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O impasse do Mercosul

Werter R. Faria

Sumário
1. Uma busca de explicação. 2. Nova tenta-
tiva de explicação. 3. Saída para o impasse: a
reforma de estrutura orgânica.

1. Uma busca de explicação


Pelo Tratado de Assunção, a Argentina,
o Brasil, o Paraguai e o Uruguai decidiram
constituir um mercado comum. A expres-
são “mercado comum” refere-se a um pro-
cesso de integração mais avançado que a
zona de livre comércio e a união aduaneira.
A zona de livre comércio é constituída por
dois ou mais Estados, com a finalidade de
transformar seus mercados nacionais num
mercado mais extenso, mediante a elimina-
ção dos obstáculos ao comércio de bens e
serviços, para facilitar sua circulação trans-
fronteiriça. A união aduaneira é estabeleci-
da por dois ou mais Estados para substituir
os seus territórios aduaneiros por um só, no
interior do qual são eliminados e proibidos
os direitos aduaneiros e todas as medidas
de efeito equivalente, na importação e na
exportação, e adotada uma tarifa aduanei-
ra comum nas trocas com terceiros países.
O mercado comum é instituído por dois ou
mais Estados com o objetivo de criar um es-
paço sem fronteiras em que, além das mer-
cadorias, as pessoas, os serviços e os capi-
tais circulem livremente, graças à supres-
Werter R. Faria é Diretor-Presidente da são dos obstáculos existentes.
Associação Brasileira de Estudos da Integração A zona de livre comércio atende a inte-
(ABEI). Porto Alegre. resses exclusivamente econômicos, a união
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aduaneira corresponde a uma fase posterior intergovernamental repousa sobre a sobe-
em que se mantém a livre circulação dos rania nacional dos Estados membros, e se
produtos originários dos territórios integra- ajusta às organizações de cooperação, que
dos da zona de livre comércio, acrescida da dispensam cessões de competências.
aplicação da tarifa externa comum. Outra O preâmbulo do Protocolo de Ouro Pre-
característica da união aduaneira reside no to menciona os avanços alcançados e a im-
estabelecimento de uma fronteira única en- plementação da união aduaneira, como eta-
tre o conjunto dos territórios dos Estados pa para a construção do mercado comum.
membros e dos países terceiros. A fronteira Reafirma o objetivo expresso no Tratado de
única decorre da adoção de uma legislação Assunção. No entanto, dispõe sobre “a es-
aduaneira comum ou, pelo menos, suficien- trutura institucional definitiva dos órgãos
temente harmonizada. de administração” do Mercosul como se não
No mercado comum europeu, ainda pre- lhe atribuísse personalidade jurídica de di-
dominam os interesses mercantilistas, en- reito internacional público e não se tratasse
tretanto a comunidade evolui como sistema de organização de integração. Toda organi-
político e administrativo, graças à transfe- zação de integração é supranacional, e, se
rência de competências que pertenciam ou funcionar como organização de cooperação,
pertencem aos Estados membros. não alcançará a reunião dos mercados na-
O mercado comum delineado no Trata- cionais em um só, no interior do qual as
do de Assunção pretende lançar as bases mercadorias, as pessoas, os serviços e os
de uma união cada vez mais estreita entre capitais circulem livremente, em conseqüên-
os povos dos Estados Partes, e fomentar a cia da abolição, entre os Estado Partes, das
integração da América Latina. Essa aspira- barreiras levantadas no território de cada
ção unionista está declarada no preâmbulo um.
do Tratado, e não pode ser desdenhada na Três dos seis órgãos da estrutura do
aplicação das suas disposições. Mercosul correspondem ao tipo intergover-
O objetivo do Tratado de Assunção en- namental, visto serem constituídos por re-
contra-se exposto no art. 1º: a constituição presentantes dos governos dos Estados Par-
de um mercado comum, caracterizado pela tes. As decisões do Conselho do Mercado
livre circulação de bens, serviços e fatores Comum, do Grupo Mercado Comum e da
produtivos entre os Estados Partes, median- Comissão de Comércio do Mercosul são
te, entre outros, a eliminação dos direitos obrigatórias para os Estados Partes, no pla-
alfandegários e de qualquer outra medi- no internacional. No interno, a aplicação
da de efeito equivalente. O fim dos acor- exige a incorporação dessas normas aos or-
dos internacionais constitutivos das zonas denamentos jurídicos nacionais. Antes dis-
de livre comércio e das uniões aduaneiras so, os governos devem adotar todas as me-
tem relação exclusivamente com a livre cir- didas necessárias para assegurar o futuro
culação de mercadorias e as trocas comer- cumprimento das normas emanadas dos
ciais. órgãos do Mercosul com capacidade deci-
Durante mais de quatro anos, o Merco- sória.
sul funcionou sem personalidade jurídica, Os atos desses órgãos imputam-se ao
e, quando os Estados Partes o personifica- Mercosul, cujo poder normativo, como su-
ram, não o individualizaram como organi- cede em qualquer organização internacio-
zação de integração supranacional. Tornou- nal, e observa CARREAU (1994, p. 223),
se flagrante a contradição entre o propósito “pode visar situações internas própri-
do Tratado – constituir um mercado comum, as da organização considerada; mas
denominado Mercosul – e a escolha dos ins- pode também – e é o fenômeno mais
trumentos para a sua realização. O modelo interessante e mais revolucionário –

