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Trabalho Final Africanas
Trabalho Final Africanas
São Paulo
2017.
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS.
São Paulo
2017.
I. INTRODUÇÃO.
O livro divide-se em três partes, como dito anteriormente, essas partes se referem
a diferentes momentos da vida, a juventude e a vida adulta, com a representação da
fauna e flora que pertencem, na maioria das vezes, à Angola. O poema inicial é muito
significativo, pois está presente como um momento iniciático para o próprio livro.
Com o título Cerimônia de Passagem é um dos poemas mais longos de toda a
obra, apresenta o amadurecimento dos sujeitos do poema no decorrer das estrofes –
primeira estrofe acerca da juventude, segunda e terceira sobre a vida adulta e a última
estrofe apresenta o amadurecimento e a passagem púbere – que são mantidas entre a
repetição da frase “a zebra feriu-se na pedra/ a pedra produziu o lume”. Essa repetição
dá um tom de continuidade e pode representar o aspecto cíclico presente na obra, pois
após o amadurecimento, repete-se a frase e espera-se que haja uma retomada das
mesmas ocorrências; além disso na última estrofe “O velho fechou o círculo/ o círculo
fechou o princípio” essa relação cíclica é desenvolvida, o velho fecha o círculo e ao fechar
encontra o princípio novamente, a figura do homem e do velho, parecem estabelecer
uma relação de antagonismo formal1 com as figuras da rapariga e da mulher, ou seja há
uma relação de conflito irresoluto ao que se diz respeito a posição social do homem e da
mulher, e da figura feminina referente a tradição.
A frase inicial também remete a um ritual banto que é transcrito no poema em
língua portuguesa, onde há uma citação da tradição e a retomada da oratura angolana.
O título desse poema inicial reforça o tom iniciático, como se esta fosse a cerimónia
necessária para desenvolver a obra. As imagens presentes neste poema, serão
retomadas no decorrer da obra: a zebra (fauna), o fruto (flora), o homem e a mulher, a
relação destes e o amadurecimento. Com isso, é possível considerar que este poema
inicial sintetiza a obra.
1 ADORNO, Theodor. Teoria Estética – (P. 16) MOURÃO, Artur (trad.) LISBOA: Edições 70,
1970.
Dado isso, estabelece-se a primeira parte, “De cheiro macio ao tacto”. Como
expresso no nome, esta parte irá destacar a representação dos sentidos na sua
completude, pois o cheiro, apesar de ser uma sensação, é sentido de forma diferente,
ausente de relação física, mas que no texto é colocado sinestesicamente, pois é macio.
Já é estabelecida nesse primeiro momento uma relação com o erotismo. Neste momento
inicial os poemas estabelecem uma relação próxima com a imagem das frutas, onde há
uma ligação entre o nome da fruta, a simbologia e a forma que desenvolvem parte do
erotismo do poema. Essa relação com as frutas é muito importante para o desenvolver
da obra, pois utiliza de alimentos e representações do cotidiano para tratar a
subjetividade feminina – que convivia com a submissão e a representação vinculada a
procriação e a Mãe África – dessa forma, constrói-se uma nova identidade nacional para
a mulher angolana que se relaciona ativamente com seu local de origem.
O sangue é uma imagem que está presente desde o poema inicial “a rapariga
provou o sangue / o sangue deu fruto” pode ser a representação da menstruação que
estabelece um momento significativo para a mulher porque é um grande rito natural de
passagem, fortemente ligado com a fertilidade. O sangue também pode representar a
vida pulsante, pelo seu papel biológico e também por sua representação simbólica.
No segundo momento, nomeado de “Navegação circular” estabelece-se uma
relação com a vida adulta, o primeiro poema “Circum-Navegação”, retoma o aspecto
cíclico e o momento inicial da vida adulta, é a “primeira viagem” e a abelha, figura central
do poema, símbolo representativo do feminino é descrita como “Lúcida” em letras
maiúsculas que dão ênfase para a caracterização. É a representação de um novo
momento da mulher que entraria na vida adulta com maior consciência. No poema
seguinte, “O amor impossível”, mais uma vez o animal, desta vez figura central,
apresenta independência em suas ações descritas com: “Tornou-se bípede” e “correu”
também enfatizadas com letras maiúsculas.
Entre esses dois momentos da obra há uma diferença nas representações
utilizadas, no primeiro momento há o aparecimento principal de frutas, no segundo, de
animais. Porém, as imagens das frutas são retomadas nesse segundo momento, como
em “a flamingo cor de rosa/ saiu do mangal”. Essa mudança pode estar relacionada com
o amadurecimento dessa subjetividade, que passa a observar cada vez mais coisas ao
seu redor, é como se fosse possível, através do amadurecimento, uma melhor
compreensão do que circunda este eu lírico. Surge também a intensidade dos
movimentos, a figura da fruta é mais inanimada do que a figura de um animal.
O terceiro momento do livro, chamado “Cerimônias de Passagem”, reforça o
aspecto cíclico porque retoma o título do poema inicial, porém no plural. A representação
cíclica relaciona-se com a noção ritualística aparente no conjunto da obra, no que diz
respeito aos aspectos culturais e que também possui estreita relação com a questão do
ciclo menstrual, que é o aspecto mais individual pertencente ao sexo feminino, dado
inclusive explicitamente no poema “Colheitas”.
Diferentemente das duas outras partes, a última, coloca as figuras humanas de
maneira explícita. Como no primeiro poema, chamado “Rapariga” além disso retoma as
frutas e animais, citados anteriormente. Com isso, percebe-se maior independência
dessa subjetividade que está permeada pelo ambiente em que está inserido. É, na obra,
um momento de destaque para a tradição, contudo, a obra permeia todos os aspectos
que compõem o ambiente em que a mulher angolana está inserida e utiliza deste
ambiente para transformar a imagem que foi estabelecida anteriormente em uma
imagem independente e livre da individualidade da mulher.
III – RITUAL E EROTISMO
Não à toa Paula Tavares, insere a temática erótica, num contexto literário, onde a
autora age como sujeito histórico de resistência, contra o machismo imposto pela
tradição, e pelos resquícios de cultura colonial ainda enraizada nas noções e práticas da
sociedade angolana, comportamental e culturalmente.
Na parte final da obra em “Cerimônias de Passagem” também é constante o viés
erótico, dado que seus poemas discutem basicamente a transformação da menina em
mulher. Mas há por exemplo no poema “Cerimônia Secreta”, sugestões que já partem
do próprio título que se vinculam novamente ao erótico, por retomar a ideia da intimidade,
apesar da formalidade que pressupõe o significante “Cerimônia”. O livro todo
compreende, no entanto, estes dois elementos como centrais, a erotização da linguagem
e o ritual cíclico da forma e do conteúdo da obra.
III.I A QUESTÃO DO RITUAL -
- ADORNO, Theodor W. Teoria Estética – MOURÃO, Artur (trad.) LISBOA: Edições 70,
1970.
- BASU, Helene. MALINAR, Angelika - Ecstasy and Terror In: CORRIGAN, John. (Org.)
Religion and Emotions. OXFORD- University Press, 2008.
- DURIGAN, Jesus Antônio. Erotismo e Literatura. São Paulo: Ática S/A, 1986.
- LARA, Alda. Poemas (1966). In: FERREIRA, Manuel (org.) No Reino de Caliban.
Lisboa: Seara Nova, 1976.