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Opinião e análise Pan American Journal

of Public Health

A necessidade de regulação mais pormenorizada é vital


Panorama dos aspectos para garantir a segurança dos usuários de medicamentos.

regulatórios que Palavras-chave: Comprimidos; administração oral; uso


indevido de medicamentos sob prescrição; vigilância
norteiam a partição de sanitária.

comprimidos
Os comprimidos são a forma farmacêutica mais co-
Maíra Teles Teixeira,1 Lívia Cristina Lira mercializada no mundo, devido, principalmente, à
­facilidade de administração, ao baixo custo e à maior
Sá-Barreto,2 Dayde Lane Mendonça estabilidade quando comparados a outras formas far-
Silva1 e Marcílio Sergio Soares macêuticas, o que implica um enorme universo de usu-
ários (1). A partição de comprimidos, uma divisão física
Cunha-Filho1 que origina duas ou mais frações do medicamento, é
frequentemente realizada para ajustar a dose, facilitar a
Como citar: Teixeira MT, Sá-Barreto LCL, Silva DLM, Cunha-Filho ingestão do medicamento ou baratear o custo do trata-
MSS. Panorama dos aspectos regulatórios que norteiam a partição mento medicamentoso (2). Até a existência de norma-
de comprimidos. Rev Panam Salud Publica. 2016;39(6):372–77. tiva sanitária específica sobre o tema, com instruções
de produção e realização do procedimento, o que só
­ocorreu em 2012 nos Estados Unidos, as agências regu-
ladoras partiam do princípio de que a partição de com-
primidos era uma prática atípica. Contudo, estudos
RESUMO mostram que o fracionamento de comprimidos é relati-
vamente comum (3–5). Ressalta-se ainda que a partição
A partição de comprimidos é uma prática controversa no de comprimidos é realizada especialmente no caso de
meio da saúde. Mesmo assim, é a­mplamente difundida, crianças e idosos — populações mais vulneráveis às
principalmente em tratamentos envolvendo crianças e consequências clínicas negativas desse procedimento.
idosos, para ajustar doses, facilitar a ingestão do medica- Na Alemanha, estima-se que 49% dos pacientes da
mento ou baratear o custo do tratamento medicamentoso. atenção primária fracionem comprimidos (3). Em um
Os riscos dessa prática estão relacionados principalmente estudo realizado em farmácias comunitárias na Suíça
à imprecisão na dosagem das frações e a problemas de esta- com adultos em uso de polifarmácia, 12% dos pacientes
bilidade no medicamento partido. O objetivo deste trabalho afirmaram ter dificuldades para engolir os comprimidos,
foi traçar um panorama das bases sanitárias que norteiam sendo que 23% deles não aderiam intencionalmente à far-
esse tema no mundo. Constatamos que as agências regula- macoterapia devido a essa dificuldade (6). No Reino
tórias de saúde dos países que integram o Mercosul, além Unido, uma pesquisa em lares de idosos mostrou que a
de outros países sul-americanos, não possuem normas
prática de esmagar comprimidos ou abrir cápsulas ocor-
publicadas que tratem de partição de comprimidos. Entre
ria em mais de 80% dos cuidados realizados pela enfer-
as agências sanitárias pesquisadas, a Food and Drug
magem (4). Outra pesquisa, realizada na Austrália, mos-
Administration (FDA), nos Estados Unidos, é a única a
apresentar normas que abrangem desde instruções para trou que, dos medicamentos utilizados em unidades de
orientar o fracionamento até a regulação do processo de cuidados de idosos, 34% tinham sua forma farmacêutica
fabricação. O conceito de sulco funcional implementado original alterada antes da a­ dministração (5).
pela FDA estabelece algumas garantias quanto à capaci- A preocupação dos profissionais de saúde com essa
dade do comprimido de ser fracionado. Pode-se concluir prática está relacionada, principalmente, com a impre-
que ainda faltam bases técnicas e científicas para direcio- cisão na ­dosagem das frações obtidas pela partição, já
nar as normas sanitárias acerca desse tema, tornando a que não há como garantir que um comprimido partido
decisão sobre a partição de comprimidos, em determinadas em dois originará fragmentos com exatamente a
situações, aleatória e de alto risco para a saúde pública. metade da dose original. Segundo evidências científi-
cas recentes, o processo de partição acarreta alguma
1
Universidade de Brasília (UnB), Faculdade de Ciências da Saúde,
variação na dose pretendida, que, a depender do medi-
Campus Universitário Darcy Ribeiro, Brasília (DF), Brasil. camento e do protocolo de tratamento, pode provocar
Correspondência: Marcílio Sergio Soares Cunha-Filho, ­marciliofarm@ desde dosagens subterapêuticas até sobredosagens (7).
hotmail.com
2
Universidade de Brasília (UnB), Faculdade de Ceilândia, Brasília Os estudos científicos publicados até a data apontam
(DF), Brasil. que f­atores como formato do comprimido, espessura,

