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“Me ajude.”
Era madrugada, e a luz do quarto foi acesa. Uma técnica de enfermagem veio me socorrer,
pois eu quase havia caído da cama, embaraçado com sonda, dreno e soro. Apesar de ter
recebido orientação para não me levantar sem ajuda, “achei” que não teria problema. Afinal,
sou médico!
Fui colocado na cama. Adormeci. Horas depois, que pareceram segundos, fui acordado. Hora
do banho. No leito? Sim. Estava de “castigo” e voltaria a tomar o “banho” na cama. No chuveiro
seria imprudente.
Compressas e água nada morna. A mesma técnica, de olhar cansado por mais uma noite
acordada, procurava me animar. Quase no final do “banho”, recebeu ajuda do técnico mais
antigo do hospital. Meu velho companheiro de batalhas chegava ao plantão e soube de mim.
Ele me aplicou uma injeção — de ânimo. Disse que eu ficaria bem. Acreditei.
No centro cirúrgico, por trás de máscaras nada venezianas, outros técnicos ajudavam o
anestesista. O cirurgião não abria mão de sua instrumentadora e também técnica de
enfermagem. Que time!
Depois de um longo período, retornei ao trabalho. Deixei de ser paciente e voltei a ser o
irrequieto e impaciente médico. Não mais encontrei vários dos técnicos que tanto me ajudaram.
Os médicos e enfermeiros, muitos com pós-graduação e especialistas, lá estavam. Mas cadê
aqueles meus anjos? A vida segue. Os tempos são outros, e maioria dos rostos é
desconhecida. Gente muito jovem.
Técnicos de enfermagem são formados em cursos de até dois anos, a maioria tem que
trabalhar para pagar sua graduação, que inclui apenas alguns meses de parte prática.
Representam mais de 75% dos profissionais da assistência aos hospitalizados. São soldados
cambaleantes num exército desorganizado com muitos generais que passam ao largo. Como
soldados, acabam sendo lembrados como os do panteão dos desconhecidos.
Recebem em média um salário mínimo e meio mensal, para uma jornada de 12 horas, a cada
dois dias. A maioria precisa de um segundo emprego, sendo obrigada a trabalhar de
madrugada de duas a três vezes por semana, com apenas um final de semana livre ao mês.
A rotatividade é enorme, chegando a 40% ao ano em diversos hospitais privados, pois inexiste
estímulo técnico, social ou financeiro.
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Fonte: O Globo