Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Carlos Jaca
Não sei se a Maçonaria detém ou não poderes ocultos, nem tão pouco me
interessa; quanto ao resto, às referências aos poderes económicos e mediáticos, direi
como dizem os italianos: «se non é vero è bene trovato» (Se não é verdadeiro é bem
achado)
Depois, bem, depois recordo que a partir do segundo quartel do séc. XVIII, a
Maçonaria passa a desempenha papel relevante na História e Portugal,
particularmente em períodos de grandes convulsões, que viriam a transformar
profundamente o País, como terão oportunidade de constatar.
Considerei, também, que a Maçonaria, e em particular a Maçonaria portuguesa
é ainda mal conhecida – refiro-me à sua história e ao seu processo evolutivo.
1
Embora não seja minha intenção formular quaisquer juízos de valor sobre esta
instituição, posso garantir, que tenho para mim, como dado adquirido, o facto de a
Maçonaria dos nossos dias pouco, ou nada ter a ver com a Maçonaria dos sécs. XVIII
e XIX e mesmo do primeiro quartel do séc. XX, quando era conspiradora, ou
conspirativa, e revolucionária.
Concluindo: Devo esclarecer que não sou maçon, nem pro – maçon, mas tão
pouco sou, porém, antimaçon – não posso ser anti, de uma coisa que intrinsecamente,
na sua essência desconheço.
Enfim, já agora, e para que não fique no ar qualquer dúvida sobre este aspecto,
porquanto já me foi posta a questão (extemporaneamente), devo dizer, e digo-o com
toda a naturalidade, que me situo na área da Igreja Católica e Apostólica Romana.
Posso afirmá-lo com à vontade, tanto mais que, como professor, deixei de
existir, e assim, já não se põe a questão de poder , eventualmente, susceptibilizar as
várias convicções dos alunos.
A Maçonaria, não me interessa e nunca me interessou como realidade do
presente Interessou-me, sim, como fenómeno histórico, como objecto do
conhecimento.
Interessou-me, ou interessa-me, como elemento interventor, directa ou
indirectamente, nos sucessos históricos, e, nomeadamente, no que diz respeito a
Portugal.
Este trabalho não é, portanto, um libelo nem uma apologia. Constitui uma
narrativa, e até certo ponto uma interpretação, mas o que pretendo, será apenas
informar para que, cada qual, possa fazer um juízo (o seu juízo) objectivo.
.
Maçonaria vem provavelmente do francês “maçonnerie”, que significa
uma construção qualquer, feita por um pedreiro, o “maçon”. A Maçonaria terá
assim como objecto essencial, a edificação de qualquer coisa. O “maçon”, o
pedreiro-livre, podendo traduzir-se, modernamente, por livre-pensador, será
portanto o construtor, o que trabalha para erguer um edifício.
Maçonaria significa pois, “construção”. O “maçon” pretende construir o
seu próprio futuro, tornando-se um homem melhor. A Maçonaria pretende
construir o futuro da Humanidade, tornando-a mais justa e perfeita. Este
2
objectivo está inscrito, como pedra angular, nas Constituições maçónicas do
mundo moderno. A Constituição do Grande Oriente Lusitano, de 1926, define a
Maçonaria como “uma instituição essencialmente humanitarista, procurando
realizar as melhores condições de vida social”. A Constituição em vigor, de
1985, aponta como seu escopo o “aperfeiçoamento da Humanidade através da
elevação moral e espiritual do indivíduo”.
3
culturais e erigiu o dinheiro como valor supremo. Por outro lado, os partidos
são, em geral, simples máquinas de conquista do poder, praticamente
despojados dos seus princípios programáticos por um carreirismo desenfreado
e tentacular, que ameaça subverter o ideal democrático.
Ora, pertencendo ou simpatizando os maçons com as várias correntes
partidárias, poderão aí, mais frutuosa e consistentemente, pugnar pela
efectivação das reformas necessárias à construção da nova sociedade. De
facto, a Maçonaria não intervém, e não deve intervir, como tal, na vida política.
A sua influência manifesta-se apenas indirectamente, através da acção
individual e do exemplo dos seus filiados. E sendo a Ordem Maçónica um
espaço de diálogo fraterno entre pessoas de todas as ideologias democráticas,
pode e deve continuar a desempenhar, por esta via, um papel importante no
aperfeiçoamento das instituições, insuflando-lhes os valores morais que são o
apanágio de um verdadeiro maçon.
