Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Esse evento anual tem como objetivo incluir trabalhos artísticos, acadêmicos, cursos,
palestras e oficinas. Os trabalhos acadêmicos selecionados tiveram a representação de
professores e artistas do Brasil, Argentina, Suécia, Espanha, Alemanha, Portugal,
México, Chile, Estados Unidos, Inglaterra e França.
1
Desenvolvimento
de
Instrumentos
Musicais
Digitais
como
atividade
composicional
Resumo:
O
desenvolvimento
de
instrumentos
musicais
digitais,
com
seus
vastos
recursos
de
controle
e
geração
de
som,
podem
ser
entendidos,
a
partir
da
poética
musical
aberta,
como
obras
musicais
em
si;
obras-‐processo.
A
compreensão
desses
instrumentos
como
tal
pode
conduzir
a
uma
postura
analítico-‐
composicional
que
venha
a
auxiliar
a
própria
tarefa
de
luteria
digital
e
o
alcance
de
seus
objetivos
estético-‐musicais.
Introdução
Este
artigo
faz
parte
da
pesquisa
que
venho
conduzindo
no
Mestrado
em
Música
da
UFPR
e
que
trata,
de
modo
geral,
da
criação/composição
de
instrumentos
musicais
digitais.
Principalmente
nas
últimas
duas
décadas
o
desenvolvimento
de
instrumentos
musicais
digitais
não
comerciais
e
personalizados
(aqui
referenciados
como
IMD)
cresceu
consideravelmente
e
tornou-‐se
foco
de
inúmeros
estudos
em
Universidades
e
centros
de
pesquisa
em
todo
o
mundo.
Este
texto
irá,
inicialmente,
destacar
algumas
características
dos
IMDs,
e
em
seguida,
expor
de
maneira
breve
os
conceitos
de
“obra
aberta”
(ECO,
2008)
e
“obra-‐processo”
(AIRA,
1998),
e,
a
partir
deles,
propor
uma
metáfora
através
da
qual
instrumentos
musicais
digitais
podem
compreendidos
como
obras
musicais
em
si.
É possível pensar os IMD a partir de uma estrutura tripartite, (1) interface gestual -‐ ou
2
dispositivo
de
entrada,
(2)
mapeamento
e
(3)
software.
A
interface
gestual
seria
qualquer
dispositivo
Xísico
capaz
de
realizar
a
transdução
de
gestos,
ações
humanas
em
informação
digital
a
ser
utilizada
para
controlar
o
sistema.
O
mapeamento
(FIG.
1),
por
sua
vez,
é
um
elemento
fundamental
em
um
IMD,
pois
é
responsável
pelas
estratégias,
mais
ou
menos
complexas,
de
conexão
entre
a
atuação
humana
e
o
controle
da
produção
sonora.
O
terceiro
componente
de
um
IMD,
o
software,
é
responsável
pela
geração
e
processamento
sonoros.
Nesse
ponto,
antes
de
abordar
questões
mais
especíXicas,
é
preciso
observar
uma
peculiaridade
fundamental
dos
IMD,
a
não
conexão
direta
entre
cada
ação
do
músico
e
um
evento
sonoro
especíXico.
Ou
seja,
Figura
2.
Exemplo
comparativo
de
estratégias
de
mapeamento
entre
um
instrumento
musical
tradicional
e
um
instrumento
musical
digital.
3
A
partir
dessa
colocação
de
Hunt
é
possível
apontar
duas
implicações,
(1)
em
um
IMD
qualquer
ação
humana
pode
ser
direcionada
a
qualquer
tipo
de
geração
ou
processamento
sonoros,
várias
ações
podem
conduzir
a
um
só
evento,
ou
ainda,
uma
só
ação
pode
desencadear
diversos
processos;
tudo
isso
em
função
da
estruturação
lógica
de
cada
IMD,
deXinida
sobretudo
no
estágio
de
mapeamento.
(2)
Teoricamente,
não
há
limites
nem
para
os
modos
de
execução
de
cada
instrumento
(em
função
da
variedade
de
dispositivos
de
entrada),
nem
para
o
tipo
de
som
que
será
gerado,
em
função
da
possibilidade
do
uso
de
qualquer
técnica
de
síntese
e
processamento
de
som.