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dureza e tipo de sulco podem ser decisivos na obten- acurácia para a divisão de medicamentos sulcados,
ção de frações de ­ comprimidos com uniformidade sendo a primeira no mundo a propor algum tipo de
de dose, porém ainda não há certezas ­estabelecidas (8). controle de qualidade nos comprimidos destinados à
Além das questões de dosagem, a ­exposição am- partição (31).
biental do conteúdo interno de comprimidos revesti- As agências regulatórias de saúde dos países membros
dos pode provocar problemas de estabilidade no que compõem o Mercosul (Agência Nacional de
­medicamento. Há também a possibilidade de intoxica- Vigilância Sanitária, Anvisa, no Brasil; Administración
ção decorrente do manuseio do comprimido durante o Nacional de Medicamentos, Alimentos y Tecnología Médica,
processo de partição, no caso de fármacos tóxicos ANMAT, na Argentina; Dirección Nacional de Vigilancia
(como antineoplásicos), por exemplo, e de dano ao Sanitaria, DNVS, no Paraguai; Ministerio de Salud Pública,
trato gástrico com fármacos irritantes. É importante no Uruguai; e Servicio Autónomo de Contraloría Sanitaria,
mencionar ainda o risco de danificar mecanismos SACS, na Venezuela), além do Instituto de Salud Publica no
de ­liberação modificada que sejam dependentes da Chile, da Unidad de Medicamentos y Tecnología en
­integridade dos comprimidos (9). Salud (UNIMED) na Bolívia, da Dirección General de
Um levantamento preliminar da literatura científica Medicamentos, Insumos y Drogas (DIGEMID) no Peru,
realizado pelos autores nas bases de dados PubMed do  Instituto Nacional de Vigilancia de Medicamentos y
(http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed) e Scifinder Alimentos (INVIMA) na Colômbia, da Agencia Nacional de
(https://scifinder.cas.org/) utilizando as palavras-­ Regulación, Control y Vigilancia Sanitaria (ARCSA) no
chave splitting tablets, tablet breakability, tablet functional Equador e da Therapeutic Goods Administration (TGA) na
score e tablet ­break line identificou 91 artigos, sendo que Austrália, não possuem qualquer norma publicada que
apenas 18 foram publicados entre 2012 e 2016 (10–27). trate de partição de comprimidos. A Anvisa divulga algu-
Portanto, ainda que o processo de partição de compri- mas recomendações superficiais sobre o tema em seu site,
midos seja um problema sanitário importante devido à pressupondo, sem citar qualquer estudo, que a prática da
sua extensa prática, a literatura carece de evidências partição de comprimidos é incomum entre os profissio-
sobre o tema. nais de saúde (32). Em outra diretriz redigida na forma de
Diante da escassez de informações e da importância perguntas e respostas, de 2015, a Anvisa cita a partição de
do assunto, o presente artigo teve como objetivo elabo- comprimidos como um procedimento que deve ser reali-
rar um panorama sobre as bases sanitárias relaciona- zado apenas em comprimidos sulcados que tenham sido
das à partição de comprimidos em diferentes países. submetidos a testes de controle de qualidade para avaliar
