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Elton Antunes
Belo Horizonte
1995
2
"Como acontece na província, fez parte da formação deles algum atraso de gosto,
Sumário
Agradecimentos.................................................................................................................4
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Bibliografia....................................................................................................................131
Jornais............................................................................................................................135
4
AGRADECIMENTOS
maneiras nem sempre afeitas aos dialetos da área. Aos colegas e funcionários pelo
estímulo e ambiente de trabalho. À CAPES pela bolsa que permitiu a realização dessa
pesquisa.
acadêmicas.
que nos últimos três anos compartilhou comigo o brilho e a dignidade de uma carreira
intelectual admirável.
desembarcou na cidade no semestre inicial de 1927. Era uma "Marinoni", que chegava
Conta-se que a impressora - a qual somente a Imprensa Oficial, responsável pela edição
do Minas Gerais, órgão dos poderes do Estado, possuía semelhante - provocou grande
Central do Brasil.
contos de réis.
Junto com a impressora chegavam novos equipamentos gráficos que davam à carga um
volume e peso gigantescos, raramente desembarcados na cidade. A chegada da
"imprensa moderna" a BH era assim, antes mesmo que resultasse num novo jornal,
se resolvia o que fazer, parte do equipamento mais leve era aos poucos transportada
para as futuras oficinas do Diário da Manhã. A solução foi juntar ao esforço de uma
periferia da cidade "para puxar o caixote mais pesado, já que os mais possantes
engasgar na subida da Bahia, diante de tanta gente, tão entusiasmados espectadores". (1)
Entusiasmo tão grande que, combinando com a proximidade do carnaval, acabou por
horas até que os bois conseguissem puxar o equipamento da estação às oficinas, num
percurso de pouco mais de dez quarteirões. E ao clima de festa desde o início associara-
da ação política da oligarquia ocupante do governo mineiro, chefiado então por Antônio
capital.
coletiva produzida pelos indivíduos que viveram tal acontecimento ou dele tomaram
conhecimento à época. (2) Tais relatos nos chamam a atenção pelas associações e
imagens que os narradores destilam acerca daquilo que apontam como momento ímpar
episódio reúnem-se, num mesmo instante, aspectos e elementos, sobre as mudanças que
cotidiano da capital são problemas inscritos no relato daqueles que estiveram à frente da
as "primeiras horas".
(1)
"Antes de mais nada um ato de heroísmo", Estado de Minas. Belo Horizonte, 08 de março de 1977. Caderno
Comemorativo. P.1.
(2)
O relato dessa história encontra-se disperso em diversos artigos e livros de memória de alguns de seus
protagonistas. Uma boa descrição do ocorrido encontra-se na edição comemorativa dos 50 anos do Estado de Minas,
op.cit.
7
noções está ancorado? Estudar esses relatos pode se constituir numa maneira de
efetivação. (3) Através do jornalismo pode-se ter gerado mecanismos que asseguraram
De certa forma, buscamos compreender de que maneira e por quais razões um conjunto
compondo conferiram uma estrutura específica num dado momento do tempo de forma
Dessa forma, este trabalho se inscreve no campo mais amplo dos estudos
(3)
A noção de campo é, em linhas gerais, aquela proposta por Bourdieu. Sobre isso ver Pierre Bourdieu, 0 Campo
intelectual e projeto criador, in: Jean Pouillon et alli, Problemas do estruturalismo, Rio de Janeiro, Zahar, 1969.
8
"diferente" dos que até então se conhecera na cidade. O Correio Mineiro é apontado
sucessivas edições nos permite ver que o jornal conferia destaque especial à crônica
acolhida do órgão que, desde a sua fundação, contava com uma coluna - "O povo
da imprensa de até então e sua presença nas páginas dos jornais não traduzia
(4)
Correio Mineiro, Correio Mineiro. 11 de novembro de 1926. P.1.
9
Prates, jornalista de renome atuante nesse período, "eram tratados (...) com vivacidade,
num tom novo para a cidade". (5) Opinião compartilhada por um dos principais
estiveram sempre presentes. Vários amigos, conforme relata Moacir Andrade, tentavam
incapacidade material de Belo Horizonte em manter uma folha com aquele formato e da
delicadeza das situações que o jornal teria de enfrentar em uma cidade, segundo diziam-
O Correio Mineiro, após a morte de seu fundador, no final dos anos 20,
meados da década de 30. Nunca porém com a repercussão adquirida no período em que
(5)
Newton Prates, Minas em retrato de corpo inteiro. Estado de Minas. 08 de março de 1977. Caderno comemorativo,
p.3.
(6)
Moacir Assis Andrade, Victor Silveira: o fundador da imprensa moderna em Minas. Minas Gerais. 21 de abril de
1932. 5ª seção, p.1 e 2.
(7)
Idem.
10
foi dirigido por Victor Silveira. Mas a proposta do Correio Mineiro de um novo
jornalismo não deixou de fincar na sensibilidade manifesta dos homens que atuavam na
É dessa forma que os passos iniciados pelo Correio Mineiro vão orientar
praticado nos novos moldes preconizados pelo Correio Mineiro (textos curtos, destaque
imprensa privada da época parecem ter conferido à experiência desse diário uma
jornal constata-se a presença de vários dos principais personagens que estariam à frente
dos diversos projetos jornalísticos que apareceriam até o final da década de 30. (8) No
mínimo, personagens impactados pela dimensão material que sustentava o novo jornal
emerge no novo diário uma espécie de radicalização dos princípios que orientaram a
constituição do Correio Mineiro. Mas existe também algo mais: "notáveis na política,
órgão. Não se trata aqui de ressaltar qual o público alvo do jornal, mas de chamar a
atenção para a importância da sua enunciação. Mais do que apontar a quem se dirige, a
preocupação do artigo é frisar uma nova posição da imprensa frente à sociedade: ela
busca atender a um suposto interesse público manifesto através desses setores sociais,
(8)
Diário da Manhã, 12 de novembro de 1927, p.1.
11
Manhã, proprietária do periódico. Chama-se a atenção para um artigo onde lê-se que
O jornal acena com a idéia de que uma certa autonomia do corpo de redação em relação
impressora própria - a cara, pesada e festejada "Marinoni" - como que a sinalizar para o
Diário da Manhã deixaria de circular menos de um ano após sua criação e cederia, em
seguida, seus equipamentos e boa parte do pessoal para fundação do Estado de Minas.
movimento.
adquirida por este jornal, único diário de Belo Horizonte criado nos anos 20 e ainda em
circulação quando deste comentário. Contudo, esse olhar como que vindo do futuro se
(9)
Carlos Drummond de Andrade, Um parente que faz cinqüenta anos. Estado de Minas. 08 de março de 1977.
Caderno especial, p.1, 8 de março de 1977, caderno especial pág. 1.
12
dos anos 20 e 30 acerca das condições oferecidas pelo meio para geração e manutenção
da chegada da impressora "Marinoni" à capital não são meros recursos para construção
produção editorial na virada dos anos 20/30 parece obedecer a um movimento oposto.
Emergiu com força tal que se projetou e se fixou na sensibilidade dos agentes,
imprensa ali e naquele momento, ou seja na Belo Horizonte da terceira e quarta décadas
desse século. Não é, pois, um olhar que se projeta sobre o passado para adorná-lo, ou
uma simples imagem da realidade, algo que apareça como "forma" ideal que indique um
econômica própria:
gerava um trabalho hercúleo, por um lado pela falta do material publicitário, e, por
crônica do cinqüentenário:
(10)
Álvaro Mendes Pimentel. Que Luta! Estado de Minas. 8 de março de 1936. P.1
(11)
Idem
(12)
Carlos Drummond de Andrade, op. cit.
14
Anjos, militante dessa imprensa da virada dos 30, corrobora com tal perspectiva. No
modelo de imprensa é traço característico das narrativas dos jornalistas da época sobre
esse fenômeno. E elas não se detinham na "falta de notícia e dinheiro" reclamada. Pedro
associado na empreitada.
(13)
Cyro dos Anjos, A menina do sobrado. Rio de Janeiro, José Olympio/MEC, 1979. P.322
(14)
Pedro Aleixo, Página de evocação, Estado de Minas. 07 de março de 1935. P.3, 2ª Seção.
15
público leitor, é a figura do Estado que aparece como justificativa para a atrofia do
suas rememorações.
(15)
Idem.
16
de consolidação dessa imprensa de novo tipo, como se verifica através dos editoriais do
Estado de Minas saudando mais um aniversário do jornal anos mais tarde. Em 1936,
desapareciam". (17)
protagonistas que trabalharam em torno dos veículos com maior continuidade temporal.
imprensa da capital mineira no primeiro terço deste século. O jornal que deu
publicação do diário, que "antes de nós, isto não passava de uma vasta acomodação em
que eram parte saliente as folhas que acabavam vendendo o seu material ao governo
(16)
Estado de Minas, Estado de Minas. 07 de março de 1936. P.2.
(17)
Diário da Tarde, Diário da Tarde. 14 de fevereiro de 1939. P.1
17
jornalismo". (19)
oficial dos poderes públicos, o Minas Gerais - apontado como um dos fatores inibidores
nos demais órgãos de imprensa "um ano vencido é particularmente festejado, porque
jornais privados. É lapidar como Pedro Aleixo sintetiza quais as condições de produção
Minas:
memorialístico? Essa seria uma avaliação apressada, a julgar pelo parecer, em 1935, do
política e intelectual na Belo Horizonte nos anos 30. Lembra ele das ainda precárias
do jornal Diário Mineiro, criado em 1929 após a campanha da Aliança Liberal, estava
nuance importante, talvez já matizando uma outra leitura para a imprensa da época. As
condições espirituais, sempre desfiadas também para demonstrar o ambiente hostil que
(22)
Jair Silva, O repórter no Brasil e nos Estados Unidos, Folha de Minas. 09 de janeiro de 1935. P. 2.
(23)
J. Guimarães Menegale, A imprensa de Minas Gerais na campanha da Aliança Liberal, Minas Gerais. 21 de abril
de 1932. P.15, 4ª seção.
(24)
Eduardo Frieiro, Imprensa política em Minas, Minas Gerais. 21 de abril de 1932. P.11, 4ª seção.
19
impossível fazer jornalismo em Minas com outras armas que não seja as do mais puro
(25)
idealismo, e as tentativas baldadas em sentido contrário robustecem essa afirmação."
deve entender, com isso, que buscamos um suposto "lado espiritual" que tenha
apontará aqui um plano da cultura enquanto esfera própria e particular de ação social.
ordenava sua prática social, suas obras e seu modo de ser. Em suma, investigamos uma
"estrutura de sentimentos", num sentido tal como proposto por Raymond Williams.
sua vivência é vista aqui como parte e evidência de uma experiência, de um vivido
produzido através da prática social de indivíduos e grupos; uma ação que é, pois,
significativa. Dessa forma, não se trata de rever a importância das diversas
processo verificado numa esfera supostamente objetiva da vida social. A rigor, porque
ser vista, pois, como uma qualidade das práticas sociais; é a própria forma de
De saída, vale esclarecer que a ausência de uma revisão da literatura sobre a imprensa
(25)
Diário de Minas, Diário de Minas. 03 de agosto de 1927. P.1.
(26)
Raymond Williams, Cultura. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992 e O campo e a cidade. São Paulo, Companhia das
Letras, 1989, entre outros.
20
inexistência de trabalhos de maior fôlego analítico nesse seara. Em que pese a presença
de José Mendonça (28) caminham na mesma direção. Não se pode esquecer também que o
essa lacuna. Mas, ao mesmo tempo, toma caminho diverso ao proceder a uma análise
histórica e, por isso mesmo, cruciais para o estudo da emergência de novas formas de
sondar determinados processos naqueles momentos que parecem ser o da sua gênese.
Isto faz deste trabalho uma pesquisa limítrofe de história e sociologia
cultural, uma área de convergência em pelo menos dois sentidos. Por um lado, pela
fudamentados. (31) Por outro lado, este estudo recorre a categorias sociológicas não no
(27)
Nelson Werneck Sodré, História de Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966; e Juarez
Bahia, Jornal: história e técnica. Rio de Janeiro, Ática, 1986;
(28)
José Mendonça, A imprensa de Belo Horizonte na fase revolucionária (1925-1937), in: VI Seminário de estudos
mineiros. Belo Horizonte, UFMG/PROED, 1987.
(29)
Alguns desses trabalhos estão bem reunidos na crônica de Humberto Werneck, O desatino da rapaziada, São
Paulo, Companhia das Letras, 1992.
(30)
Conforme Nicolau Sevcenko, Orfeu extático na metrópole. São Paulo, Companhia das Letras, 1992; Renato
Ortiz, A moderna tradição brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1988; Sérgio Miceli, Intelectuais e classe dirigente no
Brasil. São Paulo, DIFEL, 1979; dentre outras obras.
