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6.

3 – Estruturação Formal, Delimitação e Modelagem do Espaço


Composicional de cada movimento

6.3.1 – Malkuth (O Reino)

Estruturação Formal
O primeiro movimento, Malkuth, foi organizado em três seções: A, compassos 1-

29; B, comp. 30-39 e C, comp.40-48. Nas seções A e C, o clarinete ocupa uma posição

de solista. A seção B foi planejada privilegiando a relação camerística entre percussão,

piano e violoncelo.

Delimitação e Modelagem do Espaço Composicional


O Espaço Composicional de Malkuth consiste em excertos musicais retirados do

último movimento do concerto para clarinete e orquestra de câmara Cárcere do

Imaginário IX, composto pelo autor em 1999. A seção A de Malkuth foi composta como

uma reconstrução concisa das três primeiras seções do último movimento do concerto.

Em Malkuth o clarinete mantém sua posição de solista, acompanhado pelos outros

instrumentos do grupo. A figura 6.2a apresenta a primeira página do último movimento

de Cárcere do Imaginário IX, e a figura 6.2b mostra a abertura de Malkuth, compassos

1-4.

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Fig.6.2a: Primeira página de Cárcere do Imaginário IX, comp. 1-3

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Fig.6.2b: Abertura de Malkuth, comp.1-4

A seção B foi organizada em dois níveis hierárquicos: o primeiro, formado pela

sobreposição de três linhas rítmicas com figuras assimétricas e com acentos não

coincidentes. As linhas rítmicas foram orquestradas utilizando a percussão, o piano e o

violoncelo. A figura 6.3 mostra as três figurações rítmicas utilizadas na construção da

seção B. Para compor as partes do piano e do violoncelo, foram definidos dois conjuntos

de alturas, figura 6.4. O segundo nível consiste em notas longas (dó e si) na parte do

clarinete e do violino.

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Fig.6.3: Linhas rítmicas formadas por figuras assimétricas e com acentos não coincidentes

Fig.6.4: Conjuntos de alturas definidos para uso no piano e violoncelo na seção B

A seção C foi composta utilizando como Espaço Composicional dois momentos

do solo de clarinete do terceiro movimento de Cárcere do Imaginário IX, compassos 23-

24 e compassos 45-46, figuras 6.5a e b, sendo o primeiro excerto utilizado no início da

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seção C, comp. 40-41; e o segundo trecho, no piano, no compasso 43-44. A figura 6.6a

mostra o primeiro trecho adaptado por alterações de registro e de articulação. Também

foi realizada uma expansão da parte do clarinete com uma seqüência de arpejos,

acompanhado por acordes de caráter percussivo executados pelo piano e pelas cordas.

Essa seqüência de arpejos possui uma função transitória entre o primeiro trecho utilizado

no clarinete e o segundo excerto executado pelo piano, figura 6.6b. A peça foi finalizada

com gesto pontual composto por um acorde de caráter percussivo executado pelo

clarinete, piano e cordas. O acorde é executado duas vezes em uma seqüência de fusas,

com um caráter agressivo reforçado por um rufo no tambor baixo.

Fig.6.5a: Compassos 23 e 24 do solo de clarinete (escrito em Dó) do terceiro movimento de Cárcere do


Imaginário IX

Fig.6.5b: Compassos 45 e 46 do solo de clarinete (escrito em Dó) do terceiro movimento de Cárcere do


Imaginário IX

Fig.6.6a: Realização em Malkuth do trecho mostrado na figura 6.5a

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Fig.6.6b: Segundo excerto executado pelo piano

6.3.2 – Yesod (Fundamento)

Estruturação Formal
Yesod consiste em três seções, A, B e C. A primeira seção, compassos 1-25, foi

construída com um gradual adensamento de textura sobre um ostinato rítmico. Na

segunda seção, comp. 27-55, o piano realiza um contraponto a duas vozes com o baixo

escrito como um moto perpétuo, baseado no walking bass dos contrabaixistas de jazz. A

voz aguda consiste em uma melodia com ritmos sincopados, dobrada pelo clarinete. As

cordas têm intervenções pontuais e não há uso de percussão. A última seção, comp. 56-

66, constitui-se de um solo de percussão.