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dirigir-se a situações ‘externas’ e cri- a atribuição decisória. Em vez de coordenar
ar obrigações jurídicas para os Esta- a ação desenvolvida pelo Mercosul com a
dos membros da organização, até dos Estados Partes, o Conselho dirige a pró-
mesmo para Estados não-membros”. pria formação da entidade. Como órgão su-
No momento em que são aprovadas as postamente mais indicado para desempe-
decisões, resoluções ou diretrizes dos ór- nhar as principais atribuições deliberativas,
gãos administrativos do Mercosul pelo Po- seria necessário o funcionamento contínuo
der Legislativo dos Estados Partes, e se in- e com suporte material e humano adequado.
corporam aos respectivos ordenamentos ju- Tida em conta a tarefa de conduzir poli-
rídicos, comparam-se às normas internas de ticamente o processo de integração, e tomar
cada um dos países. No Brasil, uma norma decisões para levá-lo a bom termo, não se
posterior pode modificar ou revogar os atos explica a participação no Conselho dos Mi-
unilaterais do Mercosul, mesmo aqueles que nistros da Economia ou seus equivalentes,
sejam de importância capital e possam com- salvo pela superioridade que alguns se ar-
prometer o seu bom funcionamento. rogam sobre os outros Ministros. O estabe-
A função dos órgãos com poder de deci- lecimento do Mercosul é uma tarefa de polí-
são não está adequada à construção do tica externa, e deve ser confiada, por via de
Mercosul. Compete ao Conselho, em sínte- regra, aos Ministros das Relações Exterio-
se, a condução política do processo de inte- res. Somente quando o Conselho tivesse que
gração e a adoção de decisões para assegu- deliberar sobre assuntos de ordem técnica,
rar o cumprimento dos fins do Tratado de como os financeiros, monetários, educacio-
Assunção, e lograr a constituição final do nais, sanitários ou econômicos, justificar-se-
mercado comum. O Grupo exerce funções ia a presença em suas reuniões dos Minis-
de órgão executivo do Mercosul. A Comis- tros da área em questão. Na Comunidade
são de Comércio tem a incumbência de as- Européia, como registra PHILIP (1993, p. 277),
sistir ao Grupo e de velar pela aplicação dos “o Ministro presente não é sempre o
instrumentos de política comercial comum, mesmo. Cada governo delega ao mais
tomar decisões relativas à administração e competente dos seus membros, a res-
aplicação da tarifa externa comum e dos peito das questões inscritas na ordem
instrumentos de política comercial comum do dia. Se os trabalhos concernem, por
acordada pelos Estados Partes, bem como exemplo, a questões ligadas à coope-
acompanhar e revisar os temas e matérias ração política, os Ministros das Rela-
relacionados com a política comercial co- ções Exteriores estarão presentes. Se
mum e o comércio intramercosul e com ter- devem ser discutidos problemas mais
ceiros países. técnicos, o Conselho será integrado
Todas as organizações internacionais pelos Ministros da Fazenda, pelos
possuem um órgão investido na função de Ministros da Agricultura, pelos Mi-
coordenar a ação dessas entidades com a nistros da Indústria, pelos Ministros
dos Estados membros, nos setores previstos dos Negócios Sociais, etc. Acontece
nos tratados constitutivos e suas alterações. igualmente que dois membros de um
Incumbe ao Conselho a condução política mesmo governo tomem assento jun-
do processo de integração, como órgão su- tos se o Conselho debate questões per-
perior do Mercosul, e a tomada de decisões tencentes à esfera de competência que
para o cumprimento dos objetivos do Trata- lhes é comum”.
do de Assunção, entre os quais se destaca a Segundo o Protocolo de Ouro Preto, o
constituição do mercado comum. O Conse- Grupo Mercado Comum é o órgão executi-
lho tem em comum com os órgãos da mes- vo do Mercosul, hierarquicamente inferior
ma espécie das organizações internacionais ao Conselho e sem independência em face