(31)
Sobre a aproximação entre as abordagens históricas e sociológicas ver Lynn Hunt, Apresentação: história, cultura
e texto em A nova história cultural. São Paulo, Martins Fontes, 1992
21
mas pretendendo entabular, através da análise das práticas culturais, uma reflexão com a
do que no sentido de área reservada ou especializada". (32) É dessa forma que esse
trabalho, a nosso ver, se junta à discussão de temas como sociologia da vida intelectual
e do campo cultural.
crônicas que tratam da imprensa de Belo Horizonte no período sugerido e que foram
jornais já existentes em Belo Horizonte, quase uma centena de textos que versam sobre
o assunto. (33) Além disso, realizamos uma levantamento e leitura de textos
mostrou Fernando Correia Dias (34) , são textos excepcionalmente sociográficos capazes
ambiente urbano. É uma literatura que não buscava tratar documentalmente o ambiente
social da cidade mas "apesar de tudo - talvez paradoxalmente por não ser de intenção
(32)
Williams, Cultura, op.cit. p.14.
(33)
A pesquisa foi feita nas coleções de jornais do Arquivo Público Mineiro, da coleção Mineiriana da Biblioteca
Pública Estadual, na Coleção Linhares da Universidade Federal de Minas Gerais e nos arquivos do jornal Estado de
Minas.
(34)
Fernando Correia Dias, Romances da vida urbana, Líricos e profetas. Brasília, Thesaurus, 1984.
22
pesquisa. Buscamos, nesse momento, estabelecer uma visão geral e comparativa das
características editoriais dos jornais em questão. Julgamos, dessa forma, ter levantado o
material mais extenso possível para ver a imprensa de dentro, (re) construir a
indicar de que maneira diferentes indivíduos agrupam-se em torno de uma prática social
imprensa da época, não implica uma suposta noção de fim da dimensão política do
periodismo, mas sua ressignificação. Por fim, no terceiro capítulo, o vetor estruturante é
impostos pela cidade. Faz-se uma reflexão acerca do tipo de experiência urbana
qual um elemento chave diz respeito ao papel dos atores que estão à frente dessa
empreitada. São dois os pilares que alavancam essas supostas mudanças na imprensa, de
modo de se fazer imprensa na cidade. Ao invés disso, esses elementos que dizem
24
respeito à sensibilidade dos atores são exatamente os recursos iniciais que nos permitem
vividos e sentidos ativamente e que compõem a realidade social mesma dessa prática
com as quais são vistas a atuação dos protagonistas das mudanças no jornalismo,
(1)
A noção de estrutura de sentimentos aqui sugerida acompanha a perspectiva delineada pelo historiador inglês
Raymond Williams no estudo que promove sobre imagens do campo e da cidade produzidas na história literária
inglesa. Ver Raymond Williams, O campo e a cidade. São Paulo, Companhia das Letras, 1989. e também, do mesmo
autor, Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro, Zahar, 1979. Esta noção se aproxima bastante da idéia de experiência,
"resposta mental e emocional, seja de um indivíduo ou de um grupo social, a muitos acontecimentos ou a muitas
repetições de um mesmo acontecimento", cunhada pelo também inglês E.P. Thompson, A miséria da teoria ou um
planetário de erros. Rio de Janeiro, Zahar, 1981. p.15.
25
mostraram este traço como recorrente na caracterização dos homens que fazem essa
nova imprensa.
havia que se contar com a dedicação de um grupo admirável de homens" (2), , aponta
favorável já vigorava pelo menos nas duas principais capitais brasileiras nos anos 20 -
Rio de Janeiro e São Paulo. Tal precariedade impunha à imprensa local ancoragem na
capacidade volitiva dos homens que articulavam o então incipiente campo cultural e
pelo autor indicam um movimento importante para nossa análise. Essa sensibilidade
(2)
Pedro Aleixo, Página de evocação, Estado de Minas. 07/03/53, p.3, 2ª Seção.
(3)
Aleixo, Pedro, Página de evocação. Op.cit.
26
que a nosso ver poderá ser identificado como um traço onipresente das auto-
mudanças verificado no periodismo belorizontino dos anos 20 e 30: a nova "era" que se
abria para a imprensa local resultava, sobretudo, da virtude, de um ato de vontade dos
impulso fundamental para articular uma nova esfera de ação social que se verifica agora
no âmbito da imprensa. Sem tais referências para habilitar a nova prática social que
fazer um jornal como o Estado de Minas teria tomado o escopo inicial e, menos
narrativa jornalística que privilegiam textos curtos, diretos e propostas editoriais que
reorganizam institucionalmente o meio e seu papel social - importa-nos aqui não como
imprensa da capital mineira na terceira e quarta décadas do século. Isso nos impõe,
como parte de uma elaboração coletiva e díspar que é tal representação, a indicação de
imprensa.
geral destacam valores e atitudes dos indivíduos que conduzem a imprensa em Belo
Horizonte como veio seminal das mudanças que ocorrem. É o caso das idéias que
criação do principal jornal mineiro, o poeta relembra sua passagem pela imprensa da
27
grupo composto apenas pelos fundadores e figuras que gravitaram em torno daquele que
viria a se tornar o principal jornal de Belo Horizonte. O cronista Moacir Andrade foi um
jornalista presente à maioria das iniciativas editoriais levadas a cabo em Belo Horizonte
entre 1920 e 1940. Sua crônica torna objeto de reverência a figura de Victor Silveira,
(4)
Carlos Drummond de Andrade, Um parente que faz cinqüenta anos, Estado de Minas. 09/03/77, p.1. Caderno
comemorativo.
(5)
Segundo Bourdieu, a noção de habitus diz respeito a um sistema de esquemas adquiridos que funciona no nível
prático como categorias de percepção e apreciação, ou como princípios de classificação". Pierre Bourdieu, Coisas
Ditas. São Paulo, Brasiliense, 1990. p.26.
(6)
Moacir Assis Andrade, Victor Silveira, O fundador da imprensa moderna em Minas, Minas Gerais. 21/04/32. 5ª
seção, p.1 e 2.
28
inóspito terreno que até então não favorecia o florescimento da chamada moderna
imprensa. Não à toa, nos diz Moacir Andrade, Victor Silveira, ante o argumento dos que
com a empreitada de fundar um diário em Belo Horizonte, tinha uma única resposta:
"Estejam tranqüilos, o meu jornal vencerá". Não venceu. Minguaram recursos e leitores
até falir anos mais tarde, em 1928, e o jornal ter o nome por diversas vezes invocado
possível novo momento pelo qual passava a imprensa produzida na capital. Importa-
nos, mais do que esquadrinhar supostas conexões causais, sejam elas de ordem política,
cidade. Dessa forma, é sugestivo retornar ao Correio Mineiro. Não aquele mesmo jornal
que causara sensação entre os leitores da cidade em 1926, mas outra iniciativa que ali
1933, agregando antigos figurantes da primeira e mais importante empreitada que levou
também retorna a idéia de que os encabeçadores do jornal operam com uma capacidade
ainda mais efêmera e que não gozaram de maior influência e repercussão entre o
(7)
Alberto Deodato, Correio Mineiro, Correio Mineiro. 02/03/34, p.1.
(8)
O VII aniversário do jornal de Victor Silveira, Correio Mineiro. 02/03/33, p.1. 2ª seção.
(9)
Gazeta Mineira, para servir aos interesses impessoais da coletividade. Gazeta Mineira. 27/09/38, p.1.
30
das idéias postas em cena pelos discursos que se voltam para o registro do nascedouro
de uma nova etapa da produção editorial em Belo Horizonte nos anos 20 e 30. Todavia,
articulada a uma outra imagem acerca dos "homens de imprensa" da época: a de que,
sem uma certa voluntariedade, uma disposição para enfrentar o trabalho na imprensa,
como um tipo de sacerdócio, não seria possível promover uma alteração nos padrões
nova imprensa. Passamos dos proprietários, ou pessoas por esses indicadas, para
jornal em 1934, é sugestivo para continuar nossa discussão. "Os vitoriosos", nome do
artigo editado em coluna diariamente publicada por Mello Franco à primeira página do
funcionamento o periódico.
(10)
Relembramos aqui que o trabalho se atém aos indivíduos que "escrevem" o jornal, não alcançando os que
desempenham atividades gráficas. Um estudo sobre esta relação, ou diferenciação das duas categorias, ainda está por
ser feito e poderia revelar processos importantes como o avanço da divisão do trabalho e as mudanças de perfis
profissionais relacionadas à dinâmica social, cultural e as transformações tecnológicas.
31
desenvolvimento dos jornais diários, nos moldes dos principais centros editoriais do
jornal. O que faz com que articule seu discurso em torno da lógica de homenagear
aqueles que, para ele, enfrentam as dificuldades do fazer jornal em Belo Horizonte.
(11)
Afonso Arinos de Mello Franco, Os Vitoriosos, Folha de Minas. 15/10/35, p.1.
32
Estes, porém, revelam de maneira bem mais aguda, em sua avaliação sobre o trabalho
com atividades jornalísticas em Belo Horizonte, uma sensibilidade marcada pela idéia
do sacrifício que a atividade da imprensa impunha aos que com ela lidavam.
ser identificado como empreitada das mais tranqüilas. Cyro dos Anjos relembra assim o
década de 20.
Não se podia esperar por eles vindos das sociedades que editavam os periódicos. O
trabalho, nem sempre remunerado, fazia com que o jornal fosse um "bico", uma
atividade que, do ponto de vista financeiro, era secundária para sustentação dessas
pessoas. Servia, é certo, diz Cyro dos Anjos, para levantar alguns "trocados" mas,
e algum contato junto a um público leitor mais amplo que o do então precaríssimo
diagnóstico traçado por Wright Mills, para quem "nos países subdesenvolvidos, o
produtos e serviços culturais". (13) Convém lembrar também que, por essa época o jornal
(12)
Cyro dos Anjos, A menina do sobrado, Rio de Janeiro, José Olympio/MEC, 1979. p.320
(13)
Citado por Antônio Cândido, A revolução de 1930 e a cultura, Novos Estudos Cebrap, nº4, abril de 1984. Sobre o
processo de convergência dos escritores em geral para o âmbito da imprensa periódica pela precariedade de um
mercado consumidor ver Angel Rama, A cidade das letras. São Paulo, Brasiliense, 1985. e Sérgio Miceli, Intelectuais
e classe dirigente no Brasil (1920-1945), São Paulo, DIFEL, 1979, p.210.
33
se constituía num primeiro refúgio para pessoas em geral vindas de outras cidades:
ninguém é natural de Belo Horizonte. Cyro dos Anjos dá cor a essa tese ao "refletir"
sobre a origem política do projeto do jornal Diário da Manhã, quando convidado para
trabalhar no periódico:
dos escritores ("vagidos literários", diria Drummond), era este um dos interesses básicos
que conduzia tais indivíduos para o trabalho nos periódicos. Os próprios cronistas
que não vão adiante dos números iniciais e estimulam uma migração intensa dos
escritores para os jornais, veículos que estendiam suas edições por um tempo maior
público (15) que lhes possibilitava exercer a mal remunerada atividade jornalística. (16)
emprego público. Mas, convém lembrar, o que possibilitava muitas vezes a manutenção
(14)
Idem, p.328
(15)
O diário oficial Minas Gerais, de 21 de abril de 1932, lista como membros de sua equipe uma redação com os
seguintes jornalistas, também "praticantes" nas redações de outros jornais: Moacir Andrade, Eduardo Frieiro, Álvaro
Benício de Paiva, Carlos Drummond de Andrade, Ramos Arantes, Javert de Souza Lima, Emílio Moura, Jair Silva,
Edgard de Faria Soares, Antônio Silva, Gualter Gontijo Maciel, White Lírio Silva, Edson Silveira, José Ranulfo,
Mário Scotti e Jairo de Almeida. O jornal informa também que a redação possuía outros auxiliares contratados ou
comissionados de acordo com a necessidade do serviço. Há ainda as figuras que, ligadas ao mundo da imprensa,
estiveram no serviço público em outras repartições, como o caso do escritor João Alphonsus.
(16)
José Nilo Tavares, num levantamento acerca da imprensa do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, na primeira
metade da década de 20, estima que um chefe de redação e o secretário do jornal recebessem em média 700$, o
repórter político 250$ e um redator comum 150$. O salário médio de funcionário público alcançava 600$. Não se
pode esquecer que estes são valores correspondentes a principal cidade do país à época e que, mais a crise econômica
dos anos subsequentes, não é difícil supor que valores menores fossem praticados na imprensa de Belo Horizonte.
José Nilo Tavares, Imprensa na década de 20: sociedade, política e ideologia. Revista Brasileira de Estudos Políticos.
nº54, Belo Horizonte, janeiro, 1982.p.133-166.
34
cruciais: produziam seus principais cronistas ao garantir uma fonte regular, e muitas
de leitores, imaginando-se estes ávidos por uma leitura menos oficial do que a
empreendedora como condição para ultrapassagem da barreira imposta pelo meio sócio-
econômico adverso da capital. Por outro lado, os responsáveis pelo fazer jornalístico
(17)
Carlos Drummond de Andrade, Op.cit.
(18)
O Minas Gerais, de 21 de abril de 1932, informa que desde 1923 sua tiragem era em torno dos 20 mil exemplares
enquanto os próprios jornalistas que trabalhavam na imprensa da cidade afirmam que os principais diários da cidade
tinham edições que não ultrapassavam a casa de um mil exemplares.
