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A sexualidade nas Ciências Sociais: leitura crítica das convenções1 

Luiz Fernando Dias Duarte, Museu Nacional/UFRJ, Rio de Janeiro 

1. Introdução 

  O campo contemporâneo das ciências sociais torna‐se cada vez mais vasto e diferenciado, 
implicando uma convivência complexa de cânones e tendências mais ou menos tolerantes ou 
dialogais. Aprofunda‐se assim, por um lado, a característica polimorfia epistemológica das ciências 
humanas ("morais" ou "do espírito"), em contraste com a disposição mais linear e univocizante 
das ciências naturais ou matemáticas. Reforçam‐se, por outro lado, dentro do próprio campo, 
disposições mais restritivas, dispostas a defender do pluralismo dominante 2 novas ortodoxias 
emergentes. Em um tal cenário, a compreensão de qualquer elemento discursivo ou analítico 
específico exige a aplicação de uma estratégia historicizante fundamental, que permita perceber 
as condições de surgimento e evolução tópicas nos meandros das "escolas", movimentos e 
tendências epistemológicas enoveladas.  

  O instituto da "sexualidade" não escapa a tal injunção. Exige mesmo uma mais 
especificada pesquisa, pelo fato de não ser uma categoria central entre as que são instrumentais 
para as ciências sociais. Isso faz com que as diversas vozes ativas não se pronunciem de maneira 
explícita e necessária sobre ela, ou que – eventualmente – sequer a considerem relevante ou 
estruturante para seus propósitos analíticos. Vem‐se avolumando, por outro lado, nas últimas 
décadas, uma bibliografia dedicada a sua presença no mundo social ou a fenômenos que dela 
dependem ou com ela convivem de modo mais ou menos intrínseco. Faremos um uso tão intenso 
quanto possível dessa bibliografia explícita, com ênfase nos desenvolvimentos brasileiros das 
polêmicas internacionais.  

  Consideraremos como "ciências sociais", para os fins desta análise, apenas a antropologia 
e a sociologia. A sexologia é um saber mais liminar, mais ambíguo, menos institucionalizado, que 
deve merecer interpretações específicas, às quais remeto (cf. Vance, 1995: 9; Béjin, 1985 e Russo 
& Carrara, 2002). Se a ciência política se encontra muito pouco presente nessa seara; a história – 
                                                            
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Este trabalho foi apresentado originalmente como uma comunicação ao Seminário Sexualidades e Saberes:
convenções e fronteiras (Mesa-Redonda "Convenções da sexualidade"), realizado em 2003, em Campinas.
Foi publicado como "A sexualidade nas ciências sociais: leitura crítica das convenções". In Piscitelli,
Adriana; Gregori, Maria F. & Carrara, Sérgio (orgs.) Sexualidades e Saberes: Convenções e Fronteiras, Rio
de Janeiro: Editora Garamond, 2004.
2
No sentido descritivo regular, mas também no sentido programático com que Mariza Peirano sugere uma
"antropologia no plural", sinal da disposição de um universalismo reflexivo (Peirano,1992: 250).

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por outro lado – está intensamente presente (cf. Vance, 1995: 9) – mas se fará aqui representar 
apenas pelas repercussões impostas por seus desenvolvimentos aos saberes sociais em sentido 
estrito. As ciências sociais não se desenvolveram en vase clos. Nutriram‐se de influências externas 
e emitiram elas próprias ondas de significação que compuseram as inúmeras interfaces da 
sexualidade com a medicina , a psiquiatria, o direito, a psicologia, a psicanálise, a criminologia, etc. 
Esses saberes (que também são "humanos") só aparecerão aqui na medida em que se puder 
reconhecer seus sinais dentro do campo estrito delimitado. Esse é um ato de demarcação sempre 
muito arbitrário, sobretudo hoje em dia, em que novas tendências analíticas sonham romper com 
os limites estanques das disciplinas.  

  Creio que faz parte do senso comum acadêmico considerar a antropologia mais próxima 
do tema da sexualidade do que a sociologia. J. Pierret, por exemplo, considera que o tema só 
emergiu na sociologia a partir dos desafios da epidemia da aids (Pierret, 1998: 49). Seria para 
tanto necessário, porém, ignorar a sua presença em G. Simmel, em W. Thomas ou em N. Elias, por 
exemplo. Até mesmo por não ser possível traçar uma fronteira exata entre os dois saberes 
(sobretudo em sua acepção corrente no Brasil), pode‐se considerar que ambos contribuíram para 
o estoque atual de reflexões e pesquisa sobre o tema, ainda que de forma diferenciada 3. C. Vance 
considera que a antropologia, apesar de sua reputação de interesse e competência no tema, foi na 
verdade "muito pouco corajosa ou até mesmo adequada em sua investigação da sexualidade" 
(Vance, 1995: 8). Sua descrição de um clima de desencorajamento e desconfiança a esse respeito 
parece ser específica, porém, do ambiente acadêmico norte‐americano; podendo ter a ver com o 
afastamento diferencial em relação à Escola de Cultura e Personalidade (onde havia um lugar 
saliente para a sexualidade) prevalecente naquele país a partir dos anos 1960.  

  Nosso propósito será o de apresentar e contextualizar as principais premissas, as 
convenções estruturantes, com que se desenvolveu o tema em nosso campo. Isso incluirá 
sobretudo a análise do que chamo de "desentranhamento" da sexualidade como ente de razão 
moderno (com a conseqüente invenção do "entranhamento" não‐moderno e do 
"reentranhamento" programático neoromântico), a demarcação da tensão contínua entre 
"fisicalismo" e "simbolismo" na definição dos fenômenos da sexualidade, e – finalmente – o peso 
ideológico dos valores do "prazer" e da "interioridade" (com suas coortes de conotações) nas 
configurações culturais vulgares e eruditas (aí incluídas as ciências sociais).  

  É nesse sentido que devo reiterar que só a historicização da presença da sexualidade e das 
ciências sociais nos processos culturais mais amplos que suscitaram a emergência desses saberes, 
por um lado, e da própria categoria, por outro, permite a compreensão do fenômeno: o processo 
do "desentranhamento" (em relação à família, à reprodução, à religião, à moralidade etc.), a 
emergência das ideologias portadoras do "fisicalismo" (o universalismo / racionalismo) e do 
"simbolismo" (o romantismo) e a hegemonia dos valores da interioridade (psicologização) e do 

                                                            
3
"A primeira [a sociologia] tem contribuído com grandes inquéritos sobre o comportamento sexual da
população, enquanto a segunda [a antropologia], em princípio, tem respondido pelas descrições detalhadas de
valores e práticas de grupos sociais demarcados" (Heilborn, 1999: 7)

  2
prazer (hedonismo) são processos amplos, demarcadores dos movimentos de toda nossa cultura – 
e não apenas da sexualidade.  

  2. A cultura ocidental moderna e a invenção da sexualidade 

  A compreensão da especificidade da "cultura ocidental moderna", da "sexualidade" e da 
relação histórica que as une não pode ser aqui senão esboçada, com a remissão para uma 
bibliografia especializada mais completa. Não se pode deixar de sublinhar também que se trata de 
um recorte ou proposta tentativa, uma malha de interpretação entre outras possíveis – e nem por 
isso menos indispensável para o exercício do pensamento crítico.  

  Em um trabalho anterior propus que as categorias fundamentais para compreender a 
relação entre sexualidade e sensibilidade na construção da Pessoa ocidental moderna eram as da 
"perfectibilidade", da "experiência" e do "fisicalismo" (Duarte, 1999:24). Com efeito, a suspensão 
da crença nas determinações holistas do mundo, característica da grande transformação em 
direção à modernidade, implicava a ênfase cosmológica na conveniência, interesse e 
inevitabilidade de definição do ser humano como transformável, mutável, em função de uma 
experiência constante do mundo sensível que lhe garantia a relação com um mundo concreto, 
palpável, de realidades imanentes. Uma das implicações mais claras dessa disposição foi a 
invenção do corpo humano, em sua acepção moderna: uma máquina concreta (res extensa), 
dotada de dispositivos informacionais (sentidos, sensibilidade, sentient being), adaptada a funções 
animais específicas (Homo sapiens) e habitada por disposições abstratas de estatuto controvertido 
(res cogitans, understanding, razão, mind, Geist, esprit, etc.), freqüentemente associadas a uma 
"vontade", ou seja, a uma  propensão a intervir positivamente no mundo. O caráter crucial dessas 
disposições "morais" fez suscitar ao mesmo tempo, porém, uma ênfase peculiar na "interioridade" 
desse corpo, ambiguamente compreendida tanto como um plano de propriedades autônomas 
quanto como uma dimensão peculiar da fisicalidade fundamental de todas as coisas4. 
Estabeleciam‐se assim as condições para a hegemonia da noção moderna de "natureza" (cf. 
Gusdorf, 1985; Thomas, 1988; Descola, 1992 e Strathern, 1992, p. e.) e para o desenvolvimento da 
complexa e ambivalente noção de "natureza humana".  

  O estatuto dos sentidos corpóreos, das sensações e da sensibilidade humana foi um dos 
objetos privilegiados da reflexão filosófica e científica (na fisiologia do sistema nervoso, por 
exemplo) dos séculos XVII e XVIII, demonstrando cabalmente a autonomização dessa dimensão 
nova da qualidade do ser humano (cf. Figlio, 1975; Lawrence, 1979; Le Breton, 1988; Duarte, 
1986). No contexto das indagações sobre a composição desse complexo e misterioso aparelho 
informacional surgiu uma nova dimensão ontológica da antiga tópica moral e filosófica do amor, 
                                                            
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Em outro trabalho, sugeri que essa configuração cosmológica podia ser vista como dando continuidade a um
esquema presente na cultura européia pré-moderna de ênfase num "mandamento de verdade, vontade e
interioridade" na construção da Pessoa cristã ideal (cf. Duarte & Giumbelli, 1994).

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do desejo e da concupiscência (a libido, em Santo Agostinho, por exemplo). A possibilidade de 
observação de uma disposição desejante e erótica no corpo humano armava‐se agora sobre a 
base da máquina sensorial. O clássico tema da "ereção involuntária" masculina, base da 
interpretação agostiniana da Queda (cf. Foucault & Sennet, 1981), passou a ser, no final do Século 
XVIII, um dos tópicos da especulação sobre a nova fisiologia corporal5. Creio que se possa 
considerar essa crescente ênfase erudita na sensibilidade como uma das etapas de um outro 
processo crucial da modernidade: o da emergência e progressiva hegemonia de uma ética 
hedonista, ao mesmo tempo derivada de e oposta ao originário dolorismo cristão (cf. Sahlins, 
1996). A afirmação de um critério mundano de "satisfação" e "prazer" como justificação da vida 
humana é um dos traços mais característicos da inflexão moderna da cultura ocidental e 
certamente se associa ao processo de requalificação do "erotismo" no quadro das fontes 
específicas de prazer (ver o mito de Don Juan, por exemplo; e o conceito de "libertinagem", tão 
fundamental no século XVIII). É de fundamental importância nesse processo a conotação de 
"transgressão" na obtenção do prazer. O estatuto último dessa correlação é motivo de dissensão, 
não nos cabendo aqui senão sublinhar que a sua representação é corrente na cultura ocidental 
moderna e cresce na exata medida e ritmo em que se impõe o ideário de um indivíduo autônomo 
em relação à sociedade (vista como instância repressora externa).  