4
igualmente verdadeiras, sem prejuízo do necessário combate ao fanatismo e à
superstição.
Deste modo, a Maçonaria é uma casa de união entre ateus, agnósticos
e pessoas dos mais diversos credos, que não se discutem por pertencerem à
zona inviolável da consciência de cada um.
Mas não se pense, ninguém pensará, nem os próprios, que os maçons
são pessoas perfeitas; ao longo da História cometeram erros e mais erros.
5
Os arquitectos e construtores desses monumentos tinham de ser
dotados de profundos conhecimentos técnicos, científicos e artísticos.
Surgiram, assim, corporações de arquitectos, escultores, lavradores de pedra e
operários especializados. Para garantir o emprego da mão-de-obra associada,
mantinham secretos certos processos técnicos de trabalho profissional,
servindo-se para comunicar entre si de formas vocabulares, sinais e toques
esotéricos, tendentes a assegurar o monopólio da sua arte qualificada.
Tais conhecimentos eram interditos a elementos estranhos, pois a sua
divulgação e entrada no domínio público implicava a perda de prerrogativas.
Por isso, apenas eram transmitidos secretamente nas lojas (local de reunião
dos maçons) pelos mestres aos discípulos de reconhecida aptidão e
honorabilidade, após um juramento solene. Assim surgiu a Maçonaria
operativa (de operários construtores) e o segredo maçónico ou iniciático.
Estas confrarias ou associações de construtores, com o andar do tempo,
foram perdendo a sua grandeza, sofrendo uma evolução no decorrer dos sécs.
XVI e XVII.
6
A nova situação e a filosofia dominante, contrária ao absolutismo e ao
poder aristocrático e clerical, impuseram a adopção de novos prosélitos.
Manteve-se, porém, a forma gremial – iniciação, rito, segredo – mas alterou-se
o seu conteúdo e objectivos. A Maçonaria operativa transformou-se em
Maçonaria filosófica ou especulativa, também conhecida por Franco -
Maçonaria.
A arquitectura revestia sentido puramente alegórico. Em vez da erecção
de catedrais de pedra, o ideal devia ser, agora, a construção de catedrais
humanas, ou homens ideais, para honra do Grande Arquitecto Universal
(Deus). As marcas e ferramentas da pedra lavrada (círculos, compassos,
esquadros, etc.) tornavam-se, doravante, puros símbolos. O uso do avental
retinha-se como sinal de trabalho.
7
alguns países, nem sequer foi promulgada. O número de maçons seguiu em
aumento, para jamais se deter até ao séc. XX.
É que a Maçonaria correspondia aos ideais e às preocupações do
tempo. Tornara-se igualmente numa moda, que o seu carácter secreto e
misterioso propagava. Todo o aristocrata, todo o clérigo, todo o burguês bem -
pensante aspirava a fazer parte da instituição, que lhe concedia foros de
homem corajoso e avançado, cônscio dos problemas do tempo e desejoso de
os resolver.
Quando das Revoluções Americana e Francesa, os pedreiros livres
eram já aos milhares. Mas a acção directa da Ordem na feitura dos
movimentos revolucionários não está comprovada documentalmente, A
Maçonaria actuou por trás, nos bastidores, sobre o ideário e a actividade dos
pedreiros-livres que, interessados noutras organizações mais pragmáticas
lutaram seguindo a via revolucionária e política.
Nos meados da centúria de Setecentos foram instituídas as chamadas
lojas de adopção, destinadas às mulheres. Embora um dos “landmarks”
britânicos fosse, exactamente, a exclusividade masculina, tentou ladear-se a
questão por meio de sistema dito adoptivo. Qualquer loja regular adoptava
uma loja feminina, que lhe ficava subordinada na essência.
As invasões francesas dos finais do séc. XVIII e começos do XIX
contribuíram para uma maior difusão dos princípios maçónicos e das lojas que,
por toda a parte, se fundaram por influência dos oficiais invasores, de Portugal
à Rússia e da Suécia ao Egipto. O regresso a regimes reaccionários, que
dominaram a Europa até meados do
século, não enfraqueceu a Maçonaria, antes a estimulou, por lhe dar uma
razão de combate contra a opressão e a intolerância. Uma das características
fundamentais da Maçonaria, quer no séc. XVIII quer no XIX quer no XX,
parece ter sido quase sempre a de se encontrar numa posição de vanguarda,
antecipando-se às conquistas políticas e sociais do tempo. Não assombra,
portanto, a ligação intima, muitas vezes existente, entre Maçonaria e
8
liberalismo monárquico, primeiro radicalismo republicano, depois e socialismo,
por fim.
