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Prova Sentença Penal Comentários

1) SENTENÇA ESTADUAL

RODADA 06.2014

1) O Ministério Público do Estado de Goiás/GO ofereceu denúncia contra


Maria Fogosa, brasileira, solteira, nascida em 15/08/1992, residente e
domiciliada na Rua 09, casa 15, em Catalão/GO, e Fernanda Pimentinha,
brasileira, solteira, nascida em 25/06/1993, residente e domiciliada na Rua Júlio
Gomes nº 45, casa 17, em Catalão/GO, pela prática do crime previsto no art.
157, § 2º, incs. I e II, do Código Penal.
Narra a denúncia que Zeca Peralta, residente e domiciliado em Catalão/GO,
na noite de 15/09/2012, resolveu sair para a “balada” com seus amigos e
dirigiu-se até a boate “Casa da Luz Vermelha”, situada naquela
municipalidade. Na mencionada boate, ele conheceu as duas denunciadas,
que lhe informaram que era garotas de programa e que cobravam R$ 200,00
(duzentos) reais cada para manter relações sexuais com ele.
Zeca Peralta aceitou a proposta e os três saíram, no carro de Zeca, em
direção ao Motel “Ame Mais” localizado na saída da cidade de Catalão/GO.
Depois de aproximadamente 01 (uma) hora após chegarem ao motel, Zeca
Peralta, insatisfeito com a “performance sexual” de Maria Fogosa e Fernanda
Pimentinha, disse que não pagaria nada pelo programa, pois fora enganado,
já que nenhuma das duas praticara o que prometera na boate “Casa da Luz
Vermelha”.
As duas denunciadas, indignadas com a postura de Zeca Peralta, travaram
longa discussão com ele e, convencidas de que ele não honraria o
“contrato”, ou seja, não pagaria nada pelo programa, resolveram amarrá-lo
para subtrair os pertences de Zeca Peralta.
Para isso, Maria Fogosa buscou em sua bolsa um canivete que lá guardara e,
ameaçando matar Zeca Peralta, obrigou-o a deitar na cama do motel,
enquanto Fernanda Pimentinha amarrava os pés e as mãos dele. Após o
terem amarrado, as duas bateram, por meio de chutes e socos, em Zeca até
que ele ficasse desacordado.
Em seguida, após amarrá-lo e agredi-lo, as duas subtraíram a quantia de R$
400 (quatrocentos) reais que estava na carteira dele. Logo após, as duas
deixaram o motel.
No entanto, os funcionários do motel, ao localizarem Zeca Peralta amarrado
no quarto, chamaram a Polícia Militar, que logrou prender em flagrante as 02
(duas) denunciadas a alguns quarteirões do motel.
Foi concedida liberdade provisória às duas denunciadas.
A denúncia foi recebida em 21/10/2012.
Citadas, as denunciadas apresentaram resposta à acusação, negando, de
forma genérica, a prática da acusação.
O Juízo de Direito da Comarca de Catalão/GO confirmou o recebimento da
denúncia e marcou a data de realização da audiência de instrução e
julgamento.
Na audiência, foram ouvidas a vítima Zeca Peralta, os policias militares que
efetuaram a prisão em flagrante e os funcionários do motel que localizaram
Zeca. As testemunhas inquiridas confirmaram o que fora narrado na denúncia.
Interrogadas, as rés confessaram a prática do delito, afirmando, apenas, que
pretendiam, com o “roubo”, ressarcirem-se do prejuízo sofrido com o
programa que não fora pago.
Alegações finais do Ministério Público pugnando pela condenação das rés
pela prática do crime previsto no art. 157, § 2º, incs. I e II, do Código Penal,
diante da comprovação da materialidade e autoria do delito imputado.
A defesa das denunciadas também apresentaram defesa, argumentando,
em síntese, que: a) houve erro de tipo, pois o dinheiro existente na carteira de
Zeca Peralta na verdade era das denunciadas, já que elas tinham direito ao
referido valor porque cumpriram sua parte no que fora “pactuado”; b) na
verdade, quem praticou algum crime foi a vítima Zeca Peralta, que ludibriou
as duas acusadas para obter “vantagem sexual” indevida e, assim, deve
responder por estelionato; c) não houve o exercício de grave ameaça ou de
violência à pessoa, o que afasta o tipo previsto no art. 157, § 2º, incs. I e II, do
Código Penal. Pugnou, ao final, pela absolvição das duas denunciadas.
Os autos vieram conclusos para sentença.