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dos governos dos Estados Partes. Não se tra- da função executiva ou administrativa que
ta, portanto, de órgão correspondente à Co- lhe cumpre desempenhar.
missão das Comunidades Européias, que O terceiro órgão da estrutura do Merco-
tem o encargo de garantir o funcionamento sul – a Comissão de Comércio - não tem ra-
e o desenvolvimento do mercado comum. zão de existir, nesse nível, pois compete ao
Essa missão está erroneamente afeta ao Con- Grupo velar pelo cumprimento do Tratado
selho, ao qual o Grupo propõe projetos de de Assunção e dos acordos adicionais ou
decisão. Desse modo, são os governos dos complementares, em relação a todas as ma-
Estados Partes que exercem as funções, tan- térias a que se aplicam. O Protocolo de Ouro
to deliberativas como executivas, de acordo Preto criou o novo órgão para assistir ao
com o princípio da intergovernabilidade só Grupo, mas o inseriu na estrutura do Mer-
apropriado às organizações internacionais cosul, em pé de igualdade formal com os
de cooperação. órgãos principais. A assistência que deve
O Mercosul teria conhecido dias melho- prestar ao Grupo indicava a qualificação de
res e avançado em direção à livre circula- órgão subsidiário. No entanto, foi-lhe atri-
ção, quer de bens, quer de pessoas, de servi- buído o poder de tomar decisões relaciona-
ços e de capitais, se contasse com um órgão das com a administração e aplicação da ta-
independente e verdadeiramente executivo. rifa externa comum e dos instrumentos de
Porém, os seus membros não gozam de in- política comercial comum, bem como de exa-
dependência, estão sujeitos às pressões dos minar reclamações dos Estados Partes e dos
interesses nacionais e não podem-se dedi- particulares dentro dos limites de sua com-
car, salvo esporadicamente, ao exercício de petência.
suas funções internacionais. Outros pontos reclamam revisão. O art.
Entre os quatro titulares do Grupo e os 17 do Protocolo relativo à estrutura orgâni-
quatro suplentes por país, figuram obriga- ca do Mercosul dispõe incompletamente
toriamente representantes dos Ministéri- sobre a composição da Comissão de Comér-
os das Relações Exteriores e da Economia cio, limitando-se a fixar o número de titula-
ou equivalentes, órgãos cujos titulares res e suplentes por Estado Parte. Desse
compõem o Conselho. Os Bancos Centrais modo, os governos gozam de total liberda-
estão representados de modo também ne- de para designar os seus representantes.
cessário. Nenhum membro do Grupo pos- O Protocolo cita as Seções Nacionais da
sui a independência necessária para ga- Comissão de Comércio como órgãos desta,
rantir o funcionamento e o desenvolvi- incumbidos de apresentar-lhe reclamações
mento do Mercosul. “originadas pelos Estados Partes ou em de-
A Comissão das Comunidades Européias é manda de particulares – pessoas físicas ou
o órgão-chave, o órgão-motor do mercado jurídicas – relacionadas com as situações
comum porque dispõe de poder de decisão previstas nos arts. 1 ou 25 do Protocolo de
próprio, assegurado pela escolha de seus Brasília, quando estiverem em sua área de
membros em função da competência geral e competência”.
independência. Por disposição do Tratado O regimento interno da Comissão de
de Roma, os Estados membros ainda se com- Comércio estabelece que as Seções Nacio-
prometem a respeitar o princípio da total nais são constituídas pelos representantes
independência. de cada Estado, sob a coordenação dos Mi-
É óbvia a conclusão de que o Grupo não nistérios das Relações Exteriores.
pode estar em posição inferior à do Conse- Comete-lhes uma tarefa que não consta
lho, ser coordenado pelos Ministérios das de suas atribuições: responder as consultas
Relações Exteriores e não possuir indepen- apresentadas pelos Estados Partes por inter-
dência, atributo indispensável ao exercício médio das suas respectivas Seções Nacionais.

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Assim como o Grupo, a Comissão deci- Tratado de Assunção, seus protocolos e ins-
de reclamações a que as Seções Nacionais trumentos adicionais ou complementares,
dispensarem a proteção dos seus Estados, bem como a legalidade dos atos obrigatórios
cumpridos os trâmites do art. 26 do Proto- e de alcance geral aprovados pelos órgãos
colo para a Solução de Controvérsia. Há do Mercosul. A revisão da sua estrutura or-
casos em que as reclamações de particula- gânica, prescrita pelo art. 47 do menciona-
res podem ter por objeto a sanção ou a apli- do Protocolo, seria a oportunidade para ser
cação de medidas legais ou administrativas adaptada a uma indiscutível organização
adotadas pelos Estados Partes, que alega- de integração.
damente tenham efeito restritivo, discrimi- Os três órgãos com capacidade decisó-
natório ou ensejem concorrência desleal, ria que integram a estrutura do Mercosul
violando o Tratado de Assunção, os acor- precisam ser adequados ao objetivo do Tra-
dos celebrados no seu âmbito ou as normas tado de Assunção. O mercado comum que
emanadas dos órgãos do Mercosul com ca- os Estados Partes decidiram constituir é uma
pacidade decisória. Ora, não pode competir organização internacional, que adquiriu
às organizações internacionais a aprecia- personalidade jurídica posteriormente, mas
ção da compatibilidade das medidas legais continuou sob o controle absoluto dos Esta-
ou administrativas dos Estados Partes com dos Partes, por meio dos seus representan-
as disposições de um Tratado e de suas tes no Conselho, no Grupo e na Comissão
modificações, ou com as decisões dos ór- de Comércio. Os órgãos das entidades de in-
gãos deliberativos dessas entidades. Mes- tegração devem atuar por estas, como partes
mo um tribunal de justiça, como o das Co- que as constituem. O órgão de execução, em
munidades Européias, só garante o respei- especial, deve velar, não só pelo funciona-
to do direito na interpretação e aplicação mento e o desenvolvimento, como pelo res-
das normas dos Tratados constitutivos ou peito da legalidade por parte dos Estados e
decide sobre a validade dos atos adotados dos particulares. Para esse fim, é necessário
pelas instituições comunitárias. possuir autonomia e representar o interesse
O controle da adequação das leis e das comum, e não o dos Estados membros. Con-
disposições administrativas internas aos tudo, os interesses destes devem estar repre-
tratados e normas derivadas é da compe- sentados no órgão que, na expressão utiliza-
tência intransferível dos órgãos do Poder da por ISAAC (1990, p. 45), sendo a
Judiciário dos Estados, ademais de pressu- “encarnação dos interesses nacionais,
por a primazia das normas internacionais assegura a inserção no sistema comu-
convencionais, que está em tempo de ser nitário dos Estados e dos seus gover-
admitida em grau supralegal, tanto em rela- nos, e toma para si a parte de leão”.
ção a normas anteriores como posteriores. O Comitê de Representantes Permanen-
Esse controle precisa ceder lugar a ou- tes, órgão de caráter diplomático, composto
tro, também supra-estatal, sobre a compati- por um delegado por Estado membro, pre-
bilidade dos atos dos órgãos do Mercosul para as reuniões do Conselho e executa as
com o Tratado de Assunção e de qualquer tarefas que este determine. A professora
norma jurídica relativa à sua aplicação. SCHMITTER (1993, p. 181) assinala que,
A revisão do atual sistema de solução de “no fim de uma fase preparatória,
controvérsia, antes mesmo do tempo previs- apresenta o conjunto de pontos de vis-
to no art. 44 do Protocolo de Ouro Preto, se- ta, os acordos ou desacordos entre
ria a oportunidade de criar um órgão juris- seus membros e uma proposição de
dicional permanente na estrutura do Mer- compromisso. O trabalho do CORE-
cosul, com a função de garantir o respeito PER serve de base da negociação para
do direito na interpretação e aplicação do os membros do Conselho”.

