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Luiz Fernando Dias Duarte, Museu Nacional/UFRJ, Rio de Janeiro
1. Introdução
O campo contemporâneo das ciências sociais torna‐se cada vez mais vasto e diferenciado,
implicando uma convivência complexa de cânones e tendências mais ou menos tolerantes ou
dialogais. Aprofunda‐se assim, por um lado, a característica polimorfia epistemológica das ciências
humanas ("morais" ou "do espírito"), em contraste com a disposição mais linear e univocizante
das ciências naturais ou matemáticas. Reforçam‐se, por outro lado, dentro do próprio campo,
disposições mais restritivas, dispostas a defender do pluralismo dominante 2 novas ortodoxias
emergentes. Em um tal cenário, a compreensão de qualquer elemento discursivo ou analítico
específico exige a aplicação de uma estratégia historicizante fundamental, que permita perceber
as condições de surgimento e evolução tópicas nos meandros das "escolas", movimentos e
tendências epistemológicas enoveladas.
O instituto da "sexualidade" não escapa a tal injunção. Exige mesmo uma mais
especificada pesquisa, pelo fato de não ser uma categoria central entre as que são instrumentais
para as ciências sociais. Isso faz com que as diversas vozes ativas não se pronunciem de maneira
explícita e necessária sobre ela, ou que – eventualmente – sequer a considerem relevante ou
estruturante para seus propósitos analíticos. Vem‐se avolumando, por outro lado, nas últimas
décadas, uma bibliografia dedicada a sua presença no mundo social ou a fenômenos que dela
dependem ou com ela convivem de modo mais ou menos intrínseco. Faremos um uso tão intenso
quanto possível dessa bibliografia explícita, com ênfase nos desenvolvimentos brasileiros das
polêmicas internacionais.
Consideraremos como "ciências sociais", para os fins desta análise, apenas a antropologia
e a sociologia. A sexologia é um saber mais liminar, mais ambíguo, menos institucionalizado, que
deve merecer interpretações específicas, às quais remeto (cf. Vance, 1995: 9; Béjin, 1985 e Russo
& Carrara, 2002). Se a ciência política se encontra muito pouco presente nessa seara; a história –
1
Este trabalho foi apresentado originalmente como uma comunicação ao Seminário Sexualidades e Saberes:
convenções e fronteiras (Mesa-Redonda "Convenções da sexualidade"), realizado em 2003, em Campinas.
Foi publicado como "A sexualidade nas ciências sociais: leitura crítica das convenções". In Piscitelli,
Adriana; Gregori, Maria F. & Carrara, Sérgio (orgs.) Sexualidades e Saberes: Convenções e Fronteiras, Rio
de Janeiro: Editora Garamond, 2004.
2
No sentido descritivo regular, mas também no sentido programático com que Mariza Peirano sugere uma
"antropologia no plural", sinal da disposição de um universalismo reflexivo (Peirano,1992: 250).
1
por outro lado – está intensamente presente (cf. Vance, 1995: 9) – mas se fará aqui representar
apenas pelas repercussões impostas por seus desenvolvimentos aos saberes sociais em sentido
estrito. As ciências sociais não se desenvolveram en vase clos. Nutriram‐se de influências externas
e emitiram elas próprias ondas de significação que compuseram as inúmeras interfaces da
sexualidade com a medicina , a psiquiatria, o direito, a psicologia, a psicanálise, a criminologia, etc.
Esses saberes (que também são "humanos") só aparecerão aqui na medida em que se puder
reconhecer seus sinais dentro do campo estrito delimitado. Esse é um ato de demarcação sempre
muito arbitrário, sobretudo hoje em dia, em que novas tendências analíticas sonham romper com
os limites estanques das disciplinas.
Creio que faz parte do senso comum acadêmico considerar a antropologia mais próxima
do tema da sexualidade do que a sociologia. J. Pierret, por exemplo, considera que o tema só
emergiu na sociologia a partir dos desafios da epidemia da aids (Pierret, 1998: 49). Seria para
tanto necessário, porém, ignorar a sua presença em G. Simmel, em W. Thomas ou em N. Elias, por
exemplo. Até mesmo por não ser possível traçar uma fronteira exata entre os dois saberes
(sobretudo em sua acepção corrente no Brasil), pode‐se considerar que ambos contribuíram para
o estoque atual de reflexões e pesquisa sobre o tema, ainda que de forma diferenciada 3. C. Vance
considera que a antropologia, apesar de sua reputação de interesse e competência no tema, foi na
verdade "muito pouco corajosa ou até mesmo adequada em sua investigação da sexualidade"
(Vance, 1995: 8). Sua descrição de um clima de desencorajamento e desconfiança a esse respeito
parece ser específica, porém, do ambiente acadêmico norte‐americano; podendo ter a ver com o
afastamento diferencial em relação à Escola de Cultura e Personalidade (onde havia um lugar
saliente para a sexualidade) prevalecente naquele país a partir dos anos 1960.
Nosso propósito será o de apresentar e contextualizar as principais premissas, as
convenções estruturantes, com que se desenvolveu o tema em nosso campo. Isso incluirá
sobretudo a análise do que chamo de "desentranhamento" da sexualidade como ente de razão
moderno (com a conseqüente invenção do "entranhamento" não‐moderno e do
"reentranhamento" programático neoromântico), a demarcação da tensão contínua entre
"fisicalismo" e "simbolismo" na definição dos fenômenos da sexualidade, e – finalmente – o peso
ideológico dos valores do "prazer" e da "interioridade" (com suas coortes de conotações) nas
configurações culturais vulgares e eruditas (aí incluídas as ciências sociais).
É nesse sentido que devo reiterar que só a historicização da presença da sexualidade e das
ciências sociais nos processos culturais mais amplos que suscitaram a emergência desses saberes,
por um lado, e da própria categoria, por outro, permite a compreensão do fenômeno: o processo
do "desentranhamento" (em relação à família, à reprodução, à religião, à moralidade etc.), a
emergência das ideologias portadoras do "fisicalismo" (o universalismo / racionalismo) e do
"simbolismo" (o romantismo) e a hegemonia dos valores da interioridade (psicologização) e do
3
"A primeira [a sociologia] tem contribuído com grandes inquéritos sobre o comportamento sexual da
população, enquanto a segunda [a antropologia], em princípio, tem respondido pelas descrições detalhadas de
valores e práticas de grupos sociais demarcados" (Heilborn, 1999: 7)
2
prazer (hedonismo) são processos amplos, demarcadores dos movimentos de toda nossa cultura –
e não apenas da sexualidade.
2. A cultura ocidental moderna e a invenção da sexualidade
A compreensão da especificidade da "cultura ocidental moderna", da "sexualidade" e da
relação histórica que as une não pode ser aqui senão esboçada, com a remissão para uma
bibliografia especializada mais completa. Não se pode deixar de sublinhar também que se trata de
um recorte ou proposta tentativa, uma malha de interpretação entre outras possíveis – e nem por
isso menos indispensável para o exercício do pensamento crítico.
Em um trabalho anterior propus que as categorias fundamentais para compreender a
relação entre sexualidade e sensibilidade na construção da Pessoa ocidental moderna eram as da
"perfectibilidade", da "experiência" e do "fisicalismo" (Duarte, 1999:24). Com efeito, a suspensão
da crença nas determinações holistas do mundo, característica da grande transformação em
direção à modernidade, implicava a ênfase cosmológica na conveniência, interesse e
inevitabilidade de definição do ser humano como transformável, mutável, em função de uma
experiência constante do mundo sensível que lhe garantia a relação com um mundo concreto,
palpável, de realidades imanentes. Uma das implicações mais claras dessa disposição foi a
invenção do corpo humano, em sua acepção moderna: uma máquina concreta (res extensa),
dotada de dispositivos informacionais (sentidos, sensibilidade, sentient being), adaptada a funções
animais específicas (Homo sapiens) e habitada por disposições abstratas de estatuto controvertido
(res cogitans, understanding, razão, mind, Geist, esprit, etc.), freqüentemente associadas a uma
"vontade", ou seja, a uma propensão a intervir positivamente no mundo. O caráter crucial dessas
disposições "morais" fez suscitar ao mesmo tempo, porém, uma ênfase peculiar na "interioridade"
desse corpo, ambiguamente compreendida tanto como um plano de propriedades autônomas
quanto como uma dimensão peculiar da fisicalidade fundamental de todas as coisas4.
Estabeleciam‐se assim as condições para a hegemonia da noção moderna de "natureza" (cf.
Gusdorf, 1985; Thomas, 1988; Descola, 1992 e Strathern, 1992, p. e.) e para o desenvolvimento da
complexa e ambivalente noção de "natureza humana".
O estatuto dos sentidos corpóreos, das sensações e da sensibilidade humana foi um dos
objetos privilegiados da reflexão filosófica e científica (na fisiologia do sistema nervoso, por
exemplo) dos séculos XVII e XVIII, demonstrando cabalmente a autonomização dessa dimensão
nova da qualidade do ser humano (cf. Figlio, 1975; Lawrence, 1979; Le Breton, 1988; Duarte,
1986). No contexto das indagações sobre a composição desse complexo e misterioso aparelho
informacional surgiu uma nova dimensão ontológica da antiga tópica moral e filosófica do amor,
4
Em outro trabalho, sugeri que essa configuração cosmológica podia ser vista como dando continuidade a um
esquema presente na cultura européia pré-moderna de ênfase num "mandamento de verdade, vontade e
interioridade" na construção da Pessoa cristã ideal (cf. Duarte & Giumbelli, 1994).
3
do desejo e da concupiscência (a libido, em Santo Agostinho, por exemplo). A possibilidade de
observação de uma disposição desejante e erótica no corpo humano armava‐se agora sobre a
base da máquina sensorial. O clássico tema da "ereção involuntária" masculina, base da
interpretação agostiniana da Queda (cf. Foucault & Sennet, 1981), passou a ser, no final do Século
XVIII, um dos tópicos da especulação sobre a nova fisiologia corporal5. Creio que se possa
considerar essa crescente ênfase erudita na sensibilidade como uma das etapas de um outro
processo crucial da modernidade: o da emergência e progressiva hegemonia de uma ética
hedonista, ao mesmo tempo derivada de e oposta ao originário dolorismo cristão (cf. Sahlins,
1996). A afirmação de um critério mundano de "satisfação" e "prazer" como justificação da vida
humana é um dos traços mais característicos da inflexão moderna da cultura ocidental e
certamente se associa ao processo de requalificação do "erotismo" no quadro das fontes
específicas de prazer (ver o mito de Don Juan, por exemplo; e o conceito de "libertinagem", tão
fundamental no século XVIII). É de fundamental importância nesse processo a conotação de
"transgressão" na obtenção do prazer. O estatuto último dessa correlação é motivo de dissensão,
não nos cabendo aqui senão sublinhar que a sua representação é corrente na cultura ocidental
moderna e cresce na exata medida e ritmo em que se impõe o ideário de um indivíduo autônomo
em relação à sociedade (vista como instância repressora externa).
