através da imposição de quotas ou
de alteração das tarifas máximas a que os Estados haviam se comprometi-
do, desde que comprovada a ocorrência de danos substanciais ou potenci-
ais à indústria nacional, fossem promovidas consultas entre as partes (im-
portadores e exportadores) sobre a imposição das barreiras e estas não
fossem discriminatórias (FINLAYSON & ZACHER, 1981; LIPSON, 1982).

Como antes mencionado, além dessas cláusulas de escape, diversos


aspectos importantes do comércio internacional terminaram excluídos do
GATT ou de algumas obrigações do acordo, como questões relativas a com-
pras governamentais e áreas de livre comércio e uniões aduaneiras,
excetuadas do Princípio da Nação Mais Favorecida; o setor de agricultura,
excetuado da proibição da imposição de quotas; a exportação de matéri-
as-primas, excetuada da proibição de subsídios à exportação; e questões
relativas a imperativos de segurança nacional, saúde e moralidade públi

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 37


3. MOMENTOS DE TRANSIÇÃO: A CRIAÇÃO DA OMC
cas, excetuados de modo geral das regras do acordo (FINLAYSON &
ZACHER, 1981). Além disso, diversas práticas discriminatórias e barreiras
ao comércio simplesmente não eram sequer objeto de discussão, já que
pela chamada grandfather clause medidas adotadas antes da adesão ao
acordo não estavam sujeitas a suas regras (FINLAYSON & ZACHER, 1981;
JACKSON, 1994).

Os acordos posteriores assinados para a solução destas questões em


muitos casos mantiveram diversas exceções e possuíam caráter plurilateral,
ou seja, de aplicação restrita aos signatários e não tendo caráter obrigató-
rio (OMC, 2003a).

2.6 PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO:


TRATAMENTO ESPECIAL
À PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

O Princípio do Tratamento Especial aos países em desenvolvimento


foi acrescentado ao GATT em 1965, mas já vinha sido debatido desde me-
ados dos anos 50, com o aumento do número de países em desenvolvi-
mento subscritores desse acordo. No entanto, no início, os países desen-
volvidos estavam mais preocupados em proteger suas indústrias locais e
suas reservas internacionais e as atenções estavam voltadas para a impor-
tação; desta forma, o artigo 28 foi revisado em 1955 para permitir mais
flexibilidade aos países em desenvolvimento na imposição de restrições à
importações (FINLAYSON & ZACHER, 1981).

Com a introdução no GATT da chamada “Parte IV”, em 1965, o trata-


mento privilegiado dos países em desenvolvimento ganhou importância
(ao menos simbólica) muito grande, e o Princípio da Reciprocidade foi for-
malmente relativizado, ganhando ainda mais importância com a aceitação
do Princípio do Desenvolvimento após a Rodada Tóquio. Outras alterações,
como a exceção também criada pela Rodada Tóquio à proibição de subsí-
dios para a exportação de matérias-primas e a permissão formal de siste-
mas de preferências e a criação do SGP, procuraram reforçar a posição dos
países em desenvolvimento (FINLAYSON & ZACHER, 1981).

Há controvérsias quanto aos efeitos reais de todas estas exceções


sobre o comércio exterior dos países menos desenvolvidos. Apesar dos
benefícios criados para a exportação de produtos primários, pouco se avan-

38 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


3. MOMENTOS DE TRANSIÇÃO: A CRIAÇÃO DA OMC
çou na liberalização de produtos agrícolas (que compõem a maior parte da
pauta de exportações destes países), altamente protegidos pelos países
desenvolvidos. Além disso, o incentivo para a criação de barreiras ao co-
mércio por parte dos países em desenvolvimento prejudicou fortemente o
chamado comércio “sul-sul”, tornando estes países ainda mais dependen-
tes dos mercados desenvolvidos (OMC, 2003a).

3. MOMENTOS DE TRANSIÇÃO: A CRIAÇÃO DA OMC

Ao tempo do início da Rodada Uruguai, em 1986, quase 40 anos após


sua criação, o GATT apresentava problemas e sofria um grande desgaste.
Apesar de ter ajudado a promover, juntamente com o “sistema de Breton
Woods”, o crescimento da economia mundial e o aumento substancial das
trocas comerciais, principalmente entre os países desenvolvidos, ao final
dos anos 70 e início dos anos 80 o GATT passou a enfrentar diversos
questionamentos e movimentos crescentes de restrição ao comércio (atra-
vés da imposição de barreiras tarifárias mas, em especial, pela crescente
utilização de barreiras não-tarifárias), algumas em clara afronta a seus
princípios, outras permitidas pelas brechas e imprecisões do acordo (LIPSON,
1982; OMC, 2003a).

Dentre as restrições mais usadas, justamente porque construídos nas


brechas do GATT e portanto não considerados abertamente como “ilegais”,
estavam os acordos de Restrições Voluntárias à Exportação, ou RVE (em
inglês, Voluntary Export Restraints), usados até hoje. A grande vantagem
dos RVE era o fato de que enquanto as regras do GATT voltavam-se com a
imposição de barreiras discriminatórias à importação, os Acordos RVE re-
presentam uma restrição “voluntária” aplicadas pelos exportadores a seus
próprios produtos (LIPSON, 1982).

Apesar de mais visíveis, os RVE não eram as únicas barreiras a se


beneficiarem das brechas nas regras do GATT, os subsídios à exportação
também representavam entrave considerável ao comércio no âmbito do
acordo, principalmente pela dificuldade de identificá-los (LIPSON, 1982).

Mas as críticas ao GATT não se limitavam apenas à aplicação e ao


escopo de suas regras. Muitas críticas eram direcionadas às dificuldades
de adaptação do acordo às novas condições do comércio internacional,
cada vez mais complexo e envolvendo um número crescente de partici-

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 39


3. MOMENTOS DE TRANSIÇÃO: A CRIAÇÃO DA OMC
pantes, a maioria países em desenvolvimento (OMC, 2003a).

A primeira tentativa de se fazer uma reforma ao GATT veio com a


Rodada Tóquio, que falhou em promover alterações em questões relevan-
tes como agricultura e medidas de salvaguarda, como veremos mais
detalhadamente no Acordo sobre Barreiras Técnicas. Alguns acordos rela-
tivos às barreiras não-tarifárias foram criados, contudo a natureza não
imperativa destes fez com que apenas um reduzido número grupo de paí-
ses aderissem a esses acordos (OMC, 2003a). Ademais, o fato de não se-
rem estes acordos multilaterais, não estimulou sua adesão pela maioria
dos membros.

A falhas da Rodada Tóquio em promover as mudanças necessárias ao


sistema acabaram levando à Rodada Uruguai, considerada por muitos como
a rodada mais ambiciosa já proposta. Apesar da falta de acordo em diver-
sos assuntos, as negociações atingiram progressos significativos, entre
outros estendendo a cobertura de suas regras a setores anteriormente ex-
cluídos, como o de serviços e de propriedade intelectual, estabelecendo
novas regras a respeito de subsídios e alterando os procedimentos para
resolução de disputas (JACKSON, 1994).

Mas a conseqüência mais importante da Rodada Uruguai foi a reto-


mada da idéia de criação de uma organização internacional para a promo-
ção da liberalização do comércio, abandonada há mais de 40 anos junta-
mente com a criação da OIC e finalmente implementada através da OMC.

3.1 O QUE É A OMC?

Em alguns aspectos, a OMC difere da OIC na abordagem e maneira


pela qual atua. Sua carta possui objetivos mais limitados que os da OIC e,
ao invés de regular de maneira direta diversos aspectos do comércio inter-
nacional, procura proporcionar uma estrutura institucional para a
implementação do acordado por seus membros durante as rodadas de ne-
gociações substantivas, como no caso da Rodada Uruguai (JACKSON, 1994).
Primeiramente, a organização se constitui em um fórum para facilitar e
promover a negociação entre os Estados e a solução pacífica de controvér-
sias relativas ao comércio internacional (OMC, 2003a).

Assim, a OMC não estabelece diretamente ou dita as regras de co-


mércio internacional para os países membros, mas incorpora como anexos

40 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


3. MOMENTOS DE TRANSIÇÃO: A CRIAÇÃO DA OMC
seus estatutos as regras acordadas nas negociações multilaterais, como o
próprio GATT, incorporado ao arcabouço institucional da OMC pelo pará-
grafo 1º do artigo 16 de seus estatutos com as alterações introduzidas na
Rodada Uruguai, e que serve como um acordo “guarda-chuva” para o co-
mércio de bens (JACKSON, 1994; OMC, 2003a).

Atualmente, a estrutura da OMC é composta por cinco partes diferen-


tes. A primeira é constituída por um tratado “guarda-chuva” estabelecendo
a OMC e criando uma estrutura burocrática e organizacional formal para a
organização. As demais partes formam os anexos ao tratado que estabele-
ce a OMC: a primeira contém os acordos específicos estabelecendo as re-
gras e os princípios gerais para cada uma das áreas sujeitas à regulação,
sendo o GATT (atualizado pela Rodada Uruguai) utilizado para a cobertura
do comércio de bens, o Acordo Geral Sobre o Comércio de Serviços (em
inglês, General Agreement on Trade in Services, ou simplesmente GATS)
utilizado para o setor de serviços, e o Acordo sobre Aspectos de Direitos
de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (em inglês, Trade-
Related Aspects of Intellectual Property Rights, ou simplesmente TRIPS)
utilizado para questões de propriedade intelectual; uma parte contendo
alguns acordos específicos de aceitação opcional, como o de Compras Go-
vernamentais; uma parte relacionada aos mecanismos de solução de con-
trovérsias; e uma parte final contendo as regras para a revisão das políti-
cas de comércio exterior dos países membros (JACKSON, 1994; OMC,
2003a).

Ainda em anexo ao GATT estão diversos acordos substantivos resul-


tantes da Rodada Uruguai e de suma importância para a organização, como
o Acordo sobre Agricultura (em inglês, Agreement on Agriculture), o Acor-
do sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (em inglês, Agreement on
Sanitary and Phytosanitary Measures) e o Acordo sobre Barreiras Técnicas
ao Comércio (em inglês, Agreement on Technical Barriers to Trade).

3.2 REGRAS BÁSICAS DA LEI E DA POLÍTICA DA OMC

Como visto, a OMC não possui os mesmos objetivos da OIC, servindo


mais como um fórum para a solução de disputas através das regras acor-
dadas pelos Estados do que uma organização com autonomia para regular
diretamente o comércio internacional. Os princípios e regras adotados pela
OMC são aqueles acordados pelos Estados-membros nos diferentes acor

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 41


3. MOMENTOS DE TRANSIÇÃO: A CRIAÇÃO DA OMC
dos e na versão do GATT atualizada pela Rodada Uruguai. Em conse-
qüência, os princípios orientadores e regras básicas previstos originalmente
no GATT também foram incorporados à disciplina da OMC, com algumas
modificações. Resumidamente, são os seguintes:

a) Princípio da não-discriminação - O Princípio da Não-Discriminação


determina que um país membro não discrimine entre seus parceiros co-
merciais, adotando tarifas e práticas mais benéficas ou restritivas para uns
e não para outros. Este está intimamente relacionado aos princípios da
Nação Mais-Favorecida e do Tratamento Nacional (OMC, 2003a), sendo tam-
bém chamado de Princípio da Nação Mais-Favorecida Incondicional.

b) Princípio da nação mais-favorecida - O Princípio da Nação Mais-


Favorecida em sua formulação clássica determina que quaisquer benefíci-
os concedidos a terceiros sejam estendidos às partes contratantes. No caso
do GATT e da OMC, o princípio se aplica a todos os membros da organiza-
ção; desta forma, quaisquer benefícios concedidos a um de seus membros
devem ser estendidos aos demais.

Tanto na disciplina do GATT quanto na OMC, o princípio é considera-


do como um dos mais importantes do comércio internacional, estando pre-
visto nos artigos 1o do GATT, artigo 2º do GATS e 4º do TRIPS. No entanto,
também na OMC o “Liberalismo Implícito” significa que o Princípio da Na-
ção Mais-Favorecida possui reservas e exceções, como por exemplo quan-
to a questões de moralidade e saúde públicas e segurança (OMC, 2003a).

3.3 PRINCÍPIO DO TRATAMENTO NACIONAL

O Princípio do Tratamento Nacional está relacionado aos princípios


da Não-Discriminação e da Reciprocidade. Produtos, serviços e marcas e
patentes importados devem ter o mesmo tratamento que os produtos, ser-
viços e marcas e patentes locais. Vale lembrar que pela definição dada pela
OMC, o princípio somente é válido quando os produtos, serviços e marcas
e patentes entram no mercado doméstico, o que significa que tarifas não
são consideradas como uma violação do Princípio do Tratamento Nacional
(OMC, 2003a).

O princípio se encontra formalizado nos artigos 3º do GATT, 17 do


GATS e 3º do TRIPS.

42 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


3. MOMENTOS DE TRANSIÇÃO: A CRIAÇÃO DA OMC
3.4 ACESSO A MERCADOS, ENCARGOS ADUANEIROS, LIMITAÇÕES
QUANTITATIVAS E BARREIRAS NÃO-TARIFÁRIAS

Um dos principais objetivos da OMC é garantir que o processo de


liberalização do comércio internacional tenha prosseguimento como acor-
dado pelos Estados membros nos acordos substantivos e na Rodada Uru-
guai. O Princípio do Acesso a Mercados, intimamente relacionado aos prin-
cípios de Não-Discriminação e de Liberalização (conforme previsto no GATT)
pretende assegurar que as barreiras não-tarifárias sejam gradativamente
abandonadas e que, por sua vez, as barreiras tarifárias (ou seja, encargos
aduaneiros) sejam também progressivamente diminuídas, nos níveis acor-
dados e estabelecidos pelos Estados nos acordos substantivos. É impor-
tante lembrar que entendimentos oriundos do “Liberalismo Implícito” 18 e
das demandas dos países em desenvolvimento levaram à relativização do
Princípio do Acesso a Mercados e, principalmente, à chamada “liberalização
progressiva” para facilitar o ajuste doméstico por parte de países desen-
volvidos e em desenvolvimento (JACKSON, 1994; OMC, 2003a). No Acordo
sobre a Agricultura, por exemplo, a diminuição prevista para as tarifas apli-
cadas pelos países desenvolvidos foi de 36% durante o prazo de 6 anos e,
para os países em desenvolvimento, de 24% no prazo de 10 anos.

O processo de liberalização se deu através do processo de “tarifização”


(em inglês, tarification) de diversas barreiras não-tarifárias, ou seja, pela
eliminação de limitações e barreiras quantitativas ao comércio e pelo cál-
culo e estabelecimento de uma tarifa que garantisse os mesmos níveis de
proteção anteriores a tarifização (OMC, 2003a). Ao contrário de restrições
não-tarifárias e quantitativas, como as quotas, as tarifas asseguram algum
nível de proteção aos mercados domésticos sem distorcerem os fluxos co-
merciais, uma vez que atuam diretamente através do sistema de preços,
sendo mais flexível e ajustável (LIPSON, 1982). Os acordos da OMC tam-
bém procuraram regularizar diversas práticas que embora não configurem
barreiras propriamente ditas, distorcem o comércio internacional, como a
concessão de subsídios aos produtores domésticos (OMC 2003a).

18
A estabilidade internacional e a autonomia das políticas internas foram caracterís-
tica do período do entre guerras. O compromisso com o “liberalismo implícito” segun-
do se convencionou em chamar, significava o intento de permitir aos governos segui-
rem políticas que estimulassem o crescimento keynesiano em seus países, sem rom-
per com a estabilidade monetária internacional.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 43


3. MOMENTOS DE TRANSIÇÃO: A CRIAÇÃO DA OMC

Como o processo de tarifização é progressivo e está sujeito às preo-


cupações dos Estados com a proteção de seus mercados domésticos, di-
versas restrições podem ser aplicadas pelos Estados- membros, inclusive
algumas de cunho não-tarifário (OMC, 2003a). Regras específicas sobre a
aplicação de salvaguardas, previstas no artigo 19 do GATT, por exemplo,
permitem a utilização temporária de restrições à importação em casos
emergenciais, incluindo até a possibilidade de aplicação de quotas.

3.5 TRANSPARÊNCIA, PREVISIBILIDADE E JUSTIÇA

Finalmente, um dos princípios mais importantes da OMC é o da Trans-


parência e da Previsibilidade. Em muitos casos, o compromisso de não se
elevar tarifas ou criar outros entraves e limitações ao comércio são tão
importantes quanto os compromissos de redução de tarifas. A transparên-
cia quanto às práticas e aos níveis tarifários adotados pelos diversos paí-
ses membros é considerada essencial para assegurar investimentos e o
aumento das trocas comerciais (OMC, 2003a), mas também é importante
para assegurar a defesa dos países membros contra a imposição de medi-
das de salvaguarda por parte de outros membros.

A transparência é assegurada de diversas maneiras na estrutura legal


da OMC e está intimamente ligada aos princípios de Liberalização e de
Acesso a Mercados. A eliminação de barreiras não-tarifárias; os compro-
missos obrigatórios de redução de tarifas (chamados em inglês de Binding
Commitments) alcançados e registrados nos acordos substanciais anexos
à Carta da OMC; e a revisão e divulgação das práticas e regras de comércio
praticadas pelos países membros individualmente (OMC, 2003a), são exem-
plos práticos da regra de transparência na OMC.

44 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


PARTE II
RESUMO DOS PRINCIPAIS ACORDOS
CONSTITUTIVOS DA OMC

BRUNO LEAL RODRIGUES


GABRIELLA GIOVANNA LUCARELLI DE SALVIO
LUIZELLA GIARDINO BARBOSA BRANCO
PAULA ALONSO

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 45


RESUMO DOS PRINCIPAIS ACORDOS CONTITUTIVOS DA OMC

RESUMO DOSPRINCIPAIS ACORDOS


CONSTITUTIVOS DA OMC

A OMC acumula como uma de suas funções administrar duas catego-


rias de Acordos: os Acordos Multilaterais e os Plurilaterais. Vejamos cada
um deles.

a) Acordos Multilaterais:
São os acordos e instrumentos jurídicos conexos incluídos nos ane-
xos 1, 2 e 3 que formam parte do Acordo Constitutivo da OMC e são
vinculantes para todos os membros. São esses:

Anexo 1A:
Acordos multilaterais sobre o comércio de bens:
· Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 1994 (GATT 94);
· Acordo sobre a Agricultura;
· Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias;
· Acordo sobre Têxteis e Confecções;
· Acordo sobre Obstáculos Técnicos ao Comércio;
· Acordo sobre as Medidas em Matéria de Investimentos Relaciona
das com o Comércio;
· Acordo sobre a Aplicação do Artigo VI do GATT (dumping);
· Acordo sobre a Aplicação do Artigo VII do GATT (valoração adua
neira);
· Acordo sobre a Inspeção Prévia à Expedição;
· Acordo sobre Normas de Origem;
· Acordo sobre os Procedimentos para o Trâmite de Licenças de Im
portação;
· Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias;
· Acordos sobre Salvaguardas.

Anexo 1B:
Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços e Anexos – GATS.

Anexo 1C:
Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Re
lacionados com o Comércio – TRIPS.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 47


RESUMO DOS PRINCIPAIS ACORDOS CONTITUTIVOS DA OMC

Anexo 2:
Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos que Regem a So
lução de Controvérsias.

Anexo 3:
Mecanismo de Exame de Políticas Comerciais.
b) Acordos Plurilaterais: 19

Anexo 4:
Acordo sobre o Comércio de Aeronaves Civis, Acordo sobre
Contratação Pública, Acordo Internacional dos Produtos Lácteos, Acor
do Internacional de Carne Bovina.

A seguir, vamos estudar alguns dos principais Acordos dos Anexos 1


e 2.

19
Os acordos relacionados no Anexo 4 são de adesão voluntária e o Brasil aderiu
somente ao Acordo Internacional de Carne Bovina.

48 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


ACORDO DE AGRICULTURA
ACORDO DE AGRICULTURA

Segundo o Acordo, o objetivo da negociação na área agrícola é o de


estabelecer um sistema de comércio justo e orientado pelo mercado. O
processo de reforma deve ser iniciado através de negociações de compro-
missos sobre as reduções dos mecanismos de apoio e de proteção ao se-
tor, e através do estabelecimento de regras e disciplinas do GATT,
fortalecidas e operacionalmente mais eficazes (GATT, 1994). O Acordo de
Agricultura aplica-se, conforme seu Artigo 2, aos bens agrícolas informa-
dos no Anexo I do Acordo, compreendendo os itens constantes dos Capí-
tulos 1 a 24 do Sistema Harmonizado20 , com a exclusão de produtos da
pesca e com a inclusão de treze outros produtos classificados fora dos
capítulos acima mencionados21 . É o único setor econômico que possui um
acordo multilateral específico 22
.

O Acordo de Agricultura foi uma inovação decorrente da Rodada Uru-


guai, e surge como uma tentativa de submeter, ainda que gradativamente,
os produtos agrícolas aos princípios e aos acordos multilaterais de livre
comércio, tendo em vista que sob a égide do GATT 47 várias Partes Con-
tratantes excepcionavam o setor agrícola da aplicação plena das discipli-
nas dos acordos multilaterais por meio de acordos específicos, quotas,
barreiras não tarifárias, subsídios, licenças de importação discricionárias,
etc.

20
O denominado “Sistema Harmonizado de Descrição e Codificação de Mercadori-
as”, ou simplesmente “Sistema Harmonizado” consiste em uma lista de classificação
de mercadorias estabelecida pela Organização Internacional de Aduanas, que pas-
sou a vigorar a partir de 1988. O Sistema Harmonizado contém 99 capítulos divididos
em 21 seções, e fornece uma classificação padrão, que é utilizada por todos os mem-
bros, de até seis dígitos, sendo possível que os membros detalhem suas tabelas
incluindo sub-classificações.

21
Os produtos classificados sob os seguintes códigos do Sistema Harmonizado:
2905.43; 2095.44; 33.01; 35.01 a 35.05; 3809.10; 3823.60; 41.01 a 41.03; 43.01;
50.01 a 50.03; 51.01 a 51.03; 52.01 a 52.03; 53.01; e 53.02.

22
O acordo sobre aviação civil é um acordo plurilateral. O Acordo Multifibras não mais
vigora.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 49


ACORDO DE AGRICULTURA
A intervenção estatal no setor agrícola – mediante a concessão de
subsídios, manutenção de preços mínimos, regulação de estoques, etc. – é
defendida sob os mais variados argumentos, desde a necessidade de pro-
dução de alimentos até a importância de evitar o êxodo rural, sendo espe-
cialmente intensa nos países desenvolvidos 23
.

Nesse contexto, o Acordo de Agricultura foi o primeiro passo para


incluir o setor agrícola nas disciplinas dos acordos multilaterais da OMC.
Entretanto, não obstante a existência do Acordo, o setor agrícola sofre gran-
des pressões protecionistas, principalmente por parte dos países desen-
volvidos, não alcançando por essa razão, o mesmo grau de liberalização
dos demais setores.

O Acordo disciplina o comércio de bens agrícolas através de três ver-


tentes: acesso a mercados; suporte doméstico e subsídios à exportação.
Vejamos a seguir cada uma dessas vertentes.