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As reuniões do Conselho do Mercosul “contrariamente às que constituem a
são coordenadas, em cada Estado Parte, ordem jurídica interna de um Estado,
pelos Ministérios das Relações Exteriores, as normas próprias da organização,
quando seria preciso existir uma fase pre- em si mesmas são regras de direito in-
paratória, que evitasse a improvisação e a ternacional”.
reprodução de divergências no interior do Por isso, estão sujeitas a incorporação
órgão em que se manifestam legitimamente aos ordenamentos jurídicos nacionais. Com
os interesses nacionais. Os trabalhos do respeito ao Brasil, essas normas podem ser
Conselho deveriam ser constantemente di- modificadas ou revogadas pelo Congresso
rigidos para a conciliação das divergências Nacional.
e o estabelecimento do mercado comum. A precariedade da construção do Mer-
Temos visto o contrário, por parte de mem- cosul, mostrada pelo impasse a que foi le-
bros do próprio Conselho, até mesmo a de- vado, só pode desaparecer com a reforma
fesa da regressão do Mercosul à etapa de drástica da sua estrutura orgânica para
zona de livre comércio, que importaria na ser adaptada a uma organização de inte-
submissão da Argentina, do Brasil, do Pa- gração.
raguai e do Uruguai aos interesses mercan- Para o funcionamento de uma zona de
tilistas patrocinados pelo governo norte- livre comércio bastariam os dois órgãos de
americano. No momento em que os gover- administração e execução do Tratado de
nos dos Estados Partes do Mercosul o fizes- Assunção. A realização do Mercado Co-
sem retroceder à etapa de zona de livre co- mum exige um sistema organizacional pró-
mércio e firmassem o Acordo ALCA, come- prio e independente: o órgão com poder de
çaria a sua dissolução na área que atual- decisão composto por representantes dos
mente abrange o México, o Canadá e os Es- governos dos Estados Partes e o órgão com
tados Unidos. Dois processos de integração poder de iniciativa e de execução, por per-
que tenham uma só natureza acabam não sonalidades escolhidas de comum acordo
se distinguindo. A integração latino-ameri- em função da aptidão para o exercício das
cana se inviabilizaria e, no Brasil, a opção suas funções e da independência. Requer
constitucional pela integração latino-ame- que a função consultiva da Comissão Par-
ricana seria convertida em letra morta. lamentar Conjunta tenha caráter obrigató-
Os órgãos decisórios do Mercosul in- rio na elaboração dos atos normativos, bem
fluiriam sobre a evolução política interna como a do Foro Consultivo Econômico-So-
dos seus Estados Partes se tivessem outra cial nos assuntos que digam respeito à vida
constituição e competências que lhes fos- econômica e social dos setores nele repre-
sem progressivamente transferidas. O sentados. Não pode prescindir de um órgão
politólogo WESSELS (1993, p. 103) assi- jurisdicional próprio, autônomo e perma-
nala que nente, que garanta o respeito do direito na
“nenhum dos âmbitos tradicionais e atividade ou inércia dos órgãos do Merco-
mais modernos de atuação estatal en- sul, vele pela interpretação uniforme do Tra-
contra-se hoje em dia fora do campo tado de Assunção, suas modificações e nor-
de atividades da CE/União Euro- mas derivadas e controle a validade destas.
péia”. A reforma deve imprimir cunho demo-
O contrário se passa no Mercosul, por- crático nos órgãos do Mercosul, e criar mais
que os Estados Partes não transferiram com- um, igualmente independente, com função
petências aos órgãos decisórios para adota- consultiva obrigatória nos assuntos de in-
rem atos unilaterais que não pertencessem teresse das coletividades provinciais ou es-
à ordem jurídica internacional. DUPUY taduais e locais, que escolheriam os seus
(2000, p. 147) adverte que representantes.