Considero importante ressaltar a coetaneidade dessa disposição maior com quatro outros
fenômenos aparentados, importantes no alvorecer da modernidade. O primeiro é o da nova
classificação universalista do mundo vivo, proposta e desencadeada por Lineu; em que a chave
ordenadora é justamente a das modalidades diferenciais da "reprodução" na "natureza", da
condição "sexuada" ou não desses processos e de suas implicações para a gestação dos novos
seres (vegetais e animais). A segunda é a da demonstração por T. Laqueur da emergência, nesse
período, do "modelo dos dois sexos", ou seja, da distinção física essencial (de "natureza") entre os
dois sexos, contra o pano de fundo da tradicional teoria da unidade fundamental modulada (cf.
Laqueur, 1987). A terceira é a da obra do Marquês de Sade, em que a sexualidade aparece pela
primeira vez – sob a forma de uma ficção de caráter fortemente político – como um instituto
próprio da condição humana, independente da religião e da moralidade, e suficientemente crucial
para determinar por si mesmo a carreira dos sujeitos sociais (de forma ativa ou passiva) (cf. Sade,
1995). E a quarta, finalmente, é a da constituição ao longo do século XVIII das primeiras
formulações sistemáticas de uma economia política, ou seja, de uma teoria da reprodução coletiva
da espécie humana. A fisiocracia, considerada comumente como a primeira de tais fórmulas,
enfatizava particularmente a preeminência da produção "natural" a partir da terra – a agricultura
(cf. Polanyi, 1980). Nos quatro casos, assiste‐se ao desentranhamento (a disembeddedness de
Polanyi) de uma nova dimensão do humano a partir de sistemas classificatórios precedentes que a
5
Não podemos deixar de lembrar o ilustrativo episódio evocado por J. Jamin (1979 e 1983) da surpresa dos
nativos de uma ilha polinésia com a ereção involuntária do marinheiro que haviam despido à força – episódio
que tantas interpretações suscitaria sobre o estatuto da sexualidade "primitiva". Todo o contexto da
Expedição, promovida pelos Idéologues (no contexto dessa versão radical do empirismo chamada de
"sensualismo") é importante para o desentranhamento da "sensibilidade"; entre a inspiração culturalista do
Barão DeGérando e a fisicalista de Buffon.
4
mantinham em relação integrada6. No primeiro e no segundo casos está em jogo a ruptura da
qualidade físico‐moral da Grande Cadeia dos Seres (e seu coroamento pela providência divina),
buscando‐se estabelecer a determinação dos fenômenos (diferença das espécies e diferença dos
gêneros) pelas suas características físicas imanentes – e, dentre elas, prioritariamente a sua
estrutura reprodutiva 7. No caso de Sade e da fisiocracia, a ruptura atinge a qualidade físico‐moral
da condição humana, seja pela ênfase nas condições "naturais" da reprodução coletiva (e seu
propiciamento político), seja pela ênfase na condição hedonista, "não‐reprodutiva" (antes mesmo
destrutiva), do desejo (e sua revolucionária apologia): "Français, encore un effort...!" (Sade,
1995)8.
Ao longo do Século XIX assiste‐se, em uma primeira vertente de nossa temática, ao
desenvolvimento linear da pesquisa biológica, incluindo‐se aí a fisiologia da reprodução em todos
os níveis naturais. Ela faz parte da linhagem mais imediata dos saberes biomédicos
contemporâneos – e de seu intrínseco reducionismo fisicalista. Em outra, concomitante, pode‐se
constatar a progressiva retomada da diferença, a partir sobretudo da teoria da degeneração 9, em
que avulta a tematização da condição normal da sexualidade e suas vicissitudes. Em seu enfoque
também basicamente fisicalista, avulta a preeminência da categoria "instinto sexual", construída
para expressar em princípio a condição "natural" (no limite, "animal") dos fenômenos da
reprodução e da sexualidade. O conceito de "perversão" veio expressar ao fim do período a
preocupação com as chamadas "anomalias" desse "instinto sexual" ou "genésico". A literatura
celebra a monumental e influente Psychopathia Sexualis de Von Krafft‐Ebing [1ª edição em 1888]
como o acme de tal produção (cf. Loyola, 1999: 11, p. e.; Duarte, 1989a). Pode‐se considerar como
uma terceira vertente dos processos oitocentistas a que conduziu a psicologia para uma
6
Heilborn & Sorj chamam de "sexualidade autonomizada" ao resultado desse processo (1999: 219). A
categoria "autonomia" nessa locução é expressiva do fundamento liberalizante do "desentranhamento".
Mesmo nos casos mais abstratos, sempre pulsa a idéia de se assistir à libertação de um ente que se mantinha
encarcerado na totalidade anterior: a sexualidade em relação à moralidade; o orgasmo em relação ao conjunto
dos prazeres eróticos; a homosexualidade em relação ao erotismo difuso entre iguais etc... Uma outra fórmula,
mais metodológica, de se referir ao desentranhamento é a de "descontextualização", como, por exemplo, em
Singly, 1995: 162.
7
Chamo de "físico-moral" a todo sistema de representações sobre a pessoa que não pressuponha uma lógica
exclusiva do corpo, da fisicalidade, tal como a que suporta a ideologia da Biomedicina ocidental (cf. Duarte,
1986).
8
Sade manteve uma verdadeira cruzada pessoal a favor do desentranhamento da sexualidade em relação à
moralidade (o pudor), na apologia de categorias tais como a libertinagem, a luxúria, a depravação, o gozo. O
argumento da "natureza" era aí crucial, como no seguinte trecho da Philosophie du Boudoir: "Détaillons
maintenant et commençons par analyser la pudeur, ce mouvement pusillanime, contradictoire aux affections
impures. S´il était dans les intentions de la nature que l´homme fût pudique, assurément elle ne l´aurait pas
fait naître nu..." (Sade, 1995: 40)
9
O processo de constituição de novas teorias diferencialistas contra o pano de fundo do ideal igualitário da
ideologia individualista foi muito complexo e amplo, afetando sobretudo as questões da raça, do gênero e da
doença ao longo do século XIX. O ponto crucial dessa diferença restaurada é o seu argumento "científico" e
localizado, por oposição ao estatuto "cosmológico" da diferença hierárquica. Ver, sobre esse ponto,
sobretudo, Laqueur, 1987; Costa, 1992; Carrara, 1996; Russo, 1997; Duarte, 2001, e Rohden, 2001.
5
psicofísica e lhe atribuiu a condução de pesquisas sobre as reações dos sistemas sensoriais – aí
incluída a "excitação sexual".
Também ao longo dessas três vias é possível acompanhar o desentranhamento de uma
"sexualidade" das propriedades corporais mais abrangentes associadas à "reprodução" (ver a
noção de "aparelho reprodutor", fundamental para a afirmação da diferença sexual) e à
"sensibilidade". Aqui porém, diferentemente do corpus anterior, o processo ideológico conduz a
uma progressiva e imprevista reaproximação do "moral". Tanto o "instinto" quanto a "excitação"
são dificilmente contidos dentro dos limites de uma estrita fisicalidade. A própria definição das
categorias pressupõe dimensões morais, valorativas, das práticas sexuais. Sucessivas cruzadas
contra o onanismo, a prostituição, a pornografia, a promiscuidade proletária ou o relaxamento
moral das elites nutriram‐se de racionalizações eruditas baseadas em fragmentos mais ou menos
conseqüentes dos saberes biomédicos e psiquiátricos – no horizonte geral da degeneração e sua
coorte de fantasmas (atavismos, taras, perigos da miscigenação racial etc.) (cf. Foucault, 1975 e
1977; Donzelot, 1980).
A própria doutrina das igrejas cristãs estabelecidas adaptou‐se estrategicamente a esse
horizonte imanentista, fisicalista e determinista. Boa parte da intensa pastoral das famílias (e da
moralidade) no âmbito da Igreja Católica passou a se nutrir desses saberes "científicos"; em
curiosa aliança com doutrinas materialistas e reducionistas tanto à direita quanto à esquerda. O
conceito de uma "natureza" dada, com implicações diretas sobre a vida humana, sob as espécies
de um "direito natural" e de uma "natureza humana" sustenta esses desenvolvimentos
doutrinários, tanto quanto todos os demais hegemônicos em nossa cultura nesse período.
É, finalmente, necessário evocar os desenvolvimentos extremamente influentes que a
temática da sexualidade suscitou na arte em geral e, em particular, na literatura. O romantismo
promoveu a emergência da concepção moderna de uma arte expressiva das forças interiores de
sujeitos "criadores", individualizada na autoria e na recepção, e fortemente comprometida assim
com a promoção das emoções privadas e com uma sensibilização generalizada do público. A
temática do amor (dito justamente "romântico"), inicialmente concentrada nas convenções
relativas à troca pública dos afetos e à adesão interior, volta‐se ao longo do século XIX para a
apresentação explícita da sexualidade (sobretudo através dos amores ilícitos e – no limite –
"antinaturais"). O essencial da passagem a um suposto "realismo" na literatura ocidental
oitocentista consiste na maior explicitude das condições de exercício do desejo sexual, em
oposição ou nas margens das convenções oficiais da família. Em muitos casos, os
desenvolvimentos se nutriram das fórmulas disponíveis nos saberes médicos e psicológicos – e
não apenas no âmbito explícito do chamado "naturalismo". Esse processo de transformação
temática – que encontrou seu apogeu na literatura da primeira metade do século XX – só não
avançou indefinidamente porque a evolução das características formais, expressivas, da arte
acabou por privilegiar a maneira, o estilo, em detrimento de qualquer conteúdo descritivo. Foi
6
porém repassado, em suas qualidades mais substantivas, mais ou menos linearmente, para o
cinema e a televisão ocidentais, onde ainda viceja plenamente até hoje10.
3. A ciência romântica e a sexualidade:
Se o florescimento da sexualidade no contexto da ficção literária pode ser considerado
como um aspecto da "pesquisa" sobre a sensibilidade e a interioridade decorrente do fisicalismo
intrínseco ao universalismo moderno, ele dá testemunho – como mencionei – por outro lado, da
deriva romântica.