  Considero importante ressaltar a coetaneidade dessa disposição maior com quatro outros 
fenômenos aparentados, importantes no alvorecer da modernidade. O primeiro é o da nova 
classificação universalista do mundo vivo, proposta e desencadeada por Lineu; em que a chave 
ordenadora é justamente a das modalidades diferenciais da "reprodução" na "natureza", da 
condição "sexuada" ou não desses processos e de suas implicações para a gestação dos novos 
seres (vegetais e animais). A segunda é a da demonstração por T. Laqueur da emergência, nesse 
período, do "modelo dos dois sexos", ou seja, da distinção física essencial (de "natureza") entre os 
dois sexos, contra o pano de fundo da tradicional teoria da unidade fundamental modulada (cf. 
Laqueur, 1987). A terceira é a da obra do Marquês de Sade, em que a sexualidade aparece pela 
primeira vez – sob a forma de uma ficção de caráter fortemente político – como um instituto 
próprio da condição humana, independente da religião e da moralidade, e suficientemente crucial 
para determinar por si mesmo a carreira dos sujeitos sociais (de forma ativa ou passiva) (cf. Sade, 
1995). E a quarta, finalmente, é a da constituição ao longo do século XVIII das primeiras 
formulações sistemáticas de uma economia política, ou seja, de uma teoria da reprodução coletiva 
da espécie humana. A fisiocracia, considerada comumente como a primeira de tais fórmulas, 
enfatizava particularmente a preeminência da produção "natural" a partir da terra – a agricultura 
(cf. Polanyi, 1980). Nos quatro casos, assiste‐se ao desentranhamento (a disembeddedness de 
Polanyi) de uma nova dimensão do humano a partir de sistemas classificatórios precedentes que a 

                                                            
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Não podemos deixar de lembrar o ilustrativo episódio evocado por J. Jamin (1979 e 1983) da surpresa dos
nativos de uma ilha polinésia com a ereção involuntária do marinheiro que haviam despido à força – episódio
que tantas interpretações suscitaria sobre o estatuto da sexualidade "primitiva". Todo o contexto da
Expedição, promovida pelos Idéologues (no contexto dessa versão radical do empirismo chamada de
"sensualismo") é importante para o desentranhamento da "sensibilidade"; entre a inspiração culturalista do
Barão DeGérando e a fisicalista de Buffon.

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mantinham em relação integrada6. No primeiro e no segundo casos está em jogo a ruptura da 
qualidade físico‐moral da Grande Cadeia dos Seres (e seu coroamento pela providência divina), 
buscando‐se estabelecer a determinação dos fenômenos (diferença das espécies e diferença dos 
gêneros) pelas suas características físicas imanentes – e, dentre elas, prioritariamente a sua 
estrutura reprodutiva 7. No caso de Sade e da fisiocracia, a ruptura atinge a qualidade físico‐moral 
da condição humana, seja pela ênfase nas condições "naturais" da reprodução coletiva (e seu 
propiciamento político), seja pela ênfase na condição hedonista, "não‐reprodutiva" (antes mesmo 
destrutiva), do desejo (e sua revolucionária apologia): "Français, encore un effort...!" (Sade, 
1995)8.  

  Ao longo do Século XIX assiste‐se, em uma primeira vertente de nossa temática, ao 
desenvolvimento linear da pesquisa biológica, incluindo‐se aí a fisiologia da reprodução em todos 
os níveis naturais. Ela faz parte da linhagem mais imediata dos saberes biomédicos 
contemporâneos – e de seu intrínseco reducionismo fisicalista. Em outra, concomitante, pode‐se 
constatar a progressiva retomada da diferença, a partir sobretudo da teoria da degeneração 9, em 
que avulta a tematização da condição normal da sexualidade e suas vicissitudes. Em seu enfoque 
também basicamente fisicalista, avulta a preeminência da categoria "instinto sexual", construída 
para expressar em princípio a condição "natural" (no limite, "animal") dos fenômenos da 
reprodução e da sexualidade. O conceito de "perversão" veio expressar ao fim do período a 
preocupação com as chamadas "anomalias" desse "instinto sexual" ou "genésico". A literatura 
celebra a monumental e influente Psychopathia Sexualis de Von Krafft‐Ebing [1ª edição em 1888] 
como o acme de tal produção (cf. Loyola, 1999: 11, p. e.; Duarte, 1989a). Pode‐se considerar como 
uma terceira vertente dos processos oitocentistas a que conduziu a psicologia para uma 

                                                            
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Heilborn & Sorj chamam de "sexualidade autonomizada" ao resultado desse processo (1999: 219). A
categoria "autonomia" nessa locução é expressiva do fundamento liberalizante do "desentranhamento".
Mesmo nos casos mais abstratos, sempre pulsa a idéia de se assistir à libertação de um ente que se mantinha
encarcerado na totalidade anterior: a sexualidade em relação à moralidade; o orgasmo em relação ao conjunto
dos prazeres eróticos; a homosexualidade em relação ao erotismo difuso entre iguais etc... Uma outra fórmula,
mais metodológica, de se referir ao desentranhamento é a de "descontextualização", como, por exemplo, em
Singly, 1995: 162.
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Chamo de "físico-moral" a todo sistema de representações sobre a pessoa que não pressuponha uma lógica
exclusiva do corpo, da fisicalidade, tal como a que suporta a ideologia da Biomedicina ocidental (cf. Duarte,
1986).
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Sade manteve uma verdadeira cruzada pessoal a favor do desentranhamento da sexualidade em relação à
moralidade (o pudor), na apologia de categorias tais como a libertinagem, a luxúria, a depravação, o gozo. O
argumento da "natureza" era aí crucial, como no seguinte trecho da Philosophie du Boudoir: "Détaillons
maintenant et commençons par analyser la pudeur, ce mouvement pusillanime, contradictoire aux affections
impures. S´il était dans les intentions de la nature que l´homme fût pudique, assurément elle ne l´aurait pas
fait naître nu..." (Sade, 1995: 40)
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O processo de constituição de novas teorias diferencialistas contra o pano de fundo do ideal igualitário da
ideologia individualista foi muito complexo e amplo, afetando sobretudo as questões da raça, do gênero e da
doença ao longo do século XIX. O ponto crucial dessa diferença restaurada é o seu argumento "científico" e
localizado, por oposição ao estatuto "cosmológico" da diferença hierárquica. Ver, sobre esse ponto,
sobretudo, Laqueur, 1987; Costa, 1992; Carrara, 1996; Russo, 1997; Duarte, 2001, e Rohden, 2001.

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psicofísica e lhe atribuiu a condução de pesquisas sobre as reações dos sistemas sensoriais – aí 
incluída a "excitação sexual".  

  Também ao longo dessas três vias é possível acompanhar o desentranhamento de uma 
"sexualidade" das propriedades corporais mais abrangentes associadas à "reprodução" (ver a 
noção de "aparelho reprodutor", fundamental para a afirmação da diferença sexual) e à 
"sensibilidade". Aqui porém, diferentemente do corpus anterior, o processo ideológico conduz a 
uma progressiva e imprevista reaproximação do "moral". Tanto o "instinto" quanto a "excitação" 
são dificilmente contidos dentro dos limites de uma estrita fisicalidade. A própria definição das 
categorias pressupõe dimensões morais, valorativas, das práticas sexuais. Sucessivas cruzadas 
contra o onanismo, a prostituição, a pornografia, a promiscuidade proletária ou o relaxamento 
moral das elites nutriram‐se de racionalizações eruditas baseadas em fragmentos mais ou menos 
conseqüentes dos saberes biomédicos e psiquiátricos – no horizonte geral da degeneração e sua 
coorte de fantasmas (atavismos, taras, perigos da miscigenação racial etc.) (cf. Foucault, 1975 e 
1977; Donzelot, 1980).  

  A própria doutrina das igrejas cristãs estabelecidas adaptou‐se estrategicamente a esse 
horizonte imanentista, fisicalista e determinista. Boa parte da intensa pastoral das famílias (e da 
moralidade) no âmbito da Igreja Católica passou a se nutrir desses saberes "científicos"; em 
curiosa aliança com doutrinas materialistas e reducionistas tanto à direita quanto à esquerda. O 
conceito de uma "natureza" dada, com implicações diretas sobre a vida humana, sob as espécies 
de um "direito natural" e de uma "natureza humana" sustenta esses desenvolvimentos 
doutrinários, tanto quanto todos os demais hegemônicos em nossa cultura nesse período.  

  É, finalmente, necessário evocar os desenvolvimentos extremamente influentes que a 
temática da sexualidade suscitou na arte em geral e, em particular, na literatura. O romantismo 
promoveu a emergência da concepção moderna de uma arte expressiva das forças interiores de 
sujeitos "criadores", individualizada na autoria e na recepção, e fortemente comprometida assim 
com a promoção das emoções privadas e com uma sensibilização generalizada do público. A 
temática do amor (dito justamente "romântico"), inicialmente concentrada nas convenções 
relativas à troca pública dos afetos e à adesão interior, volta‐se ao longo do século XIX para a 
apresentação explícita da sexualidade (sobretudo através dos amores ilícitos e – no limite – 
"antinaturais"). O essencial da passagem a um suposto "realismo" na literatura ocidental 
oitocentista consiste na maior explicitude das condições de exercício do desejo sexual, em 
oposição ou nas margens das convenções oficiais da família. Em muitos casos, os 
desenvolvimentos se nutriram das fórmulas disponíveis nos saberes médicos e psicológicos – e 
não apenas no âmbito explícito do chamado "naturalismo". Esse processo de transformação 
temática – que encontrou seu apogeu na literatura da primeira metade do século XX – só não 
avançou indefinidamente porque a evolução das características formais, expressivas, da arte 
acabou por privilegiar a maneira, o estilo, em detrimento de qualquer conteúdo descritivo. Foi 

  6
porém repassado, em suas qualidades mais substantivas, mais ou menos linearmente, para o 
cinema e a televisão ocidentais, onde ainda viceja plenamente até hoje10.  

3. A ciência romântica e a sexualidade: 

  Se o florescimento da sexualidade no contexto da ficção literária pode ser considerado 
como um aspecto da "pesquisa" sobre a sensibilidade e a interioridade decorrente do fisicalismo 
intrínseco ao universalismo moderno, ele dá testemunho – como mencionei – por outro lado, da 
deriva romântica.  