É o relatório. Decido.

Elabore, na condição de Juiz de Direito Substitutivo, a sentença pertinente,


enfrentado todas as questões processuais e materiais levantadas.

COMENTÁRIOS

Prezados Alunos,

ASPECTOS GERAIS SOBRE A TÉCNICA E A REDAÇÃO DE UMA SENTENÇA PENAL.


A sentença penal deve conter, além do relatório, da fundamentação e do
dispositivo, a dosimetria da pena.

No relatório, o juiz deve fazer um apanhado de todos os fatos relevantes que


se sucederam até o momento da prolação da sentença, indicando que
tomou conhecimento do caso e fez o competente estudo acerca de cada
peça anexada ao processo. Em provas de sentença realizadas em concursos
públicos para a magistratura, é de praxe, porém, a banca examinadora
dispensar sua feitura, uma vez que não é no relatório que o magistrado
demonstra e aplica seus conhecimentos jurídicos, embora nele retrate sua
habilidade em descrever e sintetizar os acontecimentos que tiveram ensejo no
processo até o momento em que fossem os autos conclusos para sentença.
No entanto, leia atenta e calmamente o enunciado porque algum
examinador pode, sim, exigir a confecção de relatório.
Na fundamentação, as questões de fato e de direito são solucionadas. Inicia-
se, por questões de lógica, pelo enfrentamento das preliminares, para as quais
existe uma ordem correta de abordagem. Saliente-se que é bastante
improvável que a sentença de um concurso exija do candidato a extinção
completa do processo sem resolução do mérito: a banca examinadora, de
regra, quer ver o candidato adentrar no tema de fundo. Isso não impede,
obviamente, que apenas algumas preliminares sejam acolhidas, mesmo que
em parte, e sempre com a devida fundamentação.
Decididas as preliminares, é a vez do mérito. Na sentença penal, a análise do
mérito passa necessariamente por ao menos dois aspectos: (i) a materialidade
e (ii) a autoria delitivas.
Na análise em torno da materialidade do delito, o magistrado analisa os fatos
narrados na peça acusatória e verifica se as provas colacionadas aos autos
estão a corroborá-los, afora, é claro, realizar o seu enquadramento no tipo
penal adequado. Quando adentra na questão da autoria, investiga se há
elementos probatórios a revelar que o fato criminoso é da responsabilidade
do acusado.
Confirmadas que sejam a materialidade e a autoria do delito, encerra-se a
fase da fundamentação e passa-se à parte dispositiva, onde será absolvido
ou condenado o réu. Aqui, sobreleva lembrar que é muito provável, para dizer
o menos, que a banca examinadora deseja a condenação de ao menos um
ou alguns réus, a fim de sindicar em torno da habilidade do candidato em
dosar e aplicar uma pena que se mostre justa. Desconfie, portanto, da
conclusão pela absolvição de todos os acusados.
Na sequência, o juiz avança à dosimetria da pena. Note-se que à
fundamentação seguir-se-á o dispositivo da sentença e, depois, a dosimetria
da pena. É este o caminho mais comumente seguido pelos juízes. Sem
embargo, há também aqueles que logo em seguida à fundamentação
chegam à dosimetria da pena e, somente após esta, finalizam a sentença
com sua parte dispositiva. A variação segue o estilo próprio de cada julgador:
a escolha da estrutura da sentença cabe a cada um, sendo imperioso, por
certo, que a sentença não fique à míngua de nenhuma dessas suas partes
essenciais.
Em relação à dosimetria da pena, lembre-se que o nosso Código Penal
adotou o sistema trifásico (art. 68), no qual o juiz, num primeiro momento,
examina as circunstâncias judiciais hospedadas no art. 59, além de outras