Esclareci em outros textos a acepção com que trabalho de "romantismo" – termo mais
que banalizado em nosso senso comum acadêmico (cf. Duarte, 1999a, 2004, 2006). Considero
como tal todo movimento de rejeição, recusa, denúncia ou desafio ao universalismo /
racionalismo / fisicalismo essencial ao exercício cognitivo da ideologia individualista desde o
século XVIII. Um dos principais desses movimentos foi o da Naturphilosophie germânica do século
XIX, cuja disposição reativa ao racionalismo não a impedia de considerar necessário o avanço do
conhecimento científico. Aspirava, isto sim, a produzir uma ciência alternativa, comprometida com
a totalidade, o fluxo, a subjetividade e a sensibilidade – tal como propôs tipicamente Goethe ao
escrever contra Newton sua Farbenlehre. A preocupação com as mediações subjetivas do
conhecimento fez justamente com que fossem aí particularmente desenvolvidas a fisiologia e
diversas psicologias, dispostas a esclarecer os processos da sensibilidade (entre os sentidos e os
sentimentos). Das Afinidades Eletivas, entendidas por Goethe como uma verdadeira pesquisa
sobre a dinâmica da vida interior, à psicologia de W. Wundt ou à psicanálise de S. Freud distende‐
se um século de intensa especulação sobre o que G. Simmel chamou tão oportunamente de
"individualismo qualitativo". Entendia como tal uma versão paradoxal do individualismo original,
político ou sócio‐político (que ele chamava de "quantitativo"), comprometido com a vida íntima
dos sujeitos, com a amplitude de seus horizontes interiores (para usar da expressão tão típica de
N. Elias, epígono desse movimento). O cidadão moderno não era apenas livre e igual no plano
público: devia ser também autônomo, intenso e criativo em sua condição íntima, em suas
disposições vitais. O modelo da Bildung romântica, processo ideal de autoformação dos sujeitos,
previa uma considerável disposição de auto‐exame e autocrítica, essencial para o florescimento da
arte expressiva, da literatura confessional, da introspecção psicológica e da modelização da
dinâmica psíquica. Esse processo de objetivação da "vida subjetiva" assumiu sempre – como é
notório – a forma de uma oposição ao fisicalismo, denunciado pelos ideólogos românticos como
um materialismo desvitalizante. Oposição metódica ao fisicalismo como fim certamente , mas
sistemática passagem pela fisicalidade com vistas à recuperação do Geist (o valioso "espírito").
10
Uma das manifestações mais radicais do desentranhamento é o surgimento da produção intensiva e
industrial de uma pornografia altamente especializada (com veículos próprios e públicos de divulgação), de
cuja diferença em relação à ars erotica de outras culturas muito se poderia discutir.
7
É nesse contexto que se pode compreender a presença da sexualidade como temática
"científica" nos saberes eruditos ao final do século XIX. Afinal, as manifestações da vontade
(voluntas / voluptas), do desejo (libido) e do amor – contínuas preocupações da pesquisa
romântica – eram inextricáveis do que se estava vindo a chamar de "sexualidade". Seu
entendimento como uma pulsão interior (Trieb) essencial à compreensão do engajamento
subjetivo atravessava radicalmente a tensão entre o físico e o moral, de um modo que fica
modelarmente expresso na sempre citada Psychopathia Sexualis, de Krafft‐Ebing. Como
demonstrei em outro trabalho (Duarte, 1989a), a tensão entre o fisicalismo fundamental do
pensamento médico‐psiquiátrico de que o autor era um porta‐voz eminente e o horizonte de
valoração da vida espiritual ou moral em que se banhava a alta cultura fin‐de‐siècle (inspirada
diretamente pelo romantismo) impõe enorme complexidade e dinamismo ao modelo proposto de
uma vita sexualis 11. A teoria das perversões, ali desenvolvida, impunha uma atenção tipicamente
degeneracionista às condições físicas da reprodução e descendência, mas – ao mesmo tempo –
atribuía um estatuto ambiguamente superior a determinadas experiências, como as da chamada
"sexualidade antipática" (o que se viria a chamar de "homossexualidade"), considerada mais
"moral" ou "psicológica" do que o fetichismo ou o bestialismo, por exemplo (cf. Duarte, 1988:24).
Essa representação da sexualidade pode ser considerada uma variação do tema do Homo duplex:
o ser humano carrega, entre outros, um "instinto primário" da sexualidade que o aproxima dos
animais mas que pode, ao mesmo tempo, suscitar nele um processo de "sublimação" (entre o
sentido da Aufhebung hegeliana e o da Sublimierung freudiana) espiritualizante. Esse processo
está associado ao suposto avanço dos controles coletivos, "morais", da civilização sobre a
"natureza" – distanciando os europeus oitocentistas tanto dos animais, quanto das crianças ou dos
"povos primitivos". Ao mesmo tempo, porém – como a outra face da moeda – teme‐se os "males
da civilização", os sintomas de uma sensibilidade excessivamente excitada pela vida moderna,
urbana, artificial12.
Essa complexa interação entre disposição científica e avaliação moral nutriu‐se, no nível
mais abstrato, de uma transfusão mais ou menos contínua de empirismo no corpo teórico do
romantismo (veja‐se a influência de Stuart‐Mill sobre Nietzsche, e. g.), resultando em diversas
fórmulas epistemológicas interessantes – entre as quais certamente avulta a oposição entre as
"ciências da natureza" (Naturwissenschaften) e as "ciências morais" (Geisteswissenschaften),
consolidada e legada por Dilthey às então incipientes justificações da existência de "ciências
11
"Se é verdade, por um lado, que as questões morais devem ser consideradas, na lógica do modelo, como
"funcionais" ou "epifenomenais" em relação à determinação física, há também, por outro lado, efeitos de
retorno do nível moral sobre o nível físico, desde que – supostamente – essas "funções" não estejam
totalmente toldadas ou subvertidas pela gravidade do estado de degeneração" (Duarte, 1988: 16).
12
O tema que chamei de "males da civilização" (Duarte, 1986) é muito precoce em relação à emergência da
própria civilização. Já no século XVIII elevavam-se críticas sobre o excesso de estímulos à sensibilidade,
presentes na vida de corte e na vida urbana, loci por excelência da civilização. Ao final do século XIX, o tema
deixa de ser cultivado apenas pelos pregadores, reformadores sociais e romancistas, para merecer as primeiras
análises sistemáticas (em Simmel, 1973, a propósito do tipo blasé, e em Freud, 1977, a propósito das "doenças
nervosas modernas"). Sua relação com a sexualidade foi particularmente sublinhada no contexto do
degeneracionismo: "A tensão exagerada do sistema nervoso estimula a sensualidade, leva a excessos tanto o
indivíduo quanto as massas e solapa as próprias fundações da sociedade, e a moralidade e pureza da vida
familiar" (Krafft-Ebing, 1965: 7, apud Duarte, 1988: 21)
8
humanas" ou "sociais". Com isso, consolidavam‐se as perspectivas "positivistas" de estanquização
das diferentes ciências, impondo novos rumos aos desenvolvimentos relativos ao estatuto da
sexualidade. O principal, a marcar fundamente o século XX, foi o da oposição entre os saberes
"psicológicos" e os saberes "sociais" – particularmente pertinente para a história em questão.
Antes, porém, de passarmos a esse ponto, convém lembrar que as pesadas conotações
morais do tema da sexualidade impunham certamente um grande constrangimento à pesquisa e à
reflexão pública e sistemática. O temor da censura policial explícita era apenas a parte mais visível
de uma generalizada disposição cultural em manter privada, velada, imprecisa, a consciência de
fenômenos a que todos concordavam – no entanto – em atribuir as mais graves qualidades e
desafios. O aspecto mais superficial – e, no entanto, tão revelador – é o da curiosa injunção de um
saber que ainda tinha que se expressar em latim no final do século XIX, pelo menos um século
depois da transição da escrita erudita para as línguas modernas. A Psychopathia Sexualis já
representava uma considerável liberação em relação a essa injunção, mas é significativo o fato do
título ter portado a forma latina, assim como uma série de locuções genéricas e descritivas (de vita
sexualis a coitus inter homines)13. A Introdução de Malinowski a seu The Sexual Life of Savages, em
1929, ainda ostenta vários parágrafos explicativos da possibilidade e da conveniência de publicar
um texto tratando de tais assuntos (e com título tão explícito), que eram para os nativos, como ele
considera importante dizer afinal, "a thing serious and even sacred" (Malinowski, 1929: xxiii‐xxiv).
Isso demonstra o quanto as diversas características da vida humana representadas pela nova
categoria da "sexualidade", desentranhada ao nível erudito, ainda se mantinham entranhadas na
dimensão englobante de uma "moralidade".
Certamente não é exagerado sublinhar a importância do surgimento da obra de Freud
para – por assim dizer – acelerar esse processo de desentranhamento e torná‐lo uma explícita e
desafiadora questão pública. A emergência da temática da sexualidade nas ciências sociais, por
exemplo, é certamente devida ao impacto da obra de Freud e ao papel que esse instituto aí
desempenha. A difusão e recepção da psicanálise estiveram – como é notório – fortemente
condicionadas pelas reações ao peso da sexualidade na sua construção. As acusações e
desqualificações de um saber "pansexualista" atravessaram o mundo e pesaram fortemente nos
caminhos de sua institucionalização original (cf. Russo, 1998 e 2000).
Não cabe aqui rever a complexa forma pela qual a sexualidade se apresenta na construção
da psicanálise. Alguns traços principais nos permitirão compreender como esse saber se apropria
da tradição erudita precedente (e do espírito do tempo) e a recompõe para o nosso consumo
futuro. É, nesse sentido, importante lembrar o quanto se pode reconhecer em Freud uma
13
A língua alemã, diferentemente das linguas latinas, enfrentou com particular nitidez, no final do século
XIX, o processo de desentranhamento semântico acarretado pelo desentranhamento conceitual da
sexualidade. A antiga categoria Geschlecht – que englobava as conotações de espécie, gênero (gramatical),
sexo, raça, família, geração, estirpe e genealogia – cedeu lugar a novos termos derivados do latim sexus, como
já se vê nitidamente em Freud (cf. Duarte, 1989a ). Marcuse nos dá um outro exemplo da maior lentidão ou
resistência da língua alemã a expressar o desentranhamento nessa área: a palavra Sinnlichkeit continuaria até
hoje abrangendo as acepções de "sensorialidade" e de "sensibilidade" autonomizadas nas linguas cisrenanas
(cf. Marcuse, 1968: 163).
9
combinação complexa entre o universalismo (e o fisicalismo intrínseco a um neurologista de
formação) e o romantismo, com implicações imediatas para a nossa questão (cf. Loureiro, 2002).