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2. Nova tentativa de explicação responde à natureza de uma organização
de integração.
A estrutura do Mercosul compõe-se de As competências das organizações in-
seis órgãos: três dotados de capacidade de- ternacionais de integração são as que lhes
cisória (o Conselho, o Grupo e a Comissão transferem os Estados membros, isto é, os
de Comércio) e de competências, cada um, poderes jurídicos necessários para realiza-
relativas à condução política do processo rem os fins enunciados no tratado constitu-
de sua constituição, à execução das deci- tivo e suas modificações.
sões tomadas para esse fim e à aplicação ESPADA (1995, p. 175) ensina que
dos instrumentos de política comercial co- “as competências de uma Organiza-
mum. Nenhum deles representa o interesse ção Internacional vêm a ser, em suma,
que deveria sobrepor-se ao dos Estados Par- os meios jurídicos de que esta dispõe
tes. Para que isso acontecesse, o Grupo teria para levar a cabo as atividades neces-
que ser constituído por membros escolhidos sárias ao cumprimento de suas fun-
de comum acordo pelos Estados Partes, em ções.
função das qualidades exigidas para a de- Competências que são diversas em
fesa do interesse geral do Mercosul, notada- sua forma, natureza, objeto, ordena-
mente a condição de independente. mento jurídico em que são exercidas,
O Conselho é integrado pelos Ministros eficácia... Contudo as competências de
das Relações Exteriores e, indevidamente, toda OI têm duas características:
pelos Ministros da Economia ou seus equi- – Estão destinadas à satisfação
valentes dos Estados Partes; o Grupo, por dos interesses comuns dos Estados
representantes desses Ministérios e dos Ban- membros, através do desenvolvimen-
cos Centrais; e a Comissão de Comércio, por to (de) uma atividade própria do
membros designados pelos governos dos ‘ente’. Por conseguinte, trata-se de
Estados Partes. competências da Organização, não
Em suma, os Ministros das Relações Ex- dos membros individuais que a com-
teriores e os Ministros da Economia ou seus põem.
equivalentes dos Estados Partes comparti- – São conferidas à Organização
lham as competências deliberativas e exe- para o cumprimento de seus fins e o
cutivas dentro do Mercosul, diretamente ou desenvolvimento das funções que lhe
por meio de outros membros de menor hie- foram atribuídas pelos Estados mem-
rarquia. bros no tratado constitutivo”.
Nenhum dos órgãos do Mercosul com A decisão de constituir um mercado co-
capacidade decisória possui autonomia em mum tomada pelos Estados Partes do Tra-
relação aos governos dos Estados Partes, e tado de Assunção presume o desenvolvi-
os Ministros que constituem o Conselho mento da atividade necessária para abolir
detêm o controle indireto do Grupo, investi- os obstáculos à livre circulação dos bens,
do de funções executivas, e da Comissão, serviços e fatores produtivos, e a criação de
encarregada de lhe prestar assistência, bem normas para o exercício das quatro liberda-
como tomar decisões relacionadas com a des pelos respectivos beneficiários. A su-
administração e a aplicação da tarifa exter- pressão dos entraves incumbe aos Estados
na comum e dos instrumentos de política que os erigiram em suas leis, decretos e atos
comercial comum. administrativos. As normas sobre o exercí-
O Mercosul é um ente personificado, com cio das quatro liberdades podem ser estabe-
duração indefinida, atribuições próprias e lecidas pelos Estados membros, mediante
capacidade de representação internacional. acordos internacionais, ou pela própria or-
Contudo, a sua estrutura orgânica não cor- ganização de integração.

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Para adotar normas, a organização in- nais, não podem deixar de ser superiores a
ternacional necessita receber competência estas, nem tampouco depender de qualquer
dos Estados membros, cuja atribuição conste medida de recepção pelos Estados membros
do tratado constitutivo ou de suas alterações. (aplicabilidade direta). Por outro lado, têm
As normas adotadas por uma organiza- de ser suscetíveis de criar direitos e obriga-
ção internacional não são, pela origem, nor- ções em favor das pessoas (efeito direto) e o
mas dos Estados membros. Desse modo, a seu corpo distinguir-se dos ordenamentos
aplicação delas em todos os Estados mem- nacionais.
bros requer a aplicabilidade direta pelos juí- Os Estados que instituem uma organi-
zes e outros operadores do direito, ou a pré- zação internacional conservam íntegra a so-
via introdução nos ordenamentos jurídicos berania, pois esta não a possui. Os Estados
nacionais. somente perdem as competências que trans-
A aplicabilidade direta não é atributo ferem para a organização de integração, quer
exclusivo das normas aprovadas pelas or- pelo tratado constitutivo, quer pelos poste-
ganizações de integração. As cláusulas dos riores. São competências necessárias ao fun-
tratados internacionais suficientemente pre- cionamento da organização, e intangíveis.
cisas para serem aplicadas são auto-execu- Dado que o estabelecimento de um mer-
táveis. cado comum é tarefa de integração, não de
O Protocolo de Ouro Preto optou pela cooperação, só pode caber a órgãos que con-
recepção das normas emanadas dos órgãos centrem suas ações na realização desse ob-
do Mercosul com capacidade decisória na jetivo. Por sua própria natureza, a ativida-
ordem interna dos Estados Partes. Em paí- de tem de estar referida, permanentemente,
ses como o Brasil, o ato de recepção compete às funções que os tratados atribuem a cada
ao Congresso Nacional. A construção de um órgão nos domínios da legislação, da exe-
mercado comum não comporta esse forma- cução e da jurisdição.
lismo por acarretar os riscos da demora e da Ao regular a função executiva, o Proto-
desaprovação. Outro fator de insegurança é colo de Ouro Preto sobrepõe o Conselho ao
a hierarquia das normas do Mercosul nos Grupo e à Comissão de Comércio, de modo
ordenamentos dos Estados Partes. A hierar- que os Ministros das Relações Exteriores e
quia está sujeita a variações, e nos países os Ministros da Economia ou seus equiva-
em que são equivalentes às leis podem ser lentes controlem consensualmente o funcio-
revogadas ou alteradas. namento do Mercosul.
A supranacionalidade, que o Mercosul Os atos adotados sob a forma de deci-
não possui, em vez de diminuir, aumenta o sões, resoluções e diretrizes têm origem no
protagonismo dos Estados nas relações in- poder de decisão do Conselho, do Grupo e
ternacionais. da Comissão de Comércio. Os dois últimos
É verdadeira a observação feita por REU- carecem de independência, e a presença no
TER (1981, p. 137) de que Conselho dos Ministros da Economia ou
“as organizações internacionais não seus equivalentes não condiz com a nature-
se deixam destacar dos Estados senão za das competências e funções do “órgão
parcialmente”. superior do Mercosul, ao qual incumbe a
Porém, quando se trata de organização de condução política do processo de integra-
integração, a separação deve ser suficiente- ção e a tomada de decisões para assegurar o
mente visível na personalidade jurídica, na cumprimento dos objetivos estabelecidos
estrutura institucional e na produção de pelo Tratado de Assunção para lograr a
atos de caráter obrigatório e alcance geral constituição final do mercado comum”.
diretamente aplicáveis nos Estados mem- A vontade que os três órgãos expressam
bros. Esses atos, comparáveis às leis nacio- em suas áreas de competência imputa-se ao