9
receptiva a certa aproximação, que poderá culminar numa plataforma de
entendimento.
Também o ideal de uma Europa unida – de nações livres e iguais,
baseada na paz e na justiça social – foi sempre uma aspiração da Maçonaria,
ponto de partida para um mundo igualmente unido pelos grandes valores da
Ordem. Muitos dos que ajudaram a construir a Comunidade Europeia beberam
nos princípios maçónicos o melhor da sua motivação.
Ritual, iniciação, esoterismo e segredo maçónico.
Não cabe aqui nem tão pouco a mim fazer a abordagem, ainda que ligeira, destes
aspectos.
Apenas arrisco uma breve referência ao segredo maçónico passando a
citar na integra, o Dr. António Arnaut, Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano.
“A Maçonaria não é uma organização secreta, pelo menos, nos regimes
democráticos que garantem o direito de livre associação para fins lícitos. A sua
existência, regulamentos e locais de reunião são conhecidos pelas autoridades
e por muitos cidadãos. É, pois, uma organização discreta, na medida em que
não está aberta ao público e reserva apenas aos seus membros o
conhecimento de certas práticas e saberes. Nisso consiste o segredo
maçónico. Contudo, qualquer cidadão, acompanhado por um maçon, pode
visitar o Museu e frequentar o bar-restaurante instalados no rés-do-chão.
Porém, o conteúdo do segredo não é tanto o que se vê e ouve, mas o
que se sente e, por isso, não pode, verdadeiramente, exprimir-se. De facto, o
segredo maçónico é incomunicável, pois reside essencialmente no
simbolismo dos ritos, sinais, emblemas e palavras. E estes, embora possam
ser conhecidos e divulgados, só são compreensíveis pelos iniciados. Como um
maçon escreveu “não há nenhum segredo nos nossos mistérios para além dos
que residem na guarda inviolável das palavras”. Assim como um poema pode
ter uma interpretação que transcende a sua literalidade e que escapa, por
vezes, ao próprio autor, devendo o seu sentido captar-se com os olhos da alma
(e por isso se fala no mistério da poesia, que alguns ligam à alquimia da
palavra), também o essencial dos rituais está para além dos órgãos sensitivos,
devendo a sua interpretação procurar-se no subconsciente. Subconsciente (ou
inconsciente) que, no caso do maçon, é iluminado pela iniciação.
10
Finalizando este capítulo, e pelo que já foi dito, pode concluir-se que a
Maçonaria se considera, pois, uma Ordem iniciática e ritualista, universal e
fraterna, filosófica e progressista, baseada no livre-pensamento e na tolerância,
que tem por objectivo o desenvolvimento espiritual do homem com vista à
edificação de uma sociedade mais livre, justa e igualitária.
11
Em 1738, ao ser promulgada a bula condenatória de Clemente XII, a loja
dissolveu-se, mas alguns dos obreiros, nomeadamente os protestantes, não
acataram a decisão papal, ingressando na outra loja.
A terceira oficina criada em terra portuguesa conheceu destino mais
trágico. Fundou-a, em 1741, em Lisboa, o lapidário de diamantes John
Couston, nascido na Suíça mas naturalizado, depois, inglês. Eram quase todos
católicos, embora Couston, o venerável, fosse protestante.
Denunciados à Inquisição em 1742, os maçons da loja de Couston foram
presos, torturados e sentenciados, sendo o venerável e os dois vigilantes
condenados a vários anos de degredo e serviço nas galés. Por intervenção
estrangeira, porventura de outros maçons, libertaram-nos, porém, ao fim de
algum tempo, com a condição de saírem do país.
A perseguição de 1743 desmantelou este primeiro esboço de
organização maçónica em terra portuguesa.
12
Em menor percentagem existiam irmãos clérigos e aristocratas
terratenentes. Era, em suma, a burguesia esclarecida quem sobretudo
preenchia os lugares das oficinas.