O primeiro ponto é o do desentranhamento. Freud hesita no estatuto atribuível à
sexualidade, como é notório, ao longo de sua obra, mas não parece se desprender em nenhum
momento da representação coetânea da existência de um ente separado do tecido espesso da
vida humana. A definição de uma etiologia "sexual" das doenças nervosas, a ancoragem da
dinâmica psíquica nas vicissitudes relacionais de uma pulsão "sexual" (tardiamente associada a um
"princípio do prazer"), ou qualquer outra propriedade dessa crucial dimensão do humano
pressupõem a possibilidade de percebê‐la isolada, desentranhada – pelo menos como ente de
razão. Encontra‐se, nesse sentido, em continuidade com o movimento de seu tempo. Também dá
continuidade à representação do enorme potencial estruturante desse fenômeno, de sua
crucialidade. Como Krafft‐Ebing, considera‐o presente tanto na raiz do melhor quanto na do pior
desempenho subjetivo. Concede todo um novo estatuto à idéia romântica da sublimação, no
quadro de uma psicodinâmica sistemática.
Há um ponto em que se afasta, porém, radicalmente do horizonte contemporâneo – e que
fará a fortuna crítica de sua proposta: a sexualidade é desnaturalizada, concebida como uma força
psíquica sui generis, inassimilável à representação biomédica, fisicalista, dos "instintos" e
"funções" orgânicas 14. Trata‐se de questão polêmica, em que a dimensão romântica do
pensamento de Freud se expressa diretamente, com as inevitáveis dificuldades de leitura e
assimilação pela ciência hegemônica. As vicissitudes da tradução da categoria Trieb para as línguas
cisrenanas testemunham exemplarmente dessa tensão.
Para além das propriedades analíticas precisas da categoria da sexualidade na teoria
freudiana, deve‐se atentar para o modo como a difusão generalizada e paulatina da literatura
psicanalítica pôde servir a um processo cultural mais geral. O primeiro efeito foi certamente, mais
uma vez, de confirmar a tendência ao desentranhamento, à nomeação do fenômeno como ente
específico (mesmo que com fronteiras imprecisas). Mas também serviu para confirmar as suas
conotações de crucialidade no horizonte do humano (tanto no sentido positivo quanto no
negativo), contribuindo para a ênfase na interioridade (a psicologização em geral pode ser vista
como um acirramento da interiorização moderna) e na ética hedonista moderna. Mesmo que as
linhas principais da psicanálise não a vejam como um processo de apologia ou facultação linear do
prazer, não podemos nos esquecer de variações aproximáveis desse sentido, como na obra de W.
Reich, de renovada influência ao longo do século (cf. Béjin, 1985).
A primeira manifestação sistemática do tema da sexualidade no âmbito da etnologia se dá
na obra de B. Malinowski15. Conhece‐se hoje bastante bem a complexidade da carreira desse
pioneiro da antropologia moderna e o peso, dentro dela, da tradição romântica em geral e da
14
A sexualidade seria cosa mentale, na paráfrase à notória expressão de Leonardo Da Vinci (la pittura è cosa
mentale).
15
Não se tratava porém da primeira manifestação de uma influência da psicanálise nos saberes etnológicos,
como esclareci em Duarte, 1989b. O estatuto do sonho e o do trauma tinham anteriormente inspirado Rivers e
Seligman.
10
leitura de Freud, em particular (cf. Stocking, 1986; Strenski, 1982, e. g.). Essa percepção foi
longamente empanada pela maior explicitude das influências empiristas em seu pensamento,
tendo contribuído certamente para essa reavaliação contemporânea a publicação póstuma de seu
fascinante caderno de campo16 (cf. Malinowski, 1967).
Mesmo uma análise superficial do livro de 1929 é bastante reveladora. O autor declara na
Introdução que "to the average normal person, in whatever type of society we find him, attraction
by the other sex and the passionate and sentimental episodes which follow are the most
significant events in his existence, those most deeply associated with his intimate happiness and
with the zest and meaning of life." (Malinowski, 1929: 1 – meu itálico). Independentemente da
eventual justeza etnográfica de tal afirmação, chama desde logo a atenção a ênfase nas dimensões
que antes mencionei: a crucialidade, a interioridade e o prazer.
A estrutura do livro revela a complexa relação entre o desentranhamento implicado em
escrever um livro sobre a "vida sexual" e o entranhamento etnograficamente percebido e descrito.
Afinal, os primeiros capítulos são dedicados sucessivamente ao que se chama hoje de "relações de
gênero" ("relação entre os sexos", no original; incluindo as informações básicas sobre o "sistema
de parentesco"), ao casamento (inclusive suas preliminares) e à reprodução. Só então surge o
contraponto da "licence", da "vida erótica", culminando em informações sobre "morals and
manners" e num curioso capítulo final sobre um "mito de incesto". Uma análise mais acurada dos
desenvolvimentos internos poderia ser reveladora da solução encontrada por Malinowski para o
desafio que considero mais típico da presença da sexualidade nas ciências sociais: a tensão entre
entranhamento e desentranhamento 17.
A estrutura de Sexo e Repressão tem ainda mais nítida essa tensão entre entranhamento
prático e desentranhamento conceitual: sob um título tão explícito apresentam‐se, sobretudo,
uma minuciosa demonstração do caráter matrilinear do sistema de parentesco e uma longa
discussão com a psicanálise a propósito da necessidade de contextualizar (reconhecer o
entranhamento, nos meus termos) o proposto "complexo de Édipo" universal. O único ponto em
que se manifesta um efetivo desentranhamento etnográfico é no tocante à sexualidade infantil,
pela primeira vez tratada na etnologia.
A leitura do Diário, por sua vez, revela o quanto as qualidades cosmológicas da
sexualidade moderna (crucialidade / interioridade / prazer) constituíam uma dimensão
estruturante do "zest and meaning of life" pessoal de Malinowski e o quanto estiveram presentes
na intensa experiência da pesquisa de campo. Retenho apenas aqui a referência significativa à sua
percepção de um "undercurrent of desire" (Malinowski, 1985: 102) perpassando sob toda a vida
16
Havelock Ellis se refere, em seu prefácio a The Sexual Life of Savages, a "the fertilizing value of Freud´s
ideas" no pensamento de Malinowski (apud Malinowski, 1983: xi)
17
Na verdade, sugeri em outra ocasião que esse dilema a respeito do estatuto da sexualidade apenas reitera a
aporia estruturante do pensamento antropológico, facilmente exemplificável pela histórica polêmica entre
"formalismo" e "substantivismo" na antropologia econômica (cf. Duarte apud Heilborn, 1999: 62): até que
ponto os entes de razão característicos da cultura ocidental moderna – e que fundamentam nossa comparação
de corte universalista – podem ser aplicados à compreensão das demais culturas ?
11
social convencional (inclusive a sua, pessoal). A típica tensão fin‐de‐siècle entre "instinto primário"
e "força espiritual" ou "moral" parece ainda aqui se apresentar na base da experiência vital,
inclusive sob a forma de uma crença na capacidade de ação propiciatória da segunda sobre o
primeiro 18.
Malinowski não constituiu uma tradição com seus volumosos trabalhos relativos à
sexualidade 19. O que se poderia considerar como a primeira "tradição" nesse sentido é a dos
discípulos de F. Boas. Embora não me conste existirem desenvolvimentos específicos sobre esse
tema na obra de Boas, pode‐se compreender que ele emerja no ambiente intelectual por ele
propiciado nos EUA, por motivos semelhantes aos de Malinowski: a influência romântica
estimulante da atenção à sensibilidade subjetiva, inclusive da sexualidade (e de suas implicações
de crucialidade / interioridade / prazer).
A discípula a tratar mais explicitamente de sexualidade foi Margaret Mead. O título de sua
obra mais conhecida (Sexo e Temperamento, publicada em 1935) é, no entanto, uma falsa pista.
Na verdade, a autora trata aí fundamentalmente da construção diferencial dos "gêneros" em
relação com estilos de comportamento e atitudes psicológicas tipificadas. Muita informação sobre
questões que podem ser consideradas relativas à sexualidade ocorre ao longo da obra, mas com
um estatuto subordinado (cf. Mead, 1969). Foi em outras obras, relativas sobretudo à socialização
nos papéis de "gênero" que a temática se apresentou de forma mais direta (cf. Mead, 1923;
sobretudo). Pode‐se verificar como ainda aqui a tensão entre entranhamento e
desentranhamento foi fundamental. O estatuto da sexualidade na etnografia meadiana se
subordina ao trabalho mais estruturante e permanente de uma relativização dos papéis de gênero
indissociável das lutas ideológicas pela igualdade no seio da sociedade norte‐americana.
A presença da sexualidade também se faz presente em muitas dimensões da obra de Ruth
Benedict, ou do Naven, de Gregory Bateson (obra em que ecoa, a par de outras, a influência do
culturalismo boasiano)20. Elas aparecem já, a esta altura, porém, como dimensões da vida nativa,
indissociáveis da etnografia (com as implicações holistas do chamado "método monográfico"). O
desentranhamento da sexualidade como categoria de pensamento aparece nesta seara,
possivelmente pela primeira vez, subordinado ao princípio de uma espécie de "reentranhamento
etnográfico", ou seja, da estratégia antropológica de buscar subverter as estanquizações
classificatórias do pensamento ocidental através de uma apresentação supostamente "integral"
18
Ver, a esse respeito, a análise por A. Loyola da "plasticidade dos instintos" em Malinowski (Loyola, 1998:
21). É interessante aproximar deste ponto a análise sugestiva que faz Pulman da contradição entre a afirmação
retórica reiterada por Malinowski da existência de uma "liberdade sexual" entre os trobriandeses e sua
informação etnográfica recorrente de um intenso e constante condicionamento social das suas manifestações
(cf. Pulman, 2003).
19
No sentido, inclusive, de que o reconhecimento da importância estratégica que tem a obra de Malinowski
para a tradição antropológica – tal como tende a ser vista hoje – não costuma envolver as duas obras relativas
à sexualidade.
20
Ele publicou um artigo mais explícito sobre sexualidade (Sex and Culture) em 1947, citado na minuciosa
revisão da literatura antropológica sobre o assunto feita por Vance (1995).
12
das outras culturas (em eco às ênfases românticas na totalidade e na subjetividade)21. As
informações sobre questões de sexualidade passam assim a permear os textos etnológicos nas
clássicas rubricas da cosmologia, do parentesco, da reprodução, da construção do corpo, da
diferença de gênero ou do ritual22. Sublinhe‐se, porém, que a disposição de reentranhamento não
pode corresponder a um efetivo entranhamento (no nível da etnografia): o observador dispõe de
uma grade classificatória em que a categoria sexualidade está presente (e é valorada de
determinada maneira) e qualquer ato analítico seu pressupõe essa condição.