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ente internacional, porém se confunde com mum dos Estados. Por isso, acordam entre
a dos Estados Partes. si exercê-las em comum, no seio da organi-
Os atos normativos da Comunidade Eu- zação. Para esse fim, atribuem-lhe compe-
ropéia, cujos destinatários são os Estados tências de caráter estritamente funcional, de
Partes ou seus cidadãos, dispensam o pro- par com recursos humanos e materiais.
cedimento de recepção e transposição para O Mercosul foi criado com a finalidade
produzir efeitos na ordem interna de cada de tornar em um só os quatro mercados na-
um deles. Os atos comunitários do Parla- cionais no qual os bens, os serviços e fatores
mento Europeu em conjunto com o Conse- produtivos circulem livremente. O estabele-
lho, ou do Conselho e da Comissão, são di- cimento do mercado comum não é uma ta-
retamente aplicáveis em todos os Estados refa de cooperação, mas de integração eco-
membros e ocupam uma posição mais ele- nômica.
vada que a das leis internas. Não poderia A exigência de autonomia dos órgãos dos
ser diferente porque a organização de inte- entes de integração decorre do objetivo de
gração é um ente supra-estatal. Por essa ra- constituir um espaço territorial mais amplo
zão, em vez de interestatal ou intergoverna- que a superfície terrestre dos Estados mem-
mental, a sua estrutura precisa ser constitu- bros, onde são suprimidos os obstáculos
ída por órgãos integrados, com exceção do criados para proteger os mercados nacio-
Conselho. nais, como os direitos aduaneiros de impor-
COMBACAU e SUR (1995, p. 745) dis- tação e os encargos de efeito equivalente
tinguem do seguinte modo essas categorias aplicados aos produtos dos outros Estados
de órgãos: membros, a discriminação entre os seus tra-
“a) Os órgãos interestatais são cons- balhadores e as restrições impostas, quer à
tituídos por representantes dos Esta- livre prestação de serviços, quer aos movi-
dos membros. Exprimem juridicamen- mentos de capitais das pessoas residentes
te a vontade da organização, mas po- em suas bases geográficas.
liticamente as posições coletivas dos Antes de entrar em vigor o Protocolo de
membros. Seu caráter preponderante Ouro Preto, o Conselho do Mercado Comum
permite que os Estados controlem a e o Grupo Mercado Comum eram órgãos da
organização. Porém, raramente são administração e execução do Tratado para
exclusivos, e a autonomia do sistema a constituição do Mercosul e, conseqüente-
se concretiza pela existência paralela mente, órgãos comuns aos Estados Partes.
de órgãos integrados. Passaram a ser órgãos pertencentes à estru-
b) Os órgãos integrados são os com- tura do Mercosul quando este adquiriu per-
postos por agentes da organização. No sonalidade jurídica. Porém, continuaram
exercício de suas funções, só depen- funcionando como se o Mercosul não fosse
dem da própria organização, por con- uma organização de integração, que tem
ta da qual agem. Devem manter total necessidade irrecusável de poder de deci-
independência no que concerne aos são próprio em face dos Estados Partes.
Estados membros. Entretanto, na mai- O poder de decisão continua concentra-
or parte das vezes são designados do nos Ministros das Relações Exteriores e
pelos órgãos interestatais, que dis- nos Ministros da Economia ou equivalentes
põem de algum controle inicial sobre dos Estados Partes. Além da concentração de
o órgão integrado, mesmo que funcio- poder, é injustificável a presença dos Minis-
nalmente deva permanecer indepen- tros da Economia ou seus equivalentes no
dente”. Conselho, bem como dos representantes das
As organizações de cooperação coorde- suas pastas e dos Bancos Centrais no Gru-
nam determinadas ações de interesse co- po. Essa participação no órgão dotado de com-