23
O Tratado que institui a Comunidade Européia, por exemplo, dispõe em seus arti-
gos 32 a 38, sob a política agrícola no âmbito do mercado comum, estabelecendo
que dentre seus objetivos inclui-se a estabilização de mercados e o aumento do ren-
dimento individual do que trabalham na agricultura.

50 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


ACORDO DE AGRICULTURA
1.1 ACESSO A MERCADOS

Em relação ao acesso a mercados, o acordo implicou em conversão


das restrições comerciais existentes, tais como quotas, em tarifas
(tariffication).

Durante a Rodada Uruguai as Partes Contratantes converteram gran-


de parte das restrições não-tarifárias em tarifas, e informaram essas tari-
fas através de listas de compromissos (schedules) anexas ao Acordo 24 .

O processo de conversão de medidas não-tarifárias em tarifas consi-


derou, em princípio, qual tarifa conferiria o mesmo nível de proteção con-
ferido pela medida não-tarifária. Assim, por exemplo, se sob a égide de
uma medida não-tarifária importavam-se cem unidades, a tarifa aplicada
permitiria que penas cem unidades fossem importadas.

O artigo 4 do Acordo proíbe a manutenção ou imposição de qualquer


outra restrição diversa dos limites tarifários informados em suas listas de
compromissos 25 . Dessa forma, os membros acordaram uma redução pro-
gressiva das tarifas consolidas, a partir da entrada em vigor do acordo, que
se deu, como todos os Acordos decorrentes da Rodada Uruguai, em 1995.
A redução seria de trinta e seis por cento ao longo de seis anos para os
países desenvolvidos, e de vinte e quatro por cento ao longo de dez anos
para os países em desenvolvimento.

Não obstante os compromissos de acesso a mercado, os membros


não definiram a possibilidade de impor “medidas de salvaguarda especi-
ais” (special safeguard measures – SSG), em relação a alguns produtos.

As SSG podem ser impostas se, cumulativamente: (a) o membro tiver


convertido suas restrições não-tarifárias em tarifas, em relação aos pro

24
Em relação a bens, as listas de compromissos dos membros são compostas de
quatro partes. A Parte I compreende as concessões NMF, isto é, as tarifas consolida-
das de cada membro. A Parte II compreende as concessões relativas a acordos
preferenciais. A Parte III compreende as concessões em relação a medidas não-
tarifárias. A Parte IV compreende as concessões em relação a suporte doméstico e
subsídios à exportação no que concerne a bens agrícolas.

25
As listas de compromisso fazem parte do Acordo para todos os fins legais.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 51


ACORDO DE AGRICULTURA
dutos que irá impor a SSG; e (b) o membro tiver informado em suas
listas de compromissos que o produto em questão está sujeito a eventual
imposição da SSG 26 . Se estas duas condições tiverem sido cumpridas, as
SSG podem ser impostas se, alternativamente: (a) as importações atingi-
rem um determinado volume; ou (b) o preço de importação de o produto
descer abaixo de um determinado patamar. Esses parâmetros são calcula-
dos na forma do artigo 5 do Acordo.

As SSG divergem das demais salvaguardas previstas no Acordo de


Salvaguardas porque não há necessidade de demonstrar prejuízo para a
indústria doméstica e as SSG podem ser impostas automaticamente quan-
do o volume ou preço de importação atinge os parâmetros previstos no
artigo 5 do Acordo de Agricultura.

1.2 SUPORTE DOMÉSTICO

O subsídio à agricultura é uma questão sensível em diversos países,


em especial em países desenvolvidos, como mencionado anteriormente.
Nesse sentido, os termos do Acordo de Agricultura, tanto em relação a
suporte doméstico, quanto em relação a subsídios à exportação, ainda que
enfrentem o problema dos subsídios agrícolas, estabelecem uma discipli-
na menos rígida do que a aplicável aos demais bens na forma do Acordo de
Subsídios e Medidas Compensatórias.

Em relação a suporte doméstico, o Acordo de Agricultura classifica as


medidas dentro de “caixas”, em função do efeito distorcivo da medida no
volume da produção agrícola e nos fluxos de comércio internacional.

As medidas classificadas sob a rubrica “caixa verde”, permitidas sob a


égide do acordo, são utilizadas para qualificar as medidas de apoio interno
que não distorcem (ou distorcem minimamente) o comércio agrícola 27. Esta
forma de apoio está isenta do compromisso de redução, mas não pode

26
Para submeter o produto o membro deveria ter incluído a sigla SSG ao lado do
produto em sua lista de compromissos.

27
O Anexo 2 do Acordo de Agricultura define os critérios básicos para uma medida
ser considerada não-distorciva, que consistem em: (a) o suporte ser fornecido pelo
governo sem envolver transferência de renda dos consumidores para os beneficia-
dos; e (b) a medida não ter como efeito proporcionar um preço mínimo para os produ-
tores.

52 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


ACORDO DE AGRICULTURA
estar vinculada a nenhum tipo de garantia de preços aos produtores. São
medidas de apoio doméstico do tipo caixa verde as assistências a desas-
tres, bem como os programas governamentais de pesquisa, extensão ru-
ral, infra-estrutura e controle de pestes e doenças.

As medidas classificadas como “caixa azul”, que usualmente seriam


distorcivas, podem ser admitidas se associadas com outras medidas que
determinem o limite de produção. As medidas classificadas sob caixa azul
não estão imunes à contestação pelos outros membros através do meca-
nismo de solução de controvérsias ou imunes a aplicação de medidas uni-
laterais com vistas a compensar os efeitos distorcivos, como medidas com-
pensatórias, mas os subsídios classificados sob a caixa azul estão isentos
dos compromissos de redução e não serão computados para aferir o limite
de suporte doméstico distorcivo que, na forma da lista de compromissos,
os membros estão autorizados a fornecer. O artigo 6.5 do Acordo discipli-
na as medidas classificadas sob a “caixa azul”.

Todas as medidas as medidas de suporte que não restarem classifica-


das sob a caixa verde ou a caixa azul são classificadas sob a caixa “caixa
amarela” (também conhecidas como “caixa âmbar”). As medidas classifi-
cadas sob a rubrica “caixa amarela” são consideradas distorcivas, e, embo-
ra não sejam proibidas, sua concessão deve observar limites informados
pelos membros em suas listas de compromissos, ficando sujeitas a com-
promissos de redução.

Durante as negociações do Acordo, os membros informaram o valor


de subsídios domésticos que concediam, tendo como base a média dos
anos de 1986 a 1988 (inclusive). Esses valores, constantes da Seção I,
Parte IV da lista de compromissos de cada membro, informam o limite anual
que cada membro pode conceder a título de suporte doméstico.

O montante permitido de suporte doméstico sob a caixa âmbar é de-


finido através do que o Acordo denomina de “medida agregada de suporte”
(Aggregate Measurement of Support – AMS) 28. Para o calculo da AMS por

28
Para definir os limites de concessão de subsídios domésticos, e, nesse sentido,
para balizar o cumprimento das obrigações de redução, os cálculos consideram, em
um primeiro momento, as medidas de suporte por produto, como preceitua o Artigo 6
do Acordo.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 53


ACORDO DE AGRICULTURA
produto são consideradas as medidas internas de suporte de preços,
cujo valor é aferido a partir da diferença entre o preço interno e o preço
internacional; são considerados os pagamentos diretos vinculados à dife-
rença de preços interno e externo, multiplicados pelo valor da produção; e
são considerados quaisquer outros subsídios não compreendidos nas cai-
xas verde e azul. Após o cálculo da AMS por produto, os valores são soma-
dos, e são adicionados os valores denominados “Medidas de Suporte Equi-
valente” (Equivalent Measurement of Support), que são subsídios que, por
algum motivo, não podem ser calculados da forma definida para o cálculo
da AMS. O valor total é denominado “Medida Agregada de Suporte Total”
(Total Aggregate Measurement of Support), o valor de medidas de suporte
que o exceda é proibido.

Os valores de suporte doméstico estão sujeitos a compromissos de


redução na forma do Artigo 6 do Acordo. Os países desenvolvidos com-
prometeram-se a reduzir vinte por cento de seus subsídios no período de
seis anos a partir da entrada em vigor dos acordos da OMC (termo final em
2000), e os países em desenvolvimento treze por cento em dez anos (ter-
mo final em 2004). Mais recentemente, em dezembro de 2005, na Reunião
Ministerial em Hong Kong em que foram discutidos diversos itens de libe-
ração comercial para a Rodada de Doha, os países estabeleceram o ano de
2013 como prazo para a eliminação de todas as formas de subsídios à
agricultura.
1.3 SUBSÍDIOS À EXPORTAÇÃO

Como o nome indica, os subsídios à exportação consistem em subsí-


dios vinculados à exportação. O Acordo de Subsídios e Medidas Compen-
satórias proíbe qualquer tipo de subsídio à exportação, em razão dos efei-
tos distorcivos por estes provocados no fluxo de comércio internacional.
Entretanto, o próprio Acordo de Subsídios, contudo, determina que os sub-
sídios à exportação concedidos na forma do Acordo de Agricultura não são
proibidos 29
.

O Acordo de Agricultura não define o conceito de subsídio, de forma


que se aplica o conceito do Acordo de Subsídios e Medidas Compensatóri-
as, no sentido de entender que há um subsídio quando: (a) existe uma
contribuição financeira por parte de um governo; ou (b) existe algum me-

29
Conforme art. 3.1 do Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias.

54 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


ACORDO DE AGRICULTURA
canismo de suporte de preço; e, de forma cumulativa a alguma das condi-
ções mencionadas acima, (c) é conferido um benefício.

O Artigo 8 do Acordo de Agricultura determina que o membro so-


mente poderá conceder subsídios à exportação na forma prevista no acor-
do, e o Artigo 9 relaciona uma série de medidas que são consideradas
subsídios à exportação. Os subsídios à exportação estão, como as medi-
das de suporte doméstico, sujeitos a limites informados na Parte IV da lista
de compromissos dos membros. Os limites em relação a subsídios à ex-
portação são informados na Seção II da Parte IV das listas de compromis-
sos, e são expressos tanto em relação a dispêndios financeiros, quanto a
quantidades subsidiadas.

O valor é uma média relativa aos subsídios concedidos durante os


anos de 1986 a 1990, sendo que as obrigações de redução aplicam-se
tanto em relação aos valores monetários, quanto às quantidades. Os paí-
ses desenvolvidos comprometeram-se a reduzir, em um período de seis
anos a partir da entrada em vigor do Acordo, em trinta e seis por cento o
valor financeiro dos benefícios e em vinte e um por cento o volume das
quantidades subsidiadas. Em relação aos países em desenvolvimento os
percentuais são, respectivamente, de vinte e quatro por cento e de quatorze
por cento, e o período para implementação é de dez anos.

1.4 A “CLÁUSULA DA PAZ”

Ainda que admitidos sob a égide do Acordo de Agricultura, as medi-


das de suporte doméstico ou os subsídios à exportação permanecem su-
jeitos à imposição de medidas compensatórias.
As disposições do Artigo 13 do Acordo conhecidas como “cláusulas
de paz”, estabeleciam limites à imposição de medidas compensatórias por
parte dos membros da OMC em face de um membro que concedesse sub-
sídios domésticos ou à exportação. A cláusula de paz vigeu durante nove
anos contados da entrada em vigor do acordo, de 1995, terminando em
2003.

Em essência, a cláusula da paz determinava que: (a) as medidas de


suporte doméstico classificadas como caixa verde não ensejariam a apli-
cação de medidas compensatórias; (b) as medidas que estivessem de acor

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 55


ACORDO DE AGRICULTURA
do com o Artigo 6, i.e. fossem concedidas nos limites informados nas
listas de compromissos estariam isentas de medidas compensatórias se
não houvesse prejuízo para a indústria doméstica; e (c) subsídios à expor-
tação concedidos na forma dos compromissos somente estariam sujeitos a
medidas compensatórias nos limites dos danos ou da ameaça de danos
verificada à indústria doméstica.

1.5 COMITÊ DE AGRICULTURA E OBRIGAÇÕES DE NOTIFICAÇÃO

O Acordo de Agricultura determina, em seu Artigo 17, que será cria-


do um Comitê de Agricultura, e o Artigo 18 determina que o Comitê deve
proceder à avaliação da implementação das obrigações do Acordo, com
base nas notificações dos membros em relação às matérias objeto do acordo,
em especial suporte doméstico e subsídios à exportação.
Aplicam-se aos bens agrícolas, em especial, o acordo de barreiras
técnicas e o acordo de medidas sanitárias e fito-sanitárias, tendo em vista
o controle sobre a importação de bens agrícolas para fins de saúde públi-
ca.

O descumprimento de obrigações do Acordo pode ensejar a abertura


de painel com fulcro no mecanismo de solução de controvérsias.

1.6 RELAÇÃO DO ACORDO DE AGRICULTURA


COM OS DEMAIS ACORDOS DA RODADA URUGUAI

Não há qualquer exceção nos demais Acordos da Rodada Uruguai em


relação à sua aplicação sobre bens agrícolas. Nesse sentido, os membros
devem observar em relação a bens agrícolas todos os princípios e obriga-
ções previstas nos demais acordos, tal como o Princípio da Nação Mais
Favorecida e Princípio do Tratamento Nacional.

56 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


ACORDO DE AGRICULTURA
2. ACORDO SOBRE BARREIRAS TÉCNICAS AO COMÉRCIO
ACORDO TBT

O objetivo do Acordo é o de assegurar que regulamentos técnicos e


normas não criem obstáculos desnecessários para o comércio internacio-
nal, reconhecendo a importante contribuição que eles podem da ao au-
mento da eficiência da produção e a condução do comércio internacional
(GATT, 1994).

As barreiras técnicas foram primeiramente contempladas pelo GATT


47 que fazia referências gerais sobre regulamentos e padrões técnicos nos
artigos III, XI e XX. O tema só passou a ser tratado com mais profundidade
na Rodada Tóquio, realizada no período de 1973 a 1979, quando o mundo
passava por restrições comerciais em virtude do cenário econômico pouco
favorável em face da crise do petróleo e do aumento do desemprego (LIMA,
2005).

Diante do cenário protecionista formado, os membros passaram a se


concentrar em temas específicos com o fim avaliar o impacto das barreiras
não tarifárias ao comércio, e concluíram que as barreiras técnicas consti-
tuíam a maior categoria de medidas não tarifárias enfrentada pelos expor-
tadores. Assim, ao final da Rodada Tóquio, foram criados vários acordos
específicos como o objetivo de restringir a adoção indiscriminada de bar-
reiras não tarifárias ao comércio 30 (TANNO, Grace; FERRACIOLLI, Paulo),
dentre esses o Standards Code, código de normas que tinha por objetivo
regular a aplicação de barreiras técnicas ao comércio.

Entretanto, a falta de comprometimento de todas as Partes Contra-


tantes em relação ao que se negociava (“GATT à la carte”), fez com que
apenas 32 dos 102 países que participavam da rodada, acolhessem o
Standards Code 31
. Assim, o Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio

30
Ao final da Rodada Tóquio foram assinados 9 Códigos, a saber: Subsídios e Medi-
das Compensatórias, Código de Normas, Procedimentos de Licenciamento de Im-
portação, Compras Governamentais, Valoração Aduaneira; Antidumping, Acordo so-
bre Carne Bovina, Acordo Internacional sobre Lacticínios, Comércio de Aeronaves
Civis.
31
Sob esse aspecto, vale salientar que o Brasil, juntamente com Argentina e Chile,
foram os únicos países da América Latina que à época, 1983, assinaram o acordo,
demonstrando desde cedo preocupação e alinhamento com o tema tratado.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 57


ACORDO DE AGRICULTURA
(Agreement on Technical Barriers to Trade) ou Acordo TBT, concluído
na Rodada Uruguai (1986-1994), substituiu o Standards Code e aprimorou
suas regras, tornando-se obrigatório para todos os Membros da OMC.

Apesar de seu caráter obrigatório, o Acordo TBT não prevê expressa-


mente as normas e os regulamentos que devem ser adotados pelos países.
Antes, estabelece princípios genéricos e programáticos com o objetivo de
nortear os Membros na criação de normas e regras específicas que deverão
fazer parte de acordos em matéria de padrões técnicos, tanto por normas
facultativas quanto por regulamentos obrigatórios. E, como forma de pre-
venir a diversidade, o Acordo encoraja os países a usarem padrões inter-
nacionais, reconhecendo, contudo, o direito dos países em adotar padrões
que considerem apropriados.

Não obstante dispor expressamente que os Membros devem assegu-


rar que os regulamentos não criem “obstáculos desnecessários” ao comér-
cio internacional, o Acordo TBT não elimina, entretanto, a zona cinzenta de
subjetividade que paira sobre sua interpretação deixando esta, ao sabor
dos interesses comerciais dos países.

Entretanto, a medida em que padrões técnicos passam a ser observa-


dos nos produtos internacionalmente comercializados, quando um produ-
to não cumpre com as especificações da regulação técnica pertinente, sua
venda não será permitida, não sendo por isso considerada necessariamen-
te uma medida protecionista. Portanto, os países se deparam com proble-
mas técnicos que embora possam não ser consideradas “barreiras” stricto
sensu, acabam por restringir a exportação de países menos desenvolvidos,
em virtude de impedimentos diversos que oneram a produção e reduzem a
margem de competitividade.

Em razão dessa distorção, o Acordo TBT dispõe à facilitação de aces-


so de produtos dos países em desenvolvimento e de menor desenvolvi-
mento relativo. Essa via preferencial se dá por meio de concessão de trata-
mento especial e diferenciado, uma vez que esses países normalmente
enfrentam dificuldades tecnológicas para acompanhar os rigorosos padrões
técnicos exigidos por certos Membros, principalmente os países desenvol-
vidos.

Com o intuito de suplantar estas dificuldades, os países mais desen-


volvidos se comprometeram no Acordo TBT a promover programas de Co-

58 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


ACORDO DE AGRICULTURA
operação Técnica 32
com os países menos desenvolvidos, por meio da trans-
ferência de tecnologia. Somente dessa forma é possível obter um nível de
confiança suficiente entre os países para a assinatura de Acordos de Reco-
nhecimento Mútuo (“Mutual Recognition Agreement”) - MRAs 33
dos pro-
cedimentos de avaliação de conformidade 34.

Com vistas a proporcionar uma maior transparência às regras relati-


vas a questões técnicas do comércio internacional, o Acordo TBT determi-
na que cada membro se responsabilize pela manutenção de um centro de
informações para a disseminação das notificações dos seus regulamentos
e normas técnicas, assim como de seus procedimentos de avaliação da con-
formidade. No Brasil, o INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Nor-
malização e Qualidade Industrial, exerce esse papel por meio do Ponto
Focal de Barreiras Técnicas às Exportações, que vem desenvolvendo um
relevante trabalho junto ao empresariado nacional, principalmente os de
pequeno e médio porte.

O Acordo TBT é, portanto, aplicado de forma ampla a regulamentos


técnicos e padrões inclusive aqueles que têm por objetivo a proteção à
saúde. Entretanto, na Rodada Uruguai os negociadores perceberam que as
medidas sanitárias e fitossanitárias mereciam regras especiais, apartadas
daquelas aplicáveis à extensa categoria dos regulamentos técnicos. Essa
percepção ficou evidenciada durante a Rodada, quando observou-se que

32
Para saber mais detalhes sobre os Acordos de Cooperação Técnica de que o
Brasil faz parte atualmente acessar o site www.inmetro.gov.br/barreirastecnicas/
coopTecnica.asp

33
Os Acordos de Reconhecimento Mútuo - MRAs existem com o objetivo de evitar
custos adicionais ao produtor. Assim, uma vez aprovado, o produto amparado por
esses Acordos não se sujeita à realização de novos testes em outras localidades. Em
outras palavras, testado uma vez, “aceito em qualquer lugar”. Para saber mais deta-
lhes sobre os Acordos de Reconhecimento Mútuo de que o Brasil faz parte acessar o
sítio eletrônico www.inmetro.gov.br/barreirastecnicas/recMutuo.asp

34
Os procedimentos de avaliação e conformidade representam a função central na
operação dos Acordos de Reconhecimento Mútuo – MRAs. São os procedimentos
utilizados, direta ou indiretamente, para verificar o cumprimento das prescrições per-
tinentes aos regulamentos técnicos ou normas. Os procedimentos para a avaliação
da conformidade compreendem, entre outros, os de amostragem, prova e inspeção;
avaliação, verificação e garantia da conformidade; registro, acreditação e aprovação,
separadamente ou em distintas combinações.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 59


ACORDO DE AGRICULTURA
do total de notificações recebidas pelo Comitê do Acordo sobre Bar-
reiras Técnicas, 47% recaiam sobre preocupações com a saúde humana
(LIMA; MIRANDA ;GALLI; 2005) Desta forma surgiu o Acordo SPS, que visa
tratar especificamente das medidas sanitárias e fitossanitárias.

3. ACORDO SOBRE A APLICAÇÃO DE MEDIDAS SANITÁRIAS E


FITOSSANITÁRIAS - ACORDO SPS

O Acordo sobre a Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias


(Agreement on the Application of Sanitary and Phytossanitary Measures),
ou, simplesmente, Acordo SPS, foi assim um dos Acordos elaborados du-
rante a Rodada Uruguai e faz parte do Anexo I A do Acordo de Marrakesh,
que constituiu a OMC.

O Acordo SPS prevê as regras básicas para que medidas sanitárias e


fitossanitárias não se convertam em barreiras ao comércio. Ele permite que
os países imponham controles sobre o comércio quando destinados à pro-
teção da vida e da saúde humana, animal e vegetal. A condição a esta apli-
cação é que estas medidas devem ser estabelecidas de forma não
discriminatória, e devem ser fundamentadas em evidências científicas.

Cabe aqui relembrar que um dos objetivos estabelecidos no preâm-


bulo do GATT foi a eliminação do tratamento discriminatório no comércio
internacional, ou seja, a eliminação do tratamento distinto e discricionário
entre as partes contratantes. O princípio da não discriminação, desenvol-
vido pelas regras relativas ao tratamento nacional e nação-mais-favorecida,
está previsto no artigo I do GATT que, embora não faça nenhuma referên-
cia explícita a esse preceito, dispõe que "qualquer vantagem, favor, privi-
légio ou imunidade geral concedida a algum produto originário dentro ou
destinado a algum país seja imediata e incondicionalmente estendido a
todos os demais países."

Dessa forma, o Acordo SPS cria disciplinas para resguardar a saúde e


vida humana e dos animais (medidas sanitárias) e a saúde e vida das plan-
tas (medidas fitossanitárias) contra riscos contidos nos alimentos e nos
produtos agrícolas, como doenças e pestes. Pode-se dizer que este Acor-
do tem dupla finalidade, qual seja:

· reconhecer o direito soberano dos Membros a proporcionar o nível

60 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


ACORDO DE AGRICULTURA
de proteção de saúde que considerem adequados; e
· garantir que as medidas sanitárias e fitossanitárias não represen-
tem restrições desnecessárias e arbitrárias sob um ponto de vista científi-
co ou que possam encobrir medidas protecionistas.