É necessário mencionar, ainda que brevemente, o estatuto das questões associadas à
sexualidade na direta tradição da sociologia romântica alemã. Tanto em Simmel quanto em Elias
podemos reconhecer a valoração da vida sexual como dimensão importante das forças subjetivas
em jogo na dinâmica social. Em Simmel a temática é quase onipresente sob a fenomenologia das
formas da sociabilidade urbana moderna (eros, amor, díade, sedução, prostituição, coquetismo,
etc.). Ela se apresenta sempre, porém, fortemente entranhada nos processos sociais abrangentes
em exame. Embora se possa reconhecer uma crescente explicitude sobre a dimensão
propriamente sexual do vínculo social amoroso entre o artigo de 1892 sobre a prostituição
feminina e os fragmentos de 1921‐22 (publicados postumamente) sobre a "natureza erótica"
(Simmel, 1993: 175 e seg.), prevalece a impressão de entranhamento – pelo menos na
comparação com os desenvolvimentos posteriores.
No segundo autor (uma boa geração mais moço que Simmel), a influência direta de Freud
já suscita uma apresentação bem mais desentranhada dessas questões, na construção mesma de
sua teoria do "processo civilisatório". Vemos aí – como no modelo fin‐de‐siècle típico – os
controles sociais (e o autocontrole, progressivamente) contribuindo para a modulação das forças
humanas primordiais em expressões sublimadas, destituídas do potencial agressivo ou destrutivo
original (cf. Rohden, 2004).
O interesse de uma avaliação sistemática da questão na obra de Max Weber se acentua
pela discrepância entre a brevidade de seus dois únicos textos explícitos sobre a sexualidade (cf.
Weber, 1974 e 1978) e a extensão e profundidade da análise das demais éticas comportamentais
em sua obra 23. Encontra‐se aí uma valoração trans‐histórica do "amor sexual" ("a maior força
irracional da vida" ‐ Weber, 1974: 393), que se entranha nas formas primordiais da religião (as
religiões ditas "orgiásticas") e se mantem numa permanente fonte de tensão com a racionalização
geral do mundo social (e particularmente da racionalização religiosa). Muitos temas fundamentais
21
A formação boasiana de Gilberto Freyre certamente se encontra por trás da notável presença da questão da
sexualidade em suas pioneiras análises da cultura brasileira (Casa-Grande e Senzala é de 1933).
22
O texto clássico de Marcel Mauss sobre as "técnicas do corpo" (apresentado em 1934 e publicado em 1936;
Mauss, 1974), comumente considerado como um dos sinais precursores do interesse pela sexualidade na
antropologia, já que inclui um parágrafo sobre as "posições sexuais" no item sobre as "técnicas de
reprodução" (cf. Loyola, 1998: 26), deve ser, na verdade, incluído no programa dessa disposição integradora,
totalizante, para que Mauss, no plano teórico, tanto contribuiu ("l'homme total").
23
Sobre a relação entre essas características da sexualidade na obra de Weber e o predomínio da questão da
racionalidade, como expressão de questões de sua própria e conturbada vida pessoal, ver Mitzman, 1970 e
Schwentker, 1996.
13
das éticas religiosas serão definidos assim, segundo ele, como barreiras à sexualidade, como nos
casos óbvios da luta contra a prostituição e da defesa da castidade sacerdotal. A análise weberiana
depende, nesse ponto, de uma interpretação da relação entre a sexualidade e a vida social
fortemente baseada em uma teoria da sublimação (mais geral no pensamento de seu tempo e
certamente paralela à versão de Freud, por cuja obra só se interessou muito tardiamente). O
confronto entre as éticas do misticismo e do ascetismo (como tipos ideais) e a sexualidade
pareceria decorrer assim de uma competição pelas forças íntimas dos sujeitos sociais. Um ponto
bem rico de sua argumentação em relação à sexualidade é o de que essa força pode, por um lado,
se opor à racionalização, mas pode também, por outro, se oferecer à racionalização. O resultado
deste último processo seria o "erotismo", enquanto "esfera cultivada conscientemente e,
portanto, não‐rotinizada" (Weber, 1974: 394), que caracterizaria os estágios superiores do "amor
maduro do intelectualismo" (ibidem: 397). Um quadro de sugestiva ambigüidade, que ganharia
muito em ser comparado com a proposta analítica de Foucault de distinção entre ars erotica e
scientia sexualis.
É também muito ambíguo o estatuto da sexualidade no âmbito da Escola de Chicago e de
seus principais desenvolvimentos posteriores. Embora uma obra pioneira como o The Taxi‐Dance
Hall, de Paul Cressey (originalmente uma tese de mestrado na Universidade de Chicago), já tivesse
tratado em 1932 da questão candente da prostituição numa perspectiva sociológica, os estudos
dos problemas urbanos, dos "social problems" e do "comportamento desviante" – tão
abrangentes em seu escopo – não envolveram pesquisa sistemática sobre sexualidade até os anos
1970 24. Um caso excepcional a examinar é o de William Thomas, eminente membro da primeira
geração da Escola, que publicou seis artigos sobre sexualidade no início de sua carreira, entre 1897
e 1907 (ainda entre a Völkerpsychologie aprendida na Alemanha e a institucionalização da
sociologia em Chicago), sem qualquer herança notável na área em exame.
4. As ciências sociais e a sexualidade hoje
É tão marcante quanto a obra de Freud, para a tematização da sexualidade nas ciências
sociais, a publicação do primeiro volume da História da Sexualidade de Michel Foucault em 1976
("A Vontade de Saber")25. Isso significa reconhecer, nesse evento, em primeiro lugar, que a marca
do pensamento romântico nessa obra, seja pela importância precedente da psicanálise (enquanto
24
A influente coletânea The Other Side, organizada por Howard Becker em 1964, contem dois artigos
relativos à homosexualidade, por exemplo (de John Kitsuse e de John Reiss Jr.), tratada porém como uma das
instâncias dos comportamentos desviantes em meio urbano. A Antropologia Urbana no Brasil, iniciada com o
programa sistemático de pesquisa de Gilberto Velho, também envolveu questões de sexualidade, que se
mantiveram englobadas pela temática mais ampla do desvio e do estigma (cf. Velho, 1974). Sob sua
orientação foram produzidas teses pioneiras nessa área, como, por exemplo, as de Guimarães (2007;
defendida em 1977) e de Gaspar (1985, defendida em 1984).
25
C. Vance recusa a atribuição de um caráter univocamente estratégico a Foucault nesse campo; evocando a
importância concomitante dos ativistas anglo-saxões (cf. Vance, 1995:12).
14
teoria e enquanto visão de mundo), seja pela influência estruturante do pensamento filosófico de
Nietzsche, a votara a uma afinidade fundamental com a crise neo‐romântica dos anos 1960.
Entre os sinais dessa crise encontrava‐se uma valorização explícita da sexualidade nas suas
citadas dimensões de crucialidade, interioridade e prazer26. A chamada "liberalização dos
costumes" representava a transposição do seu desentranhamento para o plano do
comportamento público, generalizado. Não cabe aqui desenvolver a análise desse "romantismo de
massa", mas pode‐se certamente sublinhar a importância dos novos meios de comunicação,
globalizados, e dos novos patamares do consumo de bens de satisfação sensorial (cf. Duarte,
1999b). O processo do "consumismo moderno", tão finamente analisado por C. Campbell (1995),
atingia seu apogeu novecentista – e nele avultava com particular ênfase a questão de uma
"satisfação sexual" separada das condições relacionais e morais de sua prática 27.
A proposta de Foucault não se resumia porém na repetição dos jargões românticos. Pelo
contrário, ela demonstrava que – contrariamente ao senso‐comum – a sexualidade não era um
valor universal, vítima, na cultura ocidental, de uma repressão obscurantista. Antes tratava‐se de
um valor obsessivamente cultivado, na reverência àquilo que ele veio a chamar de "sexo‐rei".
Obtinha‐se assim, pela primeira vez, uma análise histórico‐cultural precisa e abrangente do
processo que venho chamando aqui de "desentranhamento". A "história" da sexualidade era
assim a sua "genealogia" – a demonstração de sua "construção social".
Como bem demonstrou Foucault (1977), a construção moderna da Pessoa dependeu da
emergência da “sexualidade” como nova instância de verdade do sujeito – nevrálgica e delicada.
Sexo e poder não seriam antípodas e, ao contário do que propunha a hipótese repressiva, as
sociedades ocidentais modernas apenas superficialmente poderiam ser classificadas de anti‐
sexuais. Sob o moralismo burguês, a partir do século XIX, teria ocorrido de fato uma incitação
generalizada a colocar o sexo em discurso, fazendo dele aquilo que, do interior do sujeito, tinha o
poder de dizer a sua verdade e que – quando negligenciado – podia determinar a sua ruína e a
ruína da família, da raça e da nação. Articulando o individual e o coletivo, o dispositivo da
sexualidade corresponde a um processo de sexualização generalizada, que terá nas crianças um de
seus principais focos e que transformará a família em locus permanente de observação, reflexão e
controle do comportamento sexual de seus membros.
Não apenas em função do forte estímulo reflexivo e historicizante da proposta de Foucault
(mas com crescente referência a ela), inicia‐se nessa década de 1970 um processo de intensíssima
produção intelectual sobre a sexualidade em seus mais diversos aspectos e dimensões. Dada a
amplitude dessa bibliografia, privilegiarei aqui as referências à produção brasileira, até mesmo
porque ecoa as grandes linhas internacionais do campo.
26
Não se pode deixar de lembrar a importância nesse contexto do filósofo H. Marcuse e seu Eros e
Civilização (uma discussão com Freud, fundamentalmente) – Marcuse, 1969 [1955].
27
Considera-se comumente como um fator relevante a supostamente definitiva superação do desafio das
doenças sexualmente transmissíveis pela invenção da penicilina, contemporânea da II Grande Guerra (cf.
Carrara, 1996)
15
Até os anos 1960, apenas dois autores tinham se dedicado mais explicita e
sistematicamente no Brasil à análise sociológica da sexualidade: Gilberto Freyre (cf. Bocayuva,
2001) e Roger Bastide28. Em ambos pulsava a disposição em tratar das dimensões "subjetivas" da
vida social, por força de influências românticas nada habituais no campo intelectual brasileiro (cf.