35
bastante esforço para que se desse conta da atividade. As instalações dos jornais em
horário de trabalho contava com um dia de descanso semanal e a jornada diária podia
variar de seis horas para repórteres políticos até dez ou doze horas para os repórteres de
polícia. (19) Apontado como o precursor da imprensa moderna, o Correio Mineiro, relata
urbano. Cyro dos Anjos, por exemplo, mostra os obstáculos para o exercício do
jornalismo na capital ao narrar um episódio por ele vivenciado logo nos primeiros dias
incumbência de escrever uma reportagem sobre supostos fatos estranhos que estariam
ocorrendo numa casa abandonada da cidade, Cyro dos Anjos redige uma matéria onde
"carrega nas tintas" de um depoimento de um zelador que fizera alusão a coro de vozes,
(19)
José Nilo Tavares, Op.cit.
(20)
Alberto Deodato, Duas Datas, Correio Mineiro. 02/03/34, p.1
(21)
Ciro dos Anjos, Op.cit. p.327
36
multidão que, segundo ele, acorreu a redação do jornal. Voltaremos mais à frente ao
aqui era apenas indicar como a percepção que os jornalistas apresentam de sua prática
fixa, com destaque às privações de toda ordem para o desempenho de sua atividade, a
segundo ele,
dos empregados do jornal ele diz que "o leitor bem dormido, despreocupado e
(22)
Paulo Pinheiro Chagas, Esse velho vento da aventura, Belo Horizonte, Itatiaia, 1977. p.243.
37
passei e passo por acaso, confesso que ainda não entendi a razão
disso. (23)
funcional e econômica dos jornalistas é tão presente na sensibilidade dos que trabalham
nos jornais nessa época, que não escapa sequer da atenção de uma crônica
união dos cronistas em torno do objetivo de fazer o jornal, mostrando que "isto é que
têm acerca da sua própria ação nas mudanças ocorridas no âmbito da produção editorial.
A forma como aparecem no discurso dos protagonistas nos permite mesmo estabelecer
uma clivagem entre aqueles que se apresentam como mentores dos projetos de jornais e
(23)
Afonso Arinos, Op.cit.
(24)
Meus parabéns, Diário de Minas. 03/08/28, p.2
38
organizativa aos jornais da época, requeriam grande voluntarismo dos indivíduos que
buscavam nos periódicos desde a realização de uma "vocação" até mesmo uma
discursivas que constituem uma mesma disposição desses indivíduos em face de uma
tarefa que matriza ambos os pontos de vista: trata-se de engendrar novas práticas no
espaço da imprensa da cidade. O que não quer dizer que a presença dessas pessoas no
motivações que balizam a ação dos atores sociais e a direciona, no nosso caso
uma espécie de "porta de entrada" para a criação de padrões de conduta desses agentes
âmbito da imprensa, um espaço privilegiado para sua atuação nos idos da década de 20
permanentemente com o salário em atraso? Que "caráter" é esse que "impõe" ações
social. Uma das maneiras de realizar esse tipo de análise é tomar a repercussão da
Noutras palavras, construir uma explicação que gravitaria em torno de uma certa noção
de classe social.
dessas condições, as pessoas que lidavam com a produção de jornais em Belo Horizonte
possuíam a raiz comum de detentores de um certo aporte cultural, fruto de um
marcadas por uma atmosfera de "inquietude intelectual, volta para a realidade nacional;
(25)
Fernando Correia Dias, João Alphonsus: tempo e modo, Belo Horizonte, UFMG, 1965, p.167. Sobre a atmosfera
intelectual da época ver também Antônio Cândido, op. cit.
40
comércio, dos bancos, das agências de venda, assim como os empregados de 'serviços'.
composição interna das classes médias, deve ser feita através de uma distinção em torno
de processos que possam explicar a aglutinação dos diferentes conjuntos que compõem
evidente, a partir desse método, a performance política desses setores sociais. Parece-
quartel deste século. Ou seja, talvez possamos indicar que um processo aglutinador
desses diferentes setores internos a essa fluída camada social definida por "classe
média" poderiam ter sido as mutações experimentadas no universo dito cultural das
práticas sociais.
aparecimento de um mercado de trabalho não manual urbano. Esse processo tem início
(26)
Paulo Sérgio Pinheiro, Classes médias urbanas: formação, natureza, intervenção na vida política, In: Bóris
Fausto, História Geral da Civilização Brasileira, Brasil Republicano, 2º volume. Rio De Janeiro, Bertrand Brasil,
1990, p.12
41
pública. "A categoria dos intelectuais, dos profissionais liberais - advogados, médicos,
literárias a idéia de que a Belo Horizonte da época era uma "cidade de funcionários".
acabou por fixar-se na imagem destilada pelo discurso intelectual, não contempla todas
as faces da realidade de Belo Horizonte. A cidade, ainda que não se ignore o peso de ser
caso fosse este o escopo da análise, que intervir numa espinhosa discussão, corrente nas
(27)
Idem p.16. Trata-se de um fenômeno mais geral que se verificou na modernização dos centros urbanos latino-
americanos, como pode ser constatado na reflexão de Cláudio Véliz: "Essas cidades foram concebidas inicialmente
como centros burocráticos; o comércio e a indústria quase não interferiram em seu período de formação (seus
habitantes) eram empregados em serviços, ou setor terciário da economia, e abrangiam tanto empregados domésticos
como advogados, professores, dentistas, funcionários públicos, vendedores, políticos, soldados, zeladores, contadores
e cozinheiros". Citado por Angel Rama, A cidade das letras, São Paulo, Brasiliense, 1985.
(28)
Sobre a participação do segmento burocrático na estrutura social da cidade ver Fernando Correia Dias, op. cit.,
Paul Singer, Desenvolvimento econômico e evolução urbana, São Paulo, Companhia Editora nacional, 1974 e
Francisco Iglésias e João Antônio de Paula, Memória da economia da cidade de Belo Horizonte. Belo Horizonte,
BMG, 1987.
(29)
O historiador Francisco Iglesias explica que "se havia mais operários que funcionários, estes apareciam, aqueles
não, pela modéstia de suas funções. Desde o princípio há uma projeção concedida ao servidor público. Como as
atividades agrícolas e industriais fossem reduzidas, não atraíam o homem da classe média, formado ou
intelectualizado. Só podia trabalhar em alguma repartição, ser professor ou jornalista. O comércio dava menos
prestígio, embora pudesse dar mais rendas". Francisco Iglésias, Op.cit. p.14. Sobre esse fosso entre a "cidade
sensível" e a "cidade narrada" é interessante ver a discussão de Angel Rama sobre a noção de cidade letrada.
42
e frações de classe na luta política do final da Primeira República e a ruptura dos anos
mostrariam insuficientes para dar conta da ação perpetrada pelos "homens de imprensa"
a classe como categoria analítica central para análise das relações entre os campos
econômico, político, social e cultural e pelo menos três aspectos de difícil tratamento: o
E por último, que estes mesmos interesses se definam sempre pelo viés da exploração
coletivas.
faixa social abarcada pelos setores médios da população compartilha uma variável
Nesse sentido talvez fosse mais adequada a aproximação com o conceito weberiano de
grupo de status ou com uma noção renovada de classe. No primeiro caso porque
com base numa característica objetiva e formal (situação de mercado), mas num agir
Já, mantendo-se a idéia de classe social para análise do agrupamento dos "homens de
imprensa", esta deveria ser concebida como uma espécie de "formação social (uma
coletividade cuja ação deve ser explicada em seus motivos, eficácia, sentido e resultado)
e são também, quando não agentes, constelações de sentido que fornecem parâmetros
simbólicos estruturais à ação individual e grupal". (31) Por essa via, os componentes das
jornalístico ou de imprensa.
segmentos médios na sociedade dos anos 20 e 30, torna atrativa a idéia de se lidar com
O termo intelectuais, todavia, será aqui referido num sentido que merece,
teóricos recorrentes no trabalho com esta categoria é considerá-la "em primeiro lugar,
(30)
Norberto Bobbio et alii. Dicionário de política. Brasília, Edunb, 1992. p.173.
(31)
Antônio Sérgio Alfredo Guimarães, Classes, interesses e exploração; comentários a um debate anglo-americano,
BIB, Rio de Janeiro, nº31, p.50/62, realiza interessante análise sobre limites e possibilidades do trabalho com a
categoria de classe social. A formulação tem pontos de contato com a conceituação de Thompson que entende classe
não como uma coisa, mas uma relação definida pelos homens enquanto vivem sua própria história como resultado de
experiências comums, herdadas ou partilhadas. Para uma discussão sobre o conceito de classe no marxismo ver
também E.P. Thompson, Op.cit. e Adam Przeworski. Capitalismo e social democracia. São Paulo, Companhia das
Letras, 1991.
44
segundo lugar, uma enganosa ampliação de um tipo de formação cultural para uma
categoria social geral". (32) Quando referida a tipos sociais específicos, como escritores e
pensadores sociais, e sua relação com a ordem social e suas classes, se trata de uma
definição muito particular que não dá conta do conjunto da organização social dos
produtores culturais. No nosso caso, poderíamos perder de vista uma gama de funções
sentido, a noção de intelectual pretende dar conta do que Williams define como
produtores culturais, agentes das práticas significativas e relações sociais que, em nosso
gramscianos, que distingue os intelectuais a partir de sua função social imediata como
Brasil nos anos 20, 30 e 40 desse século. (34) Miceli busca explicitar como a partir da
(32)
Raymond Williams, Cultura, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992, p.212.
(33)
Ver Antônio Gramsci, Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1982;
Alfredo Bosi, O trabalho dos intelectuais segundo Gramsci, im Céu, Inferno. Ensaios de crítica literária e ideológica.
São Paulo, Ática, 1988; e Sérgio Miceli, Ideologia, aparelhos do Estado e intelectuais em Gramsci. Sào Pauli, 1974.
(mimeo)
(34)
Sérgio Miceli, Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945), São Paulo, Difel, 1979, p.210.
45
literatura e Estado. Segundo o autor, "o desenvolvimento das instituições culturais, das
transformações por que passavam então as relações entre os diversos grupos dirigentes
produção cultural. "Os mesmos grupos sociais em expansão nos grandes centros
de cujo apoio passou a depender a nova coalizão de forças que detinha o controle do
autônomo tanto em relação aos antigos grupos dirigentes e aos seus mecenas privados
chamada Revolução de 30 é, para tomar uma idéia desenvolvida por Antônio Cândido,
plano cultural apresentam-se agora articulados, fruto sobretudo de uma nova correlação
entre o intelectual, de um lado, a sociedade e o Estado, de outro, motivada por
também nas alterações que se processam no mercado de trabalho intelectual, que assiste
(35)
Idem, p.XVI.
(36)
Idem, p.210.
(37)
Antônio Cândido, op. cit.
46
podem transmitir aos filhos um certo montante de capital social e cultural variável
carreiras dos diferentes tipos de intelectuais à história social de suas famílias. Daí,
sugere, a distribuição dos agentes propensos a uma carreira intelectual pelas diferentes
montante e dos tipos de capital escolar e cultural a que terão acesso conforme o setor da
classe dirigente a que pertencem. É nessa situação que o autor aponta dois parâmetros
de atuação desses intelectuais que se aproximariam das duas posições por nós indicadas
no trabalho com o discurso dos "homens de imprensa" acerca do seu próprio papel na
referência aqueles que, situados mais à margem do núcleo central da elite dirigente,
tendem a negociar seu parco capital social e cultural em troca de refúgios profissionais.
São os "parentes pobres", diz Miceli. Poderíamos aqui aproximar a biografia dos
jornalistas que em seu discurso enfatizaram as condições precárias que enfrentam os
trabalho nas redações da cidade. Estarão aí comandados pelos "herdeiros", aqueles que
militante de diversos jornais de Belo Horizonte, Cyro Versiani dos Anjos. O primeiro,
para Belo Horizonte para concluir os estudos secundários e graduar-se em Direito. Tem
suas atividades marcadas pela rotatividade ocupacional que marca a vida dos "primos
Sérgio Miceli faz dos "primos pobres" é precisa. "As famílias dos 'primos pobres'
da frátria, ao que muitas vezes vem se aliar a presença de estigmas, esses futuros
fazer seus irmãos mais velhos". (38) Esta "baixa" intelectualidade, na busca do renome
lugar de fascínio e construção de uma identidade social, um posto para dar vazão a um
impulso de escrever, que eles muitas vezes entendiam como vocação. "Havia realmente
vocação naquele tempo. E também uma certa vaidade em considerar a profissão como
algo intelectual, criativa, muito além da atividade profissional de outros setores. Ser
jornalista eqüivalia a assumir uma aura diferente, (...) e para eles o que importava era
apurar, escrever, entrevistar, houvesse ou não dinheiro certo - sem dúvida não lhes
(38)
Idem.
48
faltava, pela mesada providencial dos pais de classe média." (39) A gratuidade de
serviços, reconhece Pedro Aleixo, era a regra dentro das redações. (40)
de uma nova relação política entre intelectuais e classe dirigente aparecem como
precaver, pode dar guarida também a uma leitura algo restritiva da ação desses
produtores culturais, como afirma Antônio Cândido. "O papel social, a situação de
constituição do ato e do texto de um intelectual. Mas nem por isso vale como critério
Assim, aqui nos parece mais apropriado apontar para o trabalho dos
múltiplos servidores intelectuais que forma um anel em torno do poder e que cumpre os
"encargos civilizadores". Por ora, importa-nos ressaltar que o autor discute a margem de
em autores como Karl Mannheim e Avin Gouldner. Rebate a noção marxista que reduz
os intelectuais a meros executores dos mandatos das instituições ou classes, pois tal
esclarecedora:
(39)
Tempo de fato e mito. Estado de Minas. 08/03/77, p.4. Caderno comemorativo.