Realizou-se assim uma busca nas agências sanitárias a capacidade de partição (33). Contudo, não há nenhuma
nacionais dos países da União Europeia, Estados norma oficial que especifique essas exigências para regis-
Unidos, Austrália, países do Mercosul (Argentina, tros de medicamentos no Brasil. De modo geral, a prática
Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela), Bolívia, Chile, da partição de comprimidos nos diferentes países pesqui-
Colômbia, Equador e Peru. Para essa busca, foram sados é ignorada ou abordada sem conteúdo técnico, não
­utilizados os mesmos termos descritos para o levanta- havendo, consequentemente, políticas públicas voltadas
mento preliminar da literatura científica. Foram exa- para mitigar o problema.
minadas as páginas eletrônicas das agências sanitárias, Entre as agências sanitárias pesquisadas, a Food and
assim como documentos publicados relacionados a Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, é a
produção e controle de qualidade de comprimidos no única a apresentar normas acerca da partição de compri-
período de janeiro de 2015 a janeiro de 2016. midos. A FDA, além de fornecer instruções para orientar
a partição, também estabelece normas e controles de
BASES REGULATÓRIAS qualidade para regular o processo de fabricação de
comprimidos que possam ser submetidos ao processo
A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece de partição (34). A seguir, destacam-se alguns dos prin-
a divisão de comprimidos como uma prática comum cipais pontos abordados pela agência norte-americana.
em farmácias, hospitais e no ambiente doméstico e
alerta para os riscos associados que podem levar a INFORMAÇÃO TÉCNICA PARA REALIZAR
falha no tratamento terapêutico ou mesmo toxicidade. A PARTIÇÃO
Contudo, não estabelece nenhuma diretriz sobre o
tema (28). A agência sanitária europeia – European A FDA delega ao profissional de saúde a responsa-
Medicines Agency (EMA) – a­ borda o tema em dois do- bilidade de decidir sobre a partição em determinadas
cumentos, elaborados em 2006 e 2013, voltados para situações específicas, inclusive quando não há reco-
formulações pediátricas. A primeira publicação alerta mendação do fabricante. Contudo, estabelece algu-
acerca dos riscos da partição que são mais críticos para mas instruções para nortear esses profissionais e os
comprimidos de menor tamanho, de baixa dosagem e pacientes acerca da melhor maneira de realizar o fra-
não sulcados. O segundo documento amplia essa dis- cionamento de comprimidos (34).
cussão, abordando a necessidade de informar na bula Uma recomendação importante versa sobre o arma-
a finalidade da partição (ajuste de dose ou facilitar a zenamento das frações partidas. Locais úmidos,
deglutição) e de realizar ensaios que permitam avaliar como o armário do ­ banheiro, devem ser evitados.
a adequação do comprimido para esse fim (29, 30). Outra a­dvertência simples e valiosa diz respeito à
Antes disso, a Farmacopeia Europeia incluiu testes de realização da partição de um comprimido por vez.
­

