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Jurema Brites1
Este texto foi produzido pensando no Ensino nas Ciências Sociais “para quem não é
Cientista Social” (@) Fui inspirada pelo diálogo com professores de Ciências Sociais que
atuam no ensino fundamental e médio e que muitas vezes precisam de subsídios para
preparar suas aulas e enfrentam uma profusão de conceitos pouco claros e
multidisciplinares (cultura, multicultarismo, interculturalismo) que parecem ora sinônimos,
ora muito específicos. Pensei em convidá-los à refletir acerca da importância e da
expansão que o conceito de cultura assumiu no século XX, redefinindo filiações
disciplinares e teóricas e, também, pulando os muros acadêmicos e se instalando como
questão fundamental da construção de uma agenda política deste século, que se pretenda
polifônica.
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Professora Adjunta do Departamento de Ciências Sociais , do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Socai s e da Curso de Pedagogia A Distância – UAB- todos vinculados a UFJF.
uma escala de civilizações. O problema destes argumentos era “a idéia de a cultura
desenvolve-se de maneira uniforme, de tal forma que era de se esperar que cada sociedade
percorresse etapas que já tinham sido percorridas pelas ‘sociedades mais avançadas’”
(Laraia, 2002, p. 34). As teorias antropológicas evolucionistas chegaram acompanhadas
pelas teorias de evolução biológica e foram reafirmadas pela noção positivista da história.
Desta forma, adquiriram grande popularidade e ainda hoje é muito freqüente ouvirmos
suas teses serem resgatadas para explicar a diferença entre as sociedades.
As escolas teóricas ulteriores - nas quais, tanto a antropologia, quanto o conceito
de cultura, conquistaram maturidade e destaque científico - foram extremamente críticas
aos métodos de investigação e as conclusões das teses evolucionistas. O funcionalismo
anglo-saxônico e o particularismo histórico americano reagiram incontestes à admissão de
que as sociedades humanas pudessem ser escalonadas em termos de superioridade ou
inferioridade. Seus pesquisadores denunciavam o preconceito ideológico dos evolucionistas
ao utilizarem como critério comparativo para aferição de desenvolvimento das sociedades
humanas, justamente, aqueles quesitos nos quais a sociedade européia se destacava, como a
tecnologia e o progresso econômico. Além do mais lançavam dúvidas quanto a excelência
do desenvolvimento social exaltado pelo ocidente .
A crítica mais contundente que erigiram contra o evolucionismo repousava,
entretanto, na metodologia de pesquisa. Para os funcionalistas e particularistas históricos as
conclusões a que chegavam seus predecessores eram baseadas em pesquisas de gabinete.
Os dados eram recolhidos através dos relatos de viajantes, de missionários e de
colonizadores. Além de nunca terem conhecido qualquer sociedade tribal (com raras
exceções como a Lewis Morgan) não se precaviam contra a moralidade e a implicação
política de seus informantes.
A grande revolução aportada por estas escolas ao exercício da antropologia residiu
na introdução do trabalho de campo etnográfico. Este propõe como estratégia elementar a
permanência prolongada do investigador junto à sociedade pesquisada. Uma imersão do
pesquisador na vida social de outra sociedade, como ensinou magistralmente Malinowsky,
procurando, evitar a companhia de outras pessoas de nossa própria sociedade. Manter
prolongadamente “o contato mais íntimo possível com os nativos” era seu conselho
primordial. Compartilhar de seus alimentos, seus hábitos, aprender sua língua, participar de
seu cotidiano desde as tarefas e assuntos mais corriqueiros até a cerimônias e dramas
sociais mais relevantes. Fazer um mergulho profundo na cultura da sociedade investigada.
Esse contato direto do estudioso bem preparado teoricamente com o seu objeto
de trabalho coloca muitos problemas e dilemas e é, ao meu ver, destes dilemas
que a disciplina tende a se nutrir, pois é a partir de seus próprios paradoxos que
a antropologia tem contribuído para todas as outras ciências do social. Uma
dessas contradições é o fato de a disciplina renovar sistematicamente sua carga
de experiências empíricas em cada geração. Em vez de encorajar uma ampliação
teórica no limite de certas teorias já estabelecidas, buscamos orientar o jovem
pesquisador para uma perspectiva realmente pessoal e autêntica de cada
problema. Ou melhor, tentamos conduzir o neófito para que venha a
desenvolver um diálogo com as teorias correntes, tudo isso a partir de sua
própria experiência concreta com o “seu” grupo tribal ou segmento de uma
sociedade moderna por ele estudada. (Da Matta, 1981: 146).
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Para uma discussão mais aprofundada veja o capítulo Antropologia e Colonialismo, do livro de Adam Kuper,
Antropólogos e Antropologia.