(40)
Pedro Aleixo, Uma data mineira. Estado de Minas. 08/03/36, p.1.
(41)
Sérgio Miceli, op.cit.p.11.
49
que procede de um campo que lhe é próprio e que dominam, pelo qual se
Belo Horizonte nos anos 20 e 30, não se trataria simplesmente de combinar um número
maior de variáveis que permitissem a construção de um quadro "mais complexo" de
histórica que produz e é produzida pelos atores sociais escaparia a um processo tal de
encapsulamento.
possibilitando captar elementos para a construção do que, nos parece, poderia ser uma
concerne à imprensa de Belo Horizonte. O pensador francês verifica como uma dada
(42)
Angel Rama, A cidade das letras, São Paulo, Brasiliense, 1985, p.48. 156p.
50
noção de cultura política é seminal para seu trabalho e diz respeito não ao "conjunto dos
trata de três dos múltiplos aspectos do que entende por cultura política: posição social
identificar suas orientações, em face das classes dirigentes, como derivadas dos
interesses que compartilham e não como expressão de sua conversão à ação política. O
autor não descarta a noção de interesse para perceber uma categoria social cuja tarefa
podem ter uma consistência limitada. Não se revelam senão após as tentativas de
forma diferente. "Tudo estava em jogo ao mesmo tempo". (45) E, nessa perspectiva de que
os planos se mostram indissociáveis, a referência de análise pode se deslocar da
cultura política de Pécaut - que pode ser postulada como provável orientadora da prática
(43)
Daniel Pécaut, Os intelectuais e a política no Brasil, São Paulo, Ática, 1990. p.17.
(44)
Idem, p.335
(45)
Por outro caminho, esta reflexão é realizada por Renato Ortiz quando analisa o que chama de incapacidade de
autonomização do campo cultural no início do desenvolvimento capitalista no país. Ver Renato Ortiz, A moderna
tradição brasileira, São Paulo, Brasiliense, 1988.
51
Luciano Martins. Em torno dessa categoria talvez possamos indicar outras dimensões
sua utilização comum para designar coisas diferentes. (46) O autor indica as balizas
sentimento de não identificação com a sociedade tal como esta se apresenta, o que pode
traduzir-se por uma rejeição ao status quo e constituiu a fonte do desejo de transformar
tal sociedade". (47) Seria, pois, uma forma de alienação situada no domínio do subjetivo e
não um fenômeno objetivo como sugere Gella. "Quer dizer: não ditada por qualquer
vivida entre, de um lado, a sociedade desejada a partir de uma certa visão de mundo e,
outro, a sociedade tal como se apresenta, a sociedade 'real'". A formação dessa visão de
reconhecimento pela sociedade da condição de intelectual. Mas não pode ser explicada
que normalmente atribuem à sua ação. Sua visão de mundo, baseada num sistema de
valores onde há uma deontologia do ofício intelectual, é que provocaria sua não
conformidade com as regras sociais estabelecidas não sendo, pois, adequado explicar a
ação da intelligentsia a partir da idéia de discriminação social, posto que isto implicaria
(46)
Luciano Martins, A gênese de uma intelligentsia - os intelectuais e a política no Brasil (1920-1940), RBCS, nº4,
volume 2, São Paulo, junho/1987. A concepção de Luciano Martins, embora com terminologia semelhante, afasta-se
da noção de intelligentsia desenvolvida por Mannheim, aproximando-se mais da própria idéia de produtores culturais
de Williams.
(47)
Idem, p.68.
52
são reconhecidos enquanto tais". (48) Esses princípios de auto-identificação podem criar
uma espécie de "clã", mas não configuram condição suficiente para a existência de um
estrato social. Tal aspecto não impede, porém, a abordagem da intelligentsia sob a
infere alguns traços gerais para dar conta do fenômeno dos intelectuais: conteúdo
mais a mirar-se apenas no espelho do 'mundo civilizado', se bem que ainda sejam
seduzidos por ele. São também os que se consagram à criação literária, às primeiras
(48)
Idem, p.68.
53
O isolamento vivenciado por esta elite intelectual não tem a ver com
discriminação social dos intelectuais (havia certa porosidade entre as camadas urbanas
penetrar fortemente o mundo urbano e b) operava num campo cultural ainda dominando
pela cultura ornamental, com pouco espaço seja para o pensamento abstrato, seja para o
"Durante os anos 20, o Brasil, como se sabe, passa por transformações culturais,
centros urbanos, sobretudo Rio de Janeiro e São Paulo, conhecem nessa época uma
efervescência cultural e política sem precedente. É no eixo das relações ambíguas entre
esses dois domínios (o cultural e o político) que a intelligentsia buscará não mais seu
trabalho nos jornais da cidade, ajudam a criar um sentimento de pertença aos indivíduos
e, por outro lado, revelam a sensibilidade desses indivíduos impactada pelas mudanças
(49)
Idem, p.75.
54
ligação com a modernização do país. É o que nos diz Fernando Correia Dias tomando
como referência os modernistas mineiros. Ele indica como sua ação cultural e política é
em todas as áreas. (50) A nosso ver, aspectos que ajudam a explicar o processo de coesão
atualização de influências recíprocas nos bares, cafés e livrarias - podem ser, de certa
segundo Martins, vão marcar o pensamento intelectual da época com a idéia de atraso,
ambivalência de sua atitude, feita de esperança e desespero, em face desse país cujo
potencial para a mudança eles saúdam, ao mesmo tempo em que deploram as
dificuldades para realizá-la". (51) Veremos em que medida ocorre a explicitação dessa
guias mestras que orientam as práticas dos "homens de imprensa" da cidade. O que nos
importa neste momento é indicar a relação que, política por excelência, os intelectuais
(50)
Fernando Correia Dias, Os modernistas e a cultura regional, mimeo, s/d.
(51)
Luciano Martins, op.cit.p.80
55
instaurada pelo surgimento de jornais diários na Belo Horizonte dos anos 20 e 30, a
busca de definição deste "lugar"? Para isto teremos que buscar os traços balizadores
a experiência do fazer imprensa um desejo, uma "fantasia" de que eram possuídos seus
protagonistas.
(52)
Idem
56
governo e ao poder. (1) E com a imprensa não seria diferente. As redações dos jornais,
sempre em torno desse centro nervoso da capital, também marchavam de acordo com a
orientação política que subia Bahia rumo ao Palácio da Liberdade ou engrossava o coro
dos que, de fora desse cortejo, sonhavam com ele. Além disso, junto com a discussão
literária ou a conversa dos cafés, a rua da Bahia dos periódicos da capital significava,
também, uma conexão entre cultura e política que alimentava o debate sobre a
(1)
"Voltemos à Rua da Bahia dos anos 20. Era lá o caminho do Governo, que ficava no alto, na Praça da Liberdade,
dominando a cidade dos estudantes e burocratas, tão diversa da de hoje", relembra Carlos Drummond de Andrade em
Tempo, vida, poesia., Rio de Janeiro, Record, 1986, p.61. O registro literário é pródigo na construção dessa imagem
e vale citar pelo menos o envolvente relato memorialístico de Pedro Nava, Beira-Mar. Rio de Janeiro, Nova
Fronteira, 1985. Para uma análise da atmosfera intelectual e política que envolvia a rua da Bahia na década de 20 ver
a tese de doutorado de Helena Bomeny, Mineiridade dos Modernistas. A república dos mineiros. Rio de Janeiro,
Iuperj, 1991.
57
Guilhermino César, que aportou na cidade no fim de 1927, vindo de Cataguases, e logo
despontou dentre os literatos e, o que era quase a mesma coisa, no grupo do jornalismo
local, relembra sua experiência no Estado de Minas, pouco depois de sua chegada.
César anota que o novo jornalismo do período não deixa de irromper de uma "crisálida
todos os jornais: nacional ou local, a movimentação dos políticos é, sem exceção, tema
torno do executivo estadual eram objeto da atenção dos jornais, merecendo acolhida
período histórico, todos os periódicos se apresentam aos leitores destacando qual o seu
marcava-se na segunda metade dos anos 20 por um governo com "ares" liberais um
pouco diferentes do estilo político das oligarquias então no poder. O presidente Antônio
imprensa local.
aparecerá em suas falas não mais como uma condição natural, e sim um problema a ser
(2)
Sobre o significado do governo Antônio Carlos e algumas das mudanças implementadas no estado ver John Wirth.
Minas: o fiel da balança. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982 e As constituintes mineiras de 1891, 1935 e 1947; uma
análise histórica. Belo Horizonte, Assembléias Legislativa do Estado de Minas Gerais, 1989.
58
na capital.
experimentada pela imprensa ao ganhar o mundo para além do casulo da política que
abriga seu desenvolvimento inicial, conforme sugeriu Guilhermino César. Com isso,
pretendemos verificar não o vôo efetivamente alçado pelo periodismo da época mas que
instituição do que percebem como uma prática renovada no âmbito da imprensa nos
seus laços com o campo político. Nesse sentido, aspectos e traços da realidade da
política local e nacional, naquele momento, aparecem como recurso, uma espécie de
pano de fundo contra o qual se projetam e onde também refletem-se representações dos
vivida pelos indivíduos naqueles anos funcionam como o combustível, o detonador das
chancela o controle dos mecanismos de mediação e das agências de poder público pelas
redefinição da situação política local. Um dos pontos importantes que convém ressaltar
chamados modernistas, na órbita do executivo conferiu a este uma faceta liberal e abriu
destaque para o setor de educação, de certa forma antecipando-se às pressões sociais por
assume o periodismo da capital mineira na sua relação com a política. Afonso Arinos de
Melo Franco, já atuante na política estadual, após passagem pelo jornal Diário de
rememora:
(3)
Uma das poucas exceções a um balanço geral positivo do governo Antônio Carlos é de Barbosa Lima Sobrinho, A
verdade sobre a Revolução de Outubro de 1930. São Paulo, Alfa ômega, 1975.
(4)
Afonso Arinos de Melo Franco. A alma do tempo. Rio de Janeiro, José Olympio, 1975. p.301
60
como vimos no capítulo segundo deste relato, apoiando candidatos de forma declarada.
Também cerrou fileiras em torno do então presidente de Minas, Antônio Carlos, já nas
30. (6)
vivida pela imprensa da cidade nas terceira e quarta décadas deste século poderiam se
novidade na seara das relações imprensa/política. José Mendonça, em uma das raras
reflexões que põem em tela a imprensa da capital nesse período, oferece-nos um painel
acerca dessa realidade. (7) Já numa análise de contexto mais amplo, estudos clássicos da
historiografia nacional situam esta fase do periodismo local como momento de
Sodré, para quem desde a virada do século XIX a imprensa nacional vive um momento
nacional pari passu com a evolução de uma sociedade de tipo capitalista, ainda que
luta política partidária e de construção de uma esfera pública burguesa; e, por fim, 3) a
olhar para a então imprensa da cidade como que volteando no interior de um momento
de transição, entre a primeira e segunda República. Momento este que prepararia seu
políticas entre grupos locais/nacionais rumo a uma, ainda que incipiente, fase
suas relações com o anunciante, leitor e a atividade política, até então motor
como Rio de Janeiro e São Paulo já na virada do século: se a preocupação central dos
jornais ainda é o fato político, eles agora não se voltam tão incisivamente para as
grupos que conduzem a política e, em geral, dirigem o Estado no sentido do capital que
sociedade. Interesses estes que a partir de um dado momento resultam insuficientes para
econômico verificado na cidade. Tampouco olhamos para essas mudanças que ocorrem
de uma lógica mercantil na operação dos negócios do jornalismo. A nosso ver essa
perspectiva aparenta uma desqualificação prévia de elementos outros, que não fatos
jornalística na cidade. Será que não poderíamos tomar a atividade da imprensa também
no Brasil nos anos 20 e, nesse sentido, como nos mostra Daniel Pécaut, inseparável da
político?
Talvez esta possa ser uma "picada" que abra caminho para um
Belo Horizonte da década de 20. Tentaríamos fugir assim de uma causalidade estreita
para situar as movimentações editoriais que ocorrem também como parte de uma
cenário social.