Delimitação e Modelagem do Espaço Composicional


O Espaço Composicional de Yesod foi definido por diferentes conjuntos de alturas

para cada seção (A e B). Para a seção A, foram gerados doze conjuntos de alturas

utilizando um algoritmo de geração randômica de notas, desenvolvido por Mikhail Malt,

baseado no modelo utilizado por Iannis Xenakis, na obra Achorripsis. A figura 6.7 mostra

os treze conjuntos na ordem em que aparecem na parte do piano. Na partitura, cada

conjunto foi separado por pausas, organizadas em uma seqüência descendente de

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durações. A parte do piano foi sobreposta ao padrão rítmico repetido em forma de

ostinato pela percussão. O padrão rítmico construído por um ciclo de onze semicolcheias,

em que os acentos foram organizados pela seqüência numérico 2,1,2,2,2,2, foi baseado no

modelo dos ritmos circulares africanos (ver ANKU, 2000), figura 6.8. As cordas e o

clarinete realizam intervenções utilizando os conjuntos de notas definidos nas seqüências

do piano, de modo a gerar o aumento gradual de densidade na textura geral.

Fig.6.7: Os treze conjuntos que formam o Espaço composicional da seçãoA de Yesod

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Fig.6.8: Padrão rítmico utilizado como ostinato na seção A

Na seção B o espaço composicional foi delimitado por um grupo de treze

conjuntos de notas. Primeiramente estabeleci dois, utilizando o mesmo algoritmo de

geração randômica de notas; os outros onze conjuntos foram gerados pelo processo de

interpolação linear entre os dois primeiros. A modelagem do espaço composicional nessa

seção foi iniciada pela parte do piano. A melodia do clarinete foi composta como uma

redução da voz superior do piano, com a função de ressaltar algumas notas ou desenhos

melódicos. A seção C foi composta como uma pequena cadenza para percussão, tendo

como referência os solos improvisados por bateristas de Jazz.

Fig.6.9: Espaço Composicional da segunda seção de Yesod

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6.3.3 – Hod (Glória)

Estruturação Formal
O terceiro movimento, Hod, para clarinete e piano, foi organizado em quatro

seções: A [1-13], B [13-18], C [19-26] e A’ [27-32]. A textura da peça foi definida como

uma melodia acompanhada, e a instrumentação, organizada por seções: A e A’ clarinete

cantabile e o piano com acompanhamento cordal; na seção B, clarinete-solo sem piano;

na seção C, piano-solo.

Delimitação e Modelagem do Espaço Composicional


O Espaço Composicional de Hod foi delimitado pelo conjunto de oito notas

mostrado na figura 6.10. Essa peça foi composta de modo bastante intutivo, sem o auxílio

de algoritmos ou seqüências numéricas de suporte. Primeiramente foram construídas as

duas frases melódicas, executadas pelo clarinete na seção A. Essas frases serviram de

matriz para a composição das demais. A seção B, clarinete-solo, foi composta como uma

variação da primeira melodia, explorando os elementos rítmicos da primeira parte da

frase (comp.3) e a expansão dos intervalos melódicos. A seção C, piano-solo, é uma

variação da segunda melodia realizada através de aumentação rítmica, mudança de

registro e variações no desenho melódico. A melodia da seção A’ foi concebida como

uma síntese entre os elementos das outras frases da peça. Sendo ritmicamente relacionada

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com a primeira frase, apresenta também variações de registro, fazendo uso de um grupo

maior de intervalos.

Fig.6.10: Espaço Composicional de Hod

Fig.6.11a: Primeira melodia da seção A e a variação realizada na seção B

Fig.6.11b: Segunda melodia da seção A e a variação realizada na seção C

6.3.4 – Netzach (Vitória)

Estruturação Formal, Delimitação e Modelagem do Espaço


Composicional
O quarto movimento, N e t z a c h , foi organizado em uma única seção.