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O risco de haver problemas de estabilidade e de impre- que evidencia a complexidade e o caráter multiprofis-
cisão na dosagem aumenta muito quando há vários sional da decisão sobre a partição de comprimidos.
comprimidos na caixa, uma vez que o atrito mecânico
entre as frações seccionadas pode aumentar o grau de ESPECIFICAÇÕES DE FABRICAÇÃO
esfarelamento, levando a perda de massa e, consequen-
temente, redução da dosagem. A maneira mais i­ndicada A FDA estabelece que a dosagem de cada fração de
para armazenar a fração não utilizada do comprimido comprimido obtida após a partição não pode estar
é guardá-la na própria embalagem para uso posterior, abaixo da dose mínima terapêutica indicada no registro
de forma a minimizar a sua exposição (35, 36). do medicamento. Os comprimidos fabricados para esse
Outra alternativa comum de armazenamento, facil- fim devem ser submetidos a testes mecânicos de labo-
mente encontrada em farmácias comerciais, são os ratório. Os fragmentos de comprimidos que se preten-
porta-comprimidos. Contudo, identificam-se alguns dam armazenar devem ainda cumprir outros requisitos
problemas com relação ao seu uso. Esses dispositivos mais específicos, como estabilidade comprovada por
de armazenamento podem deixar o conteúdo exposto pelo menos 90 dias em temperatura ambiente (34).
à umidade ambiental e à luz; e, normalmente, não são De forma coordenada com as normas estabelecidas
capazes de imobilizar as frações do comprimido, favo- pela FDA, as principais farmacopeias do mundo –
recendo o atrito mecânico com outras frações ou U.S. Pharmacopeia (USP) e Farmacopeia Europeia –
mesmo com as paredes da caixa. Os problemas relata- ­estabelecem monografias que especificam critérios de
dos podem ser minimizados com vedação hermética, qualidade a serem atendidos pelos comprimidos subme-
adição de um componente dessecante aos casulos do tidos ao processo de partição (31, 38). Contudo, as mono-
porta-comprimidos e emprego de materiais imperme- grafias recorrem a adaptações de ensaios preexistentes
áveis e opacos. O desgaste das frações poderia ser mi- para avaliação de comprimidos inteiros, não havendo,
nimizado com a colocação de algodão para preencher portanto, ensaios que tenham sido desenvolvidos de
o espaço de cada casulo, evitando o movimento das forma específica para avaliar a partição de comprimidos.
frações de comprimidos durante o transporte. Portanto, os ensaios disponíveis ainda não são capa-
Quanto à forma de realizar a partição, a FDA reco- zes de garantir que os comprimidos de fato possam ser
menda avaliar as características de tamanho e formato fracionados com segurança. A USP estabelece como
de cada comprimido, e reconhece que o uso de parti- aceitável um intervalo de variação de massa para as fra-
dor de comprimidos é uma forma frequente de realizar ções de comprimidos de 75 a 125% (38). Esses limites
esse fracionamento (37). O referido utensílio, encon- parecem ser arbitrários e certamente são uma generali-
trado em qualquer farmácia comercial, é provido de zação perigosa para fármacos que possuem janela tera-
uma forquilha capaz de centralizar o comprimido e de pêutica estreita, como por exemplo a varfarina, que
uma lâmina para cortá-lo. Contudo, seu uso ainda está apresenta vasta utilização em pacientes idosos e é am-
longe de ser uma unanimidade. Estudos conduzidos plamente fracionada na rotina médica para ajuste de
por Shah et al. (7) verificaram que, no caso da partição dose (40).
de comprimidos de levotiroxina, que apresenta baixo
índice terapêutico, o uso de partidor provoca maior O SULCO FUNCIONAL
fragmentação e piora as características de friabilidade
e uniformidade de conteúdo das frações (7). A farma- Originalmente, os sulcos nos comprimidos foram
copeia americana adota a partição manual dos compri- uma solução para aumentar sua resistência mecânica.
midos nos testes de controle de qualidade (38). Posteriormente, esse elemento passou a ser usado
A FDA estabelece também os casos em que a parti- também por razões estéticas. A ideia de que o sulco ha-
ção é vedada: quando o fracionamento origine doses bilita a divisão mecânica de um comprimido não pro-
fora da faixa de uso; quando envolva um fármaco cede, especialmente em países sem regulação específica
que não seja seguro para o manipulador; ou quando (41). O levantamento realizado para este artigo mostrou
o comprimido apresente mecanismo de liberação que vários laboratórios no Brasil fabricam comprimi-
­modificada que possa ser comprometido pelo pro- dos sulcados sem fornecer qualquer garantia sobre sua
cesso de partição. No caso de comprimidos de libe- partição. Muitos inclusive desaconselham o procedi-
ração modificada, a decisão deve basear-se no meca- mento, alegando que a presença de sulco em seus com-
nismo de liberação envolvido. Comprimidos com re- primidos deve-se às configurações das máquinas de
vestimentos gastrorresistentes, por exemplo, não fabricação e que apenas são realizados estudos de esta-
poderiam ser submetidos à partição, enquanto que bilidade com os comprimidos íntegros, não havendo
sistemas matriciais multiparticulados devem ser es- como assegurar a viabilidade e a segurança do processo
tudados caso a caso (34). Nessa situação, a decisão de partição (42). Mesmo que, em alguns casos, a pre-
acerca da partição apresenta uma variável adicional. sença de sulco minimize variações na u ­ niformidade
As tecnologias envolvidas na liberação de comprimi- do conteúdo dos c­omprimidos partidos, isso não é
dos são cada vez mais diversificadas e complexas, ­observado para todos os medicamentos sulcados (43).
­podendo haver combinações de sistemas de liberação É provável que a contribuição mais inovadora da
modificada em uma mesma unidade farmacêutica regulação estabelecida pela FDA seja a instituição
­
(39). Os prescritores do medicamento não possuem do sulco funcional. A denominação “sulco funcional”
formação farmacotécnica para decidir esses casos, o é uma espécie de selo de qualidade que mostra que