estabelecidas em legislação especial. É importante que todas essas
circunstâncias sejam referidas, ainda que para concluir-se que não há
elementos suficientes a valorá-las. Ultimada a análise peculiar a esta primeira
etapa, fixa o magistrado, segundo seu prudente arbítrio, a pena-base, dentro
das balizas da sanção criminal cominada ao tipo em que enquadrado o fato
delituoso.
Em um segundo passo, verificará o magistrado a presença de alguma
atenuante ou agravante, observando o que se contém nos artigos 61 a 67 do
Código Penal. Também aqui está jungido aos limites mínimo e máximo da
pena cominada ao tipo penal praticado (Súmula n. 231 do STJ: A incidência
de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo
do mínimo legal), chegando ao que se costuma nominar de pena provisória.
Na terceira parada, o juiz aplicará as causas de aumento ou diminuição da
pena encontradas na Parte Geral ou mesmo na Parte Especial do Código
Penal - além daquelas dispostas em legislação extravagante -, cujos limites de
aumento ou diminuição vêm previamente demarcados pelo legislador e
podem levar inclusive a apenamento aquém ou além do que contemplado
no preceito secundário do tipo penal. Nesta etapa, convola-se a pena em
definitiva, mercê do término das três fases na aplicação da sanção criminal.
Deverá ser verificado, outrossim, se é cabível a substituição da pena privativa
de liberdade, segundo os requisitos legais (art. 44 do Código Penal,
observando-se peculiaridades trazidas em leis especiais). Assenta-se, ainda, o
regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade, inclusive para
a hipótese de ter espaço a conversão da pena restritiva de direito em virtude
do seu descumprimento injustificado.
Em cominando o preceito secundário do tipo penal também a pena de
multa, arbitra-se primeiramente o número de dias-multa dentro dos limites nele
mesmo tracejados ou então consideradas as barreiras assestadas no art. 49 do
Código Penal, pautando-se o juiz pela mesma proporção de aumento
encontrado após fixar a pena privativa de liberdade. Define-se, ademais, o
valor de cada dia-multa segundo os lindes dispostos na lei (art. 49, § 1º, do
Código Penal, quando não houver balizamento próprio em legislação
específica), atentando-se, mormente, para a situação econômica do réu.
Esse é o método bifásico na imposição da pena de multa.
Seguem, por fim, as disposições finais (manutenção/decretação da prisão
cautelar; pagamento das custas; destinação de produtos/mercadorias;
lançamento do nome do réu no rol de culpados; ofício ao Tribunal Regional
Eleitoral respectivo para os fins do art. 15, III, da CF/88; outras, conforme o
caso). E terminada a sentença, deve-se escrever a expressão "local e data" e
"assinatura do juiz" (de fato, não se pode indicar qualquer local ou data, e
tampouco escrever o nome do sentenciante, porque isso caracterizaria
identificação de prova, eliminando o candidato).
De resto, registramos que, de modo a facilitar para o examinador a
constatação de que o candidato conhece a estrutura formal de uma
sentença criminal e de que efetivamente foram abordados todos os pontos
jurídicos suscitados na questão, é aconselhável a criação de tópicos e
subtópicos, os primeiros destinados a cada um dos elementos da sentença, e
os segundos aos pontos a serem enfrentados nas preliminares e no mérito da
pretensão deduzida, neste último caso sempre que haja relativa
independência entre eles. O candidato apenas deve ter o cuidado de não
desperdiçar espaço com esta estruturação nas provas em que haja limitação
de linhas.

TÓPICOS DO CASO CONCRETO.