Primeiramente foi definido um grupo de compassos, partindo da seqüência numérica

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5,4,5,2,3,2,3,5,2,3,5. Para o preenchimento dos compassos, foram estabelecidos grupos

de impulsos, ordenados de acordo com a seqüência numérica 5,4,3,2,3,1,3,5,1,3,3. A

figura 6.12 apresenta a seqüência rítmica resultante, que serviu de estrutura para a

construção das frases rítmicas. Durante a composição destas, a seqüência de compassos

foi expandida pelo acréscimo de dois compassos de três por oito, comp.8-9 na metade da

peça e mais seis no final, comp.14-18. Netzach é um movimento introspectivo e sombrio,

tendo sido concebido dessa forma para contrastar com o lirismo do movimento anterior,

Hod .

Fig.6.12: Seqüência rítmica resultante do preenchimento dos compassos pela seqüência de impulsos
5,4,3,2,3,1,3,5,1,3,3

Fig.6.13: Quatro primeiros compassos de Netzach

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6.3.5 – Tiphereth (Beleza)

Estruturação Formal
O movimento Tiphereth consiste em três seções denominadas A, B e C. A seção

A caracteriza-se pela alternância entre duas texturas contrastantes, a primeira, etérea

contínua; e a segunda, violenta e pontual. A seção B consiste em um ostinato estático

construído sobre um arpejo no piano, derivado do primeiro movimento, Malkuth. Sobre o

ostinato do piano, reforçado pelas cordas, o clarinete cita a melodia inicial do último

movimento denominado Kether. A última seção é uma elaboração da seqüência de

acordes que formam a textura violenta e pontual da primeira seção.

Delimitação e Modelagem do Espaço Composicional


O espaço composicional de Tiphereth foi formado pela seguinte seqüência

ordenada de conjuntos de notas:

Fig.6.14: Espaço Composicional de Tiphereth

Esta composição foi concebida como um encontro entre o primeiro e o último

movimento, trazendo características expressivas próprias, bem como dos dois outros

movimentos. A seção A inicia com uma sonoridade construída pelo uso de diferentes

formas de ataque da nota si bemol: o violoncelo utiliza harmônicos, o violino realiza um

trêmolo com a ponta do arco próximo à ponte, e o clarinete, com o ataque ordinário,

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realiza um movimento de aceleração e desaceleração (figura 6.14). O resultado é uma

textura rica em harmônicos agudos, com uma expressão delicada e distante. Essa textura

é subitamente interrompida por uma seqüência violenta de acordes, retirada de Malkuth

(figura 6.15). Após a interrupção a textura inicial é retomada, acrescida agora das notas ré

e dó sustenido, terceiro conjunto do espaço composicional. O acréscimo dessas notas

introduz instabilidade à textura inicial, como um distúrbio causado pela interrupção

violenta de Malkuth. No compasso 12 há uma nova interferência agressiva, e a seção

conclui com a retomada da textura inicial um semi-tom acima.

Fig.6.14:Início da primeira seção de Tiphereth

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Fig.6.15:Acordes retirados de Malkuth

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Fig.6.16:Interferência de acordes no compasso 12

A seção B foi construída sobre um ostinato na parte do piano, derivado do arpejo

realizado por este instrumento, nos compassos 26 e 27 de Malkuth (figura 6.17a-b). A

partir do compasso 24, com a entrada das cordas com a nota si, o ostinato do piano passa

a ser uma seqüência de notas por grau conjunto (figura 6.18). Sobre este novo ostinato o

clarinete executa a melodia inicial de Kether, transposta e com o ritmo aumentado (figura

6.19a-b). A seção final é uma transição entre os dois últimos conjuntos de notas do

espaço composicional. Do ponto de vista da expressão, esta seção representa, de forma

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sintética, a transição entre o gestual violento e pontual, característico de Malkuth, para a

estabilidade de Kether.