  Esclareci em outros textos a acepção com que trabalho de "romantismo" – termo mais 
que banalizado em nosso senso comum acadêmico (cf. Duarte, 1999a, 2004, 2006). Considero 
como tal todo movimento de rejeição, recusa, denúncia ou desafio ao universalismo / 
racionalismo / fisicalismo essencial ao exercício cognitivo da ideologia individualista desde o 
século XVIII. Um dos principais desses movimentos foi o da Naturphilosophie germânica do século 
XIX, cuja disposição reativa ao racionalismo não a impedia de considerar necessário o avanço do 
conhecimento científico. Aspirava, isto sim, a produzir uma ciência alternativa, comprometida com 
a totalidade, o fluxo, a subjetividade e a sensibilidade – tal como propôs tipicamente Goethe ao 
escrever contra Newton sua Farbenlehre. A preocupação com as mediações subjetivas do 
conhecimento fez justamente com que fossem aí particularmente desenvolvidas a fisiologia e 
diversas psicologias, dispostas a esclarecer os processos da sensibilidade (entre os sentidos e os 
sentimentos). Das Afinidades Eletivas, entendidas por Goethe como uma verdadeira pesquisa 
sobre a dinâmica da vida interior, à psicologia de W. Wundt ou à psicanálise de S. Freud distende‐
se um século de intensa especulação sobre o que G. Simmel chamou tão oportunamente de 
"individualismo qualitativo". Entendia como tal uma versão paradoxal do individualismo original, 
político ou sócio‐político (que ele chamava de "quantitativo"), comprometido com a vida íntima 
dos sujeitos, com a amplitude de seus horizontes interiores (para usar da expressão tão típica de 
N. Elias, epígono desse movimento). O cidadão moderno não era apenas livre e igual no plano 
público: devia ser também autônomo, intenso e criativo em sua condição íntima, em suas 
disposições vitais. O modelo da Bildung romântica, processo ideal de autoformação dos sujeitos, 
previa uma considerável disposição de auto‐exame e autocrítica, essencial para o florescimento da 
arte expressiva, da literatura confessional, da introspecção psicológica e da modelização da 
dinâmica psíquica. Esse processo de objetivação da "vida subjetiva" assumiu sempre – como é 
notório – a forma de uma oposição ao fisicalismo, denunciado pelos ideólogos românticos como 
um materialismo desvitalizante. Oposição metódica ao fisicalismo como fim certamente , mas 
sistemática passagem pela fisicalidade com vistas à recuperação do Geist (o valioso "espírito").  

                                                            
10
Uma das manifestações mais radicais do desentranhamento é o surgimento da produção intensiva e
industrial de uma pornografia altamente especializada (com veículos próprios e públicos de divulgação), de
cuja diferença em relação à ars erotica de outras culturas muito se poderia discutir.

  7
  É nesse contexto que se pode compreender a presença da sexualidade como temática 
"científica" nos saberes eruditos ao final do século XIX. Afinal, as manifestações da vontade 
(voluntas / voluptas), do desejo (libido) e do amor – contínuas preocupações da pesquisa 
romântica – eram inextricáveis do que se estava vindo a chamar de "sexualidade". Seu 
entendimento como uma pulsão interior (Trieb) essencial à compreensão do engajamento 
subjetivo atravessava radicalmente a tensão entre o físico e o moral, de um modo que fica 
modelarmente expresso na sempre citada Psychopathia Sexualis, de Krafft‐Ebing. Como 
demonstrei em outro trabalho (Duarte, 1989a), a tensão entre o fisicalismo fundamental do 
pensamento médico‐psiquiátrico de que o autor era um porta‐voz eminente e o horizonte de 
valoração da vida espiritual ou moral em que se banhava a alta cultura fin‐de‐siècle (inspirada 
diretamente pelo romantismo) impõe enorme complexidade e dinamismo ao modelo proposto de 
uma vita sexualis 11. A teoria das perversões, ali desenvolvida, impunha uma atenção tipicamente 
degeneracionista às condições físicas da reprodução e descendência, mas – ao mesmo tempo – 
atribuía um estatuto ambiguamente superior a determinadas experiências, como as da chamada 
"sexualidade antipática" (o que se viria a chamar de "homossexualidade"), considerada mais 
"moral" ou "psicológica" do que o fetichismo ou o bestialismo, por exemplo (cf. Duarte, 1988:24). 
Essa representação da sexualidade pode ser considerada uma variação do tema do Homo duplex: 
o ser humano carrega, entre outros, um "instinto primário" da sexualidade que o aproxima dos 
animais mas que pode, ao mesmo tempo, suscitar nele um processo de "sublimação" (entre o 
sentido da Aufhebung hegeliana e o da Sublimierung freudiana) espiritualizante. Esse processo 
está associado ao suposto avanço dos controles coletivos, "morais", da civilização sobre a 
"natureza" – distanciando os europeus oitocentistas tanto dos animais, quanto das crianças ou dos 
"povos primitivos". Ao mesmo tempo, porém – como a outra face da moeda – teme‐se os "males 
da civilização", os sintomas de uma sensibilidade excessivamente excitada pela vida moderna, 
urbana, artificial12.  

  Essa complexa interação entre disposição científica e avaliação moral nutriu‐se, no nível 
mais abstrato, de uma transfusão mais ou menos contínua de empirismo no corpo teórico do 
romantismo (veja‐se a influência de Stuart‐Mill sobre Nietzsche, e. g.), resultando em diversas 
fórmulas epistemológicas interessantes – entre as quais certamente avulta a oposição entre as 
"ciências da natureza" (Naturwissenschaften) e as "ciências morais" (Geisteswissenschaften), 
consolidada e legada por Dilthey às então incipientes justificações da existência de "ciências 
                                                            
11
"Se é verdade, por um lado, que as questões morais devem ser consideradas, na lógica do modelo, como
"funcionais" ou "epifenomenais" em relação à determinação física, há também, por outro lado, efeitos de
retorno do nível moral sobre o nível físico, desde que – supostamente – essas "funções" não estejam
totalmente toldadas ou subvertidas pela gravidade do estado de degeneração" (Duarte, 1988: 16).
12
O tema que chamei de "males da civilização" (Duarte, 1986) é muito precoce em relação à emergência da
própria civilização. Já no século XVIII elevavam-se críticas sobre o excesso de estímulos à sensibilidade,
presentes na vida de corte e na vida urbana, loci por excelência da civilização. Ao final do século XIX, o tema
deixa de ser cultivado apenas pelos pregadores, reformadores sociais e romancistas, para merecer as primeiras
análises sistemáticas (em Simmel, 1973, a propósito do tipo blasé, e em Freud, 1977, a propósito das "doenças
nervosas modernas"). Sua relação com a sexualidade foi particularmente sublinhada no contexto do
degeneracionismo: "A tensão exagerada do sistema nervoso estimula a sensualidade, leva a excessos tanto o
indivíduo quanto as massas e solapa as próprias fundações da sociedade, e a moralidade e pureza da vida
familiar" (Krafft-Ebing, 1965: 7, apud Duarte, 1988: 21)

  8
humanas" ou "sociais". Com isso, consolidavam‐se as perspectivas "positivistas" de estanquização 
das diferentes ciências, impondo novos rumos aos desenvolvimentos relativos ao estatuto da 
sexualidade. O principal, a marcar fundamente o século XX, foi o da oposição entre os saberes 
"psicológicos" e os saberes "sociais" – particularmente pertinente para a história em questão.  

  Antes, porém, de passarmos a esse ponto, convém lembrar que as pesadas conotações 
morais do tema da sexualidade impunham certamente um grande constrangimento à pesquisa e à 
reflexão pública e sistemática. O temor da censura policial explícita era apenas a parte mais visível 
de uma generalizada disposição cultural em manter privada, velada, imprecisa, a consciência de 
fenômenos a que todos concordavam – no entanto – em atribuir as mais graves qualidades e 
desafios. O aspecto mais superficial – e, no entanto, tão revelador – é o da curiosa injunção de um 
saber que ainda tinha que se expressar em latim no final do século XIX, pelo menos um século 
depois da transição da escrita erudita para as línguas modernas. A Psychopathia Sexualis já 
representava uma considerável liberação em relação a essa injunção, mas é significativo o fato do 
título ter portado a forma latina, assim como uma série de locuções genéricas e descritivas (de vita 
sexualis a coitus inter homines)13. A Introdução de Malinowski a seu The Sexual Life of Savages, em 
1929, ainda ostenta vários parágrafos explicativos da possibilidade e da conveniência de publicar 
um texto tratando de tais assuntos (e com título tão explícito), que eram para os nativos, como ele 
considera importante dizer afinal, "a thing serious and even sacred" (Malinowski, 1929: xxiii‐xxiv). 
Isso demonstra o quanto as diversas características da vida humana representadas pela nova 
categoria da "sexualidade", desentranhada ao nível erudito, ainda se mantinham entranhadas na 
dimensão englobante de uma "moralidade".  

  Certamente não é exagerado sublinhar a importância do surgimento da obra de Freud 
para – por assim dizer – acelerar esse processo de desentranhamento e torná‐lo uma explícita e 
desafiadora questão pública. A emergência da temática da sexualidade nas ciências sociais, por 
exemplo, é certamente devida ao impacto da obra de Freud e ao papel que esse instituto aí 
desempenha. A difusão e recepção da psicanálise estiveram – como é notório – fortemente 
condicionadas pelas reações ao peso da sexualidade na sua construção. As acusações e 
desqualificações de um saber "pansexualista" atravessaram o mundo e pesaram fortemente nos 
caminhos de sua institucionalização original (cf. Russo, 1998 e 2000).  

  Não cabe aqui rever a complexa forma pela qual a sexualidade se apresenta na construção 
da psicanálise. Alguns traços principais nos permitirão compreender como esse saber se apropria 
da tradição erudita precedente (e do espírito do tempo) e a recompõe para o nosso consumo 
futuro. É, nesse sentido, importante lembrar o quanto se pode reconhecer em Freud uma 
                                                            
13
A língua alemã, diferentemente das linguas latinas, enfrentou com particular nitidez, no final do século
XIX, o processo de desentranhamento semântico acarretado pelo desentranhamento conceitual da
sexualidade. A antiga categoria Geschlecht – que englobava as conotações de espécie, gênero (gramatical),
sexo, raça, família, geração, estirpe e genealogia – cedeu lugar a novos termos derivados do latim sexus, como
já se vê nitidamente em Freud (cf. Duarte, 1989a ). Marcuse nos dá um outro exemplo da maior lentidão ou
resistência da língua alemã a expressar o desentranhamento nessa área: a palavra Sinnlichkeit continuaria até
hoje abrangendo as acepções de "sensorialidade" e de "sensibilidade" autonomizadas nas linguas cisrenanas
(cf. Marcuse, 1968: 163).

  9
combinação complexa entre o universalismo (e o fisicalismo intrínseco a um neurologista de 
formação) e o romantismo, com implicações imediatas para a nossa questão (cf. Loureiro, 2002).  