No caso em análise, era necessário verificar, inicialmente, se os fatos
imputados às acusadas enquadravam-se no tipo do crime de roubo ou do
exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP).
Conforma a doutrina majoritária (Damásio de Jesus, Curso de Direito Penal, 4º
Volume. 11º Edição, 2001. Pág. 306), o tipo previsto no art. 345 do CP exige um
segundo elemento subjetivo, contido na expressão “para satisfazer pretensão,
embora legítima”. De modo que se exige que o sujeito realize a conduta para
a concretização de um fim determinado: satisfazer a sua pretensão. A
pretensão deve referir-se a um direito que o sujeito realmente tem ou supõe
possuir. Assim, pode ocorrer hipótese de: a) pretensão legítima; ou b)
pretensão ilegítima. É irrelevante que a pretensão seja legítima ou ilegítima.
Neste caso, porém, exige-se que o sujeito a suponha legítima.
Portanto, em tese, as autoras teriam praticado o delito mencionado. No
entanto, o que afasta a incidência do crime de exercício arbitrário das
próprias razões é o fato de que é necessário que a pretensão, em sua
essência, possa ser satisfeita perante o Judiciário. Assim, não há exercício
arbitrário das próprias razões nas hipóteses em que o sujeito não poderia levar
sua pretensão ao conhecimento da autoridade judiciária, como nos casos de
dívida prescrita, preço carnal etc.
Dessa forma, o tipo em questão não pode incidir no caso sob estudo porque a
pretensão de cobrança da dívida oriunda de programa sexual não pode ser
satisfeita perante o Poder Judiciário, e não pelo fato da dívida ser ilegítima,
como defenderam alguns alunos.
É importante observar que, não obstante a evolução da sociedade, que,
cada vez mais tem tolerado a prática da prostituição, doutrina e
jurisprudência majoritárias ainda entendem que as dívidas decorrentes de
programas sexuais não podem ser cobradas por meio do Poder Judiciário.
Assim, as duas acusadas deveriam, sim, ser condenadas pela prática do
crime previsto no art. 157, § 2º, incs. I e II, do Código Penal.
A autoria e materialidade do crime mencionado estão devidamente
comprovadas pelas provas constantes dos autos.
As teses defensivas, consistentes nas seguintes alegações: a) houve erro de
tipo, pois o dinheiro existente na carteira de Zeca Peralta na verdade era das
denunciadas, já que elas tinham direito ao referido valor porque cumpriram
sua parte no que fora “pactuado”; b) na verdade, quem praticou algum
crime foi a vítima Zeca Peralta, que ludibriou as duas acusadas para obter
“vantagem sexual” indevida e, assim, deve responder por estelionato; c) não
houve o exercício de grave ameaça ou de violência à pessoa, o que afasta o
tipo previsto no art. 157, § 2º, incs. I e II, do Código Penal, devem ser rejeitadas.
No caso em análise, não houve erro de tipo, pois o dinheiro existente na
carteira da vítima era, de fato, dele, e não das denunciadas. O fato de eles
terem cumprido sua parte na negociação sexual não significa que o dinheiro
a ele pertencente automaticamente passe à propriedade das acusadas.
Portanto, como o dinheiro mencionado era da vítima, e não das rés, não há
que se falar em erro de tipo.
Por outro lado, mesmo que a vítima tenha praticado algum crime, isso, por si
só, não afasta a incidência do tipo de roubo. Além disso, cabe ao Ministério
Público, como titular da ação penal, denunciar, se entender presentes