Nos começos do século XIX, o número de lojas e de filiados justificava já
uma organização bastante completa da Ordem, consoante os modelos
britânico e francês.
Em 1801 reconheceu-se a necessidade de criar uma Grande Loja ou
Grande Oriente Português, que substituísse a Comissão de Expediente de seis
membros, instituída para coordenar as actividades da Ordem. Para o efeito,
deslocou-se a Londres, em 1802, o irmão Hipólito José da Costa, que
negociou e obteve o reconhecimento. Nasceu assim o Grande Oriente
Lusitano. Como seu primeiro Grão-Mestre foi eleito o desembargador
Sebastião José de São Paio de Melo e Castro, neto do marquês de Pombal, e,
quatro anos mais tarde, em Julho de 1806, votava-se a primeira Constituição
Maçónica Portuguesa.
13
Eram maçons as grandes figuras do vintismo: Fernandes Tomás,
Ferreira Borges, Silva Carvalho e Borges Carneiro.
A Maçonaria congregava, aliás, a maior parte da intelectualidade e da
burguesia progressista, incluindo magistrados, professores universitários,
eclesiásticos, profissões liberais, oficiais do exército e mesmo certa
aristocracia.
De 1820 a 1823 a Maçonaria Portuguesa conheceu o seu primeiro
período de apogeu e de aparecimento à luz do dia. O número de lojas
multiplicou-se, existindo cerca de 40 tanto em Lisboa como na província.
Com a Vilafrancada, a Abrilada e o regresso do absolutismo, os maçons
voltaram a ser perseguidos, encarcerados e mortos. Foi a quinta perseguição.
As actividades à luz do dia tiveram de ser suspensas até 1826. De 1826 a 1828
manifestou-se um curto renascimento, de que se sabe hoje muito pouco, e que
logo soçobrou na sexta e violenta perseguição do Miguelismo.
14
Contudo, em 1869 foi possível reconciliar os “irmãos” desavindos, com a
criação do Grande Oriente Lusitano Unido, sob o Grão-Mestrado do Conde de
Paraty. Desde então, e exceptuando pequenas convulsões, reinou a unidade
da família maçónica. Foi o período áureo da Maçonaria Portuguesa.
Passaram pelo Grão-Mestrado figuras tão ilustres como Elias Garcia,
António Augusto de Aguiar, Bernardino Machado, mais tarde Presidente da
República e Sebastião de Magalhães Lima. Foram igualmente maçons nomes
prestigiados como Mouzinho da Silveira, Alexandre Herculano, o cardeal
Saraiva, patriarca de Lisboa,
B – A República
15
percentagem que, “grosso modo” continuou a existir nos muitos governos
republicanos até 1926. Quanto às presidências, mais de metade dos
ministérios foram presididos por maçons. Três presidentes da República –
Bernardino Machado, Sidónio Pais e António José de Almeida – pertenciam à
Ordem Maçónica. Tal como durante a Monarquia Constitucional, algumas
medidas mais progressistas adoptadas pelo regime republicano tiveram
participação das lojas e foram subscritas por ministros maçons. O âmbito da
Maçonaria durante a 1ª República está ainda por determinar cabalmente, mas
não parece exagerado afirmar que a história das duas instituições apresenta
paralelos do maior interesse e que o declínio de uma corresponde ou foi em
grande parte, o causador do declínio da outra.
16
auspícios do grande Oriente Lusitano, sendo Grão-Mestre Sebastião de
Magalhães Lima, jornalista, caudilho republicano e fundador da Liga
Portuguesa dos Direitos do Homem (1926).
Era tarde, porém, para conseguir vencer. Passados dois meses
sobrevinha o movimento militar de 28 de Maio e a instauração da Ditadura.
Para a Maçonaria portuguesa era o começo da agonia. Identificada com a
República, caía agora com ela.
C – O Estado Novo
A entrada de Salazar para o governo e a sua rápida ascensão tutelar, aliada à crescente
influência da direita reaccionária, reavivou os velhos ódios das forças obscurantistas.
Em 16 de Abril de 1929, sendo Grão-Mestre, António José de Almeida, o
Palácio do Grémio Lusitano, sede da Ordem era assaltado por elementos da Guarda
Nacional Republicana e da Polícia, com a participação de numerosos civis, onde se
destacava o jovem Marcelo Caetano.