  O primeiro ponto é o do desentranhamento. Freud hesita no estatuto atribuível à 
sexualidade, como é notório, ao longo de sua obra, mas não parece se desprender em nenhum 
momento da representação coetânea da existência de um ente separado do tecido espesso da 
vida humana. A definição de uma etiologia "sexual" das doenças nervosas, a ancoragem da 
dinâmica psíquica nas vicissitudes relacionais de uma pulsão "sexual" (tardiamente associada a um 
"princípio do prazer"), ou qualquer outra propriedade dessa crucial dimensão do humano 
pressupõem a possibilidade de percebê‐la isolada, desentranhada – pelo menos como ente de 
razão. Encontra‐se, nesse sentido, em continuidade com o movimento de seu tempo. Também dá 
continuidade à representação do enorme potencial estruturante desse fenômeno, de sua 
crucialidade. Como Krafft‐Ebing, considera‐o presente tanto na raiz do melhor quanto na do pior 
desempenho subjetivo. Concede todo um novo estatuto à idéia romântica da sublimação, no 
quadro de uma psicodinâmica sistemática.  

  Há um ponto em que se afasta, porém, radicalmente do horizonte contemporâneo – e que 
fará a fortuna crítica de sua proposta: a sexualidade é desnaturalizada, concebida como uma força 
psíquica sui generis, inassimilável à representação biomédica, fisicalista, dos "instintos" e 
"funções" orgânicas 14. Trata‐se de questão polêmica, em que a dimensão romântica do 
pensamento de Freud se expressa diretamente, com as inevitáveis dificuldades de leitura e 
assimilação pela ciência hegemônica. As vicissitudes da tradução da categoria Trieb para as línguas 
cisrenanas testemunham exemplarmente dessa tensão.  

  Para além das propriedades analíticas precisas da categoria da sexualidade na teoria 
freudiana, deve‐se atentar para o modo como a difusão generalizada e paulatina da literatura 
psicanalítica pôde servir a um processo cultural mais geral. O primeiro efeito foi certamente, mais 
uma vez, de confirmar a tendência ao desentranhamento, à nomeação do fenômeno como ente 
específico (mesmo que com fronteiras imprecisas). Mas também serviu para confirmar as suas 
conotações de crucialidade no horizonte do humano (tanto no sentido positivo quanto no 
negativo), contribuindo para a ênfase na interioridade (a psicologização em geral pode ser vista 
como um acirramento da interiorização moderna) e na ética hedonista moderna. Mesmo que as 
linhas principais da psicanálise não a vejam como um processo de apologia ou facultação linear do 
prazer, não podemos nos esquecer de variações aproximáveis desse sentido, como na obra de W. 
Reich, de renovada influência ao longo do século (cf. Béjin, 1985).  

  A primeira manifestação sistemática do tema da sexualidade no âmbito da etnologia se dá 
na obra de B. Malinowski15. Conhece‐se hoje bastante bem a complexidade da carreira desse 
pioneiro da antropologia moderna e o peso, dentro dela, da tradição romântica em geral e da 
                                                            
14
A sexualidade seria cosa mentale, na paráfrase à notória expressão de Leonardo Da Vinci (la pittura è cosa
mentale).
15
Não se tratava porém da primeira manifestação de uma influência da psicanálise nos saberes etnológicos,
como esclareci em Duarte, 1989b. O estatuto do sonho e o do trauma tinham anteriormente inspirado Rivers e
Seligman.

  10
leitura de Freud, em particular (cf. Stocking, 1986; Strenski, 1982, e. g.). Essa percepção foi 
longamente empanada pela maior explicitude das influências empiristas em seu pensamento, 
tendo contribuído certamente para essa reavaliação contemporânea a publicação póstuma de seu 
fascinante caderno de campo16 (cf. Malinowski, 1967).  

  Mesmo uma análise superficial do livro de 1929 é bastante reveladora. O autor declara na 
Introdução que "to the average normal person, in whatever type of society we find him, attraction 
by the other sex and the passionate and sentimental episodes which follow are the most 
significant events in his existence, those most deeply associated with his intimate happiness and 
with the zest and meaning of life." (Malinowski, 1929: 1 – meu itálico). Independentemente da 
eventual justeza etnográfica de tal afirmação, chama desde logo a atenção a ênfase nas dimensões 
que antes mencionei: a crucialidade, a interioridade e o prazer.  

  A estrutura do livro revela a complexa relação entre o desentranhamento implicado em 
escrever um livro sobre a "vida sexual" e o entranhamento etnograficamente percebido e descrito. 
Afinal, os primeiros capítulos são dedicados sucessivamente ao que se chama hoje de "relações de 
gênero" ("relação entre os sexos", no original; incluindo as informações básicas sobre o "sistema 
de parentesco"), ao casamento (inclusive suas preliminares) e à reprodução. Só então surge o 
contraponto da "licence", da "vida erótica", culminando em informações sobre "morals and 
manners" e num curioso capítulo final sobre um "mito de incesto". Uma análise mais acurada dos 
desenvolvimentos internos poderia ser reveladora da solução encontrada por Malinowski para o 
desafio que considero mais típico da presença da sexualidade nas ciências sociais: a tensão entre 
entranhamento e desentranhamento 17.  

  A estrutura de Sexo e Repressão tem ainda mais nítida essa tensão entre entranhamento 
prático e desentranhamento conceitual: sob um título tão explícito apresentam‐se, sobretudo, 
uma minuciosa demonstração do caráter matrilinear do sistema de parentesco e uma longa 
discussão com a psicanálise a propósito da necessidade de contextualizar (reconhecer o 
entranhamento, nos meus termos) o proposto "complexo de Édipo" universal. O único ponto em 
que se manifesta um efetivo desentranhamento etnográfico é no tocante à sexualidade infantil, 
pela primeira vez tratada na etnologia.  

  A leitura do Diário, por sua vez, revela o quanto as qualidades cosmológicas da 
sexualidade moderna (crucialidade / interioridade / prazer) constituíam uma dimensão 
estruturante do "zest and meaning of life" pessoal de Malinowski e o quanto estiveram presentes 
na intensa experiência da pesquisa de campo. Retenho apenas aqui a referência significativa à sua 
percepção de um "undercurrent of desire" (Malinowski, 1985: 102) perpassando sob toda a vida 

                                                            
16
Havelock Ellis se refere, em seu prefácio a The Sexual Life of Savages, a "the fertilizing value of Freud´s
ideas" no pensamento de Malinowski (apud Malinowski, 1983: xi)
17
Na verdade, sugeri em outra ocasião que esse dilema a respeito do estatuto da sexualidade apenas reitera a
aporia estruturante do pensamento antropológico, facilmente exemplificável pela histórica polêmica entre
"formalismo" e "substantivismo" na antropologia econômica (cf. Duarte apud Heilborn, 1999: 62): até que
ponto os entes de razão característicos da cultura ocidental moderna – e que fundamentam nossa comparação
de corte universalista – podem ser aplicados à compreensão das demais culturas ?

  11
social convencional (inclusive a sua, pessoal). A típica tensão fin‐de‐siècle entre "instinto primário" 
e "força espiritual" ou "moral" parece ainda aqui se apresentar na base da experiência vital, 
inclusive sob a forma de uma crença na capacidade de ação propiciatória da segunda sobre o 
primeiro 18.  

  Malinowski não constituiu uma tradição com seus volumosos trabalhos relativos à 
sexualidade 19. O que se poderia considerar como a primeira "tradição" nesse sentido é a dos 
discípulos de F. Boas. Embora não me conste existirem desenvolvimentos específicos sobre esse 
tema na obra de Boas, pode‐se compreender que ele emerja no ambiente intelectual por ele 
propiciado nos EUA, por motivos semelhantes aos de Malinowski: a influência romântica 
estimulante da atenção à sensibilidade subjetiva, inclusive da sexualidade (e de suas implicações 
de crucialidade / interioridade / prazer).  

  A discípula a tratar mais explicitamente de sexualidade foi Margaret Mead. O título de sua 
obra mais conhecida (Sexo e Temperamento, publicada em 1935) é, no entanto, uma falsa pista. 
Na verdade, a autora trata aí fundamentalmente da construção diferencial dos  "gêneros" em 
relação com estilos de comportamento e atitudes psicológicas tipificadas. Muita informação sobre 
questões que podem ser consideradas relativas à sexualidade ocorre ao longo da obra, mas com 
um estatuto subordinado (cf. Mead, 1969). Foi em outras obras, relativas sobretudo à socialização 
nos papéis de "gênero" que a temática se apresentou de forma mais direta (cf. Mead, 1923; 
sobretudo). Pode‐se verificar como ainda aqui a tensão entre entranhamento e 
desentranhamento foi fundamental. O estatuto da sexualidade na etnografia meadiana se 
subordina ao trabalho mais estruturante e permanente de uma relativização dos papéis de gênero 
indissociável das lutas ideológicas pela igualdade no seio da sociedade norte‐americana.  

  A presença da sexualidade também se faz presente em muitas dimensões da obra de Ruth 
Benedict, ou do Naven, de Gregory Bateson (obra em que ecoa, a par de outras, a influência do 
culturalismo boasiano)20. Elas aparecem já, a esta altura, porém, como dimensões da vida nativa, 
indissociáveis da etnografia (com as implicações holistas do chamado "método monográfico"). O 
desentranhamento da sexualidade como categoria de pensamento aparece nesta seara, 
possivelmente pela primeira vez, subordinado ao princípio de uma espécie de "reentranhamento 
etnográfico", ou seja, da estratégia antropológica de buscar subverter as estanquizações 
classificatórias do pensamento ocidental através de uma apresentação supostamente "integral" 

                                                            
18
Ver, a esse respeito, a análise por A. Loyola da "plasticidade dos instintos" em Malinowski (Loyola, 1998:
21). É interessante aproximar deste ponto a análise sugestiva que faz Pulman da contradição entre a afirmação
retórica reiterada por Malinowski da existência de uma "liberdade sexual" entre os trobriandeses e sua
informação etnográfica recorrente de um intenso e constante condicionamento social das suas manifestações
(cf. Pulman, 2003).
19
No sentido, inclusive, de que o reconhecimento da importância estratégica que tem a obra de Malinowski
para a tradição antropológica – tal como tende a ser vista hoje – não costuma envolver as duas obras relativas
à sexualidade.
20
Ele publicou um artigo mais explícito sobre sexualidade (Sex and Culture) em 1947, citado na minuciosa
revisão da literatura antropológica sobre o assunto feita por Vance (1995).

  12
das outras culturas (em eco às ênfases românticas na totalidade e na subjetividade)21. As 
informações sobre questões de sexualidade passam assim a permear os textos etnológicos nas 
clássicas rubricas da cosmologia, do parentesco, da reprodução, da construção do corpo, da 
diferença de gênero ou do ritual22. Sublinhe‐se, porém, que a disposição de reentranhamento não 
pode corresponder a um efetivo entranhamento (no nível da etnografia): o observador dispõe de 
uma grade classificatória em que a categoria sexualidade está presente (e é valorada de 
determinada maneira) e qualquer ato analítico seu pressupõe essa condição.  