Duarte, 2005; para a demonstração deste ponto em R. Bastide). Ainda em ambos os casos,
tratava‐se de reconhecer um ethos relacional próprio a certas manifestações culturais
características do universo social brasileiro (a cultura patriarcal, para Freyre; a cultura
afrobrasileira, para Bastide), como um contraponto discrepante da norma contemporânea oficial
29
. Além do desentranhamento, reconhece‐se aí em ação o eixo crucialidade / interioridade /
prazer, particularmente tingido pela conotação de transgressão ou oposição aos mores oficiais
(como efeito da própria obra no campo, no caso de Freyre; como suposta e valorizada
propriedade do objeto, no caso de Bastide).
As condições de emergência dessas obras são totalmente diferentes das que caracterizam
a produção pós‐1960. Para além da já mencionada atmosfera neo‐romântica da Contra‐Cultura,
percebe‐se na literatura crítica a ênfase na importância dos processos de dissociação crescente
entre a sexualidade e a reprodução (sobretudo, inicialmente, os recursos de contracepção), de
recrudescimento da luta pela aplicação do ideal individualista à condição feminina, de organização
da luta pela possibilidade de usufruto de sexualidades não‐convencionais e – finalmente, nos anos
1980 – do advento de uma nova, inesperada e assustadora epidemia ligada à sexualidade (cf.
Heilborn, 1999: 7‐8). Esses fatores empíricos reforçariam de maneira radical a crucialidade
tradicional do instituto, ensejando a emergência de um campo institucionalizado de reflexão
sociológica sistemática sobre a sexualidade. Esse campo manteria, inclusive, uma relação – ainda
que tensa – com os movimentos sociais proliferantes nessa área no mesmo período.
No Brasil particularmente, além desses condicionamentos mais gerais, o desafio da
interpretação sociológica das marcantes diferenças culturais intranacionais teria reforçado o
interesse no estudo da sexualidade, em função inclusive de suas implicações sobre processos
sociais considerados como problemas nacionais abrangentes (saúde, natalidade, etc.) (cf.
Heilborn, 1999: 42‐43).
Dessa abundante literatura brasileira pós‐1960, vou me referir a quatro casos que
considero expressivos (ou sintomáticos) da forma como as grandes convenções antes
especificadas repercutiram na produção nacional. Todos quatro pressupõem o
"desentranhamento temático" (ou conceitual) – como não poderia deixar de ser – e interpelam
assim diretamente questões ditas de "sexualidade". Eles tematizam ativamente, além disso, o
desafio do "desentranhamento etnográfico", ao explorar diferentes dimensões da sexualidade nas
28
Margareth Rago lembra como pioneiros do que ela chama de "centralidade conferida à sexualidade no
discurso dos historiadores, voltados para a interpretação científica da realidade brasileira e para a definição da
identidade nacional..." o Retrato do Brasil, de Paulo Prado [1928], e o Macunaíma, de Mário de Andrade
[1928] (Rago, 1998: 178). Como se trata de interpretações isoladas, de caráter mais claramente ensaístico ou
literário, embora muito prestigiosas, prefiro me ater aos dois outros projetos intelectuais citados.
29
Apesar da grande distância histórica e epistemológica, creio que se possa considerar os textos de Roberto
Da Matta relativos à sexualidade no Brasil como aparentados a esta tradição (cf. DaMatta, 1983 e 1986).
16
representações e práticas correntes no Brasil. Um deles é de autoria de um psicanalista, mas o seu
tom é francamente sociológico, até mesmo pela fluência de seu autor em filosofia social. O
primeiro é o do artigo de Peter Fry sobre a convivência entre dois modelos contrastantes de
práticas sexuais entre homens no Brasil (cf. Fry, 1982 [1974]). O primeiro modelo seria o das
relações entre homens "ativos" e "passivos" (bichas), em que apenas os segundos são
considerados "homossexuais" e, assim, expostos ao desprezo, derrisão e eventual violência que
acomete esse papel social. O segundo modelo é o das relações entre homens que se consideram
como gays ("homossexuais"), mais por identificação "subjetiva" do que em função de quaisquer
comportamentos efetivos. O primeiro modelo, considerado como mais tradicional (e, assim, mais
presente nas classes populares, por exemplo), teria dado lugar progressivamente na modernidade
ao segundo, associável ao horizonte das representações individualistas, com sua ênfase na
igualdade e na interioridade (o título do artigo é bem claro: "da hierarquia à igualdade"). Eis um
caso em que a diferença cultural intranacional se impõe como questão, em claro cruzamento com
a questão do entranhamento. A proposta de Fry descreve um modelo hierárquico em que a
(homo)sexualidade se encontra imersa, entranhada, no código mais amplo das relações entre os
gêneros, não representando certamente a disposição interiorizante aqui sublinhada como um dos
atributos da sexualidade moderna. Embora o prazer sensual esteja certamente comprometido na
atualização deste modelo, deve‐se atentar para o seu englobamento pelo que se poderia chamar
de "sentimento de dominação" (o prazer, tanto do ativo quanto do passivo, passa pela experiência
da posição específica privilegiada). Também é notável que, ao preservar uma suposta disposição
ambi‐sexual do agente ativo, mantem‐se a (homo)sexualidade englobada pela reprodução
(implicada nas relações hierárquicas heterosexuais). No polo oposto, encontra‐se o modelo
"igualitário", portador pleno do desentranhamento e das características da crucialidade 30/
interioridade / prazer. Veremos depois como esta oposição entre "comportamento" e
"identidade" é um traço estruturante do campo contemporâneo dos debates sobre a
sexualidade31.
O outro texto é o que eu próprio publiquei em 1987 sobre "sexo e moralidade nas classes
trabalhadoras" (cf. Duarte, 1987). Meu interesse principal nesse trabalho era o de reforçar a
proposta mais ampla por mim defendida de que as classes trabalhadoras (ou "populares") no
Brasil não compartilhavam dos pressupostos individualistas da cultura oficial, letrada ou
hegemônica, de que são portadoras em princípio as classes médias e as elites. Procurava, nesse
artigo, demonstrar que a experiência do "sexo" ou da "sexualidade" nesse meio cultural não era
dissociável de uma "moralidade". Com a demonstração do entranhamento fundamental em que
se davam os valores e práticas que o pensamento moderno associa à sexualidade, buscava tornar
mais claras as graves implicações que essa condição impunha à relação entre as disposições e
agentes modernizantes e os membros das classes populares (como fiz, em outros textos, a
respeito dos processos de disponibilização dos recursos da psicanálise e da cidadania para o
30
O autor discute explicitamente o que chamo de "crucialidade" do tema, evocando Freud: "as noções de
hierarquia e igualdade, quando expressas através da linguagem do sexo, calam mais fundo na consciência do
que através de quaisquer outras linguagens" (Fry, 1982: 112)
31
Na bibliografia de Fry consta o nome de J. Weeks (1977) cujo pioneirismo a respeito deste ponto é
sublinhado por C. Vance (Vance, 1995)
17
"povo"). Como no texto de Fry, avultava aí o tema do desentranhamento, sob a forma da
demonstração da presença legítima de seu negativo no interior da sociedade brasileira.
O terceiro trabalho é o de Jurandir Freire Costa sobre a inconveniência da reificação social
da categoria "homossexualidade" (uma "identidade") e a defesa da categoria "homoerotismo"
(um "comportamento") para designar a prática sexual entre membros do mesmo gênero. O
trabalho, na verdade, consiste em dois livros (cf. Costa, 1992 e 1995) em que essa proposta é
desenvolvida com argumentos históricos, culturais e clínicos. A demonstração da produção de um
sofrimento psíquico acentuado pelas incongruências entre a condição vital abrangente dos
sujeitos e a necessidade de se identificar como um "homossexual" (com todas as implicações
privadas e públicas de tal ato) corresponde, no meu modelo, à defesa de um "reentranhamento"
da (homo)sexualidade no tecido vital (psicológico) abrangente. Para J. F. Costa, embora a questão
das fronteiras culturais intranacionais não se coloque, permanece a fronteira entre um modo
tradicional e um modo moderno (desentranhado) de construção dos sujeitos. Seu interesse não é,
assim, como o dos dois autores anteriores, o de falar em nome da legitimidade de um
entranhamento presente (e socialmente próximo), mas o de defender um reentranhamento
terapêutico (com argumentos que não deixam de passar pela evocação histórica do
entranhamento passado ou pela notícia etnográfica de um entranhamento presente, distante e
alternativo)32.
O quarto trabalho é a tese de Maria Luiza Heilborn (2004; defendida em 1992) sobre a
conjugalidade diferencial entre casais heterosexuais, homosexuais masculinos e homosexuais
femininos (no interior das classes médias urbanas). A autora demonstra que os casais
homosexuais masculinos apresentam um padrão de comportamentos e expectativas relacionais
simetricamente inverso ao dos casais homosexuais femininos (ficando os heterosexuais numa
posição intermediária). O ponto mais interessante de sua análise é o de que os arranjos conjugais
homosexuais, aparentemente situados numa posição alternativa, contraditória, ou mesmo
antagônica às convenções hegemônicas atualizam de modo quase caricatural os modelos
habitualmente associados aos ethos sexuais masculino e feminino: ênfase na individualidade dos
parceiros e na dimensão "sensorial" da relação no caso dos homens; ênfase na relacionalidade dos
parceiros e na dimensão "afetiva" da relação no caso das mulheres. Isso apontaria para um
"desentranhamento" diferencial entre os dois gêneros, em nossa cultura, de cujo estatuto se
interroga longamente a autora, baseada em diversas propostas sobre a condição simbólica
estruturante dessa "diferença".
Os quatro textos apresentam interpretações de material etnográfico brasileiro em um
período bastante crítico para a institucionalização da pesquisa sociológica sobre a sexualidade e
põem em cena – a meu ver – diferentes facetas das convenções eruditas que estou buscando
modelizar. Uso‐os como material de instigação para a análise mais tópica que em seguida se
desenvolve.
32
Esta atitude programática constitui também uma das dimensões importantes dos dois volumes finais da
História da Sexualidade de Foucault. Ali, sob o pretexto da visitação ao modelo do "cuidado de si" da cultura
mediterrânea clássica, faz-se o processo crítico do desentranhamento implicado na scientia sexualis moderna.