Dentro desse espectro podemos reconhecer o ponto de vista do multiculturalismo.
O multiculturalismo surge nos anos 60 no Canadá e nos Estados Unidos da América com
uma perspectiva política de denuncia da impessoalidade e da pseudo- igualdade propalada
pelo capitalismo liberal. As ações reinvicativas e a política de reconhecimento são
importantes na sua constituição, pois a crítica multicultural se estabelece na esteira dos
movimentos dos grupos minoritários pela visibilidade “de suas diferenças, suas várias
identidades, como das desvantagens e desigualdades sociais decorrentes da discriminação
de gênero, raça, orientação sexual e origem regional” (Cardoso, s/d, p. 8).
Nutrindo-se das discussões acerca da conformação das identidades culturais, as
discussões acadêmicas e extras acadêmicas do multiculralismo encorajam setores da
sociedade civil à ações institucionais com preensões de colocar em xeque práticas
reprodutoras de desigualdades desencadeadas por vários níveis do poder do Estado.
Turence Turner, em um ensaio de 1993, destaca que o multicultarismo, assim como
o os estudos culturais3, formam um campo onde os antropólogos têm perdido terreno.
“Multiculturalismo, ao contrário da antropologia , é sobretudo um movimento para
mudança” ( Turner apud Kuper, 2002: 290). Trata-se de um território altamente politizado e
que pula para fora dos muros acadêmicos, colocando também a cientificidade antropológica
na berlinda.
Alguns antropólogos ressentem-se da independência com que outros usos do
conceito de cultura portam-se em relação ao primor do debate elaborado nos últimos 150
anos pela sua disciplina. Outros, como Kuper, consideram que já é hora de descartar este
“conceito hiper-referencial”.
Não quero com isso negar que alguma forma de explicação cultural seja útil,
em seu devido lugar, mas apelos á cultura só podem oferecer uma explicação
parcial do que e leva as pessoas pensarem e agirem de determinada forma e do
que faz com que elas mudem seu jeito de ser. Forças políticas e econômicas,
instituições sociais e processos biológicos não desaparecem como um passe de
mágica apenas porque esse é o nosso desejo, nem podem ser assimilados em
sistemas de conhecimentos e crenças (2002, p. 13).
Ao olhar para trás não é difícil constatar que a história da antropologia se construiu
sobre a permanente tensão entre a determinação das semelhanças e diferenças entre as
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Sobre os quais não temos espaço neste texto para apresentá-los.
sociedades humanas. E, embora, alguns programas científicos mais objetivos tenham se
estabelecido, como por exemplo o de Radcliffe-Brown e de Levi-Strauss, na busca por leis
gerais do funcionamento cultural, a expansão e o sucesso da antropologia é devedor das
proposições que defendem, como Malinowski e Geertz, o estudo da cultura como
alargamento do diálogo social. Nesse sentido, é preciso estar atendo para a assimilação das
determinações culturais apressadas, quando, muitas vezes, envenena-se com a droga que se
pretendia antídoto à intolerância. Se o multiculturalismo cutuca a paralisia acadêmica da
antropologia, esta, por sua vez, tem denunciado o quanto aquela perspectiva, por vezes,
resulta na reificação seus conceitos mais caros: a defesa da diferença e do relativismo
cultural, muito mais do que diálogo têm estabelecido a incomensurabilidade entre as
culturas, fomentando guetos e discursos competentes. Já não é incomum a admissão de que
apenas negros possam falar de negros, apenas lésbicas possam discorrer sobre suas
orientações sexuais e a linguagem do politicamente correto, ao invés de trazer dignidade,
impõe novas invisibilidades.
Exagerada ou não a dimensão que o conceito de cultura assumiu ao longo desta
trajetória, ele permanece estar na ordem do dia. Seja nos discurso dos ativistas políticos,
dos literatos, historiadores e até mesmo as ciências médicas e da administração curvam-se
ante a possibilidade do estudo da cultura de não apenas relativizar, mas principalmente
destacar a ação imaginativa, socializadora e simbólica que faz dos sapeins também
humanos.
Aqueles que acreditam que as utopias não são sonhos penhorados no céu, ainda
podem ver neste debate a possibilidade do refinamento das condições de vida em
sociedade. Como propõe Boaventura Santos, ao adotarmos a perspectiva intercultural deve
apontar não para um ingênuo relativismo absoluto, mas para incompletude mútua das
culturas. Possivelmente o esforço da tarefa da agenda política do século XXI, seja a
garantia do “grupos sociais de afirmarem seu direito de serem iguais quando a diferença os
inferioriza, e o direito de serem diferentes quando a igualdade os descaracteriza”.
( Santos , 2002).
Referências Bibliográficas
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