Ao mesmo tempo em que permite aos países estabelecerem suas pró-


prias leis, decretos, regulamentos e normas relacionadas à saúde e segu-
rança dos alimentos, animais e plantas, o Acordo SPS exige que esta regu-
lamentação se aplique na medida necessária para proteger a saúde e não
estabeleça discriminação entre países com condições idênticas ou seme-
lhantes, em outras palavras, objetiva evitar que a “proteção” não se trans-
forme em protecionismo.

O Acordo também apóia a utilização dos padrões internacionais, cri-


ados pela Comissão do Codex Alimentarius (segurança dos alimentos), pelo
Escritório Internacional de Epizootias – OIE (saúde animal) e pela Conven-
ção Internacional de Proteção Vegetal – CIPV (saúde das plantas), e a
harmonização dos padrões próprios, criados pelos Membros. Nesse senti-
do, o artigo 4 do Acordo prevê que os Membros devem reconhecer que as
medidas aplicadas por outros países são equivalentes às suas, quando al-
cançam um mesmo nível de proteção.

Segundo o art. 1.1 do Acordo SPS 35, existem dois requisitos para que
as medidas sanitárias e fitossanitárias possam ser aplicadas: a) que a me-
dida colocada em questão seja uma medida sanitária ou fitossanitária; e b)
que os efeitos da mesma afetem direta ou indiretamente o comércio inter-
nacional. O artigo não prevê, portanto, a necessidade de comprovação de
redução no fluxo comercial, bastando apenas que se confirme à medida
ser aplicável a produtos importados para que se presuma haver um impac-
to no comércio internacional.

O parágrafo 1, Anexo A, do SPS, define as medidas sanitárias e


fitossanitárias como sendo aquelas aplicadas para:

1.1 proteger a vida ou a saúde animal ou vegetal dentro do território

35
Art. 1.1 do Acordo SPS - “Este Acordo aplica-se a todas as medidas sanitárias e
fitossanitárias que possam direta e indiretamente afetar o comércio internacional.
Tais medidas serão elaboradas e aplicadas em conformidade com os dispositivos do
presente Acordo”.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 61


ACORDO DE AGRICULTURA
de um Membro, dos riscos procedentes da entrada, estabelecimento
ou disseminação de pestes, doenças ou organismos hospedeiros ou cau-
sadores de doença;
1.2 para proteger a vida ou a saúde humana ou animal dentro do
território de um Membro, dos riscos procedentes de aditivos, agentes
poluidores, toxinas, organismos causadores de doenças vindos de alimen-
tos, bebidas ou suprimentos alimentares;
1.3 para proteger a vida ou a saúde humana, dentro do território de
um Membro, dos riscos procedentes de doenças causadas por animais, plan-
tas ou produtos desses, ou provenientes da entrada, estabelecimento ou
disseminação de pestes; ou
1.4 para prevenir ou limitar outros danos dentro do território de um
Membro, provenientes da entrada, estabelecimento ou disseminação de
pragas.

As medidas sanitárias e fitossanitárias incluem toda a legislação per-


tinente, decretos, regulamentos, exigências e procedimentos, incluindo inter
alia, os critérios relativos ao produto final; os processos e métodos de pro-
dução; os procedimentos para testes, inspeção, certificação e homologa-
ção; os regimes de quarentena, incluindo exigências pertinentes associa-
das com o transporte de animais ou vegetais ou os materiais necessários à
sua sobrevivência durante o transporte; aos dispositivos relativos a méto-
dos estatísticos pertinentes, procedimentos de amostragem e métodos de
avaliação de risco; e requisitos para embalagem e rotulagem diretamente
relacionados com a segurança dos alimentos.

Entretanto, a definição acima é apenas ilustrativa. Se a medida gover-


namental exarada contiver os objetivos mencionados nos itens descritos
será considerada medida sanitária e fitossanitária, mesmo não estando
prevista na definição do Anexo A.1, não importando também o seu forma-
to.

O Acordo apóia a utilização dos padrões internacionais e harmonização


dos padrões nacionais, além de solicitar aos países que aceitem diferentes
métodos sobre a aplicação de medidas sanitárias de outros países, dentro
do princípio da equivalência sanitária, desde que tais medidas garantam o
nível de proteção desejada 36. É importante observar, contudo, que as me-
didas destinadas à aplicação territorial de padrões domésticos de saúde
são excluídas da aplicação do Acordo SPS.

62 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


ACORDO DE AGRICULTURA

Deste modo, verifica-se, o Acordo SPS mantém a permeabilidade con-


tida no Acordo TBT, desta vez com relação à prerrogativa de conferir aos
Membros a adoção de seus próprios critérios sanitários e fitossanitários.
Como ressalvado anteriormente, esse fato abre a possibilidade de serem
impostas medidas restritivas arbitrárias, que oscilam segundo a conveni-
ência dos países.

Nesse ponto vale a pena fazermos um breve parêntese para explicar o


princípio da regionalização - O princípio da regionalização, previsto no
artigo 6 do Acordo SPS e no Código de Saúde dos Animais Terrestres (OIT),
determina que os países reconheçam as áreas livres ou de baixa prevalência
de doenças no território de seus parceiros comerciais, com o propósito de
permitir o controle mais eficaz das doenças, e evitar barreiras injustificadas
ao comércio internacional. Entretanto, embora seu conceito seja nítido, seu
reconhecimento e aplicação não ocorrem com facilidade. Esse tema é alvo
de discussões constantes no Comitê do Acordo SPS. Em junho de 2005, o
Brasil manifestou-se sobre o assunto e enfatizou a necessidade de se es-
tabelecer, no âmbito da OMC, um procedimento para o reconhecimento da
regionalização.

Por fim, vale observar que nem todas as medidas destinadas à saúde
pública são consideradas medidas sanitárias ou fitossanitárias. As restri-
ções comerciais por motivos de saúde podem ser tratadas tanto pelo Acor-
do SPS quanto pelo Acordo TBT. Entretanto, há diferença no âmbito desses
Acordos. Assim é que medidas relacionadas a outros riscos à saúde, rele-
vantes para o comércio internacional, e medidas, não diretamente destina-
das à proteção da saúde, mas ao consumidor, não se encaixam na defini-
ção e, portanto, não são sujeitas às disciplinas do Acordo SPS, sendo trata-
das pelo Acordo TBT.

No caso dos alimentos, por exemplo, não se consideram medidas sa-


nitárias ou fitossanitárias as determinações relativas às exigências de cons

36
O Acordo SPS não impõe a todos os países os mesmos requisitos sanitários e
fitossanitários devido à existência de diferentes tipos de clima, doenças, ou circuns-
tâncias de segurança alimentar. Desse modo, as essas irão variar consoante as con-
dições alimentares, animais e vegetais apresentadas no país de origem.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 63


ACORDO DE AGRICULTURA
tar na etiqueta o valor nutritivo das mesmas, normas de qualidade e
regulamentação das embalagens, de forma que, nestes casos, aplica-se o
Acordo TBT. Entretanto, as prescrições relativas a etiquetas que guardem
relação com a inocuidade do alimento se considera medidas sanitárias.

4. ACORDO DE DIREITO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL


RELACIONADO AO COMÉRCIO - ACORDO TRIPS

O TRIPS (Trade Related Intelectual Property Rights), ou Acordo do Di-


reito da Propriedade Intelectual Relacionado ao Comércio – TRIPS, integra
o Anexo IC do Acordo de Marrakesh. O objetivo do Acordo é o de estabele-
cer um quadro de referência par as negociações multilaterias de princípi-
os, regras, e disciplinas relacionadas com os direitos de propriedade inte-
lectual, de forma que essas medidas não se transformem em barreiras ao
comércio (GATT, 1994).

Assim, o TRIPS destina-se a proteger o conhecimento e a idéias dos


inventores de produtos (software, livros, discos, remédios, etc.) que for-
mam o direito de propriedade intelectual, impedindo que pessoas que não
detenham esse direito vendam ou se utilizem produtos sem autorização.
Tais direitos incluem direitos autorais, marca, patentes, desenhos indus-
triais, indicações geográficas, dentre outros.

Sua estrutura foi desenvolvida baseada nas diversas convenções in-


ternacionais sobre propriedade intelectual, incorporando seus dispositi-
vos, inclusive aqueles administrados pela Organização Mundial de Propri-
edade Intelectual (“OMPI”), com sede em Genebra. Vejamos a seguir sua
estrutura.

4.1 ESTRUTURA DO ACORDO TRIPS

A Parte I contém os princípios básicos do GATT, tais como princípio


do Tratamento Nacional e da Nação Mais Favorecida, além dos princípios
constantes de acordos de proteção à propriedade intelectual.

A Parte II contém as normas específicas relativas à disponibilidade,


abrangência e ao uso dos direitos de propriedade intelectual, quais sejam
(i) copyright ou direito do autor; (ii) marcas; (iii) indicações geográficas;

64 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


ACORDO DE AGRICULTURA
(iv) desenho industrial; (v) patentes; (vi) topografia de circuitos integrados;
(vii) proteção de informação confidencial; e (viii) controle de práticas
anticoncorrenciais em licenças contratuais.

A Parte III estabelece as obrigações dos governos de cada Estado-


Membro de criar procedimentos e remédios internos com o objetivo de
assegurar o cumprimento dos direitos de propriedade intelectual e ainda
prevenir qualquer infração aos mesmos. Tais procedimentos devem possi-
bilitar uma ação efetiva contra qualquer violação a direito de propriedade
intelectual, devendo ser justos e eqüitativos, simples, não custosos, sendo
os prazos e atrasos permitidos razoáveis. Estabelece ainda que as decisões
administrativas estarão sujeitas à revisão pelo Poder Judiciário e que as
autoridades judiciais terão o poder para determinar medidas cautelares e
provisórias, especialmente nos casos em que eventual demora puder cau-
sar dano irreparável ao direito ou quando haja probabilidade de destruição
das provas. Por fim, a Parte III do Acordo TRIPS determina que os Estados-
Membros estabelecerão procedimentos penais e penalidades para os casos
de pirataria de direitos do autor e contrafação de marca em escala comer-
cial, incluindo detenção e aplicação de multas.

4.2 PRINCÍPIOS BÁSICOS


Os Membros estão obrigados a implementar as previsões deste Acor-
do em seus sistemas nacionais por meio de edição de leis nacionais ou
normas administrativas que incorporem especificamente suas disposições.
Por outro lado, possuem a faculdade de estabelecer uma proteção mais
abrangente aos direitos de propriedade intelectual em seus sistemas naci-
onais internos, desde que estes estejam em conformidade com os princí-
pios e dispositivos do Acordo TRIPS.

O TRIPS não derroga as obrigações assumidas pelos signatários da


Convenção de Paris sobre Proteção à Propriedade Industrial (1967), da Con-
venção de Berna sobre Proteção a Trabalhos Literários e Artísticos (1971) e
da Convenção de Roma sobre Proteção de Artistas, Produtores de Discos e
Organizações de Difusão, e do Tratado sobre Propriedade Intelectual com
Respeito aos Circuitos Integrados.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 65


ACORDO DE AGRICULTURA

4.3 ÂMBITO DE ABRANGÊNCIA E AS NORMAS ESPECÍFICAS DE CADA


DIREITO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL

a) Copyright ou Direito do Autor - Com relação ao direito do autor, os


Membros estão obrigados a cumprir as normas substantivas estabelecidas
na Convenção de Berna, não obstante estarem dispensados da obrigação
de proteção dos direitos morais, conforme estabelece Artigo 6° dessa Con-
venção.

Os programas de computador são protegidos como trabalho literário,


nos termos da Convenção de Berna. O Acordo estabelece também os crité-
rios em que a compilação de dados deve ser protegida pelo direito de au-
tor. O prazo de vigência da proteção ao direito do autor é calculado com
base na vida da pessoa, devendo ser no mínimo 50 anos, contados da data
de publicação do trabalho.

b) Marcas - Nos termos do Acordo TRIPS, as marcas suscetíveis de


proteção abrangem quaisquer sinais ou combinação de sinais capazes de
distinguir os bens e serviços de uma realização para outra realização. O
Acordo estabelece ainda os direitos mínimos conferidos ao proprietário da
marca. Marcas com notoriedade em determinado país terão direito a uma
proteção adicional.

Ademais, o Acordo estabelece uma série de obrigações relativas ao


uso de marcas, prazo de vigência da proteção e regras quanto ao
licenciamento e cessão e transferência das mesmas.

c) Indicação geográfica - Indicações geográficas suscetíveis de pro-


teção, conforme previsto no Acordo TRIPS, são as indicações que identifi-
cam um bem como originário de um determinado território, região, locali-
dade, onde determinada qualidade, reputação ou outra característica es-
pecífica do bem seja atribuída a sua origem geográfica.

No tocante às indicações geográficas, o Acordo estabelece que todos


os Membros deverão estabelecer meios para prevenir o uso de qualquer
indicação que dificulte a compreensão pelo consumidor da origem dos bens
e qualquer uso que possa ser prejudicial à competição.

66 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


ACORDO DE AGRICULTURA

No caso de vinhos e bebidas alcoólicas, os Membros devem estabele-


cer meios para que, mesmo nos casos em que haja designação da origem
do produto, assegurar proteção ao produtor dos vinhos e bebidas alcoóli-
cas.

d) Desenho industrial - Os Estados deverão assegurar proteção aos


desenhos industriais de criação independente e que sejam inéditos ou ori-
ginais, podendo determinar que os desenhos que não sejam significativa-
mente diferentes de desenhos já conhecidos ou de combinação de dese-
nhos ou características deles não serão passíveis de proteção.

A proteção dos desenhos industriais terá a duração de 10 anos, sen-


do que os proprietários de desenhos protegidos terão direito de prevenir a
criação, venda ou importação de artigos contendo desenhos que sejam cópia
de desenho já protegido.

e) Patentes - As patentes serão concedidas para qualquer invenção,


de produto ou processo, em qualquer área de tecnologia, desde que seja
inédita, envolva processo inventivo, e seja passível de aplicação industrial.
As patentes estarão disponíveis e os direitos de patentes serão concedidos
sem qualquer discriminação quanto ao local de invenção, à área de
tecnologia e ao fato de serem importados ou produzidos localmente.

O Acordo TRIPS prevê, ainda, uma obrigação geral de cumprimento


das normas substantivas estipuladas na Convenção de Paris (1967). Ade-
mais, o Acordo determina que todas as invenções, de produto ou processo,
terão direito a uma patente com duração mínima de 20 anos, contados da
data de pedido de patente.

Os Membros podem excluir da possibilidade de serem patenteadas,


invenções cuja exploração comercial seja proibida por motivos de e moral
e ordem pública.

Além disso, o Acordo prevê a possibilidade de exclusão de métodos


diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos no tratamento de humanos e ani-
mais.

Também podem ser excluídos as vegetais e animais, que não

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 67


ACORDO DE AGRICULTURA
microorganismos, e essencialmente processados biologicamente na
produção de vegetais e animais que não sejam não-biológicas e
microbiologicamente processados. A proteção à variedade de vegetais deve
dar-se seja por meio de concessão de patentes seja pelo sistema sui generis
(estabelecido pela Convenção sobre Proteção de Novas variedade de Plan-
tas – UPOV).

O Acordo estabelece condições detalhadas para o licenciamento com-


pulsório ou o uso governamental de patentes sem autorização do proprie-
tário. Os direitos conferidos quanto às patentes de processo devem ser
estendidas aos produtos resultantes diretamente do processo, sob deter-
minadas condições.

f) Topografia de circuitos integrados - No que concerne à proteção de


topografia de circuitos integrados, o TRIPS estabelece que a proteção deve
basear-se nos dispositivos previstos no Tratado sobre Propriedade Inte-
lectual com respeito a Circuitos Integrados (Washington Treaty), para além
de outras obrigações estabelecidas no Acordo.

A proteção deve estar disponível pelo prazo mínimo de 10 anos, con-


tados da data do pedido de registro ou da primeira exploração comercial.
O licenciamento compulsório e o uso governamental são permitidos ape-
nas em casos e condições específicos.

g) Informação confidencial - Informações confidenciais e know-how


que tenham valor comercial são passíveis de proteção contra qualquer que-
bra de confiança, e outros atos contrários à prática comercial de boa fé.

Informações de teste submetidas, como condição para aprovação de


marketing de produto farmacêutico, ou de produto químico de agricultura
que utilizem novas químicas, também devem ser protegidos contra o uso
comercial de má fé.

h) Controle de práticas anticoncorrenciais em licenças contratuais - A


última seção da Parte II do Acordo estabelece as regras para consultas en-
tre governos onde haja motivos para se acreditar que as práticas de

68 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


ACORDO DE AGRICULTURA
licenciamento ou as condições quanto ao direito de propriedade intelectu-
al passaram a constituir abuso de tais direitos e têm efeito adverso na
competição. Os remédios contra referidos abusos devem estar em confor-
midade com as demais regras do Acordo.

4.4. CONSELHO DE TRIPS

O Acordo prevê o Conselho de TRIPS com as funções de monitorar a


aplicação do Acordo e o seu cumprimento por parte dos governos dos Es-
tados-Membros.

Ao Conselho de TRIPS incumbe ainda a revisão de leis e regulamen-


tos, bem como jurisprudência judicial e administrativas de cada Membro
relacionadas à proteção de propriedade intelectual, em conformidade com
o Acordo.

4.5. MECANISMO DE RESOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

As disputas suscitadas quanto à aplicação do Acordo TRIPS devem


observar as regras de solução de controvérsias do sistema do GATT. O
cumprimento do Acordo pode ser objeto de dois tipos de demanda, tanto
em relação à não adoção de leis internas e ao não estabelecimento de me-
canismos administrativos internos, por parte dos Estados-Membros que
satisfaçam os requisitos básicos da Parte II do Acordo, seja quanto ao fun-
cionamento não satisfatório e aplicação dos procedimentos e regulamen-
tos internos, por cada Membro.

4.6 IMPLEMENTAÇÃO DO ACORDO TRIPS

O Acordo TRIPS previu um período de transição de 01 ano para os


países desenvolvidos adaptarem suas respectivas legislações e práticas
internas em conformidade com as obrigações assumidas no Acordo.
Já os países em desenvolvimento e países em processo de transfor-
mação para economia de mercado teriam o prazo de 05 anos. Por fim, os
países menos desenvolvidos teriam o prazo de 11 anos.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 69


ACORDO GERAL SOBRE COMÉRCIO EM SERVIÇOS

5. ACORDO GERAL SOBRE COMÉRCIO EM SERVIÇOS – ACORDO GATS

5.1 ÂMBITO DE APLICAÇÃO

O GATS (General Agreement on Trade in Services), ou Acordo Geral


sobre Comércio em Serviços, compõe o Anexo 1B dos Acordos de Marrakesh,
que criou a OMC. Este acordo tem como objetivo estabelecer um quadro de
referência multilateral de princípios e regras para o comércio de serviços,
que visa à sua expansão transparente e progressiva liberalização, como
meio de promoção do crescimento econômico de todos os parceiros co-
merciais (GATT, 1994).

O processo de liberalização de serviços deve ser realizado com o de-


vido respeito aos objetivos da política nacional e aos níveis de desenvolvi-
mento dos Estados-Membros, em bases individuais, seja em setores em
geral (compromissos horizontais), seja em setores específicos (compro-
missos verticais), sempre de modo progressivo. Aos países em desenvolvi-
mento deve ser concedida flexibilidade nesse processo de liberalização.
Avança-se no processo de liberalização a cada rodada de negociações, sem-
pre com o objetivo de aumentar o nível geral de compromissos assumidos
pelos Estados-Membros. Os Estados-Membros indicam as liberalizações
progressivas acordadas por meio de ofertas.

Não há que se confundir o GATS com o GATT. Enquanto o GATT (Ge-


neral Agreement on Trade and Tariffs) se refere ao comércio de bens, o
GATS se refere ao comércio em serviços. Outra diferença entre os dois acor-
dos é que no GATS está prevista uma liberalização progressiva dos servi-
ços. No GATT, por outro lado, foram negociadas regras aplicadas a todos
os setores.

70 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


ACORDO GERAL SOBRE COMÉRCIO EM SERVIÇOS

5.2 OS “MODOS DE PRESTAÇÃO” DE SERVIÇOS

O “comércio de serviços” a que se refere o GATS é definido em 4 (qua-


tro) Modos de Prestação, nos termos do artigo I do referido instrumento.

Modo 1. Prestações transfronteira (cross border supply) – é assim de-


signada, uma vez que não compreende necessariamente o movimento físi-
co do consumidor ou prestador do serviço de um Estado-Membro até outro
Estado-Membro. Dentre os melhores exemplos estão os serviços de tele-
comunicações ou transferência de fundos bancários do território de um
Membro para outro.

Modo 2. Serviços de consumo no exterior (consumption abroad) -


envolve o deslocamento do consumidor do serviço para o território do
prestador do serviço, tal como com serviços de turismo.

Modo 3. Presença comercial (commercial presence) – verifica-se a pres-


tação de um fornecedor do serviço de um Estado-Membro no território de
outro Estado-Membro. Como exemplo, citam-se os serviços bancários pres-
tados por banco estrangeiro com presença comercial (filial).

Modo 4. Presença natural de pessoas - há a prestação de serviço por


meio do “movimento natural de pessoas”. Nesta modalidade, há o movi-
mento temporário do fornecedor (representado por pessoas físicas) ao ter-
ritório do consumidor, tal como no caso de um consultor que viaja para
prestar seus serviços para cliente localizado em outro Estado-Membro.

Ficam excetuados do campo de aplicação do GATS os serviços pres-


tados no exercício de autoridade governamental (ou seja, o serviço que é
prestado sem base comercial e sem concorrência com outros prestadores),
aqueles prestados no âmbito de acordos regionais de integração econômi-
ca, e os serviços de setores específicos que não tenham sido incluídos nas
listas de compromisso dos Estados-Membros.

5.3 PRINCÍPIOS DO GATS


A exemplo de todos os Acordos da OMC, os dois princípios mais im-
portantes são os da Nação Mais Favorecida (NMF) e do Tratamento Nacio-
nal (TN).

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 71


ACORDO GERAL SOBRE COMÉRCIO EM SERVIÇOS
Além destes dois princípios, há que se considerar também os princí-
pios da transparência e do devido processo legal. Pelo primeiro, exige-se
que os Estados-Membros explicitem seus mecanismos legais, de modo que
não sejam acusados posteriormente de manter, e omitir, medidas restriti-
vas ao comércio em serviços. O segundo refere-se às questões de legisla-
ção interna (regulação doméstica), tais como licenças e certificados confe-
ridos a prestadores de serviços que podem ser exigidos pelos Estados-
Membros.

5.4 CLÁUSULA DA NAÇÃO MAIS FAVORECIDA (NMF)

Pela cláusula da NMF, prevista no artigo II do GATS, cada Estado-


Membro deve garantir, imediata e incondicionalmente (ou seja, exclui-se a
idéia de reciprocidade na sua aplicação), um tratamento não menos favo-
rável que aquele conferido aos serviços e prestadores de serviços similares
de qualquer outro Estado-Membro.
Assim, a obrigação da NMF proíbe, como ocorre em matéria de co-
mércio de bens, qualquer discriminação de jure ou de facto aos prestadores
e serviços estrangeiros que se encontrem nas mesmas condições com os
seus “similares”, expressão esta que encerra muitas dificuldades conceituais,
no entanto.