Além
disso,
IMDs
podem
se
assemelhar
a
sistemas
musicais
interativos
(ROWE,
1993,
p.
6)
(WINKLER,
1998,
p.
7),
indo
além
da
relação
ação
do
performer-‐nota,
incluindo
o
controle
de
processos
e
estruturas
musicais
pré-‐compostas
Xixas,
ou
ainda,
com
graus
diferentes
de
Xlexibilidade
e
imprevisibilidade,
através
de
algorítmos
executados
em
tempo
real.
Ou
seja,
um
IMD
pode
possuir
uma
partitura
digital
interna
que
se
desenvolva
ao
longo
do
tempo,
de
forma
Xixa,
executando
e
controlando
eventos
e
processamentos
sonoros;
ou
implementações
algorítmicas
mais
ou
menos
complexas
que
executem
“decisões”
em
tempo
real
em
resposta
a
diferentes
ações
de
cada
performance,
criando
situações
interativas.
Segundo
Jordá,
esse
aspecto
faz
com
que
os
IMDs
aproximem-‐se
da
composição
musical,
pois
“eles
podem
lidar
com
tempo,
com
linhas
musicais
múltiplas
e
simultâneas
que,
de
outra
forma,
não
seriam
tocáveis
de
4
maneira
convencional,
com
forma,
eles
podem
reagir
aos
performers
de
modos
complexos,
nem
sempre
totalmente
previsíveis.”
[2]
(2005,
p.
26)
O
conceito
de
obra
aberta
foi
introduzido
por
Umberto
Eco
em
livro
homônimo
e
se
propõe
a
explicar
modos
não
tradicionais
de
compreensão
e
produção
artísticas
(literatura,
música
etc.)
no
século
XX.
De
modo
geral,
segundo
Eco,
uma
obra
aberta
apresenta
algumas
características
peculiares,
tais
como:
ambiguidade
intencional;
estruturação
não
completamente
deXinida;
espaço
para
reinterpretação;
completude
a
cada
performance/fruição
de
acordo
com
a
leitura
de
cada
intérprete/fruidor;
é
passível
de
reconhecimento
apesar
de
sua
possível
ambiguidade
e
mutabilidade.
Já
o
escritor
César
Aira,
também
tratando
do
fazer
artístico
contemporâneo,
aXirma
que
não
há
mais
sentido
em
insistir
na
feitura
de
obras
a
partir
de
modelos
tradicionais,
pois
não
há
possibilidade
de
novidade
dessa
forma.
Aira
sugere
que
o
principal
papel
de
um
autor
na
realidade
contemporânea
seria
a
criação
de
novos
modelos,
novos
processos
para
criação
de
obras.
Ou
seja,
um
autor
dedicar-‐se-‐ia,
principalmente
à
elaboração
e
divulgação
de
novos
processos
criativos.
A
isso
ele
nomeia
“obra-‐processo”.
Seguindo
esse
linha
de
raciocínio,
Aira
chama
de
“obras-‐apêndice”
àquelas
obras
geradas
a
partir
de
um
novo
processo.
(AIRA,
1998)
5
instrumentos
que
serão
usados
na
composição.”
[3]
(2009,
p.
209)
Neste
texto,
propõe-‐se
uma
visão
consciente
e
intencional
dos
IDMs
como
obras,
mais
especiXicamente
obras-‐processo,
pois
sua
criação
demanda
escolhas
referentes
a
timbre,
forma,
articulação,
estrutura
frasal,
textura
(homofônica,
polifônica)
e
dinâmica
que
podem
ser
compreendidas
como
escolhas
composicionais.
Grosso
modo,
cabe
ao
luthier
digital
/
compositor
a
deXinição
do
material
sonoro
a
ser
explorado,
conjunto
de
ações
possíveis
pelo
performer,
processamentos
de
áudio
disponíveis,
estruturas
musicais
pré-‐deXinidas
na
programação
e
disponibilidade
de
controle
de
parâmetros
antes
e
durante
cada
performance.