18
A sexualidade nas ciências sociais aparece na literatura mais recente subordinada à
polêmica do "construcionismo", ou "teoria da construção cultural" (como a chama C. Vance ‐
1995: 9). Trata‐se da disposição em considerar todos os fenômenos subsumidos nessa rubrica
como culturalmente instituídos e não como fatos "naturais" modulados pela cultura. Esta última
atitude é chamada por C. Vance de "modelo da influência cultural" (1995: 18‐21) e certamente
considerada insuficiente ou antiquada: "a sexualidade é vista como o material básico – uma
espécie de massa de modelar – sobre o qual a cultura trabalha, uma categoria naturalizada que
permanece fechada à investigação e à análise". De qualquer modo, este último modelo já teria
sido uma resposta à permanente ameaça de interpretações "essencialistas" da sexualidade (os
modelos fisicalistas deterministas) (1995: 21). C. Vance considera ainda necessário distinguir entre
uma versão "radical" e outra "moderada" da teoria construtivista, ambas emergentes a partir dos
anos 1970. A primeira consideraria culturalmente construídas todas as dimensões do fenômeno,
inclusive as dimensões do "desejo", "impulso", "pulsão" ou "apetite sexual" (1995: 17). A segunda
consideraria como construídas apenas as modalidades de exercício desse "desejo". A. Loyola
comenta a respeito do "construcionismo" que, apesar de sua oportuna disposição
desnaturalizante, ele "não elimina o problema dos invariantes da sexualidade", invocando F.
Héritier na denúncia do solipsismo intrínseco ao culto à singularidade corrente no pensamento
social contemporâneo (cf. Loyola, 1998: 31).
A forma como M. Heilborn & E. Brandão resenham a polêmica do "construcionismo" é
particularmente interessante, pois o articula com o "desentranhamento". Quando as autoras
dizem (explicando a posição do construtivismo) que "os significados sexuais e, sobretudo, a
própria noção de experiência ou comportamento sexual não seriam passíveis de generalização,
dado que estão ancorados em teias de significados articuladas a outras modalidades de
classificação, como o sistema de parentesco e de gênero, as classificações etárias, a estrutura de
privilégios sociais e de distribuição de riqueza etc.", elas estão na verdade descrevendo o citado
entranhamento etnográfico (cf. Heilborn & Brandão, 1999: 9). Podemos compreender que o
"construcionismo" seja assim propriamente o modo "desentranhado" de falar do
"entranhamento". Ou seja, um modo de fazer estranhar a "naturalização" corrente em nossa
cultura, pela culturalização das ocorrências comparadas.
A observação da polêmica do construcionismo no campo contemporâneo dos
estudos sobre a sexualidade nos permite compreender assim, melhor, as condições
contemporâneas do tema do entranhamento, que privilegiei neste trabalho. Com efeito o tema do
construcionismo se desenvolve a partir de um certo patamar do processo de desentranhamento,
como uma resposta radical à solução universalista, fisicalista, da redução à "natureza". Como
dissera antes, a tradição dos estudos da sensibilidade se bifurca na via racionalista, fisicalista,
biomédica, e na via romântica, simbolizante, psico‐sociológica. Esta última se estrutura
inicialmente na forma do "modelo da influência cultural" (Vance lhe atribui a dominância no
período que vai de 1920 a 1990; cf. Vance, 1995: 18). A essa altura porém as exigências políticas
de afirmação da autonomia radical dos processos identitários em relação às supostas
determinações naturais levam a uma reestruturação da argumentação erudita, bem expressa no
19
texto aqui muito citado de C. Vance. Ela é bem clara quanto à oportunidade e urgência dessa
atitude mais afirmativa em relação ao essencialismo biomédico (24), sempre ameaçador de uma
compreensão mais plural e acolhedora da diferença humana.
Um entre diversos pontos mais específicos das discussões sobre o caráter "construído" da
sexualidade e das suas qualidades "universais" é o do estatuto da "diferença de gênero". Embora
ele possa ser tratado como mais abrangente do que a sexualidade, é dela inextricável. Muitos dos
argumentos envolvidos nessa questão remetem inclusive ao suposto estatuto "natural" de toda ou
parte dessa diferença, repousando – nesse caso – sobretudo na condição "reprodutora" do corpo
feminino. Trata‐se de uma das mais explícitas manifestações da dimensão igualitarista da ideologia
individualista, em seu contínuo questionamento da diferença, como bem resenham Heilborn &
Sorj (1999). Duas grandes tendências polares são expressivas da dinâmica da questão. A primeira
lança mão da temática da "dominação", inicialmente construída em nossa cultura contra a
"diferença de classe". Encontram‐se aí diversas variantes mais ou menos acadêmicas do
feminismo, reverberando nas recentes propostas analíticas muito citadas de P. Bourdieu e M.
Godelier (cf. Heilborn, 1999; Loyola, 1998). A outra tendência caminha no sentido de um
entendimento simbólico da diferença. M. Heilborn desenvolveu essa questão com grande clareza
em sua citada tese de doutorado, evocando as inspirações pioneiras de F. Héritier e de M.
Moisseeff e desenvolvendo o tema à luz da teoria da "hierarquia" de L. Dumont e da
"preeminência" de R. Hertz (Heilborn, 2004). A proposta de F. Héritier da "valência diferencial dos
sexos" também é evocada na revisão temática de A. Loyola (cf. Loyola, 1999: 35).
Uma outra "forma fenomenal" da problemática do desentranhamento, recorrente no
campo, é a da oposição entre "comportamento" e "identidade" sexuais. Ela estava presente em
estado bruto nos textos brasileiros que revi há pouco, mas tem retornado mais explicitamente (e
com essa nomenclatura) na literatura recente (cf. Vance, 1995: 13; Heilborn, 1999: 40‐41). Os
trabalhos de J. F. Costa se centram exatamente nesse ponto, denunciando a transformação de
"comportamentos" em "identidades" operada pelos pressupostos de "crucialidade" e
"interioridade" (nos meus termos) ativos em nossa cultura hegemônica. Embora o tema hoje se
desenvolva sobretudo em relação à homossexualidade e à questão do coming‐out, ele já estava
presente, por exemplo, na disposição programática de M. Mead de desnaturalizar a associação
entre identidade de gênero e determinados padrões de atitudes e comportamento. A categoria
identidade pode aparecer nesse sentido pesado, substantivado, de "identidade pessoal", mas
pode também inspirar, no formato mais leve das "identidades sociais", uma série de instrumentos
analíticos para o trabalho etnográfico ou sociológico. Penso particularmente nas metáforas
teatrais relativas aos processos de manifestação social da sexualidade na vida dos "atores":
cenários sexuais, carreiras sexuais, roteiros sexuais, etc. M. Heilborn lembra a importância
pioneira nesse sentido do trabalho de Simon & Gagnon (1973).
As dimensões de "interioridade" e "prazer" da configuração da sexualidade moderna
implicam em algumas convenções específicas. A primeira e mais importante é a da correlação
entre sexualidade e "intimidade" ou "privacidade" (cf. Heilborn & Brandão, 1999: 8; Pierret, 1998:
20
66; Loyola, 1999: 35)33 . Ainda aqui o estatuto último dessa correlação é controvertido. O que
importa é que ela instrui diversas propriedades do modo como a categoria se atualiza. A mais
imediatamente relevante é a dos condicionamentos à objetivação sociológica de tópicos de
sexualidade, mormente nas pesquisas conduzidas nas sociedades ocidentais modernas, tanto do
ponto de vista dos valores dos pesquisadores quanto dos "nativos" 34 (cf. Bozon, 1995). Percebe‐se
aí uma aparente contradição entre um nível de nossas manifestações culturais que levou Foucault
a mencionar uma "incitação a falar sobre o sexo" e um outro que induz uma retração da fala ou
mesmo da reflexão sobre o tema. A pesquisa sociológica e antropológica envolvendo a
sexualidade tende assim a ser hiper‐reflexiva no tocante a sua metodologia, uma vez que a
qualidade dos materiais é severamente constrangida pela legitimidade do seu fluxo público em
condições específicas (interação intercultural, intergêneros, interclasses, inter‐etária, etc.)35. A
dimensão da interioridade envolve ainda uma outra área de significados e negociações muito
intensas: a da tensão entre o "sensual" e o "sentimental". Já a mencionamos nos nossos quatro
exemplos expressivos. Aí se articulam muito intensamente desentranhamento, interioridade e
prazer. Com efeito, trata‐se de tematizar, em primeiro lugar, a separação ou autonomização de
dois níveis da experiência supostamente integrados na origem: um prazer sensorial do sexo (dito
sensual) e um prazer afetivo ou sentimental (correspondente em nossa cultura à ideologia do
amor) (cf. Singly, 1995). O desentranhamento é aí mais do que nunca uma construção cultural – e
toda a análise em torno das ocorrências dessa dissociação em nossa cultura se tingem desse
etnocentrismo. A questão é porém mais grave, já que afeta a representação mais profunda de
uma correlação entre o "sensual" e o "masculino" e entre o "afetivo" e o "feminino" (cf. Heilborn,
2004). Expressa‐se ainda numa figura muito recorrente da ideologia do amor em nossa cultura: a
da contradição entre o sentimento e o dinheiro. O trabalho analítico de Simmel foi pioneiro nessa
área, dedicando‐se inclusive à "prostituição", um fenômeno intensamente discutido em toda a
história de nossa cultura, por colocar justamente em cena o desafio da boa correlação entre
"sexualidade", "interioridade" e "prazer". O tema da boa prostituta / prostituta má, capaz de
arruinar a adequada construção social dos sujeitos sociais, tendeu a converter‐se, ao longo do
século XIX, por força do imaginário da transgressão romântica, na versão oposta da prostituta boa,
entranhada, capaz do sacrifício às exigências da moral coletiva (veja‐se a Dama das Camélias, de
Alexandre Dumas, retomada em La Traviata de Verdi; e a Boule de Suif, de Guy de Maupassant,
retomada na Geni, de Chico Buarque). É expressiva a dedicação das ciências sociais a esse tema
33
M. Bozon lembra com propriedade a clareza da demonstração por N. Elias do processo de privatização da
sexualidade na cultura européia dentro do "processo civilizatório" abrangente (Bozon, 1995: 40).
34
Para alguns pesquisadores, a experiência etnográfica parece indicar que, nas sociedades ocidentais (ou pelo
menos nas metropolitanas, dentre elas) o entranhamento da vivência das "práticas sexuais" continue sendo a
regra, apesar da colocação do sexo em discurso e da "revolução sexual": "la majorité des individus trouvent
insupportable l´idée d´autonomiser les pratiques qui ont lieu pendant un rapport sexuel, de les séparer de leurs
significations affectives. Cela entraîne un refus d´en parler précisément, qui est une indication précise sur la
manière dont l´activité sexuelle est vécue et 'prise' dans les relations" (Bozon, 1995: 42 – meu itálico).