Nesse sentido, seria interessante retornarmos aos breves trajetos,
algo mais não transborda da idéia de que o fato político é o condutor fundamental
(11)
Daniel Pécault. Os intelectuais e a política no Brasil. São Paulo, Ática, 1990. p.22
64
desses processos. Afonso Arinos Melo Franco, dizíamos, galgava posto de direção no
Estado de Minas por acertos entre os indivíduos que operavam na política local e
elites de São Paulo. O acordo feito com a direção da empresa editora, pertencente a
Assis Chateaubriand, (12) permitia, como forma de esta fugir às represálias do governo
federal pelo seu apoio aos paulistas, que os seus jornais mineiros servissem à política
Entretanto, nos diz Afonso Arinos em suas memórias, Chateaubriand lhe determinara
que sua participação nos jornais se restringisse à orientação editorial do material que
abordava os fatos do mundo político. A atuação de Arinos não poderia implicar nenhum
tipo de ingerência financeira na vida dos periódicos. O registro do autor pode parecer, à
mudanças de orientação política do jornal alterando sua direção, que o diário tem sua
atividade organizada pelos interesses do sistema político, com este ainda mantém
ligações orgânicas. Todavia há uma esfera dos negócios - que neste caso diz respeito a
toda a dinâmica e atividade jornalística que não aquela ligada aos compromissos
(12)
Os jornais de Belo Horizonte formaram o terceiro pilar do que viria a ser conhecido como império jornalístico de
Assis Chateaubriand. Ver Renato Ortiz op.cit.
(13)
Nelson Werneck Sodré. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966. p.435
65
Contribuiria para acelerar tal "transição" o próprio fato de os jornais Estado de Minas e
Diário da Tarde fazerem parte, em Minas, de uma incipiente cadeia jornalística que se
história do jornalismo do Rio Grande do Sul, que o novo regime jornalístico que se
afirma a partir dos anos 30 naquele estado, seguindo o processo que já se presentificara
nos dois principais centros do país, Rio de Janeiro e São Paulo, não perde seu caráter
político.
manter intacta sua natureza, sua integridade enquanto prática social específica. Agora
apenas resta também dissimulada no interior das novas formas de existência e atuação
sua dinâmica e prática, aparecem como insuficientes para redefinir sua legitimidade
distinção, no jornal Estado de Minas dos anos 20, de uma esfera "política" e outra de
diferenciadas, "política" e "negócios de imprensa" manteriam entre si, por um lado, uma
(14)
Rüdiger, op. cit. p.64
66
Mas, a nosso ver, não parece ser apenas esta a perspectiva produzida e
inferida de seu discurso. A menção feita por Afonso Arinos, de que sua presença na
direção do jornal Estado de Minas estaria circunscrita a uma determinada atividade, não
acontecimento. É certo que o autor não faz nenhuma reflexão específica sobre a
questão. Mas seu "silêncio" acerca de um fato seminal para a atividade política à época
implicasse, na visão deles, nem uma dissociação entre imprensa e política, como
aparece à nossa primeira observação, mas nem tampouco uma subordinação, em nova
forma, da primeira à segunda atividade. Seu silêncio pode indicar que, nos quadros de
referência simbólica da época, os novos nexos que ligam imprensa e política emergem
juntamente com uma nova imaginação que organiza a percepção dessa porção da
como de crescente distinção a partir desse processo, aparecem sim como diferentes,
Afonso Arinos constrói sua lembrança da imprensa da capital em torno de pelo menos
dois pilares. Ao deixar os jornais dos Diários Associados, o político e jurista, rememora,
moderno" para a capital de Minas Gerais. Fundada em 1934, a Folha de Minas, apesar
da clara motivação política, é vista por ele como um jornal que, antes de tudo, renovou
67
a técnica da imprensa mineira. "A 'Folha de Minas' foi, sem dúvida, um sucesso
intelectual e, até certo ponto, um êxito jornalístico", garante. (15). Um jornal, fundado em
função da atividade política, parece ter como critério central de avaliação seu
cobertura de política nos jornais, as falas dos jornalistas da época parecem não referir-se
se trata, afinal, quando o assunto é imprensa e política? Vejamos as palavras dos nossos
protagonistas.
Governo aqui representa a política em geral já que nesta época não havia como fazer
menção à ordem política sem voltar-se para o poder central de Estado. (17) Reivindica-se,
porém sem romper os liames que a fazem política, a imprensa tem que legitimar novos
(15)
Afonso Arinos, op.cit. p.339.
(16)
Editorial. Estado de Minas. 16 de julho de 1927. p.1
(17)
Para uma discussão sobre os enfoques que privilegiam ora a primazia da sociedade na estruturação do poder
político, ora a prevalência do Estado em sua capacidade de plasmar a sociedade e os interesses políticos, ver Eli
Diniz e Renato Boschi. O corporativismo na construção do espaço público. In: Renato Boschi (org.). Corporativismo
e desigualdade: a construção do espaço público no Brasil. Rio de Janeiro, Rio Fundo/Iuperj, 1991.p.11-30.
(18)
O Estado de Minas. Estado de Minas. 7 de março de 1928. p.1.
68
em público via imprensa e agora, ainda que obviamente vinculados a grupos e interesses
já que esta tinha como referência projetar a opinião tornada pública de atores que
políticos. A defesa desses interesses parece requerer não só algumas mediações como a
da imprensa, como estes mesmos interesses se afirmam dotados de uma outra natureza.
Uma certa duplicidade do papel da imprensa pode ser inferida. Há agentes que
reivindicam, por um lado, um "portador" do seu ponto de vista para torná-lo público. Da
opinião e o jornal, nesse caso, é também um espaço que viabiliza esse contato.
poderia sê-lo sob nenhuma hipótese. O partidarismo político renegado diz respeito a
que se moderniza afirma necessitar exatamente daquilo que não se possa dizer exclusivo
do mundo da política.
jornalistas agora reivindicam. Essa distinção é que permitirá aos homens vinculados à
sociais gerais". Até então mero suporte de uma "palavra", conformada em processos de
ação que lhe eram anteriores ou que se constituíam através da imprensa, o periodismo
flutua para outro ponto onde afirma se descolar de interesses específicos que norteiam
sujeitos claramente constituídos que têm nos jornais porta-vozes de sua opinião. Dessa
culmina agora, segundo a fala dos homens de imprensa, numa instituição que não deve
recente condição essa nova imprensa volta-se para perscrutar o espaço de seu antigo
sujeito, a ação política. Essa inflexão é que aparece reafirmando o caráter político da
exógeno, mas como juízo, como consciência avaliadora de atividades que digam
respeito aos tais interesses gerais. Enfim, uma imprensa chamada independente.
século não se pretende nem contra, nem a favor. Acende uma vela para o "muito antes
pelo contrário". É nessa zona de fronteira que ela quer desenhar o lugar do novo
realidade. (22) De todo modo, o que definirá e diferenciará o periodismo local, segundo os
que se trata a partir de agora quando a chave de acesso para a imprensa na sua relação
políticos e/ou sociais. A opinião pública agora não se reconhece em agrupamentos mas
num suposto interesse geral do qual a imprensa seria expressão. É a opinião comum,
(21)
Pra que serve o jornal? Estado de Minas. 7 de março de 1929. p.1
(22)
Segundo Renato Janine Ribeiro, para os moralistes ""Moral" significava a fusão, ou em linguagem de hoje a
confusão, de duas acepções - da prescrição ditada à conduta humana, e do campo que se distingue do físico,
remetendo à atividade mental humana enquanto nos afasta da mera determinação natural. Ora, o estudo das paixões e
a prescrição às ações se engatavam intrinsecamente". Renato Janine Ribeiro. A última razão dos reis. São Paulo,
Companhia das Letras, 1993.p.93.
(23)
Pra que serve o jornal, op.cit.
71
De alguma forma, a ação em torno da imprensa belorizontina poderia ser tomada como
defesa dos interesses gerais, tal como se batia um periódico do grupo Diários
reafirma tal perspectiva ao informar que "este vespertino foi lançado para servir o
público, sem dependências outras que não fossem as da sua responsabilidade de ser
periodismo local num fazer resplandecente. E ofusca os olhos dos jornalistas de tal
maneira que uma das expressões mais eloqüentes do novo patamar que os atores vêem
os jornais da cidade alcançarem é dado por um jornal político, naquele sentido que eles
(24)
Conforme Helena Bomeny, A mineiridade dos modernistas. Rio de Janeiro, Iuperj, 1991. Tese de doutorado.
(25)
Nosso aniversário. Diário da Tarde. 14 de fevereiro de 1939. p.1
(26)
O que falta, op. cit.
72
Republicano Mineiro até o início dos anos 30, põe em evidência a alteração que se
sinalizador, roteiro e espelho das redes políticas em torno do governo estadual e das
oligarquias políticas atuantes através do PRM. Mudou o Diário, mudou o PRM, mudou
partidária por excelência anunciava a mudança dos tempos. Quem insistisse nos vetores
independente.
(27)
O jornal - Como o imaginamos e como o fazemos. Diário de Minas. 3 de agosto de 1929. p.1. Sobre a história e
mudanças no DM ver
73
outra forma, podemos agora sugerir, que a Gazeta Mineira afirma não mais sua relação
enquanto jornal com a política, mas a própria condição e natureza política do seu fazer.
(28)
Caminho percorrido. Folha de Minas. 15 de outubro de 1935. p.3
(29)
Para servir aos interesses impessoais da coletividade. Gazeta Mineira. 27 de setembro de 1938. p.1
74
interesses gerais da coletividade. É certo que estas noções ganham força no interior de
tem importado ressaltar não é o grau efetivo de mudanças que se verificam, mas como
elas ganham presença na cena social quando a circunstância da imaginação dos atores
articula um discurso capaz de colocá-las em relevo e, em alguns casos, fazer crer que as
mercado, o Correio Mineiro também tem que justificar um lugar para o patrocinador do
jornal. A fonte de recursos não seria mais um duto ligado diretamente à atividade
política autônoma, mas ainda assim com vínculos com atividades de natureza política.
O jornal tem, enfim, que arrumar uma "gamela" própria onde também possa se
alimentar. O novo lugar do campo da política no jornal, quando ela ultrapassar o espaço
(30)
A gerência do Correio Mineiro ao público. Correio Mineiro. 2 de março de 1934. p.1
75
reafirmada.
1933 e novo porta-voz do PRM - será um jornal que, tipicamente organizado em torno
(31)
Otacílio Negrão. Correio Mineiro. 2 de março de 1934. p.1.
(32)
Cometário. Correio Mineiro. 2 de março de 1933. p.2
76
aparente paradoxo na nova imprensa da capital. Político partidário na sua raiz, mesmo
esse tipo de empreendimento editorial que surge no final dos anos 20 e década de 30
tem que dar conta das categorias que organizam a experiência jornalística da época. Ou
seja, há valores e todo um universo simbólico que conferem parâmetros e são condição
nesse campo.
(33)
O nosso ideal. 3 de outubro. 20 de abril de 1931. p.1
77
"esta folha (...) vem com ânimo de servir. Inacessível ao interesse, plena
de espírito público, será uma permanente consulta à legítima opinião de
Minas. (...) O mais é conseqüência. Não tem ódios, nem rancores. Não se
preocupa com os nomes, sim com as causas; não lhe interessam os
indivíduos, sim as idéias; não o empolga o facciosismo partidário, sim o
programa do bem coletivo." (35)
que se reveste a imprensa. Sua opinião política não parte mais, dizem os jornalistas, de
jornal, representante da coletividade, tem a legitimidade para olhar para a política com
isenção e dotada de um "espírito público". Paulo Pinheiro Chagas não precisa esconder
página. Ela só não é, diz ele, fruto de uma opção político-partidária, mas de vontade da
opinião pública.
renovar suas lideranças políticas em 1932. Ele nos diz que o Diretório Central do PRM
30.
(34)
Artur Bernardes Filho. O Debate. O Debate. 26 de fevereiro de 1935. p.1
(35)
Paulo Pinheiro Chagas. Esta folha. O Debate. 14 de março de 1934. p.1
78
parceira desta. No ambiente mental da época, sua eficácia se traduz exatamente por
condição da política.
afirmam na imprensa dos "liberais". Não é outra a postura sugerida pelo articulista de O
por este mesmo segmento social acerca da atuação do jornalismo. Ainda que feita de
material e substância semelhante, diríamos que os porcos parecem não aceitar comer na
mesma gamela.
O cronista Jair Silva, por exemplo, dedica sua coluna, na Folha de Minas
(36)
Paulo Pinheiro Chagas. Esse velho vento da aventura. Belo Horizonte, Itatiaia, 1977. p.216.
(37)
Nosso aparecimento. O Dia. 21 de abril de 1936. p.1
79
Estado de Minas no repasse de informações, não atende aos demais jornais sequer para
uma entrevista.
movimento.
Correio Mineiro. O jornalista afirma que o grupo atuante no jornal percebia na figura
(38)
Paulo Pinheiro Chagas. Esse velho vento.op. cit. p.242.
(39)
Guimarães Menegale. A imprensa de Minas Gerais na campanha da Aliança Liberal. Minas Gerais. 21 de abril de
1932. p.15 (4ª seção)
80
do presidente Antônio Carlos um ponto isolado de "resistência liberal, no país, pelo que,
sem embargo do desembaraço com que a redação apreciava, dia por dia, a sua obra
todos um papel importante na luta política. Não foi diferente pelo lado da chamada
Mas caberia destacar, como ponto relevante para entendimento das mudanças na relação
que passa a envolver imprensa/política em Belo Horizonte nessa época, a avaliação que
repercussão na cidade.
(40)
Guimarães Menegale, op.cit.