Muitos maçons foram presos e muitos documentos confiscados. Foram
praticados actos de vandalismo, incluindo destruição de símbolos, móveis e obras de
arte. Era o início da “longa noite fascista”, expressão que, no caso, não constitui uma
simples metáfora, mas uma tenebrosa realidade que levou muitos obreiros à cadeia, ao
exílio e à demissão.
De facto, o Estado Novo instituiu a Maçonaria como seu inimigo principal. O
golpe que a ditadura supunha mortal foi desferido em 19 de Janeiro de 1935 com a
apresentação na recém instalada Assembleia Nacional, de um projecto de Lei subscrito
pelo deputado José Cabral, proibindo as “associações secretas” e confiscando-lhes todos
17
os bens. É claro que, embora o projecto o não referisse, o seu único alvo era a
Maçonaria.
As reacções não se fizeram esperar. Em 4 de Fevereiro Fernando Pessoa publica
no “Diário de Lisboa” um vigoroso artigo em defesa da Maçonaria (um segundo artigo
foi cortado pela censura).
O Grão-Mestre Norton de Matos expôs o protesto da Ordem ao presidente da
Assembleia Nacional, Dr. José Alberto dos Reis, ele próprio maçon. Tudo em vão,
porque o ditador já tinha decidido varrer os “pedreiros - livres” da terra portuguesa, à
semelhança do que, séculos antes, fora tentado pela Inquisição.
A lei foi votada por unanimidade e publicada no “Diário do Governo” em 21 de
Maio (Lei 1901). A partir daí todos os que quisessem exercer funções públicas tinham
que declarar, por sua honra, que não pertenciam, nem jamais pertenceriam, a qualquer
associação secreta.
A Maçonaria fora, assim, “legalmente” dissolvida em Portugal. O Palácio
Maçónico foi confiscado e nele instalado um quartel da Legião Portuguesa. Muitos
maçons e outros democratas começaram então a frequentar as masmorras da ditadura.
18
A Revolução de Abril restituiu a liberdade aos Portugueses, e,
consequentemente, o direito de associação. A ditadura não conseguiu extinguir a
Maçonaria, mas a repressão fascista reduzira a poucas dezenas os maçons activos.
Foram estes que se reorganizaram em comissão e reclamaram a restituição do
Palácio Maçónico, sede do Grande Oriente Lusitano, numa altura em que o Primeiro
Governo Provisório era chefiado pelo Maçon Prof. Adelino da Palma Carlos.
E – Maçonaria Feminina
19
A Maçonaria Moderna (1723) é, na sua origem, composta exclusivamente por
homens. Aliás, o seu texto fundador não deixa margem para dúvidas.
Com efeito, os velhos regulamentos excluíam as mulheres da Maçonaria,
certamente por razões históricas, pois entendia-se que o risco inerente à condição de
iniciado e a coragem necessária para agir como maçon eram próprios do homem. Nos
tempos antigos a iniciação compreendia um conjunto de provas tão duras que se
tornavam incompatíveis com a suposta fragilidade feminina. De resto, a mulher estava
ainda longe de desfrutar dos direitos que mais tarde, por influência da própria
Maçonaria, lhe haviam de ser reconhecidos.
Assim, quando mais tarde, elas passam a ser admitidas no seu seio é criada uma
figura jurídica que define claramente o modo como essa participação era entendida.
As lojas femininas que são então admitidas chamam-se de adopção. Isto é, as
mulheres eram “adoptadas” por uma loja masculina e ficavam dela dependentes. Não
gozavam aliás, como parte da organização, dos mesmos direitos. Nem a sua presença
era entendida com os mesmos objectivos.
A oposição dos homens é intensa e após o período napoleónico as mulheres não
têm expressão na Maçonaria. Isto é, à medida que o espírito aristocrático dá lugar ao
burguês a resistência é maior. Só em 1882 a polémica se relança.
A oposição é ainda de tal modo violenta que os poucos homens que apadrinham
essa presença vêem-se forçados a abandonar as suas organizações, e a criar,
conjuntamente, uma estrutura mista que ainda hoje subsiste. E só pelo fim do século o
movimento das lojas de adopção renasce.
A adopção contrapõe-se assim à emancipação, isto é, a uma independência. Uma
independência baseada em organizações autónomas, compostas exclusivamente por
mulheres, só se manifesta no pós 2ª Guerra Mundial e são hoje dominantes.