elementos para tanto, denunciar a vítima pelo crime de estelionato,
inexistindo qualquer consideração a ser feita neste processo sobre o
mencionado delito.
Por fim, há provas suficientes que demonstram que as acusadas exercerem
grave ameaça e violência contra a pessoa, o que faz incidir o tipo
mencionado.
Portanto, as rés devem ser denunciadas pela prática do crime previsto no art.
157, § 2º, incs. I e II, do Código Penal.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE A PRETENSÃO ACUSATÓRIA, para
condenar as rés Maria Fogosa e Fernanda Pimentinha pela prática do crime
previsto no art. 157, § 2º, incs. I e II, do CP.
Passo à dosimetria da pena.
A culpabilidade, consistente no grau de reprovabilidade da conduta, é
normal. As rés não possuem antecedentes. Não há elementos que permitam
identificar como é a conduta social e a personalidade das acusadas. O
motivo foi o não cumprimento do que fora pactuado pela vítima no acordo
celebrado. As circunstâncias são desfavoráveis, já que as rés utilizaram uma
arma branca para a prática do delito. Tal circunstância será considerada
como circunstância judicial porque o concurso de duas pessoas já é suficiente
para a incidência da majorante prevista no art. 157, § 2º, do CP. As
consequências também foram normais. A vítima contribuiu para a prática do
delito, pois, como dito, não cumpriu sua parte no que fora pactuado.
Diante da existência de circunstâncias judiciais favoráveis e desfavoráveis, fico
a pena-base em 04 (quatro) anos de reclusão, ou seja, em seu mínimo legal.
Não obstante a presença de atenuantes – confissão espontânea e
menoridade -, não é possível reduzir a pena abaixo de seu mínimo legal,
conforme o teor da Súmula 231 do STJ (A incidência da circunstância
atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal).
Diante da causa de aumento de pena prevista no art. 157, § 2º, inc. II, do CP,
aumento a pena-base em 1/3 (um terço) e a torno definitiva em 05 (cinco)
anos e 04 (quatro) meses de reclusão.
Condeno, também, às acusadas à pena de multa no valor de 14 (quatorze)
dias-multa, cujo valor individual será de 1/30 (um trinta avos) do valor do
salário-mínimo vigente na data dos fatos.
Deixo de substituir a pena privativa de liberdade aplicada por restritiva de
direitos diante da vedação legal (art. 44, inc. I, do CP).
O regime inicial de cumprimento da pena serão semiaberto (art. 33, § 2º,
alínea “b”, do CP).
As rés poderão recorrer em liberdade porque não estão presentes os requisitos
da prisão preventiva.
Deixo de fixar a indenização prevista no art. 387, inc. IV, do CPP porque não
houve pedido do Ministério Público.
Após o trânsito em julgado: 1)Lancem-se os nomes das rés no rol dos culpados,
em observância ao que preceitua o art. 15, III, da Constituição Federal; 2)
Intime-se o réu para pagamento do valor da multa aplicada, em
conformidade com o disposto no art. 50, do Código Penal e 686, do Código
de Processo Penal; 3)Oficie-se o Tribunal Regional Eleitoral, comunicando a
condenação das Rés, com a sua devida identificação, acompanhada de
fotocópia da presente decisão, para o cumprimento do no art. 71, parágrafo
2º, do Código Eleitoral, c/c art. 15, III, da Constituição Federal
Custas a cargo das rés.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Data
Assinatura. Uma boa semana a todos e bons estudos!!!
MELHORES RESPOSTAS