81
jornal ao movimento de 30. Sugestiva idéia. A informação, o noticiário por si só, sem as
não se choca com a opção política e muitas vezes partidária dos jornais. É mesmo a
virtual condição para que o mundo da política possa se robustecer em torno das idéias
perspectiva política. De que independência trata-se afinal? Ou, para maior precisão,
noticiário, o objetivo da divulgação de informação para que esta seja seiva fundamental
da atividade política?
das passagens mais estimulantes para se refletir sobre a nova condição do periodismo na
(41)
Guimarães Menegale, op.cit.
(42)
Guimarães Menegale. op.cit.
82
jornal.
1934, produz uma matéria, baseada numa enquete, onde busca a opinião sobre o jornal
político, atende uma demanda social de um jornalismo mais dinâmico que constrói um
olhar ágil e objetivo sobre o cotidiano da cidade. Mas traz consigo o "inconveniente" de
também observar, "devassar" o que ele chama de espaço próprio da política. Eis que a
condição política da imprensa parece se afirmar contra a própria política, ou, mais
corretamente, contra uma das suas formas de manifestação. Aquela onde a política
opera com base no segredo, numa esfera onde a não publicidade é um de seus
uma esfera pública, onde "tudo o que vem a público pode ser visto e ouvido por todos e
tem a maior divulgação possível". (44) E nesse sentido, não restringe o conceito de
público apenas ao não secreto, mas o identifica também com aquilo que deve ser
recebeu solicitação para que não publicasse fatos envolvendo certo nome de pessoa
(43)
O que falta a Diário da Tarde. Diário da Tarde. 14 de fevereiro de 1933. p.1
(44)
Hannah Arendt. A condição humana. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1991.p.59. Segundo a autora a noção
de público indica dois fenômenos correlatos: público como o não secreto, aquilo que na política vigora como visível
a todos; e público como mundo comum, vivência compartilhada
(45)
Moacyr Assis Andrade, Victor Silveira. O fundador da imprensa moderna em Minas, Minas Gerais. 21/04/32. 5ª
seção, p.1 e 2.
84
e o da rua, mas da disputa sobre aquilo que concerne ou não a uma dimensão comum da
vivência social e o papel do jornal nesse processo. Esse parece ser o propósito sugerido
público.
lado, na idéia de desvelamento dos segredos da política. E, por outro lado, num sentido
se espraie pela sociedade, não mais enquanto uma prática específica, mas como um
trânsito instituinte de todas as práticas, e que possa embrenhar-se nos recantos mais
diferentes da vida social. Ela não é apenas uma atividade privativa de um segmento e
"moderna imprensa" da cidade elege como seu "sujeito virtual" o seu público. O que vai
significar de fato a passagem do público sujeito ao público objeto de discurso.
perspectiva, esposada por autores como Habermas e Sennett (47) , na qual verifica-se na
(46)
Adriano Duarte Rodrigues. Estratégias da comunicação. Lisboa, Presença, 1990. p 41. Essa concepção é
trabalhada também por Jurgen Habermas em Mudança Estrutural da esfera pública. op.cit.
(47)
Richard Sennett, O declínio do homem público. São Paulo, Companhia das Letras, 1988.
85
alarga sua função de instância crítica perde força. O sentido de público, nessa "viragem"
É nessa linha que podemos fazer a leitura de uma figura que habita e
imprensa. Uma imagem que pode ser mais bem vislumbrada na sua corporificação em
uma personagem como João Ventura, criado pelo Diário da Tarde no ano de 1931, a
partir da sua quinta edição. Ela é, ao mesmo tempo, uma espécie de recurso editorial
para o tratamento de temas até então envoltos nos segredos da política e, sobretudo,
justificativa da nova condição dessa prática social. Quem é João Ventura? Segundo o
jornal, "o Diário da Tarde vai mostrar aos seus leitores, através das palavras do homem-
jornal assevera, que não se constitui numa mera figura de ficção. Os jornalistas, através
desse tipo, querem reconstruir as ações quotidianas daqueles que eles acreditam ser o
tipo médio característico do leitor do jornal em sua relação com o mundo da política e a
vida social.
(48)
João Ventura. Diário da Tarde. 20 de fevereiro de 1931. p.1
86
reconhecem na escrita jornalística. Pode-se dizer, pois, que o jornal, os diários que se
ideal dos agentes acionada como instrumento de legitimação, frente à sociedade local,
Mais do que falar para um público, a idéia era produzir esse público identificado com a
público são, para utilizar termos de Habermans, os elementos justificadores para dar
(49)
João Ventura. op.cit.
87
pelos pontos de contato e convívio na cidade se converte em objeto dessa fala. Por isso,
se o Bar do Ponto, como diz o artigo, rouba a maior parte do tempo cotidiano, não o faz
por deter a prioridade do debate político na cidade. Essa dimensão pública do café,
como de qualquer outro lugar da cidade, aos poucos se esvazia, deixa de ser o ponto
na cidade para que a política fosse se aninhar com destaque noutro "lugar". Como atesta
Milton Campos,
A imprensa não é mais instrumento de propagação de uma opinião que lhe é exterior; é
emerge também como lugar da conversação pública antes atribuída a espaços e fóruns
restritos. Dessa forma, conclui-se, independência pode ser lida como uma categoria que
e noticioso.
(50)
Moacyr Andrade, op. cit.
(51)
Milton Campos. A imprensa de ontem e a de hoje. Estado de Minas. 8 de março de 1936. p.1
88
protagonistas do fazer jornalístico que toma os periodismo não mais como ponto de
encontro e reunião de facções políticas, de jornais definidos pela práxis política dos
tradicional.
Assim, se a rua da Bahia nos anos 20, como imagem, era caminho do
movimento ascendente rumo ao poder e ressoava as lutas políticas que tinham como
ela não levava diretamente ao centro do poder. Não do ponto de vista do traçado
urbanístico da cidade, ainda que efetivamente a Rua da Bahia não vá ao encontro e sim
passe às margens do Palácio. Mas também como imagem, onde podemos dizer que a
imprensa seguia a direção da política, o que não implica que estivesse rumando
natureza das práticas jornalística e política, sem que isso tenha necessariamente uma
conotação negativa para qualquer uma das atividades. Pode significar, como alguns
em que a outra prática se amplia, como pode ser inferido de uma outra visão. De toda
derrota para a máquina do partido "oficial", como então era reconhecido o PRM, o
meses de campanha pelo jornal e o candidato apresentado pelo Correio Mineiro foi
(52)
Moacyr Andrade, op.cit.
90
cabe nas páginas dos periódicos. Afinal, a cidade aparece como limite ou torna-se a
(1)
Lucilio Mariano, Vida de Jornal, O Diário. 06/02/36, p.3
91
imprensa local?
efetivo da situação da imprensa e da cidade não é o foco da análise, que poderá se servir
e quarta décadas do século, a cidade evidencia-se como par inseparável na reflexão que
envolve a prática jornalística. Tais falas nos sugerem dois eixos temáticos que
jornais. A nosso ver, esses dois vértices organizam uma imagem de cidade que orienta a
prática dos agentes nas movimentações verificadas na imprensa de Belo Horizonte das
ambiente urbano.
se fazem presentes nas diversas dimensões da vida social naquele momento. Não sem
condições materiais necessárias para o êxito de uma empresa jornalística como o Estado
transforma a cidade no efetivo pólo econômico planejado quando de sua fundação. (3) As
isolamento da cidade em relação a outras regiões do estado e com outros estados através
"pujança" que adquire a capital. Eram cerca de 55 mil habitantes em 1920, 80 mil em
1925, 140 mil em 1930 e quase 215 mil seriam contabilizados pelo censo de 1940.
(2)
Pedro Aleixo, Página de evocação, Estado de Minas. 07/03/53, p3. 2ª Seção.
(3)
Sobre isso ver Maria Auxiliadora Faria, Belo Horizonte: espaço urbano e dominação política. Revista do
Departamento de História, nº1, Belo Horizonte, novembro de 1985, p.26-43, e Manifestações político-sociais da
população belorizontina: 1930-1937. VI Seminário de Estudos Mineiros. Belo Horizonte, UFMG/PROED, 1987,
p.199-227; Paul Singer, Desenvolvimento econômico e evolução urbana. São Paulo, Companhia Editora Nacional,
1974; e Francisco Iglésias e João Antônio de Paula, Memória da economia da cidade de Belo Horizonte. Belo
Horizonte, BMG, 1987.
93
debate político no período, marcado por forte polarização ideológica, criam condições
imprensa. Não se pode esquecer também que, combinado a estes fatores, o período
governo Antônio Carlos. Ainda que deva ser lida com alguma reserva, essa ação produz
conseqüências para uma possível ampliação dos públicos leitores. O número de pessoas
20, atingir 66,5% da população da capital em 1940, contra o índice de 27% relativo ao
dos jornais frente à fugacidade dos empreendimentos editoriais até então surgidos na
cidade. (4) Por fim, a expansão do periodismo por esta época não deve ser tomada como
característica exclusiva de Belo Horizonte. Além do Rio de Janeiro e São Paulo, os dois
pólos econômico-culturais mais importantes, outros centros do país, como Porto Alegre,
Recife e Bahia, experimentam também, num processo que se prolonga através das
ciência, arte, literatura, liberdade pessoal, ampliação dos horizontes individuais - como
(4)
Alguns do principais diários do período foram o Correio Mineiro, fundado em 11 de novembro de 1926 encerrou
suas atividades em 8 de agosto de 1936; o Diário da Manhã, de 16 de julho de 1927 a fevereiro de 1928; Estado de
Minas, de 7 de março de 1928, e o Diário da Tarde, de 14 de fevereiro de 1931, que circulam ainda hoje; Diário
Mineiro circulou de junho de 1929 até pouco depois do final do movimento revolucionário de 1930; Folha da Noite,
de 1º de abril de 1929 a 6 de setembro de 1930; Jornal da Manhã, de 27 de outubro de 1931 a 27 de setembro de
1932; Correio do Povo, de 26 de janeiro de 1932 a 20 de novembro de 1933; O Debate, de março de 1934 a março
de 1937; Folha de Minas, de 14 de outubro de 1934 até 1965; O Diário, de fevereiro de 1935 até janeiro de 1965.
(5)
Segundo levantamento do Departamento Nacional de Estatísticas, publicado no Minas Gerais de 21/04/32), a
imprensa noticiosa, considerada como aquela voltada para serviços informativos de caráter amplo e público leitor
diversificado, em comparação a segmentos especializados como a imprensa científica, operária, religiosa e literária, é
a que mais cresce em termos absolutos numa comparação entre os anos de 1912 e 1930. Desde a época da
monarquia, de 1825 até 1929, foram fundados 2.953 periódicos, sendo que entre 1920 e 1929, ocorre a maior
concentração (2.105) de publicações criadas.
94
apontada como variável explicativa independente que gera efeitos profundos na vida
deste século, os teóricos principais dessa abordagem privilegiam enfoques que avaliam
Verifica-se uma nostalgia de uma comunidade original de pertença, diante de uma certa
impossibilidade de, nas condições urbanas de vida, manter uma solidariedade de tipo
comunitária e territorial, existentes numa situação anterior. Tal enquadramento faz com
que essa perspectiva analítica aponte o jornalismo como instrumento para construção de
para se reunirem num só lugar, torna-se necessário efetuar a comunicação por meios
indiretos". (7)
para cidades industriais típicas são generalizadas para o conjunto do fenômeno urbano;
a distinção entre rural e urbano não está nitidamente ligada à diferença entre grupos
(6)
Para um contato com textos seminais dessa escola ver Robert Park e Ernest Burgess, The City. Chicago, Chicago
Press, 1968 e os artigos de Robert Park e Louis Wirth em Otávio Guilherme Velho (org.), O fenômeno urbano. Rio
de Janeiro, Zahar, 1979. Um bom levantamento das principais referências conceituais dessa corrente dos estudos
urbanos está em Gideon Sjoberg, Teoria e pesquisa em sociologia urbana, in: Philip M. Hauser e Leo F. Shonore,
Estudos de Urbanização. São Paulo, Pioneira, 1976. p.145-174.
(7)
Louis Wirth, O urbanismo como modo de vida, in: Velho op. cit. p.102.
95
primários e secundários como sugerirá esta análise, já que os primeiros têm persistência
e também integram a vida urbana; dentre outras questões. (8) Todavia, essa idéia de
causalidade, na qual a cidade torna-se uma potência indutora de efeitos diversos na vida
social e gera uma "cultura" específica de tipo urbano, parece ter pontos importantes de
"escolhidos" pelos jornalistas para colocar em tela a nova situação da imprensa. Tais
vida quotidiana e cultural. Alguns cronistas, por exemplo, vão sugerir que a imprensa
moderna é uma imposição do patamar alcançado pela cidade do ponto de vista do seu
superar um certo bucolismo de sua paisagem. Esse traço urbano, combinado com o
(8)
Sobre as limitações da análise do fenômeno urbano pela Escola de Chicago ver as críticas de Ruben George
Oliven, Urbanização e mudança social no Brasil. Petrópolis, Vozes, 1980.