5.5 CLÁUSULA DE TRATAMENTO NACIONAL (TN)

A Cláusula de TN, prevista no artigo XVII do GATS, reflete um dos


princípios aplicáveis ao comércio internacional de bens, repetido no âmbi-
to do GATS. O TN tem por objetivo principal proibir que serviços e
prestadores de serviços originados de outros Estados-Membros da OMC
recebam tratamento discriminatório em relação aos serviços e fornecedo-
res similares nacionais.

5.6 LISTAS DE COMPROMISSOS ESPECÍFICOS

Como antes mencionado, o objetivo do GATS é a constante e pro-


gressiva liberalização dos serviços por parte de todos os Estados-Mem-
bros, que se traduz pelo aumento de compromissos em suas listas.

72 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


ACORDO GERAL SOBRE COMÉRCIO EM SERVIÇOS
As listas de compromissos específicos elaboradas por cada Estado-
Membro contem os compromissos de acesso a mercados que foram acor-
dados a serviços e prestadores de serviço de outro Estado-Membro, seja
em negociações bilaterais, plurilaterais ou multilaterais. O princípio do TN
não pode ser desconsiderado nas listas, que são parte integrante do GATS.

Com relação a cada setor cada lista deve especificar: termos, limita-
ções e condições de acesso a mercado; condições e qualificações relativas
ao tratamento nacional; acordos relacionados a compromissos adicionais;
prazos para a implementação de cada compromisso; e a data de entrada
em vigor de cada compromisso.

Os Estados-Membros podem modificar ou retirar qualquer obrigação


assumida nas listas, desde que a modificação ou a retirada do compromis-
so ocorra depois de transcorridos três anos da data de entrada em vigor do
compromisso referente à lista. Ainda, o Estado-Membro tem de notificar o
Conselho de Comércio em Serviços acerca de sua intenção dentro de, no
mínimo três meses da pretendida modificação ou retirada do compromisso
em determinado setor, a fim de dar oportunidade aos Estados-Membros
afetados pela modificação ou retirada negociarem ajustes compensatórios
– que não se traduzem em dinheiro, mas sim em compromissos em outros
setores – que deverão obedecer aos princípios de NMF. Se não for possível
a negociação, o impasse será resolvido por arbitragem (art. XXI. 3(a) do
GATS), conforme as regras procedimentais do Entendimento sobre Resolu-
ção de Controvérsias (para maiores detalhes ver capítulo sobre o assunto).

Vale mencionar, ainda, que toda a modificação de compromissos deve


ser notificada ao Conselho para Comércio de Serviços, órgão encarregado
de supervisionar o GATS. Todos os Estados-Membros podem participar do
Conselho, desde que manifestem sua intenção de fazê-lo.

5.7 EXCEÇÕES AO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DO GATS

O GATS autoriza restrições ao comércio de serviços no caso de sérias


dificuldades de financiamento externo (artigo X) e da balança de paga-
mento (artigo XI) dos Estados-Membros, bem como exceções gerais (arti-
go XIV) para medidas visando à promoção de objetivos sociais, ambientais
ou políticos. Os Estados-Membros são também autorizados a adotar limi-
tações de acesso a mercado (artigo XVI), quando da elaboração de suas

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 73


ACORDO GERAL SOBRE COMÉRCIO EM SERVIÇOS
listas de compromissos específicos.

5.8 A OFERTA EM SERVIÇOS NA OMC

Tal como os demais Estados-Membros, o Brasil apresentou sua lista


de compromissos por ocasião de sua entrada na OMC, em 1995. Em 2004,
o país apresentou a denominada “Oferta Inicial”, para 14 setores. Tal “Oferta”
representa o alargamento da lista de compromissos de um Estado-Mem-
bro, tal como esperado nos termos do artigo XIX do GATS.

Posteriormente, em 10 de junho de 2005, o Brasil apresentou sua


“Oferta Revisada”. Vale notar que o Brasil ainda não apresentou ofertas em
alguns setores sensíveis, tais serviços de serviços financeiros e marítimos,
e vem sendo muito pressionado para tal, sobretudo pelos países desenvol-
vidos (PDs). No entanto, em sua “Oferta Revisada” o Brasil apresentou, sua
oferta para serviços de telecomunicações, oferta essa pela qual há muito
vinha sendo demandado pelos demais membros da OMC. Vale ressaltar, no
entanto, que a Oferta brasileira em telecomunicações não trouxe inova-
ções, baseando-se puramente nos dispositivos contemplados na Lei Geral
de Telecomunicações do Brasil, marco regulatório para o setor.

Na apresentação de suas ofertas – tanto iniciais quanto revisadas - os


Estados-Membros utilizam o Sistema Geral de Classificação de Produtos
(Central Product Classification Sysem – CPC) da ONU para identificar os
serviços, individualmente ou em setores.

5.9 AS CONTROVÉRSIAS RELATIVAS A SERVIÇOS


NO ÂMBITO DO GATS

Para a resolução das controvérsias resultante do descumprimento de


obrigações do GATS devem ser aplicadas as regras previstas no Entendi-
mento sobre Resolução de Controvérsias (Anexo 2 do Acordo de Marrakesh).
A primeira disputa envolvendo exclusivamente serviços foi o de Medidas
afetando o Serviço de Telecomunicações, levada pelos Estados Unidos da
América contra o México.

74 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA OMC

III PARTE
SISTEMA DE SOLUÇÃO
DE CONTROVÉRSIAS NA OMC

CLOVIS TORRES JUNIOR


FREDERICO DO VALLE MAGALHÃES MARQUES

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 75


SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA OMC

SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA OMC

A OMC instituiu, através do Entendimento Relativo às Normas e Pro-


cedimentos sobre Solução de Controvérsias, o órgão para Solução de Con-
trovérsias - OSC (Dispute Settlement Body), já previsto no Acordo
Constitutivo da OMC, com a tarefa de tratar de consultas e controvérsias
entre seus membros relacionadas aos direitos e/ou obrigações destes.

O Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução


de Controvérsias (ESC) é aplicável tanto às consultas quanto à solução de
controvérsias do Acordo Constitutivo da OMC, dos Acordos Comerciais
Multilaterais – dos Acordos Multilaterais sobre o Comércio de Mercadorias,
do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços, do Acordo sobre Aspectos
de Direito de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio, dos
Entendimentos Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Con-
trovérsias, e dos Acordos Comerciais Plurilaterais – Acordo sobre o Co-
mércio de Aeronaves Civis, Acordo sobre Compras Governamentais, Acor-
do Internacional de Produtos Lácteos e Acordo Internacional de Carne Bo-
vina.

Embora seja um mecanismo de solução de controvérsias unificado,


existem algumas normas especiais estabelecidas pelos acordos específi-
cos que podem também ser aplicáveis e criar determinadas particularida-
des de acordo com o objeto da controvérsia (e.g. Acordo Antidumping,
Têxteis, medidas sanitárias e fitossanitárias).

Como sistema intergovernamental de direito internacional público, o


sistema de solução de controvérsias da OMC é elemento essencial para
trazer segurança e previsibilidade ao sistema multilateral de comércio, re-
solvendo as consultas e controvérsias entre seus membros. De notar, que
decisões do OSC não podem aumentar ou diminuir os direitos e obrigações
definidos pelas normas da OMC, mas devem servir para preservar tais di-
reitos e obrigações, bem como para esclarecer as disposições vigentes em
conformidade com as normas correntes de interpretação do direito inter-
nacional público.

A estrutura para solução de litígios da OMC privilegia o acordo entre


as partes, devendo os Membros tentar alcançar, mutuamente, consenso
sobre a matéria controvertida, mediante a implementação de uma solução

76 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA OMC
positiva para a controvérsia e, caso não seja possível, avaliar a conve-
niência e utilidade em acionar o procedimento de solução de controvérsias
da OMC para resolver a questão, o qual deverá ser conduzido de acordo
com o princípio da boa-fé e com o empenho e esforço das partes envolvi-
das para resolver satisfatoriamente a demanda.

O órgão de solução de controvérsias da OMC (OSC) é composto por


todos os membros da OMC e tem competência para estabelecer grupos
especiais (Panels), acatar relatórios dos grupos especiais e do órgão de
apelação, supervisionar a aplicação das decisões e recomendações e auto-
rizar a suspensão de concessões e de outras obrigações determinadas pe-
los acordos abrangidos. Assim, pode-se afirmar existir 3 (três) instâncias
no procedimento de solução de controvérsias da OMC: (1a) Consultas; (2a)
Grupos Especiais (ou Panels); e (3o) Órgão de Apelação.

O sistema de solução de controvérsias da OMC é caracterizado pela


sua agilidade na conclusão (em torno de 15 meses) e pela utilização e apli-
cação de seus julgados (jurisprudência do GATT/OMC). O objetivo princi-
pal do OSC é o de encontrar uma solução mutuamente satisfatória para as
partes envolvidas e, na sua impossibilidade, o de conseguir a supressão
das medidas, objetivo da controvérsia. A utilização do mecanismo de com-
pensação é possível somente na hipótese de não ser factível a exclusão
imediata das medidas incompatíveis com o acordo abrangido e como solu-
ção provisória até a eliminação dessas medidas. Em casos excepcionais
são autorizadas medidas de retaliações (art. 22).

O processo de solução de controvérsias pode ser, resumidamente,


divido em 4 (quatro) fases:

1. Consulta: há o compromisso expresso de cada Membro em exami-


nar com compreensão a argumentação apresentada por outro Membro e
conceder oportunidade adequada para consulta com relação a medidas
adotadas dentro do seu território. Esta fase é de indiscutível relevância,
sobretudo em razão de não ser possível suscitar no grupo especial (Panel)
questões que não tenham sido previamente tratadas na fase de consulta;

2. Grupo de Especialistas: também denominado de Panel, é o equiva-


lente a um tribunal, só que os “painelistas” são escolhidos pelas partes,
normalmente de 3 a 5. É no início desta fase que há o estabelecimento dos

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 77


SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA OMC
termos de referência que definirá os limites da controvérsia, fixando
os pontos controvertidos. Nessa fase, ocorre a oitiva das partes, de tercei-
ros interessados, há produção de provas. Interessante notar, que antes de
concluir o seu relatório o grupo de especialistas apresenta às partes um
esboço descritivo, e um relatório provisório, que poderão ser objeto de
considerações pelas partes. Após o relatório é submetido ao OSC para apro-
vação (consenso reverso) ou apelação, o que normalmente ocorre;

3. Apelação: somente para questões de Direito contidas no relatório


do Panel e/ou referentes às interpretações jurídicas por ele formuladas
podendo haver. Nessa fase também há a manifestação das partes e o rela-
tório final aprovado, que irá confirmar, modificar ou revogar o relatório do
Panel, é encaminhado ao OSC para aprovação, a não ser que ocorra o con-
senso reverso. A partir da aprovação do relatório final, há responsabilida-
de internacional do Estado membro da OMC pelo cumprimento de sua de-
terminação;

4. Implementação: nesta fase, busca-se o cumprimento das decisões


da OMC, de forma que o Estado-Membro que tiver descumprido as obriga-
ções assumidas seja forçado a compatibilizar suas normas e políticas in-
ternas com as normas definidas nos acordos da OMC. O objetivo não é
penalizar os Estados, mas caso o Estado-Membro reclamado não realize
tal compatibilização, devem ser iniciadas consultas entre as partes visando
uma compensação aceitável e, se não houver acordo, o Estado-Membro
reclamante poderá solicitar a suspensão de concessões. Há possibilidade
de, em o Estado-Membro reclamado não concordando com as suspensões
propostas, a questão poderá ainda ser submetida à arbitragem para avaliar
a compatibilidade entre as concessões propostas e o prejuízo causado ao
Estado-Membro reclamante.

O quadro, a seguir, demonstra o passo a passo do procedimento de


solução de controvérsias na OMC.

78 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA OMC

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 79


SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA OMC

80 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


PARTE IV
MEDIDAS DE DEFESA COMERCIAL

FLÁVIA DO VALLE ROCHA


LUIZELLA GIARDINO BARBOSA BRANCO

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 81


MEDIDAS DEFESA COMERCIAL

MEDIDAS DEFESA COMERCIAL

O princípio do livre comércio entre as nações, fortemente preconiza-


do pela Organização Mundial do Comércio (OMC), é caracterizado pelo fim
da política protecionista dirigida às importações entre os Membros da OMC.
Dessa forma, em princípio, os produtos provenientes de um Estado-mem-
bro da OMC teriam livre acesso aos mercados dos demais países partici-
pantes do sistema multilateral de comércio.

Durante um longo tempo às relações comerciais internacionais foram


marcadas por um forte protecionismo, ou seja, os países impunham bar-
reiras-tarifárias e não-tarifárias aos produtos originários de outros países,
como forma de proteger suas indústrias nacionais. É certo que a eqüidade
no comércio mundial é uma realidade ainda distante, contudo, cabe aos
países em desenvolvimento empreenderem cada vez mais esforços na busca
de ações e medidas que possam lhes garantir um tratamento mais trans-
parente por parte dos países desenvolvidos e de maior peso econômico.

Apesar de a OMC ser o único organismo internacional que se ocupa


das normas que regem o comércio mundial e ter como principal propósito
o de assegurar que as trocas comerciais mundiais circulem com a máxima
facilidade e liberdade possível, não se pode afirmar que o sistema multila-
teral tenha completado sua tarefa de eliminar totalmente as barreiras co-
merciais. Infelizmente, a prevalência da utilização das regras da Organiza-
ção que atendem os interesses dos países desenvolvidos em detrimento da
necessidade dos países em desenvolvimento é realidade ainda observada.
Tal fato acaba beneficiando os setores mais sensíveis dos países desenvol-
vidos, e de forma inversa, acarreta perda de competitividade, além de pre-
juízos financeiros aos países em desenvolvimento. Como exemplo dessa
prática podemos citar os subsídios agrícolas que, apesar de já terem tido
sua legalidade amplamente questionada, não foram ainda abolidos da prá-
tica comercial. Assim, lembramos que embora um dos objetivos da OMC
seja o de equilibrar a desigualdade entre seus Membros, auxiliando na pre-
venção e no combate às práticas desleais de comércio, existem ainda pon-
tos a serem aperfeiçoados no sistema de comércio internacional tal qual
ele se apresenta hoje.

No tocante, ainda, as medidas de defesa comercial, mister se faz res-


saltar que, embora a abertura econômica tenha contribuído para inserir os

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 83


MEDIDAS DEFESA COMERCIAL

países no cenário do comércio mundial, proporcionando os benefíci-


os do livre acesso a outros mercados, submete os mesmos aos efeitos da
concorrência internacional. A exposição à concorrência externa torna as
empresas nacionais mais eficientes, pois obriga a redução de custos, in-
vestimento no processo tecnológico e a realização de parcerias estratégi-
cas. Como conseqüência desse processo, as empresas buscam o aumento
da qualidade de seus produtos e os preços tendem a diminuir. Os consu-
midores, dessa forma, são beneficiados, pois têm à sua disposição produ-
tos de melhor qualidade a um preço mais acessível.

Contudo, essa concorrência pode ser predatória se verificada a utili-


zação de práticas desleais de comércio, como o dumping e os subsídios,
medidas essas que vão de encontro aos princípios de livre comércio da
OMC. Essas práticas, abusivas, passaram a ocorrer com maior freqüência
desde que as barreiras-tarifárias e não-tarifárias passaram a ser proibidas
e reguladas pela OMC.

Como forma de minimizar os efeitos danosos das práticas ilegais tem-


se verificado a ampliação das medidas de defesa comercial baseadas nas
regras antidumping e nas regras sobre medidas compensatórias. Os Acor-
dos de defesa comercial celebrados no âmbito do sistema multilateral de
comércio, visam à preservação e manutenção dos setores atingidos por
práticas distorcivas, e buscam assegurar os interesses relacionados às ati-
vidades empresariais de um determinado país.

Outra medida de defesa comercial utilizada pelos Membros são as


medidas de salvaguarda que, embora não se apliquem às práticas desleais
de comércio, podem ser utilizadas como forma de proteger determinado
setor produtivo de um país em face de um aumento repentino nas impor-
tações que cause, ou que possa vir a causar dano aos produtores nacio-
nais.

1. MEDIDAS ANTIDUMPING

Anteriormente do surgimento da OMC, já era possível a aplicação de


direitos antidumping no âmbito do comércio internacional. O GATT 1947,
em seu art. VI dispunha sobre essas medidas.

A evolução da legislação antidumping ocorreu, no entanto, na Roda-

84 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


MEDIDAS DEFESA COMERCIAL

da Uruguai (1986-1994), quando da negociação do Acordo sobre a


Implementação do artigo VI do GATT 1994 (designado de Acordo
Antidumping). Nesse Acordo tentou-se adaptar as regras antidumping, às
atuais exigências do comércio internacional.

O atual Código Antidumping, aprovado na ocasião da Rodada Uru-


guai, é dividido em três partes e dois anexos e regula a matéria no âmbito
do comércio internacional, sendo que os países membros da OMC devem
recepcionar suas regras, adequando-as às suas legislações internas aos
princípios vigentes nas normas da Organização.

As medidas antidumping são aplicadas para combater a prática ilegal


de dumping, que juntamente com o subsídio, são consideradas práticas
desleais no comércio internacional, conforme entendimento do DEPARTA-
MENTO DE DEFESA COMERCIAL – DECOM 37
.

Considera-se que há prática de dumping quando uma empresa ex-


porta para o Brasil um produto a preço (preço de exportação) inferior àquele
que pratica para produto similar nas vendas para o seu mercado interno
(valor normal). Desta forma, a diferenciação de preços já é por si só consi-
derada como prática desleal de comércio.

O valor normal baseia-se no mesmo produto, ou em um produto si-


milar 38 numa comparação de mercado (normalmente no mercado do pro-
dutor estrangeiro), ou em um “valor construído”, o custo para produzir o
produto mais a soma da margem de lucro. A extensão do dumping é cha-
mada de “margem de dumping”, que representa a diferença entre o valor
nominal e o preço de exportação.

DUMPING => PREÇO DE EXPORTAÇÃO < VALOR NORMAL

A margem de dumping é calculada para cada um dos produtores es-


trangeiros conhecidos do produto investigado. Entretanto, na hipótese desse

37
Disponível em : http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/secex/defComercial/
insDefComercial/Ins_MedAnt_PrgMaiFrequentes.php

38
O produto é considerado similar a outro quando é idêntico àquele ou, quando não
existir produto idêntico, a um outro que apresente características semelhantes.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 85


MEDIDAS DEFESA COMERCIAL
número ser muito grande, essa margem poderá ser calculada tam-
bém através de amostragem. Assim, pela regra geral a margem de dumping
será calculada para cada um dos que compõe a amostra e, para aqueles
não incluídos nessa, se atribuirá uma margem ponderada de dumping ob-
tida a partir das margens de cada uma das empresas incluídas na mostra 39.

Portanto, para a obtenção da margem de dumping, podem ser utili-


zados, em princípio, dois métodos:

a) a diferença entre o valor normal e o preço de exportação para cada


transação; ou
b) a diferença entre o valor normal médio ponderado e o preço médio
ponderado de exportação de todas as transações comparáveis.

Caso o produto não seja exportado diretamente do país de origem, o


preço exportação será comparado com o valor normal encontrado neste
país intermediário. No entanto, poder-se-á efetuar comparação com o preço
praticado no país de origem (valor normal), caso:

· O produto só transitar pelo país intermediário;


· Não houver produção do produto neste país intermediário; ou
· Não houver preço comparável para o produto no país intermediário.

É necessário ressalvar que, em relação à possibilidade de aplicação


de direitos antidumping, é obrigatório que a indústria doméstica 40 afeta-
da comprove: (i) a existência do dano sofrido, (ii) sua iminente ameaça, ou
ainda, (iii) o retardamento na implantação de uma indústria, (iv) além da
existência do nexo causal entre o alegado dumping e o dano. Sem a efetiva
comprovação da relação de causalidade, durante a investigação, entre a
existência do dumping e o dano, o direito em análise não será aplicável.

39
Manual de Defesa Comercial, Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janei-
ro – FIRJAN, Rio de Janeiro, 1997, pág. 15.

40
Considera-se como indústria doméstica a totalidade dos produtores nacionais de
produto similar ao importado, ou o conjunto de produtores cuja produção da merca-
doria em análise constitua parcela significativa da produção nacional.

41
Artigo 14 do Decreto nº 1.602.

86 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


MEDIDAS DEFESA COMERCIAL

Consoante a legislação brasileira que regula esse tema 41, a determi-


nação do dano se dá pelo exame da evolução dos seguintes fatores:

a) volume das importações objeto da prática desleal e de seus efeitos


sobre os preços praticados no mercado interno de produtos similares;
b) o efeito destas importações sobre os produtores domésticos da-
queles produtos.

Além dos itens acima mencionados, para que seja configurada a exis-
tência de ameaça de dano material, serão considerados, também:

a) significativa taxa de crescimento das importações do produto ob-


jeto de dumping;
b) capacidade ociosa ou iminente aumento substancial na capacidade
produtiva do produtor estrangeiro;
c) estoques de produto sob investigação.

Nesse sentido, a OMC indica que a simples exportação de produtos a


preços mais baixos do que àqueles praticados no mercado interno do país
exportador não justifica a aplicação de direitos antidumping. Dessa forma,
a relação existente entre as importações sujeitas ao dumping e o dano
causado à indústria nacional é de suma importância, pois somente após a
verificação do dano ou da ameaça de dano é que será ou não permitida a
aplicação de direitos antidumping.

Como resultado, percebe-se que a prática de dumping por si só, não


configura necessariamente uma prática desleal de comércio. Não havendo
dano à indústria nacional, por se tratar, por exemplo, de importação de
pequena quantidade de determinada mercadoria, ficará afastada a possi-
bilidade de aplicação de medidas antidumping.

As indústrias que praticam o dumping objetivam eliminar a concor-


rência do fabricante de produto similar no exterior para que seja possível
“dominar” o mercado atingido aumentando seus preços e, conseqüente-
mente, alcançado lucros maiores pelo fato de não possuírem outros con-
correntes.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 87


MEDIDAS DEFESA COMERCIAL
Entretanto, é muito importante também frisar que, em alguns países,
como nos Estados Unidos da América, os órgãos responsáveis pela inter-
pretação e aplicação da lei aplicável, condução, análise e decisão sobre a
existência de dumping, favorecem francamente aos produtores locais. Isso
se fundamenta pela facilidade com que esses encontram na abertura de
uma investigação, bem como posteriormente, com a perpetuação da apli-
cação dos direitos. Esse fenômeno pode provocar repercussões nefastas
para o produtor brasileiro uma vez que inúmeros setores competitivos do
nosso país, como o aço, a indústria de sucos de laranjas e de criação de
camarões, só para citar alguns exemplos, são, não raro, praticamente eli-
minados pela condução equivocada e protecionista de sua política comercial.
Esse tipo de ação deve ser seriamente combatida pelo Brasil, em razões
dos graves prejuízos que causa à industria nacional 42.