Dessa
forma,
cada
IMD
traz
em
sua
própria
estrutura
uma
série
de
deXinições,
limites
musicais
que
podem
ser
estabelecidos
a
partir
de
um
ponto
de
vista
composicional
e
que
resultam
em
um
resultado
estético-‐musical
característico.
Isto
é
coerente
com
a
poética
aberta
de
Eco,
na
qual
o
autor
elenca
alguns
elementos
estruturais
e
deixa
outros
em
aberto
para
que
sejam
completados
a
cada
performance.
Um
IMD
também
pode
ser
compreendido
como
um
modelo,
algo
que
reúne
diversas
diretrizes,
caracterizando
um
processo;
e
cada
conjunto
de
escolhas
dentro
de
uma
performance
se
concretizariam
como
uma
obra
derivada,
uma
obra-‐
apêndice.
Conclusão
Diante
do
aqui
exposto,
conclui-‐se
que,
sem
dúvida,
a
criação
de
novos
instrumentos
digitais
se
revela
um
desaaio
que
pode
ser
encarado
de
maneira
cuidadosa,
uma
vez
que
envolve
um
grande
número
de
escolhas.
A
respeito
disso,
Cook
faz
a
seguinte
aXirmação,
“(...)
a
música
que
criamos
e
possibilitamos
com
nossos
novos
instrumentos
pode
ser
6
(...)
fortemente
inXluenciada
por
nossas
decisões
iniciais
técnicas
e
de
design”
[4]
(COOK,
2001,
p.
1).
Tal
aXirmação
parece
não
estabelecer
uma
relação
necessária
entre
as
escolhas
de
design
e
o
resultado
sonoro;
no
entanto,
é
plausível
imaginar
que
aquele
que
desenvolve
um
IMD,
e
busque
um
determinado
resultado
estético
musical,
deve
conscientemente
direcionar
suas
escolhas
para
a
construção
de
seu
instrumento.
Sendo
assim,
a
compreensão
de
tais
dispositivos
como
obras
em
si,
geradoras
de
outras
obras
pode
conduzir
a
uma
postura
analítico-‐composicional
útil
para
tornar
tal
tarefa
mais
objetiva
e
proaícua.
Notas
[1]
“In
acoustic
musical
instruments
the
sound
generation
device
is
inseparable
from
the
human
control
device
(…).
However,
in
the
case
of
electronic
musical
instruments
(where
the
interaction
-
or
input
-
device
is
independent
of
the
sound
synthesis
device)
there
is
no
implicit
mapping
of
one
to
the
other”.
[2]
“(…)
they
can
deal
with
tempo,
with
multiple
and
otherwise
conventionally
unplayable
concurrent
musical
lines,
with
form,
they
can
respond
to
performers
in
complex,
not
always
entirely
predictable
ways”.
[4]
“(…)
the
music
we
create
and
enable
with
our
new
instruments
can
be
(…)
greatly
inEluenced
by
our
initial
design
decisions
and
techniques.
Through
designing
and
constructing
controllers”.
7
Referências
AIRA, César. (1998) Reinventar el arte. Trespuntos. vol 10. p. 70-‐73, nov. 1998.
COOK,
P.
(2001),
Principles
for
designing
computer
music
controllers,
National
University
of
Singapore,
Singapore.
Disponível
em:
<http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?
doi=10.1.1.20.1044&rep=rep1&type=pdf>.
Acesso
em:
15
abr.
2010.
JORDÀ,
Sergi.
(2005),
Digital
Luthieri:
crafting
musical
computers
for
new
music’s
performance
and
improvisation.
Tese.
Universitat
Pompeu
Fabra.
Barcelona.
Agradecimentos
À
pessoas
e
à
instituições.
Eduardo Patrício (nascido em 1980, São Luís) Graduado em Psicologia pela Universidade Federal do
Maranhão e em Produção Sonora pela Universidade Federal do Paraná, atualmente cursa o Mestrado em
Música (DeArtes / UFPR). Atua como músico, compositor e performer de música eletroacústica, e
http://www.eduardopatricio.com.br
8
epatricio@yahoo.com
9
10