(9)
Diário da Manhã, Diário da manhã. 16/07/27, p.1
96
filmes, na década de 20, atividade regular dentre os segmentos médios e da elite local-
"o bonde conduz freqüentadores de cinema," (11) diz a crônica. O costume de freqüentar
cultural desses segmentos sociais. O negócio do cinema, por sua vez, encontrava-se em
franca expansão no final dos anos 20 e anos iniciais da nova fase republicana, com a
rua da Bahia, elemento permanente no registro dos cronistas e poetas que retrataram a
época, veio abaixo em 1927. Novos "templos" eram construídos, não apenas para culto
(10)
"Foi em confronto com esse ambiente que se articulou a nova geração intelectual dos anos 20" conforme
argumenta Fernando Correia dias, Literatura e(m) mudança: tentativa de periodização, Revista do Conselho Estadual
de Cultura de Minas Gerais. II Seminário sobre a cultura mineira (período contemporâneo). Belo Horizonte, 1980.
p.123-147.
(11)
Carlos Drummond de Andrade, Vamos ver a cidade, Minas Gerais. 16/05/30, In: Revista do Arquivo Público
Mineiro. Ano XXXV, Belo Horizonte, 1984, p.65-66.
(12)
Este foi um momento, inclusive, de expansão das salas para o bairros limítrofes ou de periferia da cidade. Sobre o
cinema em Belo Horizonte ver o informativo trabalho de Márcio da Rocha Galdino, O cinéfilo anarquista; Carlos
Drummond de Andrade e o cinema. Belo Horizonte, BDMG, 1991.
97
vista econômico, as exibidoras patrocinam boa parte dos anúncios publicitários nos
"pauta", colunas e, com grande freqüência, páginas diárias inteiras são dedicadas a
fornecer até mesmo material para as páginas policiais: o acúmulo de gente, por
constituir num costume de um conjunto expressivo dos citadinos das camadas de elite e
médias urbanas.
sociais típicas etc.), que era recurso freqüente na construção dos textos dos jornais.
(13)
Visões do passado e do presente cinematográfico da cidade, Folha de Minas. 14/10/34. P.14.
(14)
Diário da Manhã, 21/07/27, conforme referência de Márcio da Rocha Galdino, op cit.
(15)
Carlos Drummond. Garotas modernas e noivas ingênuas. Minas Gerais, 08/07/31, p.15. In: Revista do Arquivo
Público Mineiro, op. cit. p.138-39.
98
apontam para uma mudança importante no contexto do futebol. Perdia força o esporte
preferências populares. (16) O esporte focalizado pelos diários rivaliza com o futebol de
rua e dos campinhos de periferia, talvez a principal atividade de lazer das camadas
pobres da sociedade local. A atenção dos diários é, no final dos anos 20, pela ascensão
do esporte na cidade como um espetáculo de massas. (17) É nessa condição que tal
modalidade esportiva parece ganhar nova dimensão no rol das práticas objeto de
atenção privilegiada dos jornais. Por essa época, praticar e, sobretudo, assistir ao futebol
em Belo Horizonte.
o novo jornalismo, com olhos voltados para temas locais e do cotidiano, acompanha
Alphonsus atenta para o fenômeno em várias passagens de sua obra literária - pródiga
no registro do ambiente social de Belo Horizonte dos anos 30. É recorrente a presença
exemplo, para indivíduos das camadas mais pobres, uma forma de adquirir status social.
(16)
Carlos Drummond de Andrade registra tal situação no poema A língua e o fato, Poesia e prosa. Rio de Janeiro,
Nova Aguilar, 1988. p.738.
(17)
Uma interessante introdução a uma abordagem sociológica do fenômeno do futebol no país, com a indicação de
uma série de aspectos que alcançam a realidade belorizontina do esporte pode ser encontrada em Anatol Rosenfeld,
O futebol no Brasil, Argumento. Ano 1, nº4, fev.74. Paz e Terra, Rio de Janeiro.
99
pelos periódicos para atrair a atenção dos leitores. No caso do futebol, a cobertura das
partidas e do cotidiano desse esporte na capital merecem um destaque nas páginas dos
jornais só comparável à crônica política. Um match entre Atlético e Palestra, duas das
É certo que o futebol vai ganhando na cidade a projeção de uma das mais
populares práticas sociais. Afinal, "o futebol não impunha exigências. A bola e as onze
camisas adquiriam-se mediante rateio. Era esporte de pobre, daí sua popularidade". (20)
que constrói nas páginas diárias de cobertura esportiva, parece ter menos a ver com a
população, do que com um novo enfoque construído sobre os eventos que expressavam
semelhança do que ocorria também noutras capitais. Todavia, essa prática só passa a
quando o futebol é visto como um acontecimento que marca o ritmo da capital, adentra
(18)
João Alphonsus, Totônio Pacheco. Rio de Janeiro, Imago/MEC, 1976.p.170
(19)
Plínio Barreto, Renhida luta no field do Barro Preto. Estado de Minas. 08/03/77, p.5.
(20)
Delso Renault. Chão e alma de Minas. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1988. p.165
100
É nesse período, fim dos anos 20, que se tornam populares os chamados
"placards" (21), afixados à porta dos jornais. Neles a redação informava, em forma
que chegavam pelo rádio ou telefone. Há uma, como de hábito, cativante crônica de
(21)
Tudo indica que os "placards" foram criação do paulistano O Estado de São Paulo em 1919, quando a redação
enviou um correspondente à capital federal para cobrir uma partida da selecionado brasileiro. O repórter enviava,
através do telefone, informações que eram expostas na fachada do prédio a cada minuto ou de acordo com o
desenrolar da partida: um ataque perigoso, escanteio, gol etc. A referência é de Nicolau Sevcenko, Orfeu extático na
metrópole. São Paulo, Companhia das Letras, 1992. P.66.
(22)
Carlos Drummond de Andrade. Enquanto os mineiros jogavam. Minas Gerais. 21/07/31. In: Revista, op.cit. p.
155.
101
citadino que desperta a atenção dos periódicos. Apesar de ser uma festa popular de
momento bem delimitado no ano, nem por isso possui menor impacto na cobertura
realizada pela imprensa à época. Desde alguns meses que antecediam a festa e durante o
festivas que envolvem a pequena burguesia urbana, com rara menção a comemoração
alguns momentos a dinâmica da festa carnavalesca serve até mesmo para justificar as
presente na capital desde os anos iniciais de sua fundação. O que parece acontecer de
novidade agora é que estas atividades começam a adquirir traços - como o alargamento
da participação de setores que têm acesso à fruição dessas atividades e uma certa
(23)
A cidade em pleno reinado da folia. Diário da Tarde. 14/02/31, p.1
102
se convencionou chamar cultura popular de massa. (24). Tais práticas parecem representar,
cultural, projetando na escala da nação fatos que antes ocorriam no âmbito das regiões"
1920". (25) Assim como ocorria com a imprensa local, também o futebol, cinema e
mesmas atividades nas cidades do Rio de Janeiro e, em menor grau, São Paulo. Através
dessas "pontes", a vida cultural da cidade adquiria ares menos intimistas e estabelecia
nas referências aos hábitos relacionados ao cinema, carnaval e futebol. Ao que parece,
modernista de 1922, segundo a qual o que era escândalo na capital paulista não chegava
a atingir a capital mineira. Belo Horizonte agora tinha seu próprio estoque de
escândalos.
(24)
Segundo Renato Ortiz, uma série de processos culturais verificados nas quatro primeiras décadas do século
deixam antever elementos que, rearticulados a partir dos anos 40, responderão pela emergência de uma cultura
popular de massa no Brasil. A moderna tradição brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1988.
(25)
Antônio Cândido, A revolução de 1930 e a cultura, Novos Estudos Cebrap. São Paulo, v2,4,p.27-36, abril 84.
103
amplo "mundo da desordem", experimentado pela população mais pobre, choca-se com
crônica da marginalidade social segue de perto, como atesta o simples folhear dos
marginal como seu tema. A idéia da força da crônica policial no periodismo transparece
nas entrelinhas da memória de uma vida boêmia da capital. Sugere-se ali o lugar que "o
mundo da desordem" ocupava nos acontecimentos que seriam objeto das notícias.
desconfiada". (28)
também elucidativas da realidade que o olhar dos jornais passa a construir no seu
direito e funcionário público, observa de sua casa, a única "burguesa" nas imediações da
(26)
Sobre os conflitos entre as chamadas "classes perigosas" e a ordem urbana imposta pelo poder público nas
primeiras décadas da cidade ver o trabalho de Luciana Andrade, Ordem pública e desviantes sociais em Belo
Horizonte (1897-1930). Belo Horizonte, Fafich/UFMG, 1987. Tese de Mestrado.
(27)
Delso Renault, op.cit, p.34.
(28)
Cyro dos Anjos. A menina do sobrado. Rio de Janeiro, José Olympio/MEC, 1979.p.331-32.
104
favela do "Rola Moça", morro na zona sul da cidade, os eventos cotidianos que se
insinuar essa nova perspectiva adotada pelos emergentes jornais noticiosos da capital.
macumba ocorrido na favela, constata que "a maior parte da notícia é imaginação do
repórter". Mas o caso lhe provoca a lembrança de outro episódio, onde um jornalista, no
afã de realizar uma reportagem sobre os terreiros de macumba, se meteu numa "trágica
aventura", que lhe causou a morte. Camilo, o repórter do jornal, buscava reportagens
quem se casa. Ambos morrem três anos depois. O narrador conta então a reavaliação do
(29)
João Alphonsus, Rola Moça. Rio de Janeiro, Imago/MEC, 1976. p.123-25.
(30)
Idem, p.146-151.
106
em ações como a da estratégia adotada pela Folha de Minas que, logo após seu
lançamento em 1934, para ampliar seu público na disputa com outros diários da capital,
passa a dedicar todos os dias uma página com informações dirigidas a bairros
local é também a expansão do espaço dedicado aos pequenos anúncios feitos pelos
próprios leitores nos principais jornais. Fonte de receita para os periódicos, era
emergência de uma nova forma de cultura. Como amálgama de características tais como
urbano. Tal processo social seria caracterizado pela disseminação de papéis sociais
simbólicas e nas práticas dos diferentes grupos e classes sociais. A cidade seria um fator
(31)
Louis Wirth, op. cit.
107
urbano" traz ao plano das relações sociais e da sociabilidade, oferecendo pistas teóricas
urbano em sua interação com a prática jornalística, confere fôlego ou aponta limitações
a essa perspectiva. Nesse sentido, retomamos o outro ponto de ancoragem que sustenta
Passamos agora a indicar não mais os elementos que evidenciam os novos objetos de
atenção do periodismo local, instituídos numa suposta relação entre imprensa e vida
quotidiana e cultural da cidade, mas quais os novos olhares indicados pelos jornalistas
para que o jornalismo lide com os acontecimentos da cidade. Noutros termos, nos
rápido percurso com a percepção que o poeta tem das mudanças que ocorrem à volta da
sua mesa no jornal. No relato de sua experiência na redação do Estado de Minas, ele faz
esta caracterização:
à época. E uma categoria importante para o fazer jornalístico de agora em diante parece
(32)
Carlos Drummond de Andrade, Um parente que faz cinqüenta anos, Estado de Minas. 09/07/77, p.1. Caderno
comemorativo.
108
jornalística. (33) Um bilhete deixado pelo jornalista Antônio Leal Costa, que chefia a
(33)
Só se pode falar efetivamente do desenvolvimento de uma mentalidade gerencial e da racionalidade capitalista na
esfera cultural a partir dos anos 60, quando começa a se conformar uma efetiva indústria cultural e um mercado de
bens simbólicos. Até então, talvez a expressão mais adequada para os "empresários" da imprensa seja a de "capitães
da indústria". Sobre isso ver a discussão de Renato Ortiz, op. cit.
(34)
Carlos Drummond de Andrade, Um parente, op. cit.
109
Belo Horizonte dos anos 20 e 30 têm como escora, no discurso dos "homens de
interested in news than he is in political doctrines or abstract ideas" (37). Qual a razão
desse novo sentido? Um ano depois, como que a justificar o projeto em andamento, o
jornal busca responder qual o papel que almeja cumprir na sociedade da época e o
(35)
Carlos Drummond de Andrade, Um minuto apenas. Minas Gerais. 9 de junho de 1931. p.13. In: Revista, op.cit.
p.99
(36)
O Estado de Minas, Estado de Minas. 07/03/28. p.1
(37)
Robert Park, The natural history of newspaper. In: Robert Park e Ernest Burgess, op. cit. p.91.
110
(38)
Pra que serve o jornal?, Estado de Minas. 07/03/29. p.1
(39)
Ciro dos Anjos, op. cit. p.327
111
Não há jornal da cidade que, a partir de então, não reafirme uma nova
lógica de operação. Trata-se de informar e distrair um leitor cada vez mais curioso. O
contatos sociais. Belo Horizonte, aposta-se, vivia sua modernização, com todos os
fragmentos e lançá-los numa nova ordem, a ordem do jornal. É dessa maneira que se
alterariam tanto o objeto de atenção dos jornais quanto a forma de reportar eventos para
(40)
Estado de Minas, Estado de Minas. 07/03/30. p.1
(41)
O Estado de Minas, Estado de Minas. 07/03/36. p.1
(42)
O nosso aparecimento, O Debate. 16/03/34. p.2
112
fluxo imposto à produção dos periódicos e do equipamento social que em torno dele
gravita: as linhas férreas, que aceleram a distribuição das folhas para outros centros; a
jornalístico para que os jornais pulem das impressoras às mãos dos leitores com
informações colhidas em lapsos de tempo cada vez menores, se comparados aos padrões
marcação do novo ritmo social adotado pela imprensa. O garoto vendedor de jornais
papel e importância do repórter. Este deve constituir como eixo de sua ação o apreço
Deve, enfim, vivenciar a cidade sob nova percepção. Tal perspectiva é atestada em
(43)
O pequeno vendedor de jornais, Diário de Minas. 6/8/30
113
concepção parece revelar tamanha força entre os "homens de imprensa" que nem
mesmo um jornal que funciona como órgão de agremiação política, como o Diário de
Minas, deixa de, ainda que com ponderações, saudar e buscar assimilar as novas
tendências.