Os direitos antidumping pelo país atingido são aplicados através de


uma sobretaxa às importações alvo de dumping. Essa sobretaxa é igual ou
inferior à margem de dumping apurada, e incide sobre o Imposto de Im-
portação, o que resultará em um preço mais elevado do produto importa-
do. Vale lembrar que instituição do direito antidumping deve ser inferior à
margem de dumping, desde que suficiente para eliminar o dano ou ameaça
à indústria doméstica 43. E ainda, que os direitos antidumping ou quais-
quer compromissos homologados não poderão vigorar por mais de cinco
anos, exceto quando uma parte interessada, dentro do prazo estabelecido,
demonstre para o SECEX que o término de vigência da medida poderá acar-
retar dano à indústria doméstica 44.

Antes da decisão sobre a aplicação definitiva de direitos antidumping,


pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC, há a possibilidade da
incidência de medidas antidumping provisórias, como proteção temporá

42
Para mais detalhes sobre esse assunto ler: Lima-Campos e Vito, “Abuse and
Discretion – The Impact of Anti-dumping and Countervailing Duty Proceedings on
Brazilian Exports to the United States”, Journal of World Trade 38(1): 37-68, 2004; e
Dumping e Subsídio: Impacto para o Brasil da Nova Legislação dos EUA, RBCE 44,
pp. 17-31, 1995.

43
Artigo 9º do parágrafo 1º do Decreto nº 1.355, de 30/12/1994.

44
Artigo 57 do Decreto nº 1.602, de 23 de agosto de 1995.

88 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
ria e cautelar para o setor prejudicado, visto que o período de inves-
tigação e julgamento da questão pode ser longo, podendo acarretar danos
irreversíveis às empresas prejudicadas.

2. MEDIDAS COMPENSATÓRIAS

As medidas compensatórias são utilizadas para combater os prejuí-


zos a um determinado país, acarretados pelas concessões de subsídios
proibidos de um governo a determinado setor produtivo nacional, tornan-
do seus produtos mais competitivos no mercado internacional. Na defini-
ção do DECOM45 (Departamento de Defesa Comercial), entende-se como
subsídio a concessão de um benefício, em função das seguintes hipóteses:

a) haja, no país exportador 46, qualquer forma de sustentação de ren-


da ou de preços que, direta ou indiretamente, contribua para aumentar
exportações ou reduzir importações de qualquer produto;
b) haja contribuição financeira por um governo ou órgão público, no
interior do território do país exportador. E que com isso se confira uma
vantagem ao exportador.

Assim, considera-se que existe subsídio quando o produtor ou ex-


portador se beneficia com alguma ajuda financeira ou econômica do Esta-
do, oferecida diretamente ou através de uma empresa privada que lhe per-
mita a introdução de seus produtos no mercado externo a um preço inferi-
or. Tal subsídio deve estar dirigido à indústria ou ao setor do qual provêm
esses produtos.

45
Disponível em : http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/secex/defComercial/
insDefComercial/Ins_MedAnt_PrgMaiFrequentes.php

46
É o país de origem da exportação, onde é concedido o subsídio. Quando os produ-
tos não forem exportados para o Brasil diretamente do país exportador, mas a partir
de um país intermediário, as transações em questões serão consideradas como ten-
do ocorrido entre o país exportador e o Brasil.

47
Um subsídio é considerado específico quando a autoridade outorgante, ou a legis-
lação vigente, explicitamente limitar o acesso ao subsídio a uma ou a um grupo de
empresas e indústrias, a ramos de produção, ou a regiões geográficas, ressalvadas
as hipóteses previstas no item b).

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 89


MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
Os subsídios são denominados como acionáveis e não acionáveis.

a) acionáveis – um subsídio é considerado, isto é sujeito a medidas


compensatórias, se for específico 47.
b) Não acionáveis – são aqueles não sujeitos a medidas compensató-
rias por não serem considerados específicos ou, mesmo sendo considera-
dos específicos, forem concedidos nas seguintes condições:

(i) Para atividades de pesquisa, exceto quando relacionada a


aeronaves civis, realizadas por empresas ou estabelecimentos de pesquisa
ou educação superior a elas vinculados por relação contratual, se o subsí-
dio cobrir até 75 % dos custos da pesquisa industrial, ou 50% dos custos
das atividades pré-competitivas de desenvolvimento.

(ii) Para assistência a região desfavorecida, que no âmbito das


regiões elegíveis, seja não específica, desde que:

· Os programas regionais de subsídios façam parte integrante


de uma política de desenvolvimento regional internamente coerente e apli-
cável genericamente;
· Os subsídios para o desenvolvimento regional não sejam con-
cedidos a áreas geograficamente isoladas sem nenhuma ou quase nenhu-
ma importância para o desenvolvimento da região;
· Cada região desfavorecida constitua área geograficamente
contínua claramente designada, com identidade econômico-administrati-
va definível;
· A região seja considerada desfavorecida a partir de critérios
imparciais e objetivos, claramente expressos em lei, regulamento ou outro
ato normativo, de forma a permitir a verificação, e que os mesmos demons-
trem que suas dificuldades não são decorrentes de circunstâncias tempo-
rárias;
· Os critérios incluam medida de desenvolvimento econômi-
co, apurada ao longo de um período de três anos, baseada em pelo menos
um dos seguintes indicadores: renda per capta ou renda familiar per capta
ou Produto Interno Bruto per capta, igual ou inferior a 85% da média do
território em causa; taxa de desemprego, igual ou superior a 110º% da
taxa média do território em causa.

(iii) Para promover a adaptação de instalações em operações

90 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


MEDIDAS COMPENSATÓRIAS

há pelo menos dois anos antes do estabelecimento de novas exigên-


cias ambientalistas impostas por lei ou regulamentos, de que resultem mai-
ores obrigações ou carga financeira sobre as empresas.

Da mesma forma que nos processos que investigam a existência de


dumping, as importações alegadamente subsidiadas devem demonstrar a
relação de causalidade entre o dano à indústria doméstica e a existência de
subsídio, sendo certo que os danos provocados por motivos alheios não
serão imputados às importações.

Sem dúvida alguma, a questão dos subsídios é uma das de maior re-
levância a afetar o comércio internacional. Em várias Rodadas de negocia-
ções no âmbito da OMC esse tema sempre foi recorrente e a razão mais
contundente para que os países não chegassem a um consenso sobre o
tema. Na mais recente reunião dos países-membros na Rodada Doha 48,
realizada em Hong Kong, em dezembro de 2005 , este tema foi o mais
intensamente debatido. Infelizmente, não houve avanços significativos na
eliminação de subsídios agrícolas pelos países desenvolvidos, que decidi-
ram por fim a essa prática somente no ano de 2013.

Já é sabido que países como os EUA e os da União Européia concedem


grandes montantes a seus produtores agrícolas, haja vista que esse setor é
bastante sensível face ao dos países em desenvolvimento. Tal fato permite
que os produtos agrícolas provenientes daqueles países se tornem mais
baratos e, portanto, mais competitivos dos que os produtos dos países em
desenvolvimento que não contaram com nenhuma ajuda financeira ou sub-
venção que diminuísse seus custos de produção.

O Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias da OMC, con-


tém uma definição de subsídios, que exclui os pertinentes a produtos agrí-
colas, o que por si só é completamente contraditório aos princípios de livre

48
Lançada no fim de 2001 em Doha, capital do Qtar, a rodada de negociações entre
os países-membros da OMC que prevê a liberalização do comércio mundial, incluin-
do serviços e produtos agrícolas. É também chamada de Rodada do Desenvolvimen-
to.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 91


MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
comércio da organização.

No artigo 1º do Acordo supracitado os subsídios estão definidos como


segue:

“1.1– para os efeitos do presente Acordo, se considerará que existe


subsídio:
a)1) quando haja uma contribuição financeira de um governo ou de
qualquer organismo público no território de um Membro:
i) quando a prática de um governo implique em uma transfe-
rência direta de fundos (por exemplo, doações, empréstimos, e aportes de
capital) ou possíveis transferências diretas de fundos ou de passivos (por
exemplo, garantias de empréstimos);
ii) quando se perdoem ou não se arrecadem ingressos públi-
cos que em outro caso se perceberiam (por exemplo, incentivos tais como
bonificações fiscais);
iii) quando um governo conceda bens ou serviços – que não
sejam de infra-estrutura geral – ou compre bens;
iv) quando um governo realize pagamentos por um mecanis-
mo de financiamento, ou encomende à uma entidade privada uma ou vári-
as das funções descritas nos incisos i) à iii) supra, que normalmente in-
cumbiriam ao governo, ou a(s) ordene que as leve à cabo, e que a prática
não difira, em nenhum sentido real, das práticas normalmente seguidas
pelos governos; ou
a)2) quando haja alguma forma de suporte dos ingressos ou dos pre-
ços, no sentido do artigo XVI do GATT de 1994; e
b) com ele se outorgue um benefício 49
.”

Em síntese, as medidas compensatórias têm por objetivo restabelecer


as condições de igualdade de mercado entre os produtos nacionais e os
importados, evitando que esses últimos se tornem mais competitivos.

3. MEDIDAS DE SALVAGUARDA

Diferentemente das medidas antidumping e compensatórias, as sal-


vaguardas não configuram uma contramedida às práticas ilegais de co-
mércio. Da mesma forma que as medidas antidumping, estas já estavam
previstas no GATT 1947, em seu artigo XIX. Foi também durante a Rodada
Uruguai que tais medidas foram regulamentadas.
49
Livre tradução dos autores.

92 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


MEDIDAS COMPENSATÓRIAS

Os países podem aplicar medidas de salvaguarda, quando em função


de um aumento fortuito das importações de determinado produto, a in-
dústria nacional sofra graves prejuízos ou ameaça de grave prejuízo.

Para que as salvaguardas possam ser utilizadas, precisa ficar com-


provada a estreita relação entre o aumento das importações e o prejuízo
ou ameaça de prejuízo a determinado setor produtivo, conforme o artigo
4.2 do Acordo sobre Salvaguardas.

O Acordo sobre Salvaguardas em seu artigo 2º trata das condições


necessárias para que uma salvaguarda seja aplicada:

“Um membro só poderá aplicar uma medida de salvaguarda a um pro-


duto, se tal membro haja determinado, com observância às disposições
enunciadas acima, que as importações desse produto em seu território te-
nham aumentado em tal quantidade, em termos absolutos ou em relação à
produção nacional, e se realizam em condições tais que causam ou amea-
çam causar um dano grave aos produtores nacionais de produtos simila-
res, ou diretamente concorrentes”.

As salvaguardas mais freqüentemente adotadas como forma de pro-


teger uma área da indústria doméstica de um aumento imprevisível de im-
portações, se dão através da adoção de cotas de importações, ou elevação
do imposto de importação.

As medidas de salvaguarda definitivas só podem ser adotadas depois


de uma investigação pública, conduzida pelas autoridades competentes do
estado-membro prejudicado, após restar provado o prejuízo sofrido. No
caso do contingenciamento das importações, as cotas não poderão exce-
der um período de 4 anos, no entanto, há a possibilidade de prorrogação
desse prazo por igual período, sendo que após esse término, as cotas de-
verão ser obrigatoriamente retiradas.

Contudo, salvaguardas provisórias podem ser adotadas por um prazo


máximo de 200 dias, caso o dano à indústria nacional seja iminente e difí-
cil de ser reparado, caso houvesse a necessidade de se esperar pela deci-
são definitiva dos órgãos da OMC.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 93


94 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL
MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
Para melhor entendimento e diferenciação dos direitos aplicáveis, ve-
jamos, a seguir, o quadro comparativo.

No Capítulo seguinte veremos com mais detalhes os procedimentos


especiais relativos às salvaguardas chinesas no Brasil.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 95


PARTE V
DEFESA COMERCIAL COMERCIAL NO BRASIL

ALEXANDRE BITENCOURT CALMON


LUIZELLA GIARDINO BARBOSA BRANCO

96 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


DEFESA COMERCIAL NO BRASIL
V. DEFESA COMERCIAL NO BRASIL

O arcabouço legal de defesa comercial no Brasil tal qual conhecemos


hoje surgiu em 1994, quando o Congresso Nacional aprovou, em 30 de
dezembro, o Decreto 1.355, que trata da inclusão no ordenamento jurídico
brasileiro das disposições contidas na Ata Final que Incorpora os Resulta-
dos da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT
e, por via de conseqüência, dos próprios acordos celebrados pelo país quan-
do da Rodada Uruguai, no tocante às medidas específicas de defesa co-
mercial, quais sejam: (i) medidas antidumping; (ii) medidas compensatóri-
as; e (iii) medidas de salvaguardas.

1.1 A ESTRUTURA DA DEFESA COMERCIAL NO BRASIL

A competência para aplicação das medidas de defesa comercial, que


inicialmente era comum dos Ministros da Indústria, Comércio e Turismo
(posteriormente Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) e da Fa-
zenda, foi transferida, a partir de 2001, para a CÂMARA DE COMÉRCIO
EXTERIOR (CAMEX) 50 , órgão integrante do MINISTÉRIO DO DESENVOLVI-
MENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR, assim como A SECRETARIA DE
COMÉRCIO EXTERIOR (SECEX) e o DEPARTAMENTO DE DEFESA COMERCIAL
(DECOM).

Com a promulgação da Lei 9.019, de 30 de março de 1995, junta-


mente com as alterações introduzidas pela Medida Provisória 2.158-35, de
24 de agosto de 2001, e pelo Decreto 4.732, de 10 de junho de 2003,
passou a ser competência da CAMEX as seguintes matérias relacionadas às
medidas de defesa comercial: (i) estabelecer diretrizes e procedimentos
para investigações relativas às práticas desleais de comércio exterior; (ii)
fixar direitos antidumping e compensatórios, provisórios ou definitivos, e
salvaguardas; (iii) decidir sobre a suspensão da exigibilidade dos direitos
provisórios; (iv) homologar compromisso firmado com o exportador ou o
governo do país exportador que elimine os efeitos prejudiciais decorrentes
da prática de dumping ou de subsídios; e (v) definir diretrizes para a apli

50
A CAMEX é formada pelos Ministros de Estado do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior, da Fazenda, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, chefe da
Casa Civil da Presidência da República, e do Orçamento, Planejamento e Gestão.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 97


MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
cação das receitas oriundas da cobrança de direitos antidumping e
direitos compensatórios.

Em 22 de março de 2001, a Resolução CAMEX n.º 09, instituiu o GRU-


PO TÉCNICO DE DEFESA COMERCIAL (GTDC) que tem como competência,
examinar propostas sobre a fixação de direitos antidumping, de direitos
compensatórios, provisórios ou definitivos, a homologação de compromis-
sos em investigação de dumping e de subsídios e a aplicação de medidas
de salvaguardas provisórias e definitivas. Desde então passou a caber ao
GTDC , apreciar e submeter à deliberação da CAMEX os resultados das in-
vestigações realizadas no âmbito da SECEX, através do DECOM,
consubstanciados em parecer técnico emitido por esse órgão.

O DECOM foi criado em 1995, no âmbito da SECEX, com o objetivo de


aumentar a capacitação técnica e operacional do Governo Brasileiro na apli-
cação da legislação antidumping, de subsídios e medidas compensatórias
e de salvaguardas, sendo um órgão especializado na condução de investi-
gações dessa espécie. Compete ao DECOM: (i) examinar a procedência e o
mérito de petições de abertura de investigações de dumping, de subsídios
e de salvaguardas, com vistas à defesa da produção doméstica; (ii) propor
a abertura e conduzir investigações para a aplicação de medidas
antidumping, compensatórias e de salvaguardas; (iii) recomendar a aplica-
ção das medidas de defesa comercial previstas nos correspondentes Acor-
dos da Organização Mundial do Comércio - OMC; (iv) acompanhar as dis-
cussões relativas às normas e à aplicação dos Acordos de defesa comercial
junto a OMC; (v) participar em negociações internacionais relativas à defe-
sa comercial; e (vi) acompanhar as investigações de defesa comercial abertas
por terceiros contra as exportações brasileiras e prestar assistência à de-
fesa do exportador em articulação com os demais órgãos governamentais
e com o setor privado.

51
O GTDC é presidido pela secretaria executiva da CAMEX e composto por um re-
presentante de cada ministério que integra a CAMEX.

98 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


MEDIDAS COMPENSATÓRIAS

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 99


MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
1.3 O PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

O procedimento administrativo relativo à aplicação de medidas


antidumping, compensatórias e de salvaguardas, encontram-se respecti-
vamente disciplinados nos Decretos: (i) 1.602, de 23 de agosto de 1995;
(ii) 1.751, de 19 de dezembro de 1995; e (iii) 1.488, de 11 de maio de
1995. Tais procedimentos guardam diversas diferenças entre si, até em
função da natureza das práticas desleais que se pretende comprovar e coi-
bir, todavia nos é possível descrever de forma genérica as principais eta-
pas do processo de investigação.

1.3.1 PEDIDO

Os processos de defesa comercial se iniciam com a protocolização de


petição junto ao DECOM, nos termos das Circulares SECEX n.º 19, 20 e 21,
conforme a prática ilegal que se está buscando coibir. Nos casos de medi-
das de antidumping e compensatórias essa peça deverá ser subscrita pela
indústria doméstica ou em seu nome, considerando-se Indústria Domésti-
ca aqueles produtores de um determinado segmento industrial cuja pro-
dução conjunta constitua mais de 50% da produção total de produto simi-
lar produzido por aquela parcela da indústria doméstica que tenha expres-
sado apoio ou rejeição à petição. No caso das medidas de salvaguardas a
aplicação destas poderá ser apresentada: (i) pela SECEX; pelos demais ór-
gãos e entidades interessadas do Governo Federal; e (iii) por empresas ou
associações representativas de empresas que produzam o produto objeto
da solicitação.

1.3.2 ANÁLISE PRELIMINAR/ADEQUAÇÃO DA PETIÇÃO

Antes de instaurar o procedimento investigatório, o DECOM promo-


verá uma análise da admissibilidade da reclamação, verificando se todos
os requisitos exigidos foram devidamente atendidos. Somente depois de
verificado o atendimento desses requisitos é que o processo de investiga-
ção poderá ser devidamente instaurado.

52
Para outras hipóteses de indeferimento de petição e encerramento de processo
investigatório contra práticas desleais de comércio vide Art. 21 do Decreto n.º 1.602/
95, Art. 25 do Decreto n.º 1.751/68 e Art. 2 do Decreto n.º 1.488.

100 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


MEDIDAS COMPENSATÓRIAS

Dentre outras razões referidas nas Circulares SECEX n.º 19, 20 e 21 52


, a petição será indeferida e o processo conseqüentemente arquivado quando
não houver elementos de prova suficientes de existência de dumping, sub-
sídios, ameaça ou prejuízo grave, que justifiquem a abertura de investiga-
ção.

Todavia, caso seja verificada a ausência de alguma informação es-


sencial ao início da investigação ou mesmo a falta de clareza de qualquer
informação inicialmente prestada, o DECOM poderá requerer ao autor a
apresentação de informações ou esclarecimentos adicionais 53
.

1.3.3 INSTRUÇÃO E DEFESA

Uma vez instaurado o procedimento, será publicado no Diário Oficial


uma circular da SECEX, além de se notificar as partes interessadas e o go-
verno do país exportador, podendo as partes interessadas se habilitarem
no procedimento.

Nos termos do Decreto n° 1.751, de 19 de dezembro de 1995, os


procedimentos para investigação de subsídios somente poderão ser ins-
taurados após notificação da solicitação de abertura de investigação ter
sido encaminha ao país exportador, cujos produtos possam vir a ser objeto
de investigação, o qual terá prazo de dez dias para manifestar seu interes-
se na realização de consulta, que deverá ser realizada no prazo de trinta
dias. Se ao final desse prazo não houver acordo, o DECOM promoverá a
abertura da investigação, e as partes e os governos interessados conheci-
dos serão notificados e será concedido prazo de vinte dias, contados da
data da publicação da determinação, para pedido de habilitação de outras
partes que se considerem interessadas.

Uma vez instaurados os procedimentos, as partes interessadas co-


nhecidas e os governos dos países exportadores receberão questionários
encaminhados pelo DECOM relacionados à investigação e disporão do pra-
zo de quarenta dias para respondê-los, contados da data de sua expedi-
ção.

53
Conforme lhe faculta o Art. 19, § 3º do Decreto n.º 1.602/95 e o Art. 30 do Decreto
n.º 1.751/95.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 101


MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
O período de investigação da existência de dumping ou subsídios
compreenderá os 12 meses mais próximos da data de abertura da investi-
gação, podendo, em determinadas situações ser inferior. Em circunstânci-
as excepcionais, quando o prazo pode ser até de dezoito meses, o período
objeto da investigação poderá ser inferior a doze meses, mas nunca infe-
rior a seis meses.

Ao longo da investigação, as partes interessadas disporão de ampla


oportunidade de defesa de seus interesses. Para essa finalidade, caso haja
solicitação, dentro do prazo indicado no ato que contenha a determinação
de abertura, serão realizadas audiências onde será dada oportunidade para
que as partes interessadas possam se encontrar com aquelas que tenham
interesses antagônicos, de forma a que interpretações opostas e argu-
mentações contrárias possam ser expressas.

Durante a fase de instrução será permitido as partes produzirem qual-


quer tipo de prova, desde que válidas segundo nosso ordenamento, além
de requerer audiências.

1.3.4 MEDIDAS PROVISÓRIAS

Medidas provisórias antidumping ou compensatórias poderão ser apli-


cadas durante o curso de um procedimento investigatório, desde que ob-
servadas as seguintes condições: (i) que a investigação no âmbito da qual
tais medidas venham a serem aplicadas tenha sido formalmente instaura-
da, tendo sido dado às partes a oportunidade de se manifestarem; (ii) uma
determinação preliminar positiva da existência de dumping ou subsídio
acionável causador de dano à indústria doméstica tenha sido alcançada;
(iii) a CAMEX considere que tais medidas sejam necessárias para impedir
que ocorra dano durante a investigação; e (iv) tenha decorrido pelo menos
sessenta dias da data da abertura da investigação.

Já a medida de salvaguarda provisória somente poderá ser aplicada


em circunstâncias críticas, nos casos em que qualquer demora possa cau-
sar prejuízo grave e de difícil reparação a indústria doméstica, e após uma

102 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
determinação preliminar da existência de elementos de prova claros
de que o aumento das importações tenha de fato causado ou esteja amea-
çando causar prejuízo grave, devendo as consultas com qualquer governo
envolvido serem iniciadas imediatamente após a sua aplicação.

A medida de salvaguarda provisória terá duração máxima de duzen-


tos dias, podendo ser suspensa por decisão da CAMEX antes do prazo final
estabelecido. Veremos mais detalhadamente os procedimentos relativos a
salvaguardas provisórias aos produtos chineses e à indústria têxtil da Chi-
na.