Fig.6.17a: Arpejo original, compassos 26 e 27 de Malkuth

Fig.6.17b: Arpejo realizado em Tiphereth

Fig.6.18: Segundo ostinato da parte do piano

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Fig.6.19a: Melodia original realizada pelo clarinete e violoncelo em Kether

Fig.6.19b: Melodia transposta e com aumentação rítmica em Tiphereth

6.3.6 – Geburah (Força)

Estruturação Formal, Delimitação e Modelagem do Espaço


Composicional
A forma em Geburah foi organizada em uma única seção processual, visando a

criar um discurso musical contínuo. Não havendo subdivisões em seções, nem indicações

de compassos, a métrica é definida pelos contornos melódicos e pelas notas acentuadas

individualmente. O Espaço Composicional foi definido por uma frase melódica derivada

da melodia matriz de Hod e utilizada como reservatório de notas e intervalos, contornos

melódicos e figurações rítmicas.

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Fig.6.20: Espaço Composicional de Geburah, melodia derivada de Hod

A Modelagem do Espaço Composicional foi realizada utilizando o algoritmo

denominado TransObj-1, desenvolvido pelo autor. Esse algoritmo realiza uma série de

transformações nas alturas, intervalos e contornos melódicos e em diferentes níveis da

organização rítmica:

- Transformações nas alturas: Transposição de fragmentos melódicos com


diferentes índices de transposição para cada nota; distorções no contorno
melódico controladas graficamente; permutações circulares e randômicas;
contração e expansão intervalar, além de inversões e retrógrados.
- Transformações na organização rítmica: permutações de impulsos e compassos;
interpolação entre duas células rítmicas.

Diferentemente do algoritmo Granulus2, utilizado em Spells (ver seção 3.4), a

escolha do tipo de transformação e dos valores de cada parâmetro é feita pelo compositor.

Partindo de uma melodia como matriz, da escolha dos tipos de transformações e dos

valores definidos para cada parâmetro, o algoritmo organiza uma nova seqüência

musical. Foram construídos cento e vinte cinco fragmentos melódicos empregando

diferentes tipos de transformações rítmicas e de alturas, utilizando a melodia matriz de

forma parcial ou integral. Do conjunto de fragmentos melódicos gerados, foram

selecionados vinte e três para a versão final da peça. Para a ordenação temporal dos

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fragmentos, foram feitos pequenos ajustes para tornar a transição de um fragmento para

outro o mais imperceptível possível, criando, assim, um discurso musical fluente com

caráter de improvisação.

Fig.6.21: Fragmento melódico número cinco, derivado utilizando diferentes índices de transposição e
permutação de impulsos

6.3.7 – Chesed (Misericórdia)

Estruturação Formal, Delimitação e Modelagem do Espaço


Composicional
A composição deste movimento foi guiada pela intenção de criar uma seqüência

de gestos com curta duração, tensos e violentos. Para isso, Chesed foi organizada

formalmente em cinco módulos, separados temporalmente por silêncios. O uso de pausas

longas e de durações imprecisas, com fermatas, resultou no rompimento do pulso,

contribuindo para aumentar a sensação de instabilidade da peça.

A delimitação do espaço composicional foi realizada através da seleção de

conjuntos de alturas para cada módulo.

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Fig.6.22: Espaço Composicional de Chesed

A modelagem do espaço composicional ocorreu em duas etapas. Primeiro foram

determinados os contornos melódicos e a estrutura rítmica de cada módulo. Após a

finalização dessa etapa, os contornos melódicos foram definidos fazendo uso dos

conjuntos de notas do espaço composicional. A criação das figuras rítmicas, bem como

dos contornos melódicos, ocorreu de modo intuitivo, sem o suporte de algoritmos. A

figura 6.23a-b mostra o primeiro esboço da estrutura rítmica e do contorno melódico do

primeiro módulo, e sua versão final.

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