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o fabricante testou a capacidade de seu comprimido de A recomendação geral dos laboratórios farmacêuti-
originar subdivisões uniformes aceitáveis, seguindo cos de deixar a decisão nas mãos dos prescritores
critérios de qualidade previamente estabelecidos (34). parece temerária, haja vista a falta de informação téc-
Atualmente, nos Estados Unidos, apenas os laborató- nica sobre a prática. Além disso, o desconhecimento
rios que atendam às recomendações dessa norma e aos acerca da composição do medicamento e dos proces-
ensaios farmacêuticos podem produzir comprimidos sos de produção envolvidos torna a decisão sobre a
sulcados (34). Comprimidos que não atendam a esses partição por parte dos prescritores completamente
critérios não poderão apresentar sulcos, como no caso aleatória, com risco para a saúde da população.
de comprimidos com tecnologia de liberação modifi- A massificação desse procedimento evidencia a ne-
cada que dependem da integridade do compri- cessidade de mais estudos científicos que embasem
mido para o seu correto funcionamento. De momento, novas regras e especificações sobre o tema. Alguns
essa exigência não é necessária para o registro de ­trabalhos recentes têm sido conduzidos nesse sentido
­comprimidos sulcados em países da América do Sul. (10–27), porém as determinações técnicas ainda cami-
nham em terreno instável. Enquanto não se aprimora-
IMPLICAÇÕES PARA A rem as normas sanitárias existentes, é preciso cautela
INTERCAMBIALIDADE DOS por parte dos profissionais de saúde.
MEDICAMENTOS GENÉRICOS
Agradecimentos. Os autores agradecem à Coordena-
A regulação brasileira que especifica os requisitos ção de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
técnicos que os medicamentos genéricos e similares (CAPES) e à Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito
devem cumprir para se tornarem bioequivalentes ao Federal (FAP-DF) (projeto 0193.001023) pelo apoio
medicamento de referência desconsidera o aspecto da financeiro.
partição (44). Na prática, isso pode fazer com que um
medicamento de referência tenha sulco enquanto seus Conflitos de interesse. Nada declarado pelos autores.
genéricos sejam fabricados sem sulco, como ocorre
com o captopril, a hidroclorotiazida e a losartana, fár- Declaração de responsabilidade. A responsabilida-
macos de vasta utilização no tratamento da hiperten- de pelas opiniões expressas neste manuscrito é estrita-
são arterial. A FDA reconhece a necessidade de repro- mente dos autores e não reflete necessariamente as
duzir no medicamento genérico o sulco existente no opiniões ou políticas da RPSP/PAJPH nem da OPAS.
medicamento de referência, com a mesma funcionali-
dade (34, 45).
ABSTRACT
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Overview of ­regulatory aspects ­guiding
Não há dúvida sobre a importância de se estabelece- tablet scoring
rem normas regulatórias como forma de tornar a parti-
ção de comprimidos uma prática controlada, forne- Tablet scoring is a controversial but common practice
cendo um mínimo de garantias para os usuários de used to adjust doses, facilitate drug intake, or lower the
medicamentos. Contudo, a legislação sanitária atual cost of drug treatment, especially in children and the
sobre o tema ainda se mostra rudimentar. Faltam sub- elderly. The risks of tablet scoring are mainly related to
sídios científicos para nortear a prática de partição de inaccuracies in the resulting dose and stability prob­
comprimidos, o que explica o caráter incipiente das lems. The aim of this article is to provide an overview
especificações sanitárias sobre o tema. Medidas como a of worldwide guidelines regarding tablet scoring. We
concessão de incentivo às indústrias farmacêuticas found that regulatory health agencies in Mercosur
countries as well as other South American countries do
para disponibilizarem medicamentos em faixas de do-
not have published standards addressing tablet split-
sagens mais amplas e em formas farmacêuticas alter-
ting. Among the surveyed health agencies, the Food
nativas poderiam reduzir consideravelmente a neces-
and Drug Administration (FDA) in the United States is
sidade de fracionamento dos comprimidos. the only one to present standards, ranging from split-
A legislação norte-americana, mesmo que ainda su- ting instructions to regulation of the manufacturing
perficial, especifica critérios mínimos de produção e process. The concept of functional scoring implemen-
controle para os comprimidos comercializados que ted by the FDA has introduced some level of ­guarantee
podem ser partidos. O estabelecimento do sulco fun- as to the ability of tablets to be split. In conclusion, tech-
cional representa também um avanço significativo nical and scientific bases are still insufficient to guide
para tornar mais segura a prática, ainda que não health rules on this subject, making the decision on
­elimine completamente seus riscos. scoring, in certain situations, random and highly risky
O problema abordado neste trabalho possui grande to public health. The need for more detailed regulation
alcance sanitário e é demasiadamente abrangente para is vital to ensure the safety of tablet medications.
continuar sendo ignorado pelas agências regulatórias da
América do Sul. Torna-se imperativo estabelecer normas Keywords: Tablets; administration, oral; prescription
mínimas para regular a correta utilização e fabricação drug misuse; health surveillance.
de comprimidos que serão submetidos à divisão.

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