1.3.5 COMPROMISSOS

Poderão ser suspensos os procedimentos, sem prosseguimento de


investigação e sem aplicação de medidas antidumping provisórias ou di-
reitos antidumping, se o exportador assumir voluntariamente compromis-
sos satisfatórios de revisão dos preços ou de cessação das exportações a
preços de dumping, destinadas ao Brasil, desde que as autoridades com-
petentes fiquem convencidas de que o mencionado compromisso elimina o
efeito prejudicial decorrente do dumping.

Da mesma forma, poderão ser suspensos os procedimentos, sem apli-


cação de medidas compensatórias provisórias ou direitos compensatórios,
se o governos do país exportador concordar em eliminar ou reduzir o sub-
sídio ou adotar outras medidas relativas a seus efeitos, ou se o exportador
assumir voluntariamente compromissos satisfatórios de revisão dos pre-
ços das exportações destinadas ao Brasil, desde que as autoridades com-
petentes fiquem convencidas de que o mencionado compromisso elimina o
efeito prejudicial decorrente do subsídio.

1.3.6 ENCERRAMENTO DA INVESTIGAÇÃO

De maneira a encerrar a fase de instrução e preliminarmente à elabo-


ração do parecer, será realizada audiência final, convocada pelo DECOM,
onde as partes interessadas serão informadas sobre os fatos essenciais
sob julgamento, que formam a base para seu parecer, deferindo-se às par

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 103


MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
tes interessadas o prazo de quinze dias contados a partir da realiza-
ção da audiência para se manifestarem a respeito. Findo esse prazo, o
DECOM deverá emitir o seu parecer para avaliação do GTDC, recomendan-
do ou não a aplicação de direitos antidumping, medidas compensatórias
ou de salvaguarda em função das operações investigadas.

Uma investigação de dumping será encerrada sem aplicação de direi-


tos quando:

· não houver comprovação suficiente da existência de dumping ou de


danos dele decorrente;
· a margem de dano for considerada de minimis 54
; ou
· o volume de importações objeto de dumping real ou potencial, ou o
dano causador for insignificante 55;
· A CAMEX deferir o pedido de arquivamento formulado pelo peticio-
nário.

Uma investigação de subsídios será encerrada sem aplicação de di-


reitos compensatórios nas seguintes hipóteses:

· Não houver comprovação suficiente do subsídio acionável ou de


dano dele decorrente;

54
De minimis - a margem de dumping á considerada de minimis quando, expressa
como um percentual do preço de exportação, for inferior a dois por cento.

55
Volume de Importações Insignificante – quando o volume de informações proveni-
entes de determinado país for inferior a três por cento do total das importações brasi-
leiras de produto similar, exceto quando os países que, individualmente, respondem
por menos de três por cento das importações de produto similar importado pelo Bra-
sil, sejam coletivamente responsáveis por mais de sete por centos das importações
do produto.

56
De minimis – o montante de subsídio acionável será considerado como de minimis
quando:

(i) for inferior a um por cento ad valorem, para países em desenvolvimento;


(ii) for inferior a dois por cento ad valorem, para países desenvolvidos; ou
(iii) for inferior a três por cento ad valorem, para os países em desenvolvimento
que eliminarem seu subsídios à exportação antes de oito anos, contados a
partir da entrada em vigor do Acordo Constitutivo da OMC no país.

104 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
· O montante de subsídio acionável for de minimis 56
;
· O volume de importações, real ou potencial, do produto subsidiado
ou do dano causado for insignificante 57; ou
· A CAMEX deferir o pedido de arquivamento solicitado pelo peticio-
nário.

Uma investigação de dumping será encerrada com aplicação de direi-


tos quando:

· A CAMEX chegar a uma determinação final da existência de dumping,


de dano e de nexo causal entre eles.

Uma investigação de subsídios será encerrada com aplicação de di-


reitos compensatórios quando:

· Quando a CAMEX chegar a uma determinação final da existência de


subsídio acionável, de dano e de nexo causal entre eles.

Importa ressaltar que a não observância das regras estabelecidas nos


acordos celebrados pelo Brasil para a imposição de medidas de defesa co-
mercial - principalmente aquelas regras que buscam assegurar o due
process e o contraditório durante o processo investigatório - pode resultar
na revogação da medida já imposta caso se comprove violação dos respec-
tivos acordos.

57
Volume de Importações Insignificante – quando o volume de importações proveni-
entes de determinado país for inferior a três por cento do total das importações brasi-
leiras de produto similar, exceto quando os países que, individualmente, respondem
por menos de três por cento das importações do Brasil, sejam, coletivamente, res-
ponsáveis por mais de sete por cento das importações do produto. Para os países em
desenvolvimento, quando o volume for inferior a quatro por cento individualmente ou,
coletivamente, seja responsável por mais de nove por cento das importações totais
do produto.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 105


MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
2. SALVAGUARDAS RELATIVAS A PRODUTOS CHINESES

Com relação à China, que se tornou membro da OMC apenas em 2001,


estima-se que um grande número de medidas de salvaguarda seja impos-
to contra seus produtos. Por possuir mão-de-obra barata, dada sua eleva-
da densidade demográfica, seus custos de produção diminuem, o que por
si só confere àquele país maior vantagem perante os outros membros da
organização.

No caso do Brasil, empresários e trabalhadores do setor têxtil princi-


palmente, pressionaram fortemente o Governo Federal para que fossem
efetivamente regulamentadas as salvaguardas contra a importação de pro-
dutos chineses que entravam no Brasil subfaturados e, conseqüentemente
acabavam prejudicando a indústria nacional.

A entrada de têxteis provenientes da China no Brasil torna o produto


nacional pouco competitivo, visto que esse material naquele país é muito
mais barato do que o produzido aqui. Outro fator agravante da relação
comercial entre Brasil e China é que exportamos para lá, principalmente,
matérias-primas, enquanto importamos produtos acabados em quantida-
des cada vez maiores, ou seja, há um desequilíbrio nessas relações comer-
ciais, pois além do baixo valor agregado de nossos produtos, há também a
questão das condições de produção. Aqui as indústrias têm que enfrentar
a elevada carga tributária, altas taxas de juros, falta de crédito para o in-
vestimento, um câmbio que incentiva a importação, enquanto os chineses
não enfrentam esses problemas, o que torna a competição entre esses pa-
íses, bastante desigual.

Dessa forma, para tentar amenizar essa situação, foram publicados


pelo Governo Federal no dia 06 de outubro de 2005, dois decretos que
regulamentam a aplicação de salvaguardas contra os produtos advindos
da China. O Decreto nº 5.556 trata das salvaguardas transitórias, que po-
derão ser aplicadas a todos os produtos até dezembro de 2013. No caso
dos produtos têxteis há uma salvaguarda específica, regulamentada pelo
Decreto nº 5.558, de 05 de outubro de 2005.

Ressalta-se, no entanto, que antes da aplicação de uma medida de


salvaguarda percorre-se um longo período. Inicialmente é tentado um acor-
do com os representantes do governo Chinês, e somente depois de frus

106 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
tradas as negociações é que começam as investigações, conduzidas
pela Secretaria de Comércio Exterior – (SECEX), que duram cerca de seis
meses. Quando da aplicação de tais medidas é necessária a adoção de um
procedimento especial que deve seguir as normas e compromissos assu-
midos pelos membros da OMC.

As salvaguardas podem ser impostas através da fixação de uma


alíquota de importação, de cotas de importação para os produtos chineses,
ou podem ser aplicadas concomitantemente. E compete à Câmara de Co-
mércio Exterior (CAMEX) a decisão de aplicar, modificar, suspender ou re-
vogar tais medidas de defesa.

O artigo 1º do Decreto nº 5.558 dispõe sobre as condições de aplica-


ção das salvaguardas têxteis:

“Art. 1o Nos termos das disposições previstas neste Regulamento,


poderá ser aplicada medida de salvaguarda têxtil nos casos em que o Go-
verno brasileiro considere que as importações de produtos da República
Popular da China estejam aumentando em quantidades e em condições
tais que causem ou ameacem causar desorganização do mercado que im-
peça o desenvolvimento ordenado do comércio desses produtos”.

As medidas de salvaguarda têxtil, na forma da regulamentação do


Decreto supracitado só poderão ser aplicadas até 31 de dezembro de 2008,
conforme disposição de seu artigo 20. Alguns países como EUA, Turquia,
EU, Argentina e mais recentemente o Brasil, já regulamentaram as salva-
guardas contra a China para defender suas indústrias e os empregos no
setor de têxteis. Tal mecanismo de defesa é legal, pois a China o aceitou
quando se tornou membro da OMC.

Os Decretos publicados regulamentando as salvaguardas figuram-se


mais importantes também pelo fato de que em função dos limites já im-
postos à China por grandes mercados como a União Européia, existia um
grande risco dos chineses quererem aumentar as vendas para países que
ainda não possuíssem regulamentação específica de salvaguardas contra
seus produtos, como era o caso do Brasil há pouco tempo.

Vale lembrar que não só os produtos têxteis são sensíveis às impor-


tações chinesas. Outros produtos como calçados, eletrodomésticos,

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 107


MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
eletroeletrônicos, ferramentas, autopeças, e brinquedos também são
passíveis de serem prejudicados pela importação dos produtos asiáticos.

Em resumo, o procedimento a ser seguido para a imposição de salva-


guardas contra a China é o seguinte: (i) os setores que se sentirem preju-
dicados pelas importações da China devem entrar com pedidos de imposi-
ção de medidas de proteção comercial (poderão ser adotadas salvaguardas
específicas contra a China para qualquer produto que vier a prejudicar a
indústria nacional); (ii) frustradas as tentativas de acordo com o governo
chinês e após a conclusão de investigações, restando comprovado o dano
à determinado setor produtivo, as salvaguardas podem ser adotadas, em
regra até o dia 31 de dezembro do ano em que foram impostas; (iii) o
mecanismo de salvaguarda configura-se através de uma tarifa de importa-
ção adicional, restrições quantitativas (cotas) ou as duas penalidades com-
binadas.

Pretende-se que tais medidas de defesa comercial assegurem o em-


prego de milhares de trabalhadores em diversos setores industriais, que
de outra forma estariam seriamente comprometidos pela entrada de pro-
dutos chineses no mercado nacional. Para facilitar o entendimento do lei-
tor, apresentamos, a seguir, resumos referentes aos Decretos nºs. 5.558/
05 (salvaguardas têxteis) e 5.556/05 (salvaguardas provisórias).

108 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


SALVAGUARDAS RELATIVAS AOS PRODUTOS CHINESES - RESUMO
SALVAGUARDAS RELATIVAS AOS PRODUTOS CHINESES.
SALVAGUARDAS TÊXTEIS - QUADRO RESUMO

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 109


SALVAGUARDAS RELATIVAS AOS PRODUTOS CHINESES - RESUMO
3. SALVAGUARDAS RELATIVAS AOS
PRODUTOS CHINESES - RESUMO

MODALIDADES
3.1. Salvaguardas Transitórias (Decreto nº 5.556/05)

3.2 CONDIÇÕES NECESSÁRIAS

1. Nos casos em que as importações de produtos chineses estejam


causando ou ameacem causar desorganização de mercado para os produ-
tores nacionais de produtos similares ou diretamente concorrentes aos
importados, ou2. que por força de desvio de comércio em decorrência de
medidas adotadas por outro país membro da OMC, resulte em aumento ou
ameaça de aumento das exportações chinesas ao Brasil. 3. Existirá desor-
ganização de mercado sempre que as importações de um produto chinês
estejam aumentando rapidamente em termos absolutos ou relativos de for-
ma que sejam causa significativa de dano material à indústria doméstica
do produto similar ou diretamente concorrente.4. Para determinar a exis-
tência de desorganização de mercado serão considerados, dentre outros,
os seguintes fatores:(i) o volume e a taxa de crescimento das importações,
em termos absolutos e relativos;(ii) parcela do mercado interno atendido
pelas importações;(iii) impacto das importações sobre produtos similares
ou diretamente concorrentes produzidos internamente em termos de ca-
pacidade utilizada, estoques, vendas, participação de mercado, lucros e
perdas. Todavia, nenhum desses parâmetros, avaliados isoladamente ou
em conjunto, será necessariamente considerado como indicação decisiva
de desorganização de mercado.5. Existirá desvio de comércio quando uma
medida aplicada por um terceiro país membro da OMC a determinado pro-
duto importado da China para impedir a desorganização do mercado da-
quele país cause ou ameace causar um aumento das exportações chinesas
do referido produto no Brasil.6. Para determinação da existência de desvio
de comércio, a SECEX deverá considerar, entre outros, os seguintes fatores:(i)
aumento real ou iminente da participação das importações de produtos da
China no mercado brasileiro;(ii) natureza ou extensão da adoção adotada
ou proposta por terceiros países contra a China;(iii) aumento das importa-
ções originárias da China para o Brasil;(iiii) volume das exportações da
China para os países membros da OMC que adotaram medida contra a
mesma.

110 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


SALVAGUARDAS RELATIVAS AOS PRODUTOS CHINESES - RESUMO
3.3. COMPETÊNCIAS
1. Compete a CAMEX a decisão de aplicar, bem como prorrogar, mo-
dificar, suspender ou revogar medida de salvaguarda provisória.

2. A elaboração dos estudos que avaliam a existência de desorgani-


zação de mercado ou ameaça de desorganização de mercado, bem como à
condução da investigação pertinente são competências da SECEX.

3.4. TRÂMITES
1. Os pedidos de aplicação de medida de salvaguarda deverão ser
formulados por escrito, instruídos com indícios de desorganização de mer-
cado e dirigidos à SECEX.

2. Admitida a petição e antes da publicação da Circular SECEX dando


início à investigação, o governo chinês será convidado a manter consultas
preliminares bilaterais com o objetivo de se encontrar uma solução mutu-
amente satisfatória.

3. Aberta a investigação e antes da aplicação medida restritiva, o go-


verno da China voltará a ser instado a participar de consultas com o fim de
permitir uma solução mutuamente satisfatória.

4. Caso não seja alcançada uma solução nos procedimentos de con-


sulta, medidas de salvaguardas poderão ser aplicadas na proporção ne-
cessária para impedir ou reparar a desorganização de mercado.

5. Em circunstâncias críticas, nas quais qualquer demora na aplicação


da medida pode causar dano irreparável, poderá ser aplicada medida de
salvaguarda provisória, com duração máxima de 200 dias.

6. Logo após sua aplicação, a medida de salvaguarda provisória será


notificada ao Comitê de Salvaguarda da OMC e se apresentará solicitação
de consultas bilaterais.

7. Na hipótese de aumento significativo das importações decorrentes


de desvio de comércio as determinações para aplicação das medidas serão
adotadas com base em parecer da SECEX, valendo registrar que as consul-
tas envolvem, também, o país aplicador da medida que provocou o desvio

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 111


SALVAGUARDAS RELATIVAS AOS PRODUTOS CHINESES - RESUMO
de comércio.

8. As medidas aplicadas serão imediatamente notificadas ao Comitê


de Salvaguardas da OMC pelo MRE.

9. Já em posse das informações prestadas pelo interessado, o DECOM/


SECEX poderá decidir pela abertura de investigação.
Nesse caso, o interessado deverá seguir as orientações do referido
órgão e formalizar sua petição, juntando os elementos de prova.

3.5. PRAZOS
1. O prazo de vigência das salvaguardas transitórias contra a China
extinguir-se-á em 11 de dezembro de 2013.2. As investigações serão con-
cluídas no prazo de até 8 meses, contados a partir da data de sua abertu-
ra.3. Procedida à abertura da investigação, os interessados (importadores,
exportadores e demais interessados) terão o prazo de 30 dias para mani-
festação.4. Após ser notificado da investigação intenção de se dar início à
investigação, o governo da China terá o prazo de 10 dias para manifestar
seu interesse na realização das consultas preliminares, que deverão ser
realizadas no prazo de 30 dias contados da data de recebimento do pedido
de consultas. 5. Se das consultas não resultar uma solução mutuamente
satisfatória, num prazo de 60 dias contados da data de recebimento do
pedido de consultas, as medidas de salvaguarda poderão, então, ser apli-
cadas.6. Na hipótese de aumento significativo de importações decorrentes
de desvio de comércio, as consultas serão celebradas em um prazo de 30
dias contados apartir da notificação destas ao Comitê de Salvaguardas da
OMC.7. Se as consultas processadas nos trâmites de desvio de comércio
não redundar a um acordo entre Brasil e China, ou membros da OMC en-
volvidos na questão, poderá o Brasil aplicar salvaguardas no prazo de 60
dias após a notificação.8. Uma medida de salvaguarda provisória que
é adotada antecipadamente em circunstâncias críticas com a caracteriza-
ção de dano irreparável terá a duração máxima de 200 dias.9. O prazo de
aplicação da medida de salvaguarda definitiva levará em conta o prazo de
aplicação da medida provisória.10. A duração de uma salvaguarda defini-
tiva se limitará ao período necessário para impedir ou reparar a desorgani-
zação de mercado para os produtores nacionais ou diretamente concor-
rentes.11. Se o prazo de vigência de uma medida aplicada em decorrência
de uma aumento relativo das importações exceder 2 anos ou se exceder 3
anos no caso de aumento absoluto das importações, a CAMEX deverá con

112 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


SALVAGUARDAS RELATIVAS AOS PRODUTOS CHINESES - RESUMO

siderar a possibilidade da China suspender a aplicação das conces-


sões ou obrigações substancialmente equivalentes. 12. Esses prazos po-
derão ser prorrogados mediante petição, que deverá ser protocolada no
prazo de até 4 meses antes do término da vigência da medida. 13. A me-
nos que devidamente justificada, é vedada a aplicação de nova medida
sobre um mesmo produto, antes de decorrido um ano do término do perí-
odo da salvaguarda anterior.14. A medida de salvaguarda adotada para
impedir ou atenuar a desorganização de mercado decorrente de desvio de
comércio perderá sua eficácia 30 dias após o término de vigência da medi-
da adotada por outro membro da OMC que deu origem ao desvio de co-
mércio.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 113


INVESTIGAÇÕES RELACIONADAS À DEFESA COMERCIAL NO BRASIL
2. INVESTIGAÇÕES RELACIONADAS À
DEFESA COMERCIAL NO BRASIL./ ESTATÍSTICAS

Conforme informado pelo DECOM, de 1988 até 31 de dezembro de


2004, foram instauradas no Brasil 212 investigações antidumping, 14 in-
vestigações de subsídios e 04 investigações de salvaguardas. Das 212 in-
vestigações antidumping instauradas, 100 delas foram concluídas com a
aplicação de medidas definitivas e 08 com a imposição de compromisso de
preço. Daquele total, 93 terminaram sem aplicação de medida. No que às
14 investigações de subsídios, 09 delas foram encerradas com a aplicação
de medida e outras 05 sem aplicação. Já as 04 investigações de salvaguar-
das realizadas naquele período foram concluídas com a aplicação de me-
didas.
O ano de 2004 foi um ano bastante produtivo para os órgãos de de-
fesa comercial brasileiros sendo superado apenas pelo ano de 1998. Em
2004, foram aplicadas 12 medidas definitivas sobre dumping e uma sobre
subsídios, além de terem sido iniciadas 13 novas investigações antidumping.

Note-se que praticamente 45% das medidas definitivas aplicadas contra


práticas desleais de comércio se restringem às importações oriundas dos
Estados Unidos, China, Índia e Rússia. Do total dessas medidas é fácil per-
ceber que as indústrias químicas, petroquímicas e de borracha são atual-
mente as mais afetadas por práticas desleais de comércio, posto que 38,3%
do total das medidas em vigor se referem às importações nesse segmento.

Maiores informações acerca dos procedimentos adotados contra prá-


ticas desleais e de salvaguardas, abertos ou encerrados no âmbito da SECEX,
além de estatísticas relacionadas às medidas definitivas já aplicadas e que
se encontram em vigor, podem ser perfeitamente obtidas no relatório anu-
al do DECOM ou junto ao próprio órgão em Brasília.

3. LEGISLAÇÃO
Além do Decreto Legislativo 30, de 15 de dezembro de 1994, do De-
creto 1.355, de 30 de dezembro de 1994, da Lei 9.019, de 30 de março de
1995, da Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, dos Decretos n° 4.634 e
4.732, respectivamente, de 21 de março de 2003 e 10 de junho de 2003, e
da Circular SECEX n.º 59, de 28 de novembro de 2001, os processos de
investigação e a aplicação de medidas de defesa comercial são também
regulados pelas seguintes normas específicas:

114 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


INVESTIGAÇÕES RELACIONADAS À DEFESA COMERCIAL NO BRASIL

3.1 MEDIDAS COMPENSATÓRIAS

· Decreto n° 1.751, de 19 de dezembro de 1995 - Regulamenta as


normas que disciplinam os procedimentos administrativos relativos à apli-
cação de medidas compensatórias.
· Circular SECEX n° 20, de 02 de abril de 1996 – Divulga um roteiro
para a elaboração de petição relativa à investigação de prática de subsídi-
os.
· Circular SECEX n.º 33, de 09 de maio de 2003 - Torna público que a
Federação da Rússia, para efeito de investigação com vistas à aplicação de
medidas antidumping e medidas compensatórias, será considerada como
economia de mercado.

3.2 MEDIDAS ANTIDUMPING

· Decreto n° 1.602, de 23 de agosto de 1995 - Regulamenta as nor-


mas que disciplinam os procedimentos relativos à aplicação de medidas
antidumping.
· Circular SECEX n° 21, de 02 de abril de 1996 - Roteiro para elabora-
ção de petição relativa à investigação de prática de dumping.
· Circular SECEX n.º 33, de 09 de maio de 2003 - Torna público que a
Federação da Rússia, para efeito de investigação com vistas à aplicação de
medidas antidumping e medidas compensatórias, será considerada como
economia de mercado.

3.3 MEDIDAS DE SALVAGUARDA

· Decreto n° 1.488, de 11 de maio de 1995 - Regulamenta as normas


que disciplinam os procedimentos administrativos relativos à aplicação de
medidas de salvaguarda.
· Decreto n° 1.936, de 20 de junho de 1996 - Altera dispositivos do
Decreto nº 1.488, de 11.05.95, definindo que as medidas de salvaguarda
serão aplicadas como elevação do imposto de importação.
· Decreto n° 2.667, de 10 de junho de 1998 - Dispõe sobre a Execu-
ção do Décimo Nono Protocolo Adicional ao Acordo de Complementação
Econômica nº 18, entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, de 17 de

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 115


Dezembro de 1997 e regula a aplicação de medidas de salvaguarda
às importações provenientes de países não membros do Mercado Comum
do Sul (MERCOSUL).
· Circular SECEX N° 19, de 02 de abril de 1996 - Roteiro para elabo-
ração de petição relativa à investigação de salvaguarda.
GLOSSÁRIO

GLOSSÁRIO
DANIEL PIRES CARNEIRO
FERNANDA CRESPO FERREIRA

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 117


GLOSSÁRIO

A
ACORDOS BILATERAIS
Tipo de acordo em que estão envolvidas apenas duas partes, poden-
do ser firmados entre Estados ou entre um Estado e uma Organização In-
ternacional, sob os mais variados temas como comércio e segurança inter-
nacional.

