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29/12/2017, Equivocos da terapia comportamental 203 -earaerarsse— i¢é SQE orcs Pentair Eanes em Peles Temas em Psicologia ‘Servigos Personalizados verso impressa ISSN 1413-389X artigo ‘Temas psicol. * 1 n.2 Ribeiro Preto ago. 1993 Portugués (pat) Ey Attigo em xm Equivocos da terapia comportamental By Referencias do artigo 1D) come ctar este anigo (P Tradugao automation Maria Luisa Guedes? Indicadores Pontificia Universidade Catélica de So Paulo tal, Acessos Compartihar Mais il Modificacéo de comportamento: caracteristicas Mais As primeiras tentativas de prética clinica derivadas da Anlise Experimental @ Permalink do Comportamento foram denominadas Modificagéo de Comportamento. Pareceu, ento, apropriado, j4 que os modificadores de Comportamento no 6 fundamentavam sua pratica terapéutica no conhecimento ja produzido pelas pesquisas basicas, mas também realizavam pesquisas enfocando problemas considerados clinicos, Era razoavel, portanto, que julgassem entender as relacdes entre comportamento e ambiente. Este comeco se mostrou promissor. Prova disso eram os manuais introdutérios de Analise do Comportamento da época (Millenson, 1967; Ferster, Culbertson, Perrot-Boren, 196 Whaley e Malott, 1970; Keller e Ribes Inesta, 1973) que apresentavam um numero significative de exemplos bem sucedidos. Alguns destes exemplos passaram a fazer parte da formacao de toda uma geracdo de analistas do ‘comportamento: da crianca que parou de bater a cabeca na parede e passou a usar dculos (Wolf, Risley e Mees, 1964), da menina que parou de vomitar (Wolf, Burnbrauer, Lawler e Williams, 1967), da anoréxica grave que voltou'a comer (Bachrach, Erwin e Mohr, 1965), de comportamentos ditos psicéticos que, com um simples rearranjo de contingéncias desapareciam, ou ainda da utilizacao de economia de fichas nas instituigdes (Aylon Michael, 1959) ‘Trds aspectos marcaram esta proposta de atuaco: 1) parecia vidvel a transposico do modelo de laboratério para a situacao clinica, 2) pretendia-se atender 8 comunidade cientifica com o rigor da produgo de conhecimento e 3) pretendia-se atender aos clientes promovendo melhoras significativas (Baer, Wolf e Risley, 1968). Modificacéo de comportamento: possiveis razées do fracasso Apesar de aparentemente coerentes, as perspectivas promissoras deste modelo ndo se confirmaram. Pelo menos trés fatores podem tornar tal fracasso compreensivel. As criticas externas foram severas: mudancas provindas da manipulacdo do ambiente foram acusadas de ofensivas liberdade pessoal (a diretividade do modificador desrespeitava o sujeito); de superficiais (no lidavam com as causas ultimas e profundas do problema) e, portanto, Ge irrelevantes (j4 que outro sintoma fatalmente apareceria), Na melhor das hipsteses, os criticos consideraram que esta proposta sé atenderia 3 solucgo de problemas clinicos simples (simples aqui, significando a desqualificagéo do problema - por exemplo habitos de estudo, comer, hora de dormir - ou do sujeito - por exemplo, com retardo profundo). Além disso, os préprios modificadores de comportamento na sua prética clinica cotidiana foram descobrindo os limites do aparente poder que julgavam ter. Nao era to facil assim atender 4 comunidade cientifica e mais dificil ainda era arranjar ambientes identificando as contingéncias responsaveis pelo comportamento. Esta cificuldade, Por sua vez, se originava de uma ma compreensdo da prépria proposta teérica que sustentava esta pratica. Ou hitppepsicbvsalud orglscelo,phpscrpt=sci_artextBpid=S 1413-380X1993000200011 wa 29/12/2017, Equivocos da terapia comportamental seja, Identificar as contingancias reais responsavels pelo comportamento nao era criar contingéncias artificials para modificar