Brasília a. 39 n. 155 jul./set. 2002 37


petência normativa geral e política espelha encaminhamento das recomendações dese-
a hipertrofia de tais Ministérios. quilibra a posição da Comissão na estrutu-
A Comissão de Comércio talvez pudes- ra organizacional do Mercosul. É necessá-
se ser mantida como órgão subsidiário, cu- rio que tenha um órgão democrático em que
jos membros exercessem as suas funções os cidadãos estejam representados e parti-
com independência, no interesse geral do cipe na elaboração dos atos normativos,
Mercosul. como ocorreu na Comunidade Européia até
A respeito dos outros três órgãos, cabem a eleição por sufrágio universal e direto dos
observações sobre a composição de cada um, representantes ao Parlamento Europeu.
o papel inadequado que desempenham e a É compreensível que, no início, seja com-
própria inserção de um deles na estrutura posto por delegados designados pelos Par-
do Mercosul. lamentos nacionais, entre os seus membros,
A Comissão Parlamentar Conjunta faz a exemplo do que se passou na Comunida-
parte da estrutura do Mercosul como órgão de Européia.
representativo dos Parlamentos dos Estados O Parlamento Europeu, no momento pre-
Partes. Em qualquer espécie de representa- sente, está composto de representantes dos
ção, a atividade é exercida exclusivamente povos dos Estados reunidos na Comunida-
no interesse do representado. Atuando em de, eleitos em cada um deles, e não mais
representação dos Parlamentos, a Comissão designados pelos Parlamentos. Exerce com-
não tem, em rigor, natureza de órgão da es- petências ainda muito escassas, que vêm
trutura do Mercosul por agir no interesse sendo ampliadas, quantitativa e qualitati-
dos Congressos Nacionais. vamente, nas sucessivas fases do processo
Apesar disso, o Protocolo confere encar- de integração européia.
gos de colaboração à Comissão, quais se- O Protocolo de Ouro Preto conceitua o
jam: Foro Consultivo Econômico-Social como
a) procurar acelerar os procedimentos órgão da estrutura do Mercosul, represen-
necessários para a incorporação das nor- tativo dos setores econômicos e sociais. É
mas emanadas dos órgãos do Mercosul com composto pelas Seções Nacionais, e estas
capacidade decisória aos ordenamentos ju- definem os setores de maior representativi-
rídicos nacionais; dade e de âmbito nacional que as constituem.
b) coadjuvar na harmonização das legis- As entidades dos trabalhadores e empresá-
lações dos Estados Partes, nas áreas perti- rios participam paritariamente das reuni-
nentes, para lograr o fortalecimento do pro- ões do Plenário do Foro por meio de seus
cesso de integração; delegados titulares e suplentes, que podem
c) examinar temas prioritários por soli- destituir a qualquer tempo.
citação do Conselho do Mercado Comum; O Foro é órgão consultivo, e se manifesta
d) encaminhar recomendações ao Con- por meio de recomendações ao Grupo Mer-
selho, por intermédio do Grupo. cado Comum, enquanto as da Comissão
Como órgão de uma pessoa jurídica de Parlamentar são dirigidas ao Conselho.
direito internacional, distinta dos Estados A homologação por esse órgão do regi-
Partes, o Mercosul não poderia ter qualquer mento interno do Foro acentua a posição de
espécie de interferência, ainda que benéfi- inferioridade que ocupa na estrutura do
ca, nos procedimentos parlamentares de Mercosul, maior do que a da Comissão Par-
aprovação de atos normativos. lamentar, pois o Regimento Interno desta
O fato de não poder enviar recomenda- não está sujeito à homologação.
ções diretamente ao Conselho inferioriza a O Protocolo toma como modelo do Foro
posição da Comissão na estrutura interna o Comitê Econômico e Social da Comunida-
do Mercosul. A interposição do Grupo no de Européia, composto por representantes

38 Revista de Informação Legislativa


dos diferentes setores da vida econômica e mum. Duas de natureza consultiva (o Con-
social, designadamente dos produtores, selho e a Comissão) são assistidas pelo Co-
agricultores, transportadores, trabalhado- mitê econômico e social.
res, comerciantes e artesãos, assim como das O Foro Consultivo consta da estrutura
profissões liberais e do interesse geral. do Mercosul entre os seus órgãos principais.
Cada Estado membro envia ao Conse- Não goza do grau de independência do
lho da Comunidade uma lista contendo um Comitê Econômico e Social.
número de candidatos dobrado em relação A Secretaria Administrativa do Merco-
ao de lugares atribuídos aos seus nacionais. sul é o órgão de apoio operacional e presta
O Conselho tem duas limitações para no- assistência a todos os outros. O Diretor da
mear os membros do Comitê, devendo: Secretaria é escolhido pelo Grupo Mercado
a) ter em consideração a necessidade de Comum e nomeado pelo Conselho, por dois
assegurar uma representação adequada aos anos, vedada a reeleição. A Secretaria foi
diferentes setores da vida econômica e soci- criada para auxiliar o Grupo. O Protocolo
al; de Ouro Preto inseriu-a na estrutura do
b) consultar a Comissão. Mercosul, apesar das características de ór-
Nomeados por um período de quatro gão auxiliar, e ampliou as suas funções.
anos, os membros do Comitê são recondu- Uma das características da estrutura
zíveis nas suas funções. institucional da Comunidade Européia é o
A Comissão pode obter o parecer das equilíbrio entre as suas instituições. O Con-
organizações européias representativas dos selho representa e defende os interesses dos
diferentes setores econômicos e sociais inte- Estados membros e a Comissão, o interesse
ressados nas atividades da Comunidade geral, e garante o funcionamento e o desen-
quando constitui o Comitê. volvimento do mercado comum.
Os membros do Comitê não representam Em todos os órgãos do Mercosul com
os Estados que os indicam e devem defen- capacidade decisória, os Ministros, repre-
der o interesse geral, a despeito da vincula- sentantes de Ministérios e de Bancos Cen-
ção com uma categoria econômica ou social. trais, bem como outras autoridades desig-
Devem exercer as suas funções com plena nadas pelos governos, representam e defen-
independência, no interesse geral da Comu- dem os interesses dos Estados Partes. O po-
nidade. A independência dos membros do der de decisão atribuído ao Conselho, e,
Comitê é protegida pelo mandato com pra- minimamente, ao Grupo e à Comissão de
zo de duração. A nomeação deles é feita pela Comércio, pertence aos Estados Partes, por-
instituição da Comunidade que reúne o po- que exercido pelos seus representantes. As
der político e o poder legislativo, bem como decisões podem ser tomadas sem obrigação
assegura a ligação entre a atividade da or- de pedir o parecer dos órgãos consultivos.
ganização e a dos Estados membros. O Mercosul resiste à incoerência e im-
O Comitê deve ser consultado obrigato- perfeição da sua estrutura orgânica porque
riamente nos casos previstos no Tratado de os povos da Bacia do Prata querem a inte-
Roma. O Conselho e a Comissão podem gração e preservação de sua identidade.
ouvi-lo fora desses casos, sempre que julga-
rem conveniente. Por sua vez, o Comitê tem 3. Saída para o impasse: a reforma
competência para emitir parecer por inicia- da estrutura orgânica
tiva própria.
A estrutura interna da Comunidade Eu- O processo de constituição do Mercosul
ropéia compõe-se de cinco instituições en- pode ser dividido em duas fases: a primeira
carregadas de realizar as suas tarefas, no- começa em 29 de novembro de 1991, com a
meadamente a criação de um mercado co- entrada em vigor do Tratado para a sua cons-