ALUNO: DEUSIMAR OLINDA ALVES DE ARACAJU/SE.


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE GOIÁS COMARCA DO MUNICÍPIO DE
CATALÃO
PROCESSO Nº XXXX/2013
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS
RÉS: MARIA FOGOSA E FERNANDA PIMENTINHA


I – Relatório

Zeca Peralta, residente e domiciliado em Catalão/GO, na noite do dia


15/09/2012, resolveu sair para a “balada” com seus amigos e dirigiu-se até a
boate “Casa da Luz Vermelha”, situada naquela municipalidade. Lá ele
conheceu Maria Fogosa, brasileira, solteira, nascida em 15/08/1992, residente
e domiciliada na Rua 09, casa 15, Catalão/GO, e Fernanda Pimentinha,
brasileira, solteira, nascida em 25/06/1993, residente e domiciliada na Rua Júlio
Gomes, 45, casa 17, Catalão/GO. Na oportunidade, as duas moças
informaram que eram garotas de programa e que cobravam R$200,00
(duzentos) Reais cada para manter relações sexuais com ele. A proposta foi
aceita por Zeca Peralta e os três saíram, no carro dele e foram para o Motel
“Ame Mais”, localizado na saída da cidade de Catalão/GO. Insatisfeito com a
“performance sexual” das garotas, Zeca Peralta resolveu não pagar o valor
acertado com elas na boate, ao argumento de que fora enganado, posto
que elas não haviam praticada o que prometeram. As duas, indignadas com
o comportamento de Zeca Peralta, travaram longa discussão com ele e,
convencidas de que ele não honraria o “contrato”, resolveram amarrá-lo e
subtrair os pertences de Zeca Peralta. Maria Fogosa retirou de sua bolsa um
canivete que lá guardava e ameaçou matá-lo, obrigando-o a deitar na
cama do motel, enquanto Fernanda Pimentinha amarrava os pés e as mãos
dele. Após amarrarem, bateram, por meio de chutes e socos em Zeca, até
que ele ficasse desacordado. Subtraíram R$400,00 (quatrocentos reais) que
estava na carteira de Zeca e logo após, deixaram o Motel. Zeca foi localizado
pelos funcionários do Motel amarrado no quarto, chamaram a Polícia Militar,
que logrou prender em flagrante as duas moças a alguns quarteirões do
Motel. Diante do acontecido, o Ministério Público do Estado de Goiás
ofereceu denúncia contra Maria Fogosa e Fernanda Pimentinha, pela prática
do crime previsto no art. 157, §2º, incisos I e II, do Código Penal. Foi concedida
liberdade provisória às duas denunciadas. A denúncia foi recebida em
21/10/2012. Citadas, as denunciadas apresentaram resposta à acusação,
negando, de forma genérica a prática da acusação. O Juízo de Direito da
Comarca de Catalão/GO confirmou o recebimento da denúncia e marcou a
data da realização da audiência de instrução e julgamento. Nesta, foram
ouvidas a vitima Zeca Peralta, os policiais militares que efetuaram prisão em
flagrante e os funcionários do motel que localizaram Zeca. As testemunhas
inquiridas confirmaram o teor da denúncia. No interrogatório, as rés
confessaram a prática do delito, mas afirmaram que pretendia com o
“roubo”, ressarcirem-se do prejuízo sofrido com o programa que não fora
pago. Em alegações finais o MP pugnou pela condenação das rés nos termos
da denúncia. A defesa das denunciadas apresentaram defesa, e
argumentaram, em síntese, que: 1) houve erro de tipo, pois o dinheiro
existente na carteira da vitima era, na verdade, das denunciadas, já que elas
tinham direito a receber o valor porque cumpriram sua parte no que fora
“pactuado”; 2) na verdade, quem praticou algum crime foi a vitima Zeca
Peralta, que ludibriou as duas acusadas para obter “vantagem sexual”
indevida e, assim, deve responder por estelionato; 3) não houve o exercício
de grave ameaça ou de violência à pessoa, o que afasta o tipo pelo qual
foram denunciadas. Pugnou, ao final, pela absolvição das duas denunciadas.
Vieram os autos conclusos.

É o relatório.


II – Fundamentação.

Tratam os autos de ação penal pública incondicionada, movida pelo


Ministério Público Estadual, em face de Maria Fogosa e Fernanda Pimentinha,
pela prática do crime previsto no art. 157, §2º, I e II, do CP. A principio, devo
esclarecer que o “pacto” celebrado entre as duas acusadas Maria Fogosa e
Fernanda Pimentinha, de um lado e Zeca Peralta do outro não tem guarida
no nosso ordenamento jurídico pátrio. A atividade sexual prestada avulsa é
uma atividade que é reprovada dentro do campo da moral. Porém, dentro
do campo do direito, não sendo explorada economicamente por um terceiro
intermediador, se mostra como indiferente sob o ponto de vista da ciência do
Direito. Assim sendo, no caso dos autos, se uma das partes não cumpre o que
se pactuou não há como a outra parte buscar a tutela do Poder Judiciário
para tornar efetivo o que se pactuou. Também não é possível, nenhuma das
partes, por suas próprias forças, ante o inadimplemento da outra parte
efetivar a pretensão. Forte nessa linha de raciocínio, entendo que Maria
Fogosa e Fernanda Pimentinha ao praticarem a conduta no sentido de fazer
valer o suposto direito por via da violência e da ameaça, retirando o dinheiro
da carteira de Zeca Peralta, praticaram a infração penal capitulada pelo
Ministério Público como roubo qualificado, do qual passo a tratar os seus
elementos configuradores.