o comportamento (Holland, 1978). Terapia comportamental: uma proposta nova? Nao conseguindo ser nem pesquisadores e nem clinicos, os modificadores de comportamento passaram a alegar que o conhecimento era restrito para a complexidade da situacdo natural e rejeitaram com veeméncia serem identificados pelas técnicas de modificacao de comportamento. Tornaram-se, ento, terapeutas comportamentais. (© poder dos procedimentos para mudanca de comportamento é agora substituido pela magia da "andlise funcionar* (como se procedimentos efetivos pudessem prescindir de tal andlise). Nesta passagem, perderam-se caracteristicas que identificavam a prética clinica desta abordagem. Os terapeutas comportamentais deixaram para trés: a solucdo de problemas concretos, a rapidez da terapia, os registros, a confiabilidade na relacéo procedimentos/resultados e @ esperanga de que a oferta do servico psicolégico, um dia, viesse a ser avaliével pela sociedade, Em lugar disso tudo, adotaram uma pratica terapéutica de gabinete, isto é, sua atuacio restringe-se a interacées verbais no espaco fisico do consultério. Priorizando a terapia face a face, a énfase agora é colocada em questées do tipo; vinculo terapeuta-cliente, nuances da relacdo terapéutica, utilizaco de sonhos e fantasias, sentimento como estratégia para informacao sobre seus clientes, ou como estratégia para desenvolver o auto-conhecimento. Terapia comportamental e behaviorismo radical Esta transico é, no minimo, misteriosa. Como entender que tal pratica terapéutica tenha sido gerada por uma proposta tedrica que afirma que: 1) as causas iniciadoras dos comportamentos (expressos ou encobertos) estdo na relago com 0 ambiente, 2) ndo sé 0s comportamentos mas também os sentimentos so produtos de contingéncias € 3) portanto, mudangas de comportamento e sentimento sé so possiveis cam rearranjos entre ambiente € comportamento (Skinner, 1945, 1953). Como entender que profissionais que discutiam exaustivamente as diferengas entre modelo médico e modelo psicolégico e que, portanto, teriam clientes e ndo pacientes, e que acreditavam que comportamento ou sentimento perturbado (assim considerados no importa por quais critérios) eam produzidos por contingéncias perturbadoras (fossem elas de selecao natural, de condicionamento, de cultura) (Skinner, 1981, 1984) tenham optado pela terapia face a face? Terapia comportamental seus equivocos Na verdade, estas questdes sobre relacdo terapéutica, sonhos, fantasias fazem parte de um modelo terapéutico fundado em concepcdes mentalistas que tém o auto-conhecimento como objetivo da terapia. Para os mentalistas, a resoluglo de um problema presume o tornar-se consciente dele. Desnecessario apontar o antagonismo desta posi¢ao com a proposta do Behaviorismo Radical (vide Skinner, 1945). (© que parece importante considerar é que s6 houve espaco para uma perspectiva comportamental porque havia uma outra ordem de questées ou distirbios para os quais as teorias mentalistas ndo apresentavam solucdo. Certamente, no foi por acaso que os trabalhos iniciais de modificacdo de comportamento lidavam com sujeltos que apresentavam graves problemas, tao graves que dificultavam, se ndo impediam, relagées interpessoais. Ou ainda, que agora o novo avanco da terapia comportamental estd acontecendo de forma significativa em casos de distérbios graves de obsessdo-compulsdo ou ansiedade. Assumindo as questdes provenientes de modelos mentalistas, os terapeutas comportamentais esto deixando de lado os problemas graves, Estdo deixando de lidar com contingéncias. Aquelas questdes no fazem parte das contingéncias da vida do cliente, Elas sé aparecem por conta do cenario montado. E este cendrio, este "setting terapéutico” no é o da terapia comportamental. Fica