  É necessário mencionar, ainda que brevemente, o estatuto das questões associadas à 
sexualidade na direta tradição da sociologia romântica alemã. Tanto em Simmel quanto em Elias 
podemos reconhecer a valoração da vida sexual como dimensão importante das forças subjetivas 
em jogo na dinâmica social. Em Simmel a temática é quase onipresente sob a fenomenologia das 
formas da sociabilidade urbana moderna (eros, amor, díade, sedução, prostituição, coquetismo, 
etc.). Ela se apresenta sempre, porém, fortemente entranhada nos processos sociais abrangentes 
em exame. Embora se possa reconhecer uma crescente explicitude sobre a dimensão 
propriamente sexual do vínculo social amoroso entre o artigo de 1892 sobre a prostituição 
feminina e os fragmentos de 1921‐22 (publicados postumamente) sobre a "natureza erótica" 
(Simmel, 1993: 175 e seg.), prevalece a impressão de entranhamento – pelo menos na 
comparação com os desenvolvimentos posteriores.   

  No segundo autor (uma boa geração mais moço que Simmel), a influência direta de Freud 
já suscita uma apresentação bem mais desentranhada dessas questões, na construção mesma de 
sua teoria do "processo civilisatório". Vemos aí – como no modelo fin‐de‐siècle típico – os 
controles sociais (e o autocontrole, progressivamente) contribuindo para a modulação das forças 
humanas primordiais em expressões sublimadas, destituídas do potencial agressivo ou destrutivo 
original (cf. Rohden, 2004).  

  O interesse de uma avaliação sistemática da questão na obra de Max Weber se acentua 
pela discrepância entre a brevidade de seus dois únicos textos explícitos sobre a sexualidade (cf. 
Weber, 1974 e 1978) e a extensão e profundidade da análise das demais éticas comportamentais 
em sua obra 23. Encontra‐se aí uma valoração trans‐histórica do "amor sexual" ("a maior força 
irracional da vida" ‐ Weber, 1974: 393), que se entranha nas formas primordiais da religião (as 
religiões ditas "orgiásticas") e se mantem numa permanente fonte de tensão com a racionalização 
geral do mundo social (e particularmente da racionalização religiosa). Muitos temas fundamentais 

                                                            
21
A formação boasiana de Gilberto Freyre certamente se encontra por trás da notável presença da questão da
sexualidade em suas pioneiras análises da cultura brasileira (Casa-Grande e Senzala é de 1933).
22
O texto clássico de Marcel Mauss sobre as "técnicas do corpo" (apresentado em 1934 e publicado em 1936;
Mauss, 1974), comumente considerado como um dos sinais precursores do interesse pela sexualidade na
antropologia, já que inclui um parágrafo sobre as "posições sexuais" no item sobre as "técnicas de
reprodução" (cf. Loyola, 1998: 26), deve ser, na verdade, incluído no programa dessa disposição integradora,
totalizante, para que Mauss, no plano teórico, tanto contribuiu ("l'homme total").
23
Sobre a relação entre essas características da sexualidade na obra de Weber e o predomínio da questão da
racionalidade, como expressão de questões de sua própria e conturbada vida pessoal, ver Mitzman, 1970 e
Schwentker, 1996.

  13
das éticas religiosas serão definidos assim, segundo ele, como barreiras à sexualidade, como nos 
casos óbvios da luta contra a prostituição e da defesa da castidade sacerdotal. A análise weberiana 
depende, nesse ponto, de uma interpretação da relação entre a sexualidade e a vida social 
fortemente baseada em uma teoria da sublimação (mais geral no pensamento de seu tempo e 
certamente paralela à versão de Freud, por cuja obra só se interessou muito tardiamente). O 
confronto entre as éticas do misticismo e do ascetismo (como tipos ideais) e a sexualidade 
pareceria decorrer assim de uma competição pelas forças íntimas dos sujeitos sociais. Um ponto 
bem rico de sua argumentação em relação à sexualidade é o de que essa força pode, por um lado, 
se opor à racionalização, mas pode também, por outro, se oferecer à racionalização. O resultado 
deste último processo seria o "erotismo", enquanto "esfera cultivada conscientemente e, 
portanto, não‐rotinizada" (Weber, 1974: 394), que caracterizaria os estágios superiores do "amor 
maduro do intelectualismo" (ibidem: 397). Um quadro de sugestiva ambigüidade, que ganharia 
muito em ser comparado com a proposta analítica de Foucault de distinção entre ars erotica e 
scientia sexualis.  

  É também muito ambíguo o estatuto da sexualidade no âmbito da Escola de Chicago e de 
seus principais desenvolvimentos posteriores. Embora uma obra pioneira como o The Taxi‐Dance 
Hall, de Paul Cressey (originalmente uma tese de mestrado na Universidade de Chicago), já tivesse 
tratado em 1932 da questão candente da prostituição numa perspectiva sociológica, os estudos 
dos problemas urbanos, dos "social problems" e do "comportamento desviante" – tão 
abrangentes em seu escopo – não envolveram pesquisa sistemática sobre sexualidade até os anos 
1970 24. Um caso excepcional a examinar é o de William Thomas, eminente membro da primeira 
geração da Escola, que publicou seis artigos sobre sexualidade no início de sua carreira, entre 1897 
e 1907 (ainda entre a Völkerpsychologie aprendida na Alemanha e a institucionalização da 
sociologia em Chicago), sem qualquer herança notável na área em exame.  

4. As ciências sociais e a sexualidade hoje 

  É tão marcante quanto a obra de Freud, para a tematização da sexualidade nas ciências 
sociais, a publicação do primeiro volume da História da Sexualidade de Michel Foucault em 1976 
("A Vontade de Saber")25. Isso significa reconhecer, nesse evento, em primeiro lugar, que a marca 
do pensamento romântico nessa obra, seja pela importância precedente da psicanálise (enquanto 
                                                            
24
A influente coletânea The Other Side, organizada por Howard Becker em 1964, contem dois artigos
relativos à homosexualidade, por exemplo (de John Kitsuse e de John Reiss Jr.), tratada porém como uma das
instâncias dos comportamentos desviantes em meio urbano. A Antropologia Urbana no Brasil, iniciada com o
programa sistemático de pesquisa de Gilberto Velho, também envolveu questões de sexualidade, que se
mantiveram englobadas pela temática mais ampla do desvio e do estigma (cf. Velho, 1974). Sob sua
orientação foram produzidas teses pioneiras nessa área, como, por exemplo, as de Guimarães (2007;
defendida em 1977) e de Gaspar (1985, defendida em 1984).
25
C. Vance recusa a atribuição de um caráter univocamente estratégico a Foucault nesse campo; evocando a
importância concomitante dos ativistas anglo-saxões (cf. Vance, 1995:12).

  14
teoria e enquanto visão de mundo), seja  pela influência estruturante do pensamento filosófico de 
Nietzsche, a votara a uma afinidade fundamental com a crise neo‐romântica dos anos 1960.  

  Entre os sinais dessa crise encontrava‐se uma valorização explícita da sexualidade nas suas 
citadas dimensões de crucialidade, interioridade e prazer26. A chamada "liberalização dos 
costumes" representava a transposição do seu desentranhamento para o plano do 
comportamento público, generalizado. Não cabe aqui desenvolver a análise desse "romantismo de 
massa", mas pode‐se certamente sublinhar a importância dos novos meios de comunicação, 
globalizados, e dos novos patamares do consumo de bens de satisfação sensorial (cf. Duarte, 
1999b). O processo do "consumismo moderno", tão finamente analisado por C. Campbell (1995), 
atingia seu apogeu novecentista – e nele avultava com particular ênfase a questão de uma 
"satisfação sexual" separada das condições relacionais e morais de sua prática 27.  

  A proposta de Foucault não se resumia porém na repetição dos jargões românticos. Pelo 
contrário, ela demonstrava que – contrariamente ao senso‐comum – a sexualidade não era um 
valor universal, vítima, na cultura ocidental, de uma repressão obscurantista. Antes tratava‐se de 
um valor obsessivamente cultivado, na reverência àquilo que ele veio a chamar de "sexo‐rei". 
Obtinha‐se assim, pela primeira vez, uma análise histórico‐cultural precisa e abrangente do 
processo que venho chamando aqui de "desentranhamento". A "história" da sexualidade era 
assim a sua "genealogia" – a demonstração de sua "construção social".  

  Como bem demonstrou Foucault (1977), a construção moderna da Pessoa dependeu da 
emergência da “sexualidade” como nova instância de verdade do sujeito – nevrálgica e delicada. 
Sexo e poder não seriam antípodas e, ao contário do que propunha a hipótese repressiva,  as 
sociedades ocidentais modernas apenas superficialmente poderiam ser classificadas de anti‐
sexuais. Sob o moralismo burguês, a partir do século XIX, teria ocorrido de fato uma incitação 
generalizada a colocar o sexo em discurso, fazendo dele aquilo que, do interior do sujeito, tinha o 
poder de dizer a sua verdade e que – quando negligenciado – podia determinar a sua ruína e a 
ruína da família, da raça e da nação. Articulando o individual e o coletivo, o dispositivo da 
sexualidade corresponde a um processo de sexualização generalizada, que terá nas crianças um de 
seus principais focos e que  transformará a família em locus permanente de observação, reflexão e 
controle do comportamento sexual de seus membros. 

  Não apenas em função do forte estímulo reflexivo e historicizante da proposta de Foucault 
(mas com crescente referência a ela), inicia‐se nessa década de 1970 um processo de intensíssima 
produção intelectual sobre a sexualidade em seus mais diversos aspectos e dimensões. Dada a 
amplitude dessa bibliografia, privilegiarei aqui as referências à produção brasileira, até mesmo 
porque ecoa as grandes linhas internacionais do campo.  

                                                            
26
Não se pode deixar de lembrar a importância nesse contexto do filósofo H. Marcuse e seu Eros e
Civilização (uma discussão com Freud, fundamentalmente) – Marcuse, 1969 [1955].
27
Considera-se comumente como um fator relevante a supostamente definitiva superação do desafio das
doenças sexualmente transmissíveis pela invenção da penicilina, contemporânea da II Grande Guerra (cf.
Carrara, 1996)

  15
  Até os anos 1960, apenas dois autores tinham se dedicado mais explicita e 
sistematicamente no Brasil à análise sociológica da sexualidade: Gilberto Freyre (cf. Bocayuva, 
2001) e Roger Bastide28. Em ambos pulsava a disposição em tratar das dimensões "subjetivas" da 
vida social, por força de influências românticas nada habituais no campo intelectual brasileiro (cf. 
Duarte, 2005; para a demonstração deste ponto em R. Bastide). Ainda em ambos os casos, 
tratava‐se de reconhecer um ethos relacional próprio a certas manifestações culturais 
características do universo social brasileiro (a cultura patriarcal, para Freyre; a cultura 
afrobrasileira, para Bastide), como um contraponto discrepante da norma contemporânea oficial 
29
. Além do desentranhamento, reconhece‐se aí em ação o eixo crucialidade / interioridade / 
prazer, particularmente tingido pela conotação de transgressão ou oposição aos mores oficiais 
(como efeito da própria obra no campo, no caso de Freyre; como suposta e valorizada 
propriedade do objeto, no caso de Bastide).  