Da Materialidade e da autoria

Reza da denúncia que as acusadas, indignadas com a postura de Zeca


Peralta, que afirmou que não iria pagar nada pelo programa, e após longa
discussão, resolveram ameaçá-lo para subtrair os pertences. Consta ainda,
como modus operandi, a ameaça de morte mediante a utilização de um
canivete que Maria Fogosa carregava em sua bolsa, obrigando-o a deitar na
cama e, após amarradas suas mãos, bem como seus pés, deram chutes e
socos na vitima, deixando-a desacordada, subtraíram o valor de R$400,00
(quatrocentos reais) que estavam em sua carteira. Assim, dúvida não há de
que a materialidade restou comprovada, posto que esse crime se materializa
com a prática da violência ou da grave ameaça à pessoa, cumulada com a
subtração da coisa alheia móvel para si ou para outrem. Isso foi levado a
cabo pelas acusadas naquela noite, no Motel Ame Mais. Em juízo, as
testemunhas confirmaram o conteúdo da denúncia. As próprias rés,
confessaram a prática do delito, entretanto, afirmaram que assim
procederam para se ressarcirem do prejuízo pelo não pagamento do que fora
antes combinado. Alega a defesa que, no caso, houve erro de tipo, pois o
dinheiro existente na carteira de Zeca Peralta na verdade era das
denunciadas, já que elas tinham direito ao referido valor, porque cumpriram a
sua parte no que fora “pactuado”. Esse argumento não há de prosperar. Nos
termos do art. 20, do CP, o erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de
crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em
lei. O erro de tipo essencial é aquele que recai sobre os elementos
constitutivos do tipo penal ou sobre as circunstâncias. O sujeito que está em
erro de tipo possui uma falsa representação da realidade, ou seja, pratica um
fato descrito no tipo penal sem ter a devida consciência da sua conduta. Não
possui consciência e vontade de realizar o tipo objetivo e assim, ante
ausência desse querer, não haverá o dolo. Realiza a tipicidade objetiva, mas
não realiza a tipicidade subjetiva. No caso dos autos, as acusadas agiram
com consciência e vontade de realizar a figura típica, seja do ponto de vista
objetivo (elementos objetivos do tipo), seja do ponto de vista subjetivo
(elemento subjetivo do tipo). Percebe-se que mediante violência e grave
ameaça, abriram a carteira da vítima e retiraram o dinheiro nela encontrado.
Isso por si só é suficiente para caracterizar o delito pelo qual estão sendo
acusadas. O fato de a vítima não ter cumprido o “pacto” anteriormente
ajustado não dá o direito de a outra parte, por meio da violência e da grave
ameaça à pessoa, exercer o direito supostamente incorporado ao seu
patrimônio. Alega ainda a defesa que, na verdade, quem praticou algum
crime foi a vítima Zeca Peralta, que ludibriou as duas acusadas para obter
“vantagem sexual” indevida e, assim, deve responder por estelionato.
Também essa tese não há de prosperar. Nos termos do art. 171, do CP,
caracteriza o estelionato o agente obter, para si ou para outrem, vantagem
ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante
artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. Analisando-se os fatos
narrados na denúncia e cotejando com o tipo penal em apreço, percebe-se
que não há subsunção do fato à norma apontada, haja vista que não houve
por parte de Zeca Peralta, o induzimento das acusadas a erro, mediante
quaisquer das condutas especificadas no tipo. Conforme narrado na
denúncia, o programa foi previamente acertado pelo valor de R$ 200,00
(duzentos reais) para cada uma das acusadas. Contudo, Zeca Peralta se
recusou a pagar o programa ao argumento de que o desempenho sexual das
“contratadas” o deixou insatisfeito. Esse não pagamento, entretanto, é uma
conduta que se revelou em razão da suposta má prestação do “serviço”
anteriormente contratado, o que não se amolda a nenhuma das formas de
estelionato. Sustenta ainda a defesa que não houve o exercício de grave
ameaça ou de violência à pessoa, o que afasta o tipo previsto no art. 157, §2º,
I e II, do CP. Esse argumento não tem sustentação diante dos fatos narrados e
provados nos autos. Consta que, mediante o uso de uma arma (canivete), a
vítima foi forçada a deitar na cama e seus pés e suas mãos foram amarrados,
para que pudessem as acusadas, após eliminar qualquer resistência da vítima,
retirarem da sua carteira o valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais) nela
encontrados. Assim, demonstrada a materialidade e provado a autoria, as
duas denunciadas devem responder, nos termos da lei penal, pela prática de
suas condutas delitivas.