dificil imaginar que interpretagbes (ou traducdes) comportamentais de fenémenos artificiais 20 contexto do cliente possam intrumentar (a ele ou 2os terapeutas) para rearranjar as contingéncias relevantes. Contingéncias artificiais na sesso tém pouca chance de competir com as contingéncias em geral mais antigas, ‘mais significativas e mais frequentes da vida do sujelto. © maximo que se pode esperar é contar com a sorte ou mesmo criar contingéncias na sesso para a formulagio de conselhos ou regras que entao sergo seguidas; desmanchar alguns estimulos aversivos eliciadores de ansiedade e reforgar o cliente produzinde um fugaz sentimento de auto-estima. hitppepsicbvsalud orglscelo,phpscrpt=sci_artextBpid=S1413-380X1993000200011 214 29/12/2017, Equivocos da terapia comportamental Terapia comportamental: ha alternativas? Provavelmente 0 que havia nos exemplos bem sucedidos no laboratério + era a possibilidade do arranjo concreto e direto do ambiente. Foi isso que se perdeu com o modelo emprestado Continuar com este modelo, em absoluto ndo afeta os terapeutas comportamentais; quer por profissionais bem sucedidos que so; quer porque, também, como hé muito tempo ja disse Skinner (1953), a sociedade garante um bom lugar para agéncias que minimizam sofrimento de seus membros sem abalar sua estrutura. Apenas continuarao numa busca angustiada de identidade, ajeltando-se com novos rétulos que ndo marquem irremediavelmente a sua origem comportamental €, ao mesmo tempo, nao os igualem aos mentalistas. Mas nem tudo esta perdido para o terapeuta comportamental. Os problemas graves (que de fato incapacitam as pessoas para o cotidiano da vida) ainda esto ai. Entretanto, dificilmente os terapeutas serdo bem sucedidos estes casos se continuarem confinados ao espaco verbal (do mundo das regras e cognigées) do consultério. Repensar a pratica clinica e inventar novos espacos que permitam maior efetividade no mundo real do cliente ¢ 0 nosso grande desafio, Referéncias Bibliograficas Aylon, T. e Michael, J. (1959). The psychiatrie nuise as a behavioral engineer. Journal offhe Experimental Analysis of Behavior, 2, 323-334. Baclirach, A.J.; Erwin, W.J. € Mohr, 3.P. (1965). The conlrol of ealing behavior in an anorexie by opérant conditioning techniques. In L.P. Uihnan e L. Krasner (ed.). Case Studies in Behavior Modification. New York: Holt Rinehart and Winston. Baer, D.M.; Wolf, M. e Risley, T.R. (1968). Sonic current Behavior Analysis, 1, 91-97. \ensions of apptied behavior analysis. Journal of Applied Ferster, C.B.; Culbertson, S. e Perrot-Boren, M.C. (1968). Principios do Comportamento. S8o Paulo: Hucitec-Edusp, 1977 (publicacao original em lingua inglesa, 1968). Holland, J. (1978). Beliaviorism: part of Uie problem or part of the solution? Journal of Applied Behavior Analysis, 14, 163-174. 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The operant extinction reinstatement and re-extinction of vomiting behavior in die retarded child. In D.L. Whaley e R.W. Malott. Elementary Principles of Behavior. Kalamazoo: Behaviordelia (4) Faculadade de Psicologia, Departamento de Métodos e Tecnicas, Laboratorio de Psicologia Experimental, Rua Cardoso de almeiada, 986 ~ Perdizes - Sao Paulo - SP CEP 05913. [IEEE Todo 0 contetido deste periédico, exceto onde esta identificado, esté licenciado sob uma Licenca Creative Commons hitppepsicbvsalud orglscelo,phpscrpt=sci_artextBpid=S1413-380X1993000200011 34 20/12/2017 Equivocos da terapia comportamental R. Floréncio de Abreu, 681/1005 14015-060 Ribeiro Preto - SP - Brasil Tel./Fax.: +55 16 3625-9366 Anait comissaoeditorial@sbponline.ora.br hitpspepsicbvsalud.org/scelo,php 7script=sci_artext&pid=S1419-989X1993000200011 a8

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