  As condições de emergência dessas obras são totalmente diferentes das que caracterizam 
a produção pós‐1960. Para além da já mencionada atmosfera neo‐romântica da Contra‐Cultura, 
percebe‐se na literatura crítica a ênfase na importância dos processos de dissociação crescente 
entre a sexualidade e a reprodução (sobretudo, inicialmente, os recursos de contracepção), de 
recrudescimento da luta pela aplicação do ideal individualista à condição feminina, de organização 
da luta pela possibilidade de usufruto de sexualidades não‐convencionais  e – finalmente, nos anos 
1980 –  do advento de uma nova, inesperada e assustadora epidemia ligada à sexualidade (cf. 
Heilborn, 1999: 7‐8). Esses fatores empíricos reforçariam de maneira radical a crucialidade 
tradicional do instituto, ensejando a emergência de um campo institucionalizado de reflexão 
sociológica sistemática sobre a sexualidade. Esse campo manteria, inclusive, uma relação – ainda 
que tensa – com os movimentos sociais proliferantes nessa área no mesmo período.  

  No Brasil particularmente, além desses condicionamentos mais gerais, o desafio da 
interpretação sociológica das marcantes diferenças culturais intranacionais teria reforçado o 
interesse no estudo da sexualidade, em função inclusive de suas implicações sobre processos 
sociais considerados como problemas nacionais abrangentes (saúde, natalidade, etc.) (cf. 
Heilborn, 1999: 42‐43). 

  Dessa abundante literatura brasileira pós‐1960, vou me referir a quatro casos que 
considero expressivos (ou sintomáticos) da forma como as grandes convenções antes 
especificadas repercutiram na produção nacional. Todos quatro pressupõem o 
"desentranhamento temático" (ou conceitual) – como não poderia deixar de ser – e interpelam 
assim diretamente questões ditas de "sexualidade". Eles tematizam ativamente, além disso, o 
desafio do "desentranhamento etnográfico", ao explorar diferentes dimensões da sexualidade nas 
                                                            
28
Margareth Rago lembra como pioneiros do que ela chama de "centralidade conferida à sexualidade no
discurso dos historiadores, voltados para a interpretação científica da realidade brasileira e para a definição da
identidade nacional..." o Retrato do Brasil, de Paulo Prado [1928], e o Macunaíma, de Mário de Andrade
[1928] (Rago, 1998: 178). Como se trata de interpretações isoladas, de caráter mais claramente ensaístico ou
literário, embora muito prestigiosas, prefiro me ater aos dois outros projetos intelectuais citados.
29
Apesar da grande distância histórica e epistemológica, creio que se possa considerar os textos de Roberto
Da Matta relativos à sexualidade no Brasil como aparentados a esta tradição (cf. DaMatta, 1983 e 1986).

  16
representações e práticas correntes no Brasil. Um deles é de autoria de um psicanalista, mas o seu 
tom é francamente sociológico, até mesmo pela fluência de seu autor em filosofia social. O 
primeiro é o do artigo de Peter Fry sobre a convivência entre dois modelos contrastantes de 
práticas sexuais entre homens no Brasil (cf. Fry, 1982 [1974]). O primeiro modelo seria o das 
relações entre homens "ativos" e "passivos" (bichas), em que apenas os segundos são 
considerados "homossexuais" e, assim, expostos ao desprezo, derrisão e eventual violência que 
acomete esse papel social. O segundo modelo é o das relações entre homens que se consideram 
como gays ("homossexuais"), mais por identificação "subjetiva" do que em função de quaisquer 
comportamentos efetivos. O primeiro modelo, considerado como mais tradicional (e, assim, mais 
presente nas classes populares, por exemplo), teria dado lugar progressivamente na modernidade 
ao segundo, associável ao horizonte das representações individualistas, com sua ênfase na 
igualdade e na interioridade (o título do artigo é bem claro: "da hierarquia à igualdade"). Eis um 
caso em que a diferença cultural intranacional se impõe como questão, em claro cruzamento com 
a questão do entranhamento. A proposta de Fry descreve um modelo hierárquico em que a 
(homo)sexualidade se encontra imersa, entranhada, no código mais amplo das relações entre os 
gêneros, não representando certamente a disposição interiorizante aqui sublinhada como um dos 
atributos da sexualidade moderna. Embora o prazer sensual esteja certamente comprometido na 
atualização deste modelo, deve‐se atentar para o seu englobamento pelo que se poderia chamar 
de "sentimento de dominação" (o prazer, tanto do ativo quanto do passivo, passa pela experiência 
da posição específica privilegiada). Também é notável que, ao preservar uma suposta disposição 
ambi‐sexual do agente ativo, mantem‐se a (homo)sexualidade englobada pela reprodução 
(implicada nas relações hierárquicas heterosexuais). No polo oposto, encontra‐se o modelo 
"igualitário", portador pleno do desentranhamento e das características da crucialidade 30/ 
interioridade / prazer. Veremos depois como esta oposição entre "comportamento" e 
"identidade" é um traço estruturante do campo contemporâneo dos debates sobre a 
sexualidade31.  

  O outro texto é o que eu próprio publiquei em 1987 sobre "sexo e moralidade nas classes 
trabalhadoras" (cf. Duarte, 1987). Meu interesse principal nesse trabalho era o de reforçar a 
proposta mais ampla por mim defendida de que as classes trabalhadoras (ou "populares") no 
Brasil não compartilhavam dos pressupostos individualistas da cultura oficial, letrada ou  
hegemônica, de que são portadoras em princípio as classes médias e as elites. Procurava, nesse 
artigo, demonstrar que a experiência do "sexo" ou da "sexualidade" nesse meio cultural não era 
dissociável de uma "moralidade". Com a demonstração do entranhamento fundamental em que 
se davam os valores e práticas que o pensamento moderno associa à sexualidade, buscava tornar 
mais claras as graves implicações que essa condição impunha à relação entre as disposições e 
agentes  modernizantes e os membros das classes populares (como fiz, em outros textos, a 
respeito dos processos de disponibilização dos recursos da  psicanálise e da cidadania para o 
                                                            
30
O autor discute explicitamente o que chamo de "crucialidade" do tema, evocando Freud: "as noções de
hierarquia e igualdade, quando expressas através da linguagem do sexo, calam mais fundo na consciência do
que através de quaisquer outras linguagens" (Fry, 1982: 112)
31
Na bibliografia de Fry consta o nome de J. Weeks (1977) cujo pioneirismo a respeito deste ponto é
sublinhado por C. Vance (Vance, 1995)

  17
"povo"). Como no texto de Fry, avultava aí o tema do desentranhamento, sob a forma da 
demonstração da presença legítima de seu negativo no interior da sociedade brasileira.  

  O terceiro trabalho é o de Jurandir Freire Costa sobre a inconveniência da reificação social 
da categoria "homossexualidade" (uma "identidade") e a defesa da categoria "homoerotismo" 
(um "comportamento") para designar a prática sexual entre membros do mesmo gênero. O 
trabalho, na verdade, consiste em dois livros (cf. Costa, 1992 e 1995) em que essa proposta é 
desenvolvida com argumentos históricos, culturais e clínicos. A demonstração da produção de um 
sofrimento psíquico acentuado pelas incongruências entre a condição vital abrangente dos 
sujeitos e a necessidade de se identificar como um "homossexual" (com todas as implicações 
privadas e públicas de tal ato) corresponde, no meu modelo, à defesa de um "reentranhamento" 
da (homo)sexualidade no tecido vital (psicológico) abrangente. Para J. F. Costa, embora a questão 
das fronteiras culturais intranacionais não se coloque, permanece a fronteira entre um modo 
tradicional e um modo moderno (desentranhado) de construção dos sujeitos. Seu interesse não é, 
assim, como o dos dois autores anteriores, o de falar em nome da legitimidade de um 
entranhamento presente (e socialmente próximo), mas o de defender um reentranhamento 
terapêutico (com argumentos que não deixam de passar pela evocação histórica do 
entranhamento passado ou pela notícia etnográfica de um entranhamento presente, distante e 
alternativo)32.  

  O quarto trabalho é a tese de Maria Luiza Heilborn (2004; defendida em 1992) sobre a 
conjugalidade diferencial entre casais heterosexuais, homosexuais masculinos e homosexuais 
femininos (no interior das classes médias urbanas). A autora demonstra que os casais 
homosexuais masculinos apresentam um padrão de comportamentos e expectativas relacionais 
simetricamente inverso ao dos casais homosexuais femininos (ficando os heterosexuais numa 
posição intermediária). O ponto mais interessante de sua análise é o de que os arranjos conjugais 
homosexuais, aparentemente situados numa posição alternativa, contraditória, ou mesmo 
antagônica às convenções hegemônicas atualizam de modo quase caricatural os modelos 
habitualmente associados aos ethos sexuais masculino e feminino: ênfase na individualidade dos 
parceiros e na dimensão "sensorial" da relação no caso dos homens; ênfase na relacionalidade dos 
parceiros e na dimensão "afetiva" da relação no caso das mulheres. Isso apontaria para um 
"desentranhamento" diferencial entre os dois gêneros, em nossa cultura, de cujo estatuto se 
interroga longamente a autora, baseada em diversas propostas sobre a condição simbólica 
estruturante dessa "diferença".  

  Os quatro textos apresentam interpretações de material etnográfico brasileiro em um 
período bastante crítico para a institucionalização da pesquisa sociológica sobre a sexualidade e 
põem em cena – a meu ver – diferentes facetas das convenções eruditas que estou buscando 
modelizar. Uso‐os como material de instigação para a análise mais tópica que em seguida se 
desenvolve.  
                                                            
32
Esta atitude programática constitui também uma das dimensões importantes dos dois volumes finais da
História da Sexualidade de Foucault. Ali, sob o pretexto da visitação ao modelo do "cuidado de si" da cultura
mediterrânea clássica, faz-se o processo crítico do desentranhamento implicado na scientia sexualis moderna.