ACORDO DE LISBOA
Tratado administrado pela Organização Mundial de Propriedade Inte-
lectual (WIPO - World Intellectual Property Organization), para a proteção
de indicações geográficas e seu registro internacional.

ACORDO DE MADRID
Tratado administrado pela Organização Mundial de Propriedade Inte-
lectual (WIPO - World Intellectual Property Organization) para a repressão
de indicação falsa ou enganosa de fonte sobre bens.

ACORDOS MULTILATERAIS
São acordos firmados por três ou mais sujeitos do Direito Internacio-
nal. Devido às muitas partes envolvidas no acordo, este só entrará em vi-
gor a partir de sua ratificação pelos Estados. No âmbito da OMC, os Acor-
dos Multilaterais são aqueles que têm como característica principal à
obrigatoriedade de adesão por todos os seus membros, contendo regras
de observância obrigatória, como a do Tratamento Nacional e da Nação-
mais-favorecida.
ACORDOS PLURILATERAIS
São acordos firmados entre os países-membros da OMC, tendo como
característica principal à adesão facultativa, isto é, são válidos somente
entre seus signatários. Um exemplo de acordo plurilateral é o Acordo so-
bre Compras Governamentais.

ACORDOS DE RESTRIÇÕES VOLUNTÁRIAS


Acordos bilaterais onde um país aceita reduzir ou restringir volunta-
riamente as exportações de determinado produto, sem que o país impor-
tador utilize cotas, tarifas ou outros meios de restrições a importações.

118 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO

ACP
(African, Caribbean and Pacific countries)
Países Africanos, Caribenhos e do Pacífico. Um grupo de países com
relacionamento comercial preferencial com a UE, sob o tratado de Lomé,
atualmente denominado de Acordo de Cotonou.

AGENDA 2000
A reforma financeira da CE planejada para 2000-06 que se concentra
em fortalecer a União com vistas à recepção de novos membros. Inclui re-
forma da Política Agrícola Comum - CAP (Common Agricultural Policy).

AGENDA 21
A Agenda para o Século 21 — uma declaração do Earth Summit 1992
(Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento), que acon-
teceu no Rio de Janeiro.

ALCA
ALCA, ou Área de Livre Comércio das Américas (FreeTrade Area of the
Americas - FTAA) é uma iniciativa de 34 países do Continente americano,
proposta em dezembro de 1994, em Miami, durante a I Cúpula das Améri-
cas, com a finalidade de eliminar as barreiras ao comércio e aos investi-
mentos na região.

As discussões da ALCA desenvolvem-se em nove grupos de negocia-


ção - Acesso a Mercados; Agricultura; Serviços; Investimentos; Compras
Governamentais; Solução de Controvérsias; Direitos de Propriedade Inte-
lectual; Subsídios, Antidumping e Medidas Compensatórias; e Políticas de
Concorrência.

APEC
(Asia Pacific Economic Cooperation fórum)
Fórum Econômico da Ásia e do Pacífico.

APOIO INTERNO
Apoio Interno, ou apoio doméstico, consiste nos subsídios e outras
formas de pagamento ou assistência governamental aos produtores agrí-
colas em um determinado país. Em geral, visam à manutenção de um nível

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 119


GLOSSÁRIO
apropriado de produção de alimentos, garantias de segurança alimen-
tar e/ou melhoria nas condições de vida da população rural. A Rodada Uru-
guai, no acordo de Agricultura estabeleceu quatro grandes categorias de
apoios domésticos, que posteriormente foram classificados em caixas, são
elas: caixa amarela, caixa azul, caixa verde, e tratamento especial e dife-
renciado (Special and Differencial Treatment -S&D).

ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO


Área de Livre Comércio, também chamada de Zona de Livre Comércio
(ZLC), é um dos estágios iniciais do processo de integração regional no
qual os países-membros buscam a completa desgravação tarifária no co-
mércio intra-bloco. Diferentemente da União Aduaneira, não ocorre a ado-
ção de uma tarifa externa comum (TEC).

ARTIGO XX
(I.e. 20) Artigo da GATT listando as “exceções” aplicáveis às regras de
comércio.

ASEAN
(Association of Southeast Asian Nations)
Associação de Nações do Sudeste Asiático. Oito membros da ASEAN
são membros da OMC: Brunei, Camboja, Indonésia, Malásia, Myanmar, Fili-
pinas, Cingapura e Tailândia. Os outros membros da ASEAN, Laos e Vietnam,
estão negociando seu ingresso na OMC.

ATC
(Agreement on Textiles and Clothing)
Acordo da OMC sobre têxteis e vestuários.

AUTOMACIDADE
Em disputas, ou controvérsias, a progressão cronológica “automática”
para o estabelecimento de disputas de comércio, diz respeito ao estabele-
cimento de painéis, termos de referência, imposições e procedimentos de
adoção.

120 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO

B
BARREIRAS
Também denominadas restrições comerciais, são um conjunto de ins-
trumentos adotados por determinado governo para controlar o comércio
internacional de seu país, com objetivo de reduzir ou até mesmo impedir a
entrada de produtos estrangeiros em seu território. São legítimas e visam
proteção de um determinado bem jurídico pelo Estado, como a proteção da
saúde do consumidor, proteção do meio ambiente, etc. Entretanto, na mai-
oria das vezes são utilizadas como medidas protecionistas, promovendo
um desestímulo a importação.

BARREIRAS NÃO-TARIFÁRIAS
As barreiras não-tarifárias (BNTs) são restrições comerciais à entrada
de mercadorias importadas não efetivadas através de tarifas aduaneiras.
São utilizadas a fim de promover a proteção de determinados bens jurídi-
cos considerados importantes pelos Estados, como a proteção ao meio-
ambiente e do consumidor. Estas barreiras podem significar uma forma de
protecionismo visando a entrada de produtos estrangeiros. São exemplos
de barreiras não-tarifárias as medidas sanitárias e fitossanitárias, as bar-
reiras técnicas e outras medidas como políticas de preços mínimos.

BIT
(Bilateral Investment Treaties)
Tratados bilaterais sobre investimentos.

BSE
(Bovine spongiform encephalopathy)
Encefalopatia Bovina Spongiforme, ou doença da vaca louca.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 121


GLOSSÁRIO

C
CAFTA
(US-Central America Free Trade Agreement)
CAFTA , ou Acordo de Livre Comércio Centro-Americano, é uma inici-
ativa dos Estados Unidos, Costa Rica, Honduras, Guatemala, El Salvador e
Nicarágua, de criar uma área de livre comércio para eliminar tarifas e ou-
tras barreiras ao comércio de bens, agricultura, serviços, investimentos
entre esses países. Passou a vigir entre os países em 1° de janeiro de 2005.

CAIXA AMARELA
(também chamada de caixa âmbar)
Também chamada de subsídios distorcivos, compreende as políticas
internas capazes de distorcer o comércio agrícola internacional. Estão su-
jeitas a limites de uso global e determinado, assim como acordos de redu-
ção. Essas políticas internas são compostas por sistemas de sustentação
de preços de mercado e pagamentos diretos aos produtores. Os subsídios
tipo caixa amarela que afetem menos de 5% do valor de produção estão
isentos do compromisso de redução. Atualmente, apenas 34 países-mem-
bros utilizam a caixa amarela, incluindo o Brasil.

CAIXA AZUL
Também chamada de subsídios distorcivos, mas vinculados. Consiste
em formas de apoio interno capazes de distorcer o comércio internacional,
que são, todavia, isentas de compromissos multilaterais por estarem rela-
cionadas a programas de limitação da produção agropecuária, as quais
não estão sujeitas aos compromissos de redução do apoio interno. Agrupa
alguns subsídios que foram permitidos por terem, teoricamente, menor
impacto sobre o comércio (pagamentos diretos a agricultores em progra-
mas de limitação de produção, etc.).

CAIXA VERDE
Chamada de subsídios não distorcivos, esta forma de apoio está isenta
do compromisso de redução, mas não pode estar vinculada a nenhum tipo
de garantia de preços aos produtores. São medidas de apoio doméstico do
tipo caixa verde a assistência a desastres, bem como os programas gover-
namentais de pesquisa, extensão rural, infra-estrutura e controle de pes-

122 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO
tes e doenças.

CAIXA VERMELHA
Compreende políticas de apoio doméstico consideradas proibidas ou
ilegais por sua capacidade de distorcer os fluxos de comércio entre os
diversos países. No momento, nenhum mecanismo de política pública agrí-
cola, adotado pelos membros da OMC, foi até hoje enquadrado pela caixa
vermelha.

CLÁUSULA DE ESCAPE
(Scape clause)
Parte de um texto legal que permite a violação do mesmo, sob deter-
minadas condições. No comércio internacional, o maior exemplo de cláu-
sula de escape são as salvaguardas.

CLÁUSULA DE PAZ
Criada no fim da Rodada do Uruguai, a Cláusula de Paz impede que
sejam questionadas as medidas de apoio interno, concedidas pelos países
para a agricultura. Seu prazo expirou no final de 2003.

COMPRAS GOVERNAMENTAIS
As Compras Governamentais (Government Procurement) referem-se
ao processo de compras, leasing, arrendamentos e contratações realiza-
dos por entidades ou agências governamentais.

Na OMC, o acordo de Compras Governamentais que regulamenta esta


modalidade faz parte dos chamados acordos plurilaterais, negociados na
Rodada Uruguai, contendo direitos e obrigações para as partes signatárias.
Seu objetivo principal é estender às compras governamentais de um país
as regras de tratamento nacional e da nação mais favorecida, ou seja, a
concessão de tratamento não menos favorável do que o concedido aos pro-
dutores e fornecedores nacionais.

COMPROMISSO DE PREÇOS
Compromisso onde um exportador aumenta o preço do produto ex-
portado para evitar a aplicação de um direito antidumping.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 123


GLOSSÁRIO

COMUNIDADE ANDINA
A Comunidade Andina foi criada em 1997 pela Bolívia, Equador, Peru,
Colômbia e Venezuela, com a finalidade de formar uma Zona Aduaneira,
baseada em princípios do livre comércio e abertura regional. O antecessor
da Comunidade Andina foi o Pacto Andino, assinado em 1969.

CONVENÇÃO DE PARIS
Tratado para a proteção da propriedade intelectual industrial, admi-
nistrada pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (WIPO - World
Intellectual Property Organization).

CONVENÇÃO DE ROMA
Convenção internacional para proteção aos artistas intérpretes ou
executantes, aos produtores de fonogramas e aos organismos de radiodi-
fusão.

CAP
(Common Agricultural Policy)
CAP, ou Política de Agricultura Comum, consiste em um sistema de
objetivos de produção e mecanismos de marketing desenvolvidos para o
gerenciamento do comércio agrícola no âmbito da União Européia com o
resto do mundo.

CARICOM
(The Caribbean Community and Common Market)
Comunidade e Mercado Comum do Caribe, abrangendo 15 países.

CARRY FORWARD
Quando um país exportador utiliza parte da quota do ano seguinte
durante o ano em curso.

CARRY OVER
Quando um país exportador utiliza a quota não utilizada do ano an-
terior.

124 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO

CBD
(Convention on Biological Diversity)
Convenção sobre Diversidade Biológica.

CE
Comunidade Européia (denominação oficial da União Européia na OMC).

CIRCUNVENÇÃO
Significa driblar obrigações contidas (compromissos) na OMC, tais
como obrigações de limitar subsídios a exportadores agrícolas. Inclui: evi-
tar quotas e outras restrições através da alteração do país de origem de um
produto; medidas tomadas por exportadores para a evasão de pagamento
de tarifas antidumping ou tarifas de compensação.

CITES
(Convention on International Trade in Endangered Species)
Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies de flora e fauna
selvagens em perigo de extinção. Um acordo multilateral de meio-ambi-
ente.

CODEX ALIMENTARIUS
Comissão da FAO (Food and Agriculture Organization), Organização
de Alimento e de Agricultura das Nações Unidas, que lida com padrões
internacionais de segurança alimentar.

COMÉRCIO ELETRÔNICO
Produção, publicidade (anúncio) venda e distribuição de produtos via
redes de telecomunicações.

CONSIDERAÇÕES DE NÃO-COMÉRCIO
Semelhante a multifuncionalidade. O preâmbulo do Acordo Agrícola
especifica segurança de alimentos e proteção ambiental como exemplos.
Também citados por membros são o desenvolvimento rural, emprego e
mitigação da pobreza.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 125


GLOSSÁRIO

CONVENÇÃO DE BASEL
Acordo ambiental multilateral sobre resíduos perigosos.

CONVENÇÃO DE BERNA
Tratado administrado pela Organização Mundial de Propriedade Inte-
lectual, (WIPO - World Intellectual Property Organization), para proteção
dos direitos de autores, em seus trabalhos literários e artísticos.

CTD
(Committee on Trade and Development)
Comitê de Comércio e Desenvolvimento da OMC

CTE
(Committee on Trade and Environment)
Comitê da OMC para Comércio e Meio Ambiente.

CTG
(Council for Trade in Goods)
Conselho para o Comércio de Bens — supervisiona acordos da OMC
de bens, incluindo o ATC.

126 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO

D
DISTORÇÃO
Quando os preços de produção são maiores ou mais baixos que os
níveis que normalmente existiriam num mercado competitivo.

DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL


Propriedade de idéias, inclusive trabalhos literários e artísticos (pro-
tegidos por direitos autorais) invenções (protegidas por patentes), sinais
para distinção de bens de uma empresa (protegidos por marcas) e outros
elementos de propriedade industrial.

DSB
(Dispute Settlement Body)
Órgão de Solução de Controvérsias. Quando o Conselho Geral da OMC
se reúne para resolver disputas de comércio.

DUMPING
É a venda de um produto no mercado de um outro país a um preço
"abaixo de seu valor normal", ou seja, preço que geralmente se considera
menor do que o que se cobra pelo produto dentro do país exportador, ou
em sua venda a terceiros países. De modo geral, o dumping é reconhecido
como uma prática injusta de comércio, pois prejudica os fabricantes de
produtos similares no país importador.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 127


GLOSSÁRIO

E
EEP
(Export Enhancement Programme)
Programa de Melhoria para Exportação — um programa de subsídios
de exportação dos Estados Unidos da América, geralmente concedido para
competir com exportações subsidiadas da União Européia em certos mer-
cados de exportação.

EFTA
(European Free Trade Association)
Associação Européia de Livre Comércio.

ESCALADA TARIFÁRIA
Trata-se de progressividade tarifária a medida em que os produtos
adquirem maior valor agregado, ou seja, produtos brutos sofrem tarifações
reduzidas, bens intermediários sofrem tarifações um pouco mais elevadas
e bens finais, de alto valor agregado, sofrem tarifas elevadas. Essa prática
protege indústrias domésticas de produtos processados e desencorajam o
desenvolvimento de indústrias nos países de onde são originadas as maté-
rias-primas.

ESCRITÓRIO INTERNACIONAL DE EPIZOÓTICOS


Lida com padrões internacionais referentes à saúde animal.

EX ANTE , EX POST
Antes e depois da imposição de uma medida.

EXAUSTÃO
O princípio da exaustão dos direitos determina que a possibilidade de
exercício do direito de exclusão, garantido ao titular de direito de proprie-
dade intelectual, se exaure a partir do momento em que ele é responsável
pela introdução de seu produto no mercado, seja direta ou indiretamente.

A partir desse momento o titular não possui mais o direito de impedir

128 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO
a livre circulação do bem. Desta forma, conclui-se que, ao auferir o bene-
fício da remuneração que lhe é devido no momento da venda, não cabe ao
titular restringir a circulação do bem de qualquer forma. O único direito
que resta ao titular, a partir de então, é a exclusividade de reprodução.
Segundo a teoria da exaustão internacional, após a venda autorizada de
um produto em qualquer parte do mundo, o titular da patente não poderá
mais impedir as importações e vendas posteriores.

A legislação de vários países varia em relação ao fato de que o direito


continua sendo exaurido caso o produto seja importado de um mercado
para outro, o que afeta os direitos do proprietário no comércio do produto
protegido.

EXTERNALIDADE
Situação em que uma ação individual de um agente econômico (pes-
soa, empresa, governo, etc.) afeta diretamente os outros agentes, trazen-
do para eles conseqüências benéficas ou maléficas em relação à sua con-
dição anterior.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 129


GLOSSÁRIO

F
FACILITAÇÃO DE COMÉRCIO
Tem como fim tornar o comércio internacional mais rápido e menos
oneroso. Consiste em medidas que implicam na reforma da administração
de portos e alfândegas para torná-los mais eficientes, incluem a elabora-
ção normas mais ágeis, assim como uma maior automação e utilização do
comércio eletrônico.

FALSIFICAÇÃO
Representação não-autorizada de uma marca registrada constando
de bens idênticos ou similares a bens para os quais a marca é registrada,
com vistas a enganar o comprador e levá-lo a acreditar que se está adqui-
rindo os bens originais.

FARM BILL
É a Política Agrícola Americana norteada por leis agrícolas aprovadas
no Congresso dos Estados Unidos, desde 1993. Esta lei fornece as diretri-
zes para toda política de produção, comércio agrícola e segurança alimen-
tar dos Estados Unidos.

FAST-TRACK
Lei norte-americana pela qual o Congresso concede ao Presidente dos
Estados Unidos uma autorização para que ele possa negociar acordos co-
merciais com outros países no âmbito internacional, de modo que os acor-
dos não possam ser emendados posteriormente, quando de sua aprovação
legislativa. Desta forma, o Congresso norte-americano só poderá aprovar
ou rejeitar os acordos comercias integralmente, perdendo o direito de alterá-
los. O Fast-Track foi concedido por um período de tempo determinado,
podendo ser renovado. O atual mandato, aprovado em 2002, permanecerá
em vigor até 2007.

FDI
(Foreign direct investment)
Investimento estrangeiro direto.

130 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO

FÓRMULA HARMONIZANTE
Usada em negociações para reduções mais drásticas em tarifas mais
altas que em tarifas mais baixas, as taxas finais sendo “harmonizadas” i.e.,
com diferenças menores.

FÓRMULA SUÍÇA
A Fórmula Suíça foi proposta pela primeira vez na Rodada Tóquio
(1973-1979) para o setor industrial. É uma forma de harmonizar a estru-
tura tarifária através de um processo de corte das tarifas de um país, ou
seja, ela pondera o rebaixamento das tarifas de importação pelas tarifas já
utilizadas dentro do país. Esta fórmula permite a redução dos picos
tarifários, pois ela corta as tarifas mais altas, sendo que as tarifas mais
baixas sofrem cortes menores.

FREE-RIDER
Refere-se ao benefício recebido por um país-membro da OMC com o
resultado de negociações feitas por outros Países-membros, mesmo sem
ter este feito qualquer concessão comercial. Esses benefícios são concedi-
dos pelos países pactuantes, em virtude da cláusula da nação-mais-
favorecida.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 131


GLOSSÁRIO

G
G7
Grupo de sete países líderes na indústria: Canadá, França, Alemanha,
Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos da América.
G8
G7, mais a Rússia.

G77
Grupo de países em desenvolvimento, estabelecido em 1964 no tér-
mino do primeiro UNCTAD (originalmente 77, porém, conta atualmente com
mais de 130 países).

GSP
(Generalized System of Preferences)
Sistema de Preferência Generalizado. Programas feitos por países de-
senvolvidos concedendo tarifas preferenciais para importações de países
em desenvolvimento. Sistema Harmonizado. Nomenclatura internacional
desenvolvida pela WCO (World Customs Organization), Organização Mun-
dial de Aduanas, que se encontra em códigos de seis dígitos, permitindo
os países participantes a classificar bens comercializados em base comum.

GATS
(General Agreement on Trade in Services)
O Acordo Geral sobre Comércio de Serviços, GATS, é um dos anexos
(anexo 1B) do Acordo de Marrakesh (Acordo Constitutivo da Organização
Mundial do Comércio – OMC) de abril de 1994. É o primeiro acordo multi-
lateral com regras e disciplinas para o comércio de serviços. Define quatro
modos de prestação de serviços: Modo 1 – serviços transfronteiriços; Modo
2 – consumo no exterior; Modo 3 – Presença comercial (pessoa jurídica); e
Modo 4 – Presença de pessoa natural (pessoa física).

GATT
(General Agreement on Tariffs and Trade)
O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio é um conjunto de regras e

132 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO
normas de comércio internacionalmente aceitas, que visam impulsionar a
liberalização comercial e combater práticas protecionistas. Foram institu-
ídas na primeira negociação multilateral de comércio, em 1947, e revistas
ao longo de um total de sete rodadas de negociação até 1994, com o fim
da Rodada Uruguai e a criação da OMC.

GRUPO DE CAIRNS
O Grupo de Cairns, responsável por 20 por cento das exportações de
produtos agrícolas no mundo, inclui tanto países desenvolvidos quanto em
desenvolvimento. Os países membros do grupo são: Argentina, Austrália,
Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Fiji, Indonésia, Malásia, Nova Zelândia,
Paraguai, Filipinas, África do Sul, Tailândia e Uruguai. Agindo em conjunto,
esses países tem obtido mais influência e impacto nas negociações agríco-
las do que teriam se agissem de maneira isolada. O grupo, que está sob a
liderança da Austrália, tem uma abordagem consensual no seu processo
de tomada de decisões.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 133


GLOSSÁRIO

H
HLM
(High-Level Meeting for least-developed countries)
Reunião de alto-nível da OMC para países menos desenvolvidos, ocor-
rida em Genebra, Outubro de 1997.

134 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO

I
INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO
(IED)
Representa o deslocamento da pessoa jurídica (empresa), ou seja, é a
presença comercial. Há investimento externo direto sempre que um não-
residente realiza um investimento com intuito de controlar efetivamente a
empresa receptora de capital (filial, subsidiária ou joint venture).

INCOTERMS
(International Commerce Terms)
Termos internacionais de Comércio. Quando comerciantes participam
em um contrato de compra e venda, são livres de negociar os termos espe-
cíficos de seu contrato. Estes termos incluem o preço, quantidade, e carac-
terísticas dos bens. Cada contrato internacional conterá também o que é
chamado de um Incoterm (termo comercial internacional), que é represen-
tado por siglas. O Incoterm selecionado pelas partes envolvidas na transa-
ção determinará que parte paga o custo de cada segmento do transporte,
quem é responsável pelo carregamento e descarregamento dos bens, e
quem carrega com o risco da perda em algum ponto do transporte interna-
cional.
Os incoterms são administrados pela Câmara de Comércio internaci-
onal em Paris e são aderidos pelas principais nações participantes em co-
mércio exterior. Existem atualmente 13 Incoterms em uso.

INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS
Constitui indicação geográfica a indicação de procedência ou a deno-
minação de origem:

a) Considera-se indicação de procedência o nome geográfico de país,


cidade, região ou localidade de seu território, que se tenha tornado conhe-
cido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado pro-
duto ou de prestação de determinado serviço; e

b) Considera-se denominação de origem o nome geográfico de país,


cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou ser-
viço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencial

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 135


GLOSSÁRIO
mente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos.
Exemplos: “Champagne” “Tequila” ou “Roquefort”.
O Prazo de proteção ilimitado (perdura enquanto a indicação geográ-
fica tiver suas características preservadas).