Para uma cotidianidade marcada pela vida "nervosa", "agitada", por dias
"febris" onde passam uma procissão de homens e eventos, em processos cujo tempo é
cada vez mais "acelerado", exige-se, pois, uma nova imprensa. Sua base será um
esse ritmo e feição da cidade. Fortuito, rápido, observações breves, colado aos
semelhança de uma nova sensibilidade e percepção dos homens. Uma referência, longa
porém elucidativa, às reflexões promovidas por articulistas dos jornais Diário da Tarde
e Estado de Minas, acerta com precisão as novas maneiras de atuar que se impõe à
imprensa na sua interface com uma cidade em "tempo de progresso". O jornal, para
(44)
O repórter, Minas Gerais. 21/04/32.
(45)
O jornal - Como o imaginamos, Estado de Minas. 07/03/36.
114
(46)
Palavras simples e sinceras, Diário da Tarde. 14/02/31. p.1
(47)
Dario de Almeida Magalhães, Órgão de Informação, Estado de Minas. 08/03/36. p.1
115
processo de reeducação dos sentidos do citadino. Tal noção permite-nos fazer uma
porta de entrada" dos estudos sobre a questão urbana. É uma perspectiva que reúne
vistos como autores recorrentes nesse olhar que percebe a cidade como campo por
resposta, redunda em mecanismos como a atitude blasé. (50) De toda forma, essa visão de
cidade destaca o isolamento e uma perda de conexão que passam a ser condições
básicas de uma nova forma de percepção dos citadinos. Face ao adensamento urbano, ao
(48)
Milton Campos, A imprensa de ontem e a de hoje. Estado de Minas. 08/03/36. p.1
(49)
Maria Stella Bresciani, As sete portas da cidade, Espaço e Debates. nº 34. São Paulo, 1991. Sobre a formação de
uma sensibilidade do indivíduo com a expansão das cidades ver, também da mesma autora, Metrópoles: as faces do
monstro urbano (as cidades no século XIX), Revista Brasileira de História. SP, v.5, nº8/9, set.1984/abr.1985.
(50)
Conforme Georg Simmel, A metrópole e a vida mental, in Otávio Velho, op. cit.
116
processos que andam lado a lado com o desenvolvimento urbano, segundo a visão dos
expansão de sua topografia, seja por mudanças no campo político e econômico, impõe
Não podemos nos esquecer, contudo, que a fala do jornalista que abriu
essa parte do trabalho, se apontava Belo Horizonte como um terreno fértil para germinar
fundamental para o exercício de uma prática editorial "mais moderna". Dessa forma, as
exemplo de progresso surge a dúvida: será mesmo a capital capaz de propiciar uma vida
(51)
Helena Bomeny, Mineiridade dos modernista. Tese de doutorado, Iuperj, 1991. p.39.
117
vertiginosa nos anos 30? Belo Horizonte do Diário da Manhã, do Correio Mineiro, do
futebol, cinema, bailes de carnaval, registrados como novos temas dos jornais, dizem
respeito majoritariamente ao grupo social formado pelos estratos médios urbanos. São,
vinculados à burocracia estatal, apesar de todos estes costumes terem relação também
centrais dessas práticas visadas pela imprensa diária são também os leitores em
"moderna", "febril", "inebriante" Belo Horizonte parece claudicar como uma realidade
para que a pequena burguesia urbana tivesse acesso a uma vida cultural ativa numa
(52)
À sombra das secretarias, Belo Horizonte aprendeu a esconder-se da vida ao ar livre, Diário da Tarde. 20/02/31,
p.1
118
como Rio de Janeiro e São Paulo. Os dois principais centros urbanos do país,
viam privados.
opções. (54)
melancolia que brota da imagem dos passeios impossíveis trilhados na cidade projetada,
resta o que a cidade vivida parece oferecer como consolo: cinema e futebol.
ao abrir e adentrar o segundo quartel do século, marcava, assim, uma certa ambigüidade
(55)
Idem.
(56)
Idem.
(57)
Tempo de fato e mito, Estado de Minas. 08/03/77, p.4. Caderno comemorativo.
120
cotejar a "grande cidade" narrada anteriormente com uma pretensa cidade real,
tampouco nos propomos a tomar como descrição da realidade a capital meio ronceira
anteriormente, indica que, na conjunção dos anos 20 e 30, Belo Horizonte experimenta
resulta em novas condições de vida material e cultural, embora ainda muito aquém da
discursos não deixa de ser, em alguma medida, também realidade efetiva desse meio
urbano. Todavia, tais condições não podem ser traduzidas como a de uma situação de
insulamento da cidade. Belo Horizonte, desde o momento mesmo de sua fundação, não
incidência também sobre a cotidianidade dos habitantes da capital. Não era estranho ao
(58)
"Esse continuum apresentaria duas polaridades básicas, remetidas, à maneira de tipos ideais, a concepções de
mundo que se desenvolveram como verdadeiras tradições fundantes do processo de modernidade: formas culturais
híbridas e combinadas movimentavam-se - por aproximação ou por oposição - entre, de um lado, o que poderíamos
nomear como sendo um pólo eufórico-diurno-iluminista, lugar de adesão plena e incontida aos valores próprias da
civilização técnica e industrial, numa configuração que lembra determinada sorte de deslumbramento reificado,
responsável pela produção, em alguns casos, de certas utopias tecnológicas futuristas; e, de outro lado, na
extremidade oposta, o que chamaríamos de pólo melancólico-noturno-romântico, lugar por excelência da rejeição, às
vezes sob o signo da revolta, mas, de todo modo, agônica e desesperada, do mundo fabricado nas fornalhas da
revolução industrial, figurando, assim, imagens emblemáticas de máquinas satânicas e criaturas monstruosas, em
todas as suas possíveis variantes, herdadas, na origem, de tradição anticapitalista e anticivilização moderna própria
do romantismo". Francisco Foot Hardman, Antigos Modernistas, in Adauto Novaes (org.), Tempo e história. São
Paulo, Companhia das Letras. 1993. p.292.
121
ritmo da vida urbana. O traçado e a concepção urbanística da capital, por sua vez,
calcados num ideal de engenharia pública que traduzia uma perspectiva de progresso e
nacional. Além disso, não se pode esquecer, Belo Horizonte convive e se produz
imprensa local.
(59)
Sobre a presença da classe operária em Belo Horizonte nas três primeiras décadas da cidade ver Maria
Auxiliadora Faria e Yonne de Souza Grossi, A classe operária em Belo Horizonte (1897-1920), V Seminário de
estudos mineiros. Belo Horizonte, PROED, 1982.
(60)
O novo gênero de vida diferencia a população urbana em níveis econômicos, "porém muito mais culturalmente,
sendo que as camadas superiores adotam como sinal distintivo o requinte e um arremedo de cultura intelectual. Sobre
isso ver Maria Isaura Pereira de Queiroz, Cultura, sociedade rural, sociedade urbana no Brasil. São Paulo,
LTC/EDUSP, 1978.
122
capital é, pois, uma espécie de solução onde restam dissolvidas essas duas perspectivas
identidades dos intelectuais, luta empreendida desde a sua inauguração. (61) Planejada
universal. Ser intelectual na Belo Horizonte pequena, interiorana e distante era estar
condenado ao isolamento da 'corte' que interessava. O Rio de Janeiro e São Paulo, mais
do que exercer fascínio, lembravam aos mineiros aquilo a que estavam condenados: ao
provincianismo tão distante de tudo que as obras universais traziam aos olhos e sentidos
por aquele meio urbano. Assim, não passaria de uma espécie de miragem a idéia de que
urbano, no sentido proposto por Simmel, ou mesmo das formas culturais urbanas,
pensadas pela Escola de Chicago. A lógica do "mundo rural", com tudo que tem de
(61)
Helena Bomeny, Cidade, República, Mineiridade, Dados - Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, vol.30, nº
2, 1987, p187-206.
(62)
Idem p.192
123
relações que permeiam o espaço urbano da capital. Para esse segmento social existia, na
realidade, a convivência entre o universo urbano como valor face a uma situação ainda
acionados para diluir a realidade de isolamento que a capital impunha à vida intelectual.
Um artifício, uma forma de ampliar uma experiência que, a rigor, se chocava com os
a cidade pode não ser percebida somente como obstáculo a formas modernas de
experiência. A Belo Horizonte que falta, a metrópole que poderia desenvolver um tipo
Cyro dos Anjos, expoente do periodismo local, parece nos alertar para tal
questão. Quando de sua mudança para Belo Horizonte, em 1923, vindo do interior após
concluir o colegial, ele constata que "embasbacado não fiquei, mas entusiasmo sentia.
Uma coisa era ter estado em Belo Horizonte passageiramente, e outra, habitá-la, gozá-
(63)
Conforme hipótese desenvolvida por Richard Morse e citada por Helena Bomeny, Guardiães da razão. Rio de
Janeiro, UFRJ/Tempo Brasileiro, 1994. p.65.
(64)
Cyro dos Anjos, op. cit., p.199
(65)
Idem, p.199
124
afetivas com os amigos, que na capital não mantinham o mesmo entusiasmo da amizade
podia ser vivida como metrópole, no sentido de produzir algum tipo de estranhamento
para a vida dos habitantes. Uma cidade superficial, "a 'cidade racionalista' que liquida as
(66)
Idem, p.275
(67)
Olgária Matos, Os arcanos do inteiramente outro. São Paulo, Brasiliense, 1989. p.79
125
pois, ser vista também como um instrumento para desenvolver alguma forma de senso
em tese perdidos. Subtraídos não somente pelo crescimento espacial da cidade, mas pela
Fazer imprensa na Belo Horizonte dos anos 20 e 30 seria, por um lado, a possibilidade
progressiva liberação dos indivíduos de laços de dependência pessoal mas pode também
e exprimir a cidade. O dilema dos jornalistas, que se traduzirá nas suas representações
em dilema do espaço da imprensa local, é se confrontar com uma espécie de fome que
têm da cidade e um certo paradoxo do "olho maior que a barriga". A imprensa renovada
que se presentifica por esta ocasião em Belo Horizonte percebe a cidade como sua
parceira indeclinável na instalação da modernidade editorial. Mas, talvez até por verem
São Paulo - acreditam que a sua prática aspira a mais do que pode a sua cidade.
contexto de ação ou responsável por um estado de espírito específico, torna-se uma das
anos 20 e 30. O cronista Jair Silva sintetiza com argúcia o novo quadro de referência do
periodismo local. Em crônica que inaugura coluna assinada no número inicial do jornal
orienta a prática dos agentes no âmbito da imprensa de Belo Horizonte. Não se trata,
vale lembrar, de noções que atuem como formas de descrição sintéticas de uma dada
(1)
SILVA, Jair. Cinco minutos de intervalo. Folha de Minas. 14 de outubro de 1934. p.2
128
forma que o mundo da imprensa se transforma em espaço, não só aglutinador, mas que
esse processo que torna a noção de produtores culturais mais adequada e abrangente
para o trato com os atores em cena do que, por exemplo, o conceito de intelligentsia.
Não se propôs aqui uma terminologia calçada numa aparente neutralidade axiológica
para organizar e descrever uma prática social. Supôs-se, na verdade, que os agentes que
Paulo -, busca remodelar-se e aderir aos movimentos mais gerais que o periodismo
nacional engendrava. Nesse mesmo processo, todavia, a imprensa local também recorta
outra maneira de tratar a questão que permite "empurrar" o periodismo local para um
novo patamar. Um patamar que distingue e ao mesmo tempo borra as fronteiras entre
conteudísticos das publicações talvez mereçam maior atenção não tanto pelos seus
sociais, na qual segmentos e classes sociais emergentes reivindicam sua chancela como
imaginação de metrópole.
Marinoni que abriu este texto. Não como uma simples máquina, mas muito mais.
importassem tanto com os caminhos que o jornalismo local iria trilhar. O importante é
que, ali e naquele momento, encontravam mais um elemento a dar força a uma imagem
(2)
Raymond Williams, O Campo e a cidade, op. cit. P.216
130
de imprensa que eles cunhavam e que permitia romper uma certa banalidade do
cotidiano e pulsar a vida de outra maneira. Tecnologia, mudanças nas relações sociais,
da política. "A Marinoni, na sua prodigiosa multiplicação, renova todos os dias, num
momento, a visão da vida universal, na notícia local, no telegrama, no sem fio". (3)
(3)
Diário da Manhã. 12 de novembro de 1927. p.4
131
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JORNAIS
Correio do Povo
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Diário da Manhã
Diário da Tarde
Diário de Minas
135
Diário Mineiro
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