  18
  A sexualidade nas ciências sociais aparece na literatura mais recente subordinada à 
polêmica do "construcionismo", ou "teoria da construção cultural" (como a chama C. Vance ‐ 
1995: 9). Trata‐se da disposição em considerar todos os fenômenos subsumidos nessa rubrica 
como culturalmente instituídos e não como fatos "naturais" modulados pela cultura. Esta última 
atitude é chamada por C. Vance de "modelo da influência cultural" (1995: 18‐21) e certamente 
considerada insuficiente ou  antiquada: "a sexualidade é vista como o material básico – uma 
espécie de massa de modelar – sobre o qual a cultura trabalha, uma categoria naturalizada que 
permanece fechada à investigação e à análise". De qualquer modo, este último modelo já teria 
sido uma resposta à permanente ameaça de interpretações "essencialistas" da sexualidade (os 
modelos fisicalistas deterministas) (1995: 21). C. Vance considera ainda necessário distinguir entre 
uma versão "radical" e outra "moderada" da teoria construtivista, ambas emergentes a partir dos 
anos 1970. A primeira consideraria culturalmente construídas todas as dimensões do fenômeno, 
inclusive as dimensões do "desejo", "impulso", "pulsão" ou "apetite sexual" (1995: 17). A segunda 
consideraria como construídas apenas as modalidades de exercício desse "desejo". A. Loyola 
comenta a respeito do "construcionismo" que, apesar de sua oportuna disposição 
desnaturalizante, ele "não elimina o problema dos invariantes da sexualidade", invocando F. 
Héritier na denúncia do solipsismo intrínseco ao culto à singularidade corrente no pensamento 
social contemporâneo (cf. Loyola, 1998: 31).  

  A forma como M. Heilborn & E. Brandão resenham a polêmica do "construcionismo" é 
particularmente interessante, pois o articula com o "desentranhamento". Quando as autoras 
dizem (explicando a posição do construtivismo) que "os significados sexuais e, sobretudo, a 
própria noção de experiência ou comportamento sexual não seriam passíveis de generalização, 
dado que estão ancorados em teias de significados articuladas a outras modalidades de 
classificação, como o sistema de parentesco e de gênero, as classificações etárias, a estrutura de 
privilégios sociais e de distribuição de riqueza etc.", elas estão na verdade descrevendo o citado 
entranhamento etnográfico (cf. Heilborn & Brandão, 1999: 9). Podemos compreender que o 
"construcionismo" seja assim propriamente o modo "desentranhado" de falar do 
"entranhamento". Ou seja, um modo de fazer estranhar a "naturalização" corrente em nossa 
cultura, pela culturalização das ocorrências comparadas.  

    A observação da polêmica do construcionismo no campo contemporâneo dos 
estudos sobre a sexualidade nos permite compreender assim, melhor, as condições 
contemporâneas do tema do entranhamento, que privilegiei neste trabalho. Com efeito o tema do 
construcionismo se desenvolve a partir de um certo patamar do processo de desentranhamento, 
como uma resposta radical à solução universalista, fisicalista, da redução à "natureza". Como 
dissera antes, a tradição dos estudos da sensibilidade se bifurca na via racionalista, fisicalista, 
biomédica, e na via romântica, simbolizante, psico‐sociológica. Esta última se estrutura 
inicialmente na forma do "modelo da influência cultural" (Vance lhe atribui a dominância no 
período que vai de 1920 a 1990; cf. Vance, 1995: 18). A essa altura porém as exigências políticas 
de afirmação da autonomia radical dos processos identitários em relação às supostas 
determinações naturais levam a uma reestruturação da argumentação erudita, bem expressa no 

  19
texto aqui muito citado de C. Vance. Ela é bem clara quanto à oportunidade e urgência dessa 
atitude mais afirmativa em relação ao essencialismo biomédico (24), sempre ameaçador de uma 
compreensão mais plural e acolhedora da diferença humana.  

  Um entre diversos pontos mais específicos das discussões sobre o caráter "construído" da 
sexualidade e das suas qualidades "universais" é o do estatuto da "diferença de gênero". Embora 
ele possa ser tratado como mais abrangente do que a sexualidade, é dela inextricável. Muitos dos 
argumentos envolvidos nessa questão remetem inclusive ao suposto estatuto "natural" de toda ou 
parte dessa diferença, repousando – nesse caso – sobretudo na condição "reprodutora" do corpo 
feminino. Trata‐se de uma das mais explícitas manifestações da dimensão igualitarista da ideologia 
individualista, em seu contínuo questionamento da diferença, como bem resenham Heilborn & 
Sorj (1999). Duas grandes tendências polares são expressivas da dinâmica da questão. A primeira 
lança mão da temática da "dominação", inicialmente construída em nossa cultura contra a 
"diferença de classe". Encontram‐se aí diversas variantes mais ou menos acadêmicas do 
feminismo, reverberando nas recentes propostas analíticas muito citadas de P. Bourdieu e M. 
Godelier (cf. Heilborn, 1999; Loyola, 1998). A outra tendência caminha no sentido de um 
entendimento simbólico da diferença. M. Heilborn desenvolveu essa questão com grande clareza 
em sua citada tese de doutorado, evocando as inspirações pioneiras de F. Héritier e de M. 
Moisseeff e desenvolvendo o tema à luz da teoria da "hierarquia" de L. Dumont e da 
"preeminência" de R. Hertz (Heilborn, 2004). A proposta de F. Héritier da "valência diferencial dos 
sexos" também é evocada na revisão temática de A. Loyola (cf. Loyola, 1999: 35).  

  Uma outra "forma fenomenal" da problemática do desentranhamento, recorrente  no 
campo, é a da oposição entre "comportamento" e "identidade" sexuais. Ela estava presente em 
estado bruto nos textos brasileiros que revi há pouco, mas tem retornado mais explicitamente (e 
com essa nomenclatura) na literatura recente (cf. Vance, 1995: 13; Heilborn, 1999: 40‐41). Os 
trabalhos de J. F. Costa se centram exatamente nesse ponto, denunciando a transformação de 
"comportamentos" em "identidades" operada pelos pressupostos de "crucialidade" e 
"interioridade" (nos meus termos) ativos em nossa cultura hegemônica. Embora o tema hoje se 
desenvolva sobretudo em relação à homossexualidade e à questão do coming‐out, ele já estava 
presente, por exemplo,  na disposição programática de M. Mead de desnaturalizar a associação 
entre identidade de gênero e determinados padrões de atitudes e comportamento.  A categoria 
identidade pode aparecer nesse sentido pesado, substantivado, de "identidade pessoal", mas 
pode também inspirar, no formato mais leve das "identidades sociais", uma série de instrumentos 
analíticos para o trabalho etnográfico ou sociológico. Penso particularmente nas metáforas 
teatrais relativas aos processos de manifestação social da sexualidade na vida dos "atores": 
cenários sexuais, carreiras sexuais, roteiros sexuais, etc. M. Heilborn lembra a importância 
pioneira nesse sentido do trabalho de Simon & Gagnon (1973).  

  As dimensões de "interioridade" e "prazer" da configuração da sexualidade moderna 
implicam em algumas convenções específicas. A primeira e mais importante é a da correlação 
entre sexualidade e "intimidade" ou "privacidade" (cf. Heilborn & Brandão, 1999: 8; Pierret, 1998: 

  20
66; Loyola, 1999: 35)33 . Ainda aqui o estatuto último dessa correlação é controvertido. O que 
importa é que ela instrui diversas propriedades do modo como a categoria se atualiza. A mais 
imediatamente relevante é a dos condicionamentos à objetivação sociológica de tópicos de 
sexualidade, mormente nas pesquisas conduzidas nas sociedades ocidentais modernas, tanto do 
ponto de vista dos valores dos pesquisadores quanto dos "nativos" 34 (cf. Bozon, 1995). Percebe‐se 
aí uma aparente contradição entre um nível de nossas manifestações culturais que levou Foucault 
a mencionar uma "incitação a falar sobre o sexo" e um outro que induz uma retração da fala ou 
mesmo da reflexão sobre o tema. A pesquisa sociológica e antropológica envolvendo a 
sexualidade tende assim a ser hiper‐reflexiva no tocante a sua metodologia, uma vez que a 
qualidade dos materiais é severamente constrangida pela legitimidade do seu fluxo público em 
condições específicas (interação intercultural, intergêneros, interclasses, inter‐etária, etc.)35. A 
dimensão da interioridade envolve ainda uma outra área de significados e negociações muito 
intensas: a da tensão entre o "sensual" e o "sentimental". Já a mencionamos nos nossos quatro 
exemplos expressivos. Aí se articulam muito intensamente desentranhamento, interioridade e 
prazer. Com efeito, trata‐se de tematizar, em primeiro lugar,  a separação ou autonomização de 
dois níveis da experiência supostamente integrados na origem: um prazer sensorial do sexo (dito 
sensual) e um prazer afetivo ou sentimental (correspondente em nossa cultura à ideologia do 
amor) (cf. Singly, 1995). O desentranhamento é aí mais do que nunca uma construção cultural – e 
toda a análise em torno das ocorrências dessa dissociação em nossa cultura se tingem desse 
etnocentrismo. A questão é porém mais grave, já que afeta a representação mais profunda de 
uma correlação entre o "sensual" e o "masculino" e entre o "afetivo" e o "feminino" (cf. Heilborn, 
2004). Expressa‐se ainda numa figura muito recorrente da ideologia do amor em nossa cultura: a 
da contradição entre o sentimento e o dinheiro. O trabalho analítico de Simmel foi pioneiro nessa 
área, dedicando‐se inclusive à "prostituição", um fenômeno intensamente discutido em toda a 
história de nossa cultura, por colocar justamente em cena o desafio da boa correlação entre 
"sexualidade", "interioridade" e "prazer". O tema da boa prostituta / prostituta má, capaz de   
arruinar a adequada construção social dos sujeitos sociais, tendeu a converter‐se, ao longo do 
século XIX, por força do imaginário da transgressão romântica, na versão oposta da prostituta boa, 
entranhada, capaz do sacrifício às exigências da moral coletiva (veja‐se a Dama das Camélias, de 
Alexandre Dumas, retomada em La Traviata de Verdi; e a Boule de Suif, de Guy de Maupassant, 
retomada na Geni, de Chico Buarque). É expressiva a dedicação das ciências sociais a esse tema 

                                                            
33
M. Bozon lembra com propriedade a clareza da demonstração por N. Elias do processo de privatização da
sexualidade na cultura européia dentro do "processo civilizatório" abrangente (Bozon, 1995: 40).
34
Para alguns pesquisadores, a experiência etnográfica parece indicar que, nas sociedades ocidentais (ou pelo
menos nas metropolitanas, dentre elas) o entranhamento da vivência das "práticas sexuais" continue sendo a
regra, apesar da colocação do sexo em discurso e da "revolução sexual": "la majorité des individus trouvent
insupportable l´idée d´autonomiser les pratiques qui ont lieu pendant un rapport sexuel, de les séparer de leurs
significations affectives. Cela entraîne un refus d´en parler précisément, qui est une indication précise sur la
manière dont l´activité sexuelle est vécue et 'prise' dans les relations" (Bozon, 1995: 42 – meu itálico).
35
Ocorre mesmo uma rejeição tópica da associação entre sexualidade e intimidade, no contexto da
consideração de um fenômeno público como a prostituição (considerada como um "trabalho sexual") – cf. a
idéia de "sexual but not intimate" em Miller, 2000:97).