35
Ocorre mesmo uma rejeição tópica da associação entre sexualidade e intimidade, no contexto da
consideração de um fenômeno público como a prostituição (considerada como um "trabalho sexual") – cf. a
idéia de "sexual but not intimate" em Miller, 2000:97).
21
obligé, desde os clássicos de G. Simmel, W. Thomas e P. Cressey até os abundantes estudos sobre
o "comércio do sexo" nos nossos dias (cf. Bozon, 1995: 46).
Em um outro nível de relevância, desenham‐se as implicações epistemológicas mais
abstratas da correlação entre sexualidade e prazer. O apogeu do romantismo correspondeu a uma
apoteose da vida individual do sujeito, com suas características de singularidade (totalidade
individual), interioridade, intensidade (criatividade), potência e fluxo. F. Nietzsche ofereceu‐nos
em O Nascimento da Tragédia a versão mais radical desse sujeito ideal, em suposto contraponto
ao "escravo" da tradição central filosófica e religiosa do Ocidente. Para tanto, hipostasiou o mito
do dionisismo, como modo do entranhamento originário grego pré‐socrático. Nesse mito, o gôzo
não se subordina às convenções parcelares e desentranhadas da vida ocidental, correspondendo a
fulgurações de prazer, terror e êxtase – de cuja potência e intensidade teríamos sido desde então
expulsos. Esse modelo muito poderoso, inclusive por buscar integrar os próprios modos
expressivos e reflexivos autonomizados na cultura ocidental moderna (filosofia, arte, ciência, etc.),
influenciou diversos desenvolvimentos imaginários da sexualidade moderna. Nessa linhagem,
ressalta‐se sempre o caráter irredutível da "experiência", particularmente no âmbito das
dimensões mais radicalmente reveladoras da individualidade / interioridade, como a arte, a
religião e a sexualidade. O próprio Foucault, tão importante para a dinâmica deste campo, é um
herdeiro dessa tradição, embora de um modo menos "dionisíaco" que o de G. Bataille ou M.
Maffesoli, por exemplo. Outros desenvolvimentos contemporâneos se inspiram do programa
filosófico contido no Anti‐Oedipe de G. Deleuze e F. Guattari. Essa obra, montada explicitamente
como uma paráfrase das teorias de Freud, é o mais importante manifesto do neoromantismo
contemporâneo, concentrando sua reinterpretação do estatuto do vínculo social a partir de
categorias tais como "desejo", "libido" e "sexualidade". Como exemplo da convenção "dionisíaca"
entre nós, menciono o trabalho de N. Perlongher sobre os jovens vendedores de serviços sexuais
em São Paulo (cf. Perlongher, 1987). O que nos lembra, aliás, o quanto o tema da "prostituição"
bem articula todas as convenções culturais aqui especificadas.
Todas as problemáticas que temos até aqui levantado reverberam nas estratégias de
pesquisa e na organização do campo, essenciais para o desenvolvimento de qualquer
empreendimento acadêmico no mundo contemporâneo. Expressa‐se aí prioritariamente na forma
do dilema entre "especialização" e "integração", ou seja, numa versão pragmática do tema do
desentranhamento. A. Loyola, por exemplo, expressando uma tendência que é certamente
majoritária na antropologia em relação a muitos temas, se manifesta contrária à especialização
dos estudos da sexualidade (1999: 18), em detrimento de sua articulação com as diversas áreas de
significação lindeira (ela própria cita os estudos de gênero36, 1999: 22 – , e a questão do amor /
paixão, 1999: 35). Heilborn & Brandão analisam a questão, inclusive do ponto de vista de suas
implicações metodológicas, ao tratarem da "não univocidade do sentido do sexual" (1999: 8). C.
Vance resenha, no mesmo sentido, as relações fundamentais com "reprodução" (1995: 19‐22),
com "gênero" (1995: 10) e com "identidade" (1995: 12).
36
Ver uma revisão específica e sistemática do "gênero" em Scott, 1995.
22
Não me detive aqui nos desenvolvimentos da etnologia das últimas décadas. Creio ser
possível dizer que a situação desse campo de estudos é muito específica: nele o reentranhamento
estratégico do método monográfico já citado prevalece de modo mais sistemático e regular. O
único trabalho de peso em etnologia de que tenho notícia a tratar explicita e segmentadamente
de "sexualidade" nas últimas décadas foi o de Gregor, 1985. Aspectos da vida humana
classificáveis na rubrica da sexualidade do ponto de vista ocidental moderno estão, por outro lado,
obviamente presentes na maior parte dos trabalhos dedicados às áreas críticas do parentesco e à
reprodução (mas não apenas aí). O próprio Gregor justifica sua disposição em enfocar a vida
sexual especificamente como um meio de aceder à percepção entranhada da cultura nativa: "a
description of Mehinaku sexuality is also an account of their culture" (1885: 3). Seria
particularmente interessante comparar essa relativa estabilidade estratégica do reentranhamento
etnográfico da sexualidade nas últimas décadas com a emergência do desentranhamento de
outras dimensões antes submersas nas totalidades etnográficas: as "emoções", os "sentimentos",
a condição infantil etc.
A interação entre a dinâmica da pesquisa acadêmica, do ativismo político e da organização
das políticas públicas é muito intensa e desafiadora na área da sexualidade desde os anos 1970.
Pode‐se mesmo considerar como um desafio estratégico essencial a organização do diálogo entre
essas três dimensões, dadas a intensidade das homologias e das discrepâncias aí simultaneamente
presentes. Todo um novo vocabulário, que faz avançar o desentranhamento conceitual e aspira
por um reentranhamento político37 vem se forjando nessa interface, no nível internacional e
nacional: das categorias mais antigas, como "educação sexual", "satisfação sexual", "minorias
sexuais", "violência sexual" e "orientação sexual", às mais recentes, como "liberdade sexual",
"direitos sexuais" (Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, Viena, 1993) ou "saúde sexual"
(Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento ‐ CIPD, Cairo, 1994) (cf. Petchesky,
2000 e Miller, 2000, e. g.).
Sem que se possa contar com uma conclusão unívoca para um artigo de avaliação do
estado‐da‐arte em uma das mais dinâmicas fronteiras das ciências sociais contemporâneas, cabe
ainda assim resumir o que considero ter examinado como principais convenções, ou linhas de
força, do campo. Apesar da intensa pluralidade com que se apresenta a literatura atual38, insisto
que se encontra subordinada em primeiro lugar ao desafio do desentranhamento /
entranhamento / reentranhamento, tal como o descrevi.
37
Veja-se com que clareza essa disposição de reentranhamento se apresenta num documento programático
recente da OPAS/OMS: "Sexuality refers to a core dimension of being human which includes sex, gender,
sexual and gender identity, sexual orientation, eroticism, emotional attachment/love, and reproduction. It is
experienced or expressed in thoughts, fantasies, desires, beliefs, attitudes, values, activities, practices, roles,
relationships. Sexuality is a result of the interplay of biological, psychological, socio-economic, cultural,
ethical and religious/spiritual factors. While sexuality can include all of these aspects, not all of these
dimensions need to be experienced or expressed. However, in sum, our sexuality is experienced and
expressed in all that we are, what we feel, think and do." (OPAS/OMS 2000: 6 – meu itálico)
38
Creio que deva ser tomado como um índice dessa pluralidade a alta incidência de coletâneas na bibliografia,
frequentemente relativas a encontros científicos relativos à sexualidade. Seus sumários revelam uma gama
enorme de tópicos e enfoques (ver, como exemplos, Caplan, 1987; Bajos et al., 1995; Abramson & Pinkerton,
1995; Loyola, 1998; Heilborn, 1999).
23
Talvez convenha ainda insistir que o "entranhamento" é uma construção propriamente
moderna para falar dos modos pelos quais a sexualidade não existe autonomizada das demais
instâncias da vida humana em outras culturas ou em períodos outros de nossa própria tradição – e
tem se revelado estratégica para uma boa parte da produção acadêmica em nossas disciplinas. O
"reentranhamento" é uma construção mais prospectiva, voltada para dois tipos de objetivos: seja
a de afetar alguma manifestação específica corrente em suas implicações éticas,
comportamentais (como no caso de J. F. Costa), seja a de constituir protocolos de consideração
dos fenômenos da sexualidade integrados em outras dimensões analíticas (como na nota 32).
Trata‐se, nesse sentido, sempre mais propriamente de um anti‐desentranhamento do que de um
efetivo reentranhamento. A suposta integração assim obtida constitui‐se evidentemente a
posteriori, mantendo intocado o isolamento conceitual originário. Um outro ponto fundamental a
distinguir o processo de desentranhamento do de reentranhamento é o do grau de "liberdade"
envolvido. No segundo processo, supostamente, prevalece uma "consciência crítica" do ente (ou
do sujeito) em questão – em simétrica oposição ao entranhamento originário, concebido como
pré‐crítico, não‐consciente. A disposição de considerar de maneira "interdisciplinar" temas de
sexualidade, ou a ênfase no caráter "corporal" (tanto quanto simbólico) de sua experiência
correspondem assim a tentativas de reentranhar em um nível mais abstrato e reflexivo o ente
outrora autonomizado.
A dimensão da crucialidade continua operante em todos os níveis, entre os polos opostos
do essencialismo fisicalista e dos simbolismos mais absolutos (como o construcionismo radical ou
o "dionisismo" antes mencionados). Não posso deixar de mencionar o quanto a temática da
sexualidade se viu reinvestida de crucialidade (até por negação ou surpresa da ausência, digamos
assim) na intensa produção relativa às novas tecnologias reprodutivas, capazes de levar ao limite a
dissociação entre prazer e gênero e prazer e reprodução (cf. Luna, 2002; por exemplo, no tocante
ao desentranhamento emergente da “reprodução” em relação à própria "relação sexual").
Os temas da interioridade e do prazer foram tratados mais proximamente e envolvem,
como sublinhei, os focos críticos da intimidade, da privacidade, do gôzo e da transgressão. Não é
possível deixar de mencionar as intensas negociações sociais em curso a respeito da
"normalização" de práticas sexuais que já foram objeto de intensa rejeição ou repressão (como o
adultério, a masturbação, a pornografia, a prostituição, a sodomia e o homoerotismo) e da
"criminalização" de outras que se mantinham mais entranhadas ou invisíveis (como a "violência
sexual" ou a pedofilia). Em todos os casos, novos patamares e fronteiras de pesquisa social se
apresentam a propósito de nosso desentranhado personagem, envolvendo os valores da
individualidade, liberdade, igualdade e satisfação – cerne dessa específica cosmologia em que nos
movemos e nos interrogamos.
24
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