III – Dispositivo


Ante todo o exposto e tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o
pedido formulado na DENÚNCIA, ofertada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em face
de Maria Fogosa e Fernanda Pimentinha, anteriormente qualificadas, para
condená-las como incursas nas penas do art. 157, § 2º, incisos I e II, do Código
Penal Brasileiro, passando a dosar as penas, nos estritos termos do art. 68, do
Código Penal.
 Em respeito ao princípio da economia processual e tendo em
vista que o contexto fático em que ocorreu o crime é o mesmo, as penas
determinadas são as mesmas para ambas as coautoras.


1ª Fase: Culpabilidade – desfavorável às rés, já que, após a subtração do


dinheiro da vitima com o emprego da violência e grave ameaça, que são
elementares do tipo, deixaram-na amarrada e fugiram do cenário do crime;
antecedentes, conduta social e personalidade, não há elementos suficientes
para valora-las; os motivos do crime, foi a obtenção do valor anteriormente
acertado com a vitima, que não tendo sido adimplido, o fizeram através da
violência e ameaça, que são elementares normais do tipo; as circunstâncias,
são desfavoráveis, tendo em vista que deixaram a vitima desacordada no
quarto do Motel; as consequências foram normais à figura típica; o
comportamento da vitima em nada colaborou para o crime. Em vista dessas
circunstâncias analisadas individualmente é que fixo a pena-base em 5 anos e
6 meses de reclusão e 97 dias-multa, a razão de 1/3 (um trigésimo) do salário
mínimo vigente à época dos fatos.


2ª Fase: Não há circunstâncias agravantes. Presentes as circunstâncias


atenuantes do art. 65, I (menoridade) e art. 65, III, “d” (confissão), do Código
Penal, razão pela qual atenuo as penas em 1 ano e 6 meses, em observância
do que determina a Súmula 231 do STJ, passando a dosa-la em 4 anos de
reclusão e 10 dias-multa a razão de 1/3 (um trigésimo) do salário mínimo
vigente à época dos fatos.

3ª Fase: Não estão presentes causas de diminuição de pena. Presente a causa


de aumento de pena, prevista nos incisos I e II, do § 2º, do art. 157, Código
Penal (concurso de pessoas e emprego de arma), razão pela qual aumento a
pena em um terço. Deixo de exasperar o aumento de pena acima do mínimo
pelo fato de a arma utilizada para a prática do delito ser de potencial
intimidatório reduzido e passo a dosa-la em definitivo em 5 anos e 4 meses de
reclusão e 87 dias-multa a razão de 1/3 (um trigésimo) do salário mínimo
vigente à época dos fatos.
 Em consonância com o disposto pelo art. 33,
parágrafo 2º, alínea “b” do Código Penal, as rés Maria Fogosa e Fernanda
Pimentinha deverão iniciar o cumprimento da pena em regime
semiaberto.
 Concedo às rés o direito de recorrer em liberdade, arrimado na
regra estatuída pelo art. 5º, LVII, da Constituição Federal e 387, parágrafo 1º
do Código de Processo Penal.
 Condeno as rés ao pagamento das custas
processuais.
 Deixo de fixar o valor mínimo para a reparação dos danos,
reclamado pelo art. 387, IV, do CPP, pela ausência de dados para
embasamento.
 Oportunamente, após o trânsito em julgado dessa decisão,
tomem-se as seguintes providências:
1)Lance-se os nome das rés no rol dos culpados, em observância ao que
preceitua o art. 15, III, da Constituição Federal;
2)Proceda-se o recolhimento do valor atribuído a título de multa, em
conformidade com o disposto no art. 50, do Código Penal e 686, do Código
de Processo Penal;
3)Oficie-se o Tribunal Regional Eleitoral, comunicando a condenação das Rés,
com a sua devida identificação, acompanhada de fotocópia da presente
decisão, para o cumprimento do no art. 71, parágrafo 2º, do Código Eleitoral,
c/c art. 15, III, da Constituição Federal.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Local, data

Juiz substituto.

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