Também em Portugal funcionam lojas femininas.
A Marquesa de Alorna, a Viscondessa de Juromenha e Ana de Castro Osório
foram algumas das mais destacadas figuras da Maçonaria feminina.
A Maçonaria não é uma religião e, por isso, aceita todas as religiões, embora,
coerentemente, combata o fanatismo e a superstição. Assim, sempre houve na
20
Maçonaria prosélitos de várias confissões, predominando em Portugal os católicos e
protestantes.
Porém, verificaram-se alguns graves conflitos com a Igreja Católica Romana. As
perseguições desencadeadas na sequência da bula “In Eminente”, que fulminava com a
excomunhão os maçons católicos, são hoje um facto histórico, que não deve ser
esquecido, mas que se tem de enquadrar no espírito da época.
Actualmente a Igreja, sobretudo após João XXIII e o Concílio Vaticano II,
encara com outros olhos o fenómeno maçónico, até porque o tempo demonstrou que as
“lojas” não são antros demoníacos, onde se realizam “missas negras”, mas locais de
concórdia, onde se trabalha para o bem da Humanidade.
À intolerância sucedeu a compreensão e uma certa simpatia. A esta mudança de
mentalidade não foi, seguramente, alheia a circunstância de muitos católicos e altos
dignitários da Igreja serem maçons. Aliás, há espaços comuns de preocupação e
identidade de propósitos entre a Maçonaria e a Igreja progressista.
A este propósito não posso deixar de registar aqui, algumas palavras dirigidas
pelo Arcebispo – Bispo do Porto, D. Júlio Tavares Rebimbas, na abertura da Semana
de Estudos da Faculdade de Teologia, realizada na referida cidade entre 1 e 4 de
Fevereiro de 1994, e subordinada ao tema, Maçonaria, Igreja e Liberalismo.
Diz o ilustre prelado: “Não estamos inocentemente aqui a abordar problemas
fáceis de Maçonaria, Igreja e Liberalismo cuja vastidão e complexidade é evidente e
com tempos diversos de expressão e altos e baixos de reacção. Mas somos a mesma
humanidade, as mesmas pessoas, a mesma paz e a mesma guerra. Por isso, e não só, a
via do diálogo, o espaço de liberdade que nos leva à missão de «fazedores de pontes» e
de usá-las.
21
Não estamos aqui para converter maçons, nem para laicizar cristãos, nem para
aclarar tudo o que é problemática séria do liberalismo.
Mas, também não estamos aqui para quatro dias de inutilidades, mais ou menos
brilhantes. Estamos aqui nos caminhos da procura da verdade, da parcela de verdade
que todos têm. Porque a verdade total será noutra instância, é noutra onda e mesmo
assim leva muito tempo para chegar lá.
Felicito a Faculdade de Teologia do Porto por esta iniciativa e por estes
assuntos e desejo que os seus objectivos sejam alcançados.”
Porto, 1 de Fevereiro de 1994
Júlio, Arc. - Bispo do Porto
22
Um debate sobre este assunto terá, mesmo assim, que ter em conta a especificidade de
cada uma das instituições. Enquanto as Igrejas são a emanação de religiões reveladas, a
Maçonaria é uma instituição exclusivamente humana; no entanto, ela baseia-se em
princípios que são comuns às religiões, como seja, a promoção dos valores espirituais ,
éticos e culturais, a solidariedade humana e o aperfeiçoamento dos sistemas sociais.
Está também em questão a reflexão que a Maçonaria e as Igrejas vêm
promovendo sobre as suas práticas do passado recente e recuado.
Para além de outras questões, a grande divergência – que foi empolada de ambos
os lados – incidiu sobre a crença num Deus Criador. A acusação de ateísmo de que a
Maçonaria foi alvo durante décadas, expressa aliás por alguns dos seus membros, vai
perdendo consistência. A Maçonaria, nos seus fundamentos e nos seus projectos, não é
uma organização ateia como pretende o vulgo, uma vez que os seus trabalhos são
executados sob os auspícios do Supremo Arquitecto do Universo que é uma maneira
de referir o Criador, e regida por valores espirituais e morais, reivindicando uma via
de acesso ao sagrado sem uma interpretação dogmática dos fenómenos religiosos.
23
Carlos Jaca
24