IPRs
(Intellectual property rights)
Direitos de Propriedade Intelectual.

ITA
(Information Technology Agreement)
Acordo de Tecnologia da Informação, ou formalmente Declaração Mi-
nisterial do Comércio em Produtos de Informação Tecnológica.

ITA II
Negociações visando à expansão e cobertura de produtos no âmbito
da ITA.

ITC
(International Trade Centre)
Centro de Comércio Internacional originalmente estabelecido pelo
antigo GATT e presentemente operado em conjunto pela OMC e as Nações
Unidas, a última agindo através da Conferência das Nações Unidas sobre
Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). Ponto focal para cooperação téc-
nica na promoção de vendas de países em desenvolvimento.

136 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO

L
LCA
(Life cycle analysis)
Análise do ciclo da vida — método utilizado para identificar se um
serviço ou bem é ambientalmente amigável.

LDCs
(Least-developed countries)
Países menos desenvolvidos.

LICENCIAMENTO COMPULSÓRIO DE PATENTES


Concessão de licença pela autoridade nacional a companhias ou indi-
víduos para fazer, usar, vender ou importar um produto protegido por pa-
tente (i.e. um produto patenteado ou um produto feito por um processo
patenteado) — sem a permissão do titular da patente. Permitido sob o OMC
TRIPS (propriedade intelectual). Acordo válido caso certos procedimentos e
condições são cumpridos.

LISTAS POSITIVAS
Uma das formas pela qual os países fazem suas ofertas. Através da
lista positiva, os países listam apenas os setores que estão dispostos a
negociar. É a forma utilizada na OMC.
LISTAS NEGATIVAS
Uma das formas pela qual os países apresentam suas ofertas. Na lista
negativa, constam somente os setores nos quais são mantidas medidas
desconformes com as obrigações principais dos acordos, ou seja, se apre-
senta apenas o que não será negociado. É a forma que está sendo pleitea-
da pelos Estados Unidos para se apresentar ofertas na ALCA.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 137


GLOSSÁRIO

M
MAILBOX
Em Propriedade Intelectual, refere-se à exigência do Acordo TRIPS
aos membros OMC que ainda não providenciaram proteção de patente para
produtos farmacêuticos e agrotóxicos. Desde 1.º de Janeiro de 1995, quando
os Acordos da OMC entraram em vigor, tais países tem que estabelecer um
meio pelo qual pedidos de patentes para tais produtos possam ser deposi-
tados.

MEA
(Multilateral environmental agreement)
Acordo multilateral do meio-ambiente.

MEDIDAS COMPENSATÓRIAS
Ações empreendidas por um país importador, geralmente em forma
de tarifas aumentadas, para compensar subsídios concedidos a produtores
ou exportadores no país exportador.

MEDIDAS SANITÁRIAS E FITOSSANITÁRIAS


Medidas e regulamentações implementadas pelos governos para pro-
teger a saúde de pessoas, animais e plantas e assegurar a qualidade e
segurança dos alimentos.

MEMBROS
Países-membros da OMC.

MFA
(Multifibre Arrangement)
Acordo Multifibras (1974—94).

MFN
(Most-favoured-nation treatment)
Tratamento a nações mais favorecidas (GATT Artigo 1°, GATS Artigo

138 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO
1° e TRIPS Artigo 4°).

MERCOSUL
O Mercado Comum do Sul, Mercosul, surgiu, inicialmente, como zona
de livre comércio, estimulada pela liberalização tarifária gradual, linear e
automática acordada por quatro Estados Partes (Brasil, Argentina, Paraguai
e Uruguai). O segundo passo foi estabelecer os primeiros contornos da
União Aduaneira, com a entrada em vigor em 1o de janeiro de 1995 da
Tarifa Externa Comum (TEC).

A agenda externa do Mercosul inclui iniciativas na esfera latino-ame-


ricana, como os acordos de livre comércio com os países da ALADI; na
esfera hemisférica com a coordenação de posições no âmbito da criação da
ALCA; e na esfera extra-hemisférica, com o acordo de cooperação econô-
mica e comercial com a União-Européia.

MODALIDADES
Também chamadas de métodos, referem-se aos procedimentos a se-
rem observados como parâmetros para uma negociação, ou seja, a forma
como uma negociação deverá ser conduzida. Além disso, sua definição pro-
duz efeitos no condicionamento e na forma de ofertas e propostas que os
países, em negociação, deverão apresentar.

MODO 1
Modo 1, ou Serviços Transfronteiriços, é o serviço fornecido de um
país a outro. Não há movimento de pessoas ou necessidade de se estabe-
lecer comercialmente no país onde o serviço é consumido. Por exemplo, o
caso de uma firma local que prepara um estudo para um cliente estrangei-
ro interessado nesse mercado. O serviço, no caso, o estudo, será encami-
nhado ao cliente via e-mail.

MODO 2
Modo 2, ou Consumo no Exterior, refere-se aos serviços consumidos
por cidadãos de um país no território de outro país onde o serviços é pres-
tado. O serviço, portanto, é prestado a consumidores que não se encon-
tram em seu país de residência. Por exemplo: turismo internacional.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 139


GLOSSÁRIO

MODO 3
Modo 3, ou Presença comercial, ocorre quando um prestador de ser-
viços sai de seu país de origem para estabelecer-se comercialmente em
outro país a fim de prestar um serviço. Esta presença se dará por meio de
qualquer tipo de estabelecimento comercial ou profissional, como, por
exemplo, corporações, filiais, escritórios representativos e joint-ventures.

MODO 4
Modo 4, ou Movimento de pessoas físicas, se aplica apenas às pesso-
as físicas de um país que se estabelecem temporariamente em outro país
com o propósito de prestar um serviço.

MULTIFUNCIONALIDADE
Esta terminologia está compreendida dentro das chamadas “questões
não-comerciais” (non-trade concerns) da agricultura nas negociações in-
ternacionais. Consiste, basicamente, na idéia de que a agricultura desem-
penha outras funções que vão além da produção de alimentos e fibras, que
trazem externalidades positivas para a sociedade. Dentre essas funções
destacam-se a manutenção do emprego rural, a ocupação territorial, o equi-
líbrio das pequenas cidades, a preservação ambiental e da paisagem rural,
a manutenção da cultura camponesa, entre outros.

140 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO

N
NAFTA
(North America Free Trade Agreement)
O Acordo de Livre Comércio da América do Norte entrou em vigor em
1994, constituindo uma área de livre comércio entre os países México, Es-
tados Unidos e Canadá, com o objetivo de eliminar as barreiras comerciais
e a facilitar o deslocamento de bens e serviços entre os países-membros.

NAÇÃO-MAIS-FAVORECIDA
No âmbito de um acordo comercial, é o princípio que dispõe que toda
vantagem, favor, privilégio ou imunidade concedida por um país a produ-
tos originários de outro país ou a ele destinados, será estendido imediata e
incondicionalmente, a qualquer produto similar, originário do território de
todos os demais países-membros desse acordo.

NAMA
(Non-Agricultural Market Access)
Designa a área de negociações sobre tarifas e barreiras não-tarifárias
aplicadas a todos os produtos não cobertos pelas negociações sobre agri-
cultura.

NULIFICAÇÃO
Danos aos benefícios e expectativas de um país por sua condição de
membro da OMC, através de alterações no regime de comércio de outro
país. Pode significar também falha para executar suas obrigações com a
OMC.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 141


GLOSSÁRIO

O
OBRIGAÇÕES GERAIS
Obrigações que deveriam ser aplicadas a todos os setores de serviços
à entrada em vigor do Acordo GATS.

OFERTA
Proposta de um país de proceder a uma maior liberalização, geral-
mente uma oferta para aumentar o acesso a seus mercados.

OMC
A Organização Mundial do Comércio, OMC, é uma organização inter-
nacional que surgiu como resultado final da Rodada Uruguai, realizada no
âmbito do GATT - Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, com objetivo de
coordenar, administrar e servir de foro para as negociações do comércio
internacional. A organização entrou em vigor em 1° de janeiro de 1995, e
hoje conta com 149 membros.

ÓRGÃO DE APELAÇÃO
É a segunda instância decisória para a solução de disputas na OMC. É
acionado por um membro quando este, após ter participado de um litígio
em um painel, se sente prejudicado com o resultado. É composto de sete
árbitros que possuem um mandato de quatro anos.

ÓRGÃO DE MONITORAMENTO DE TÊXTEIS


(TMB)
Órgão criado para supervisionar a implantação do Acordo sobre Têx-
teis e Confecções até sua expiração, em janeiro de 2005.

ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS


É o órgão responsável para decidir sobre as questões e disputas rela-
cionadas ao comércio internacional entre os membros da OMC. É composto
por todos os países-membros da OMC.

142 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO

P
PAC
A Política Agrícola Comum, PAC, é o sistema de instrumentos associ-
ados à política comercial da União Européia baseado na imposição de tari-
fas variáveis e subsídios, com objetivo de promover a sustentação da ven-
da agrícola da agricultura européia.

PAGAMENTO DE DÉFICIT
Consiste em um tipo de suporte doméstico à agricultura nacional,
pago por governos a produtores de certas commodities. Baseia-se na dife-
rença entre o preço alvo e o preço do mercado doméstico, ou taxa de juros
sobre empréstimos, o que for menor.

PAINEL
O painel é a primeira instância do Órgão de Solução de Controvérsias
(OSC) e julga os conflitos comerciais entre os países-membros da OMC. É
composto por três árbitros, escolhidos pelos membros envolvidos com o
litígio, que fazem recomendações a esses a respeito de determinada con-
trovérsia. Pode ser instaurado a pedido das partes, quando as negociações
bilaterais não surtirem efeito.

PICOS TARIFÁRIOS
São tarifas extremamente elevadas aplicadas sobre a importação de
determinados produtos normalmente considerados sensíveis. Também são
denominadas de megatarifas.

PRODUTO AGRÍCOLA
Definido para a cobertura do Acordo Agrícola da OMC, conforme Anexo
1°. Isto exclui, por exemplo, produtos de pesca e florestais e inclui vários
tipos de processamento de diferentes commodities.

PRODUTOS NÃO AGRÍCOLAS


Nas negociações para acesso de produtos não agrícolas aos merca-
dos (NAMA), produtos não cobertos pelo Anexo 1° do Acordo de Agricultu-
ra, peixe e produtos florestais.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 143


GLOSSÁRIO

PRODUTOS SENSÍVEIS
Os produtos sensíveis são aqueles que possuem grande sensibilidade
a fatores exógenos, passíveis de prejudicar sua produção e comercialização.

Do ponto de vista do exportador, podem ser definidos como aqueles


que respondem por uma grande porcentagem das exportações totais de
um país qualquer e que sofrem altas barreiras de importação por parte de
outros países.

Já do ponto de vista do produtor doméstico, são aqueles em que o


país importador é pouco competitivo na sua produção e, portanto, a livre
entrada desse produto importado pode causar prejuízos e tornar
desinteressante a sua produção doméstica.

PROTEÇÃO DE FRONTEIRAS
Qualquer medida que restrinja importações no porto (ponto de entra-
da).

PROTOCOLOS
Acordos adicionais vinculados ao GATS (General Agreement on Trade
in Services), Acordo Geral sobre Comércio de Serviços. O segundo protoco-
lo tratados compromissos sobre serviços financeiros de 1995 e o terceiro
protocolo trata da circulação de pessoas.

PROTOCOLO DE MONTREAL
Acordo multilateral de meio ambiente que cuida da diminuição da
camada de Ozônio na Terra.

144 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO

Q
QUAD
Grupo formado por Canadá, União Européia, Japão e Estados Unidos.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 145


GLOSSÁRIO

T
TARIFAS ANTIDUMPING
O Artigo 6.º do GATT permite a imposição de tarifas de antidumping
sobre bens vendidos por valores abaixo do custo e que causam danos a
produtores no país importador. Tais tarifas são iguais à diferença entre o
preço de exportação do bem e seu valor, no caso de causar qualquer dano.

TARIFA DE ESTORVO
Uma tarifa tão baixa que custa mais ao governo para recolher que a
receita gerada. Por vezes, a tarifa que não possui qualquer efeito de prote-
ção. Por outro lado, alguns países a defendem como sendo necessário para
produzir receitas.

146 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO

R
RECIPROCIDADE
Princípio consistente na negociação de vantagens e concessões mú-
tuas entre países. Para o comércio internacional, refere-se à forma de es-
tabelecer acordos, compromissos e concessões para redução de níveis
tarifários e outras barreiras ao comércio por meio de um processo de ne-
gociação do tipo "toma lá, dá cá" (give-and-take it).

REGRAS DE ORIGEM
Leis, regulamentações e procedimentos administrativos que determi-
nam o país de origem de um determinado produto. Por exemplo, a decisão
de uma autoridade alfandegária sobre a origem de um produto pode de-
terminar: se sua remessa sofrerá limitações de quota, se é qualificada para
receber uma tarifa preferencial, ou é afetada por direitos antidumping. Es-
sas regras variam de país para país.

RESTRIÇÕES QUANTITATIVAS
Limites específicos de quantidade ou valor de produtos que podem
ser importados (ou exportados) durante um determinado período de tem-
po.

RODADA URUGUAI
Rodada de negociações comerciais multilaterais iniciada em Punta del
Este, Uruguai, em setembro de 1986 e concluída em Genebra, em dezem-
bro de 1993. Foi assinada em abril de 1994, na cidade de Marrakesh, Mar-
rocos.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 147


GLOSSÁRIO

S
SALVAGUARDAS
Instrumento de defesa comercial que consiste na aplicação de medi-
das temporárias e seletivas, tais como tarifas ou restrições quantitativas
(quotas), destinadas a dificultar importações crescentes que estiverem cau-
sando ou ameaçando causar grave prejuízo à produção nacional de bens
similares. A diferença entre salvaguardas e os direitos compensatórios e
direitos antidumping é que as últimas são consideradas desleais, o que
não acontece com relação às importações sujeitas às salvaguardas.

SALVAGUARDAS PROVISÓRIAS
As salvaguardas provisórias podem ser adotadas em circunstâncias
especiais em que o dano à indústria nacional seja iminente e difícil de ser
reparado, quando existir evidência clara de que o aumento de importações
tenha causado ou ameace causar grave prejuízo. A duração da medida pro-
visória não pode ultrapassar o prazo máximo de 200 dias.

SALVAGUARDAS TRANSITÓRIAS
Foram instituídas pelo Protocolo de Acessão da China quando de sua
acessão a OMC. A China aceitou a inclusão de um mecanismo (Seção 16)
que prevê a possibilidade de os Membros da OMC imporem salvaguardas
apenas contra produtos chineses, em caráter transitório (somente até 2013).
A justificativa usada para a instituição de tal sistema foi à necessidade de
se ter uma regra de acomodação do sistema, que pudesse facilitar a apro-
vação da Acessão da China a OMC pelos 143 Membros da OMC à época. O
mesmo tipo de mecanismo foi utilizado quando da acessão de outros paí-
ses comunistas ao GATT-1947 (Polônia, Romênia e Hungria), no final dos
anos 60. As normas permitindo a imposição das “Salvaguardas Chinesas”
diferem das regras do Acordo de Salvaguardas da OMC, tendo tornado menos
penosa a imposição de salvaguardas contra produtos chineses.

S&D
(Special and Differencial Treatment)
S&D, ou Tratamento Especial e Diferenciado, destinado aos países em
desenvolvimento, em relação às medidas de assistência governamental,

148 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO
destinados a programas para o desenvolvimento de atividades agrícolas.
Estas medidas estão isentas do compromisso de redução do apoio domés-
tico.

SEGURANÇA ALIMENTAR
Política baseada na necessidade de manutenção da produção domés-
tica de gêneros alimentícios suficientes para assegurar que a população do
país possa ser alimentada, mesmo que as importações sejam interrompi-
das.

SINGLE UNDERTAKING
Single undertaking, ou compromisso único, consiste na negociação
de um pacote de objetivos, ou na negociação de vários objetivos de forma
única. Todos os acordos multilaterais da OMC são negociados desta forma.
Isso quer dizer os acordos em negociação só serão assinados depois que
tudo estiver negociado. Significa que enquanto não houver definição para
algum dos pontos negociados, nada estará acordado de forma definitiva.

Ressalta-se que o compromisso único não se aplica aos Acordos


Plurilaterais da OMC, haja vista que não é obrigatória a adesão dos mem-
bros neste tipo de acordo.

SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS
O termo "solução de controvérsias" significa o meio através do qual
os conflitos de interesse e desentendimentos são resolvidos entre as par-
tes (países-membros) em um determinado litígio. Pelas regras de comér-
cio internacional, as controvérsias são solucionadas no âmbito do meca-
nismo estabelecido pela OMC.

É instalado um painel para analisar o litígio, que produz um relatório


encaminhado ao Órgão de Solução de Controvérsias, se mesmo com a de-
cisão deste órgão, a controvérsia persistir, então o problema pode ser le-
vado ao Órgão de Apelação da OMC.

SUBSÍDIOS
De acordo com o Acordo sobre subsídios e medidas compensatórias,
um subsídio existe se agrupar as seguintes condições: (i) a existência de
uma contribuição financeira de um governo ou órgão público dentro do

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 149


GLOSSÁRIO
território de um membro; e (ii) concessão de um benefício. Existem
dois tipos de subsídios: à exportação e domésticos. Os subsídios à expor-
tação são aqueles voltados diretamente a produtos à exportação. Já os sub-
sídios domésticos não são diretamente relacionados à exportação. Podem
ser diretos ou indiretos, e tem a finalidade de tornar o produto mais com-
petitivo no comércio internacional.

O acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (SCM) abrange


todos os subsídios outorgados pelos países para aumentar suas exporta-
ções. Este acordo tenta desencorajá-los e proibi-los e se aplica principal-
mente a bens industriais. No acordo, os subsídios são classificados em:
subsídios não-acionáveis (verdes); subsídios acionáveis (amarelos) e; sub-
sídios proibidos (vermelhos).

150 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO

T
TARIFA
Imposto cobrado sobre bens e produtos importados. A tarifa dá uma
vantagem ao produto local e aumenta a arrecadação do governo.

TARIFA AD VALOREM
É a tributação que se faz de acordo com o valor da mercadoria impor-
tada, e não por seu volume, peso, espécie ou quantidade. E uma tarifa sob
a forma de porcentagem do valor CIF do bem importado. Por exemplo, uma
tarifa ad valorem de 10% sobre o valor de $400 em importações requer o
pagamento de $ 40 (400 x 0,10 = 40).

TARIFA ANTIDUMPING
O Artigo 6.º do GATT permite a imposição de tarifas de antidumping
sobre bens vendidos por valores abaixo do custo e que causam danos a
produtores no país importador. Tais tarifas são iguais à diferença entre o
preço de exportação do bem e seu valor, no caso de causar qualquer dano.

TARIFA ESPECÍFICA
É a tributação que se faz de acordo com a quantidade de mercadoria
importada, e não por seu valor. Por exemplo, $100 por tonelada.

TARIFA DE ESTORVO
Uma tarifa tão baixa que custa mais ao governo para recolher que a
receita gerada. Por vezes, a tarifa que não possui qualquer efeito de prote-
ção. Por outro lado, alguns países a defendem como sendo necessário para
produzir receitas.

TARIFA EXTERNA COMUM


(TEC)
É a tarifa utilizada nos acordos de integração. Consiste na imposição
por parte dos países membros, de um imposto igual (comum) à entrada de
mercadorias provenientes de terceiros países.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 151


GLOSSÁRIO

TARIFICAÇÃO
Procedimentos relacionados a acesso de mercado à agricultura no qual
todas as barreiras não-tarifas serão convertidas em tarifas.

TAXA DE CONTABILIDADE
Em telecomunicações, a cobrança é feita pelo sistema de telefonia de
um país, por chamadas que se originaram de outro país.

TBT
( Technical Barriers to Trade Agreement)
Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio da OMC.

TEMAS DE CINGAPURA
Os “novos temas” ou “temas de Cingapura” são quatro temas incluí-
dos na negociação durante a Reunião Ministerial de Cingapura, em 1996:
Investimentos; Facilitação de Comércio; Políticas de Concorrência; e Trans-
parência em Compras Governamentais.

TPA
(Trade Promotion Authority)
TPA, ou Autoridade para a Promoção Comercial, é o termo utilizado
para designar a última fast-track, aprovada pelo Congresso dos Estados
Unidos em 2002.
TRATAMENTO NACIONAL
Esta cláusula faz parte do princípio de Não-Discriminação e consiste
na premissa de que bens importados devem receber o mesmo tratamento
concedido a produto equivalente de origem nacional. Esta regra sofre res-
trição no caso da propriedade intelectual - devido a outros acordos inter-
nacionais - e no caso do comercio de serviços, na OMC, onde este princípio
somente é aplicado aos setores incluídos na lista de compromissos especí-
ficos elaborada por cada país.

TRIMS
(Trade-related investment measures)
TRIM, ou Acordo sobre Medidas de Investimentos que afetam o Co-

152 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


GLOSSÁRIO
mércio, estabelece regras sobre medidas governamentais relativas aos in-
vestimentos estrangeiros relacionadas ao comércio de bens vetando, para
tanto, o uso de medidas que contrariem o Artigo III ("tratamento nacional")
ou o Artigo IX (proibição de quantitativos) do GATT. O Acordo proíbe o
condicionamento dos investimentos estrangeiros a requisitos de desem-
penho pré-determinados ou estabelecidos em favor do interesse nacional,
como regras de conteúdo local e obrigação de exportar. Ressalta-se que
este acordo somente se aplica ao comércio de bens, não regendo a
comercialização de serviços.

TRIPS
(Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights)
TRIPS, ou Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelec-
tual, estende as obrigações de "nação mais favorecida" e de "tratamento
nacional" a todos os aspectos dos direitos de propriedade intelectual rela-
cionados ao comércio. Até o estabelecimento do TRIPS (1994), os países
tinham liberdade, dentro dos acordos internacionais, de estabelecerem suas
regras e, inclusive, de isentarem de patentes alguns setores, em suas leis
nacionais. Isso terminou com sua implementação, que tornou extrema-
mente complicado para os países em desenvolvimento, implementarem
políticas de desenvolvimento tecnológico, e competirem com os preços de
tecnologias, produtos e serviços dos países desenvolvidos.

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 153


GLOSSÁRIO

U
UNIÃO ADUANEIRA
A União Aduaneira é uma etapa de integração caracterizada pela eli-
minação das tarifas aduaneiras intra-bloco, além do estabelecimento de
uma política comercial comum em relação a terceiros países com a adoção
de uma Tarifa Externa Comum (TEC).

EU
(European Union)
União Européia, na OMC oficialmente denominada Comunidade Euro-
péia.

USO DO GOVERNO
Para patentes: quando o próprio governo utiliza ou autoriza outras
pessoas a usar os direitos sobre um produto patenteado ou processo, para
propósito do governo, sem a permissão do titular da patente.

W
WAIVER
Permissão dada aos países membros da OMC para o não cumprimen-
to de determinada regra acordada. Possui limitação de tempo e sua exten-
são deve ser justificada.

154 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL


BIBLIOGRAFIA

MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL 155


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160 MANUAL DE DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL E DEFESA COMERCIAL

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