  21
obligé, desde os clássicos de G. Simmel, W. Thomas e P. Cressey até os abundantes estudos sobre 
o "comércio do sexo" nos nossos dias (cf. Bozon, 1995: 46).  

  Em um outro nível de relevância, desenham‐se as implicações epistemológicas mais 
abstratas da correlação entre sexualidade e prazer. O apogeu do romantismo correspondeu a uma 
apoteose da vida individual do sujeito, com suas características de singularidade (totalidade 
individual), interioridade, intensidade (criatividade), potência e fluxo. F. Nietzsche ofereceu‐nos 
em O Nascimento da Tragédia a versão mais radical desse sujeito ideal, em suposto contraponto 
ao "escravo" da tradição central filosófica e religiosa do Ocidente. Para tanto, hipostasiou o mito 
do dionisismo, como modo do entranhamento originário grego pré‐socrático. Nesse mito, o gôzo 
não se subordina às convenções parcelares e desentranhadas da vida ocidental, correspondendo a 
fulgurações de prazer, terror e êxtase – de cuja potência e intensidade teríamos sido desde então 
expulsos. Esse modelo muito poderoso, inclusive por buscar integrar os próprios modos 
expressivos e reflexivos autonomizados na cultura ocidental moderna (filosofia, arte, ciência, etc.), 
influenciou diversos desenvolvimentos imaginários da sexualidade moderna. Nessa linhagem, 
ressalta‐se sempre o caráter irredutível da "experiência", particularmente no âmbito das 
dimensões mais radicalmente reveladoras da individualidade / interioridade, como a arte, a 
religião e a sexualidade. O próprio Foucault, tão importante para a dinâmica deste campo, é um 
herdeiro dessa tradição, embora de um modo menos "dionisíaco" que o de G. Bataille ou M. 
Maffesoli, por exemplo. Outros desenvolvimentos contemporâneos se inspiram do programa 
filosófico contido no Anti‐Oedipe de G. Deleuze e F. Guattari. Essa obra, montada explicitamente 
como uma paráfrase das teorias de Freud, é o mais importante manifesto do neoromantismo 
contemporâneo, concentrando sua reinterpretação do estatuto do vínculo social a partir de 
categorias tais como "desejo", "libido" e "sexualidade". Como exemplo da convenção "dionisíaca" 
entre nós, menciono o trabalho de N. Perlongher sobre os jovens vendedores de serviços sexuais 
em São Paulo (cf. Perlongher, 1987). O que nos lembra, aliás, o quanto o tema da "prostituição" 
bem articula todas as convenções culturais aqui especificadas.  

  Todas as problemáticas que temos até aqui levantado reverberam nas estratégias de 
pesquisa e na organização do campo, essenciais para o desenvolvimento de qualquer 
empreendimento acadêmico no mundo contemporâneo. Expressa‐se aí prioritariamente na forma 
do dilema entre "especialização" e "integração", ou seja, numa versão pragmática do tema do 
desentranhamento. A. Loyola, por exemplo, expressando uma tendência que é certamente 
majoritária na antropologia em relação a muitos temas, se manifesta contrária à especialização 
dos estudos da sexualidade (1999: 18), em detrimento de sua articulação com as diversas áreas de 
significação lindeira (ela própria cita os estudos de gênero36, 1999: 22 – , e a questão do amor / 
paixão, 1999: 35). Heilborn & Brandão analisam a questão, inclusive do ponto de vista de suas 
implicações metodológicas, ao tratarem da "não univocidade do sentido do sexual" (1999: 8). C. 
Vance resenha, no mesmo sentido, as relações fundamentais com "reprodução" (1995: 19‐22), 
com "gênero" (1995: 10) e com "identidade" (1995: 12).   

                                                            
36
Ver uma revisão específica e sistemática do "gênero" em Scott, 1995.

  22
  Não me detive aqui nos desenvolvimentos da etnologia das últimas décadas. Creio ser 
possível dizer que a situação desse campo de estudos é muito específica: nele o reentranhamento 
estratégico do método monográfico já citado prevalece de modo mais sistemático e regular. O 
único trabalho de peso em etnologia de que tenho notícia a tratar explicita e segmentadamente 
de "sexualidade" nas últimas décadas foi o de Gregor, 1985. Aspectos da vida humana 
classificáveis na rubrica da sexualidade do ponto de vista ocidental moderno estão, por outro lado, 
obviamente presentes na maior parte dos trabalhos dedicados às áreas críticas do parentesco e à 
reprodução (mas não apenas aí). O próprio Gregor justifica sua disposição em enfocar a vida 
sexual especificamente como um meio de aceder à percepção entranhada da cultura nativa: "a 
description of Mehinaku sexuality is also an account of their culture" (1885: 3). Seria 
particularmente interessante comparar essa relativa estabilidade estratégica do reentranhamento 
etnográfico da sexualidade nas últimas décadas com a emergência do desentranhamento de 
outras dimensões antes submersas nas totalidades etnográficas: as "emoções", os "sentimentos", 
a condição infantil etc.  

  A interação entre a dinâmica da pesquisa acadêmica, do ativismo político e da organização 
das políticas públicas é muito intensa e desafiadora na área da sexualidade desde os anos 1970. 
Pode‐se mesmo considerar como um desafio estratégico essencial a organização do diálogo entre 
essas três dimensões, dadas a intensidade das homologias e das discrepâncias aí simultaneamente 
presentes. Todo um novo vocabulário, que faz avançar o desentranhamento conceitual e aspira 
por um reentranhamento político37 vem se forjando nessa interface, no nível internacional e 
nacional: das categorias mais antigas, como "educação sexual", "satisfação sexual", "minorias 
sexuais", "violência sexual" e "orientação sexual", às mais recentes, como "liberdade sexual", 
"direitos sexuais" (Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, Viena, 1993) ou "saúde sexual" 
(Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento ‐ CIPD, Cairo, 1994) (cf. Petchesky, 
2000 e Miller, 2000, e. g.).  

  Sem que se possa contar com uma conclusão unívoca para um artigo de avaliação do 
estado‐da‐arte em uma das mais dinâmicas fronteiras das ciências sociais contemporâneas, cabe 
ainda assim resumir o que considero ter examinado como principais convenções, ou linhas de 
força, do campo. Apesar da intensa pluralidade com que se apresenta a literatura atual38, insisto 
que se encontra subordinada em primeiro lugar ao desafio do desentranhamento / 
entranhamento / reentranhamento, tal como o descrevi.  
                                                            
37
Veja-se com que clareza essa disposição de reentranhamento se apresenta num documento programático
recente da OPAS/OMS: "Sexuality refers to a core dimension of being human which includes sex, gender,
sexual and gender identity, sexual orientation, eroticism, emotional attachment/love, and reproduction. It is
experienced or expressed in thoughts, fantasies, desires, beliefs, attitudes, values, activities, practices, roles,
relationships. Sexuality is a result of the interplay of biological, psychological, socio-economic, cultural,
ethical and religious/spiritual factors. While sexuality can include all of these aspects, not all of these
dimensions need to be experienced or expressed. However, in sum, our sexuality is experienced and
expressed in all that we are, what we feel, think and do." (OPAS/OMS 2000: 6 – meu itálico)
38
Creio que deva ser tomado como um índice dessa pluralidade a alta incidência de coletâneas na bibliografia,
frequentemente relativas a encontros científicos relativos à sexualidade. Seus sumários revelam uma gama
enorme de tópicos e enfoques (ver, como exemplos, Caplan, 1987; Bajos et al., 1995; Abramson & Pinkerton,
1995; Loyola, 1998; Heilborn, 1999).

  23
  Talvez convenha ainda insistir que o "entranhamento" é uma construção propriamente 
moderna para falar dos modos pelos quais a sexualidade não existe autonomizada das demais 
instâncias da vida humana em outras culturas ou em períodos outros de nossa própria tradição – e 
tem se revelado estratégica para uma boa parte da produção acadêmica em nossas disciplinas. O 
"reentranhamento" é uma construção mais prospectiva, voltada para dois tipos de objetivos: seja 
a de afetar alguma manifestação  específica corrente em suas implicações éticas, 
comportamentais (como no caso de J. F. Costa), seja a de constituir protocolos de consideração 
dos fenômenos da sexualidade integrados em outras dimensões analíticas (como na nota 32). 
Trata‐se, nesse sentido, sempre mais propriamente de um anti‐desentranhamento do que de um 
efetivo reentranhamento. A suposta integração assim obtida constitui‐se evidentemente a 
posteriori, mantendo intocado o isolamento conceitual originário. Um outro ponto fundamental a 
distinguir o processo de desentranhamento do de reentranhamento é o do grau de "liberdade" 
envolvido. No segundo processo, supostamente, prevalece uma "consciência crítica" do ente (ou 
do sujeito) em questão – em simétrica oposição ao entranhamento originário, concebido como 
pré‐crítico, não‐consciente. A disposição de considerar de maneira "interdisciplinar" temas de 
sexualidade, ou a ênfase no caráter "corporal" (tanto quanto simbólico) de sua experiência 
correspondem assim a tentativas de reentranhar em um nível mais abstrato e reflexivo o ente 
outrora autonomizado.  

  A dimensão da crucialidade continua operante em todos os níveis, entre os polos opostos 
do essencialismo fisicalista e dos simbolismos mais absolutos (como o construcionismo radical ou 
o "dionisismo" antes mencionados). Não posso deixar de mencionar o quanto a temática da 
sexualidade se viu reinvestida de crucialidade (até por negação ou surpresa da ausência, digamos 
assim) na intensa produção relativa às novas tecnologias reprodutivas, capazes de levar ao limite a 
dissociação entre prazer e gênero e prazer e reprodução (cf. Luna, 2002; por exemplo, no tocante 
ao desentranhamento emergente da “reprodução” em relação à própria "relação sexual"). 

  Os temas da interioridade e do prazer foram tratados mais proximamente e envolvem, 
como sublinhei, os focos críticos da intimidade, da privacidade, do gôzo e da transgressão. Não é 
possível deixar de mencionar as intensas negociações sociais em curso a respeito da 
"normalização" de práticas sexuais que já foram objeto de intensa rejeição ou repressão (como o 
adultério, a masturbação, a pornografia, a prostituição, a sodomia e o homoerotismo) e da 
"criminalização" de outras que se mantinham mais entranhadas ou invisíveis (como a "violência 
sexual" ou a pedofilia). Em todos os casos, novos patamares e fronteiras de pesquisa social se 
apresentam a propósito de nosso desentranhado personagem, envolvendo os valores da 
individualidade, liberdade, igualdade e satisfação –  cerne dessa específica cosmologia em que nos 
movemos e nos interrogamos.  

  24
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