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tituição, e termina em 15 de dezembro de nistros da Economia ou seus equivalentes
1995, data em que entrou em vigor o Proto- dos Estados Partes, dos representantes dos
colo Adicional sobre a estrutura institucio- Bancos Centrais e servidores públicos. Os
nal do mercado comum. Ministros das Relações Exteriores e da Eco-
Na primeira etapa de funcionamento, o nomia ou seus equivalentes são os únicos
Mercosul não tinha personalidade jurídica, que invariavelmente compõem o Conselho,
e a estrutura interna era composta pelo Con- qualquer que seja a ordem do dia das reuni-
selho do Mercado Comum e pelo Grupo ões. No Grupo, três dos quatro membros ti-
Mercado Comum, encarregados da adminis- tulares, por país, são representantes daque-
tração e execução do Tratado de Assunção, les Ministérios e dos Bancos Centrais e, por
dos acordos correlatos e das decisões des- conseguinte, subordinados ou dependentes
ses órgãos. Integravam o Conselho os Mi- dos respectivos Ministros ou dirigentes. O
nistros das Relações Exteriores e os Minis- quarto membro pode ser designado, em cada
tros da Economia dos Estados Partes e o país, entre servidores de outros Ministérios
Grupo, representantes desses Ministérios, ou terceiras pessoas. Os representantes dos
bem como dos Bancos Centrais. Bancos Centrais, ainda que não tenham vin-
O Protocolo de Ouro Preto dotou o Mer- culação funcional com esses organismos,
cosul de personalidade jurídica de direito ficam sujeitos às instruções de suas cúpu-
internacional e implantou sua estrutura or- las.
gânica. O Conselho e o Grupo conservaram Quando se trata de organização de inte-
a mesma denominação e composição. O Pro- gração, a separação entre esta e os Estados-
tocolo criou o terceiro órgão com capacida- membros deve ser suficientemente acentua-
de decisória, igualmente de caráter intergo- da, quer pela personalidade jurídica, quer
vernamental: a Comissão de Comércio do pela produção de atos de caráter obrigató-
Mercosul. Completam a estrutura orgânica rio e alcance geral, que se imponham aos
três órgãos: a Comissão Parlamentar Con- Estados membros e aos particulares. Esses
junta, o Foro Consultivo Econômico-Social atos, comparáveis com as leis nacionais, mas
e a Secretaria Administrativa do Mercosul. superiores a estas, devem prescindir de qual-
São órgãos auxiliares, de caráter consulti- quer medida de recepção pelos Estados
vo, que, a despeito disso, integram a estru- membros (aplicabilidade direta), ser susce-
tura do Mercosul, juntamente com os órgãos tíveis de criar direitos e obrigações em favor
principais. das pessoas (efeito direto) e o corpo de nor-
A Comissão Parlamentar Conjunta cons- mas jurídicas distinguir-se dos ordenamen-
tava do Tratado de Assunção, assim como a tos nacionais.
Secretaria Administrativa, esta como órgão Nenhuma organização internacional é
com função de apoio ao Grupo Mercado soberana, no sentido em que o são os Esta-
Comum. Órgão realmente novo é o Foro Eco- dos; por isso, quando as instituem, conser-
nômico-Social, que se inspira no Comitê vam a soberania em toda a sua integridade.
Econômico e Social da Comunidade Euro- É necessário existir alguma forma de di-
péia, porém se molda ao centralismo que ferenciação entre as organizações interna-
oprime o funcionamento do Mercosul. cionais e os Estados membros, como a von-
Fica cada vez mais evidente a falta de tade própria ou autônoma da organização,
ajustamento dos órgãos do Mercosul às fun- relativamente ao cumprimento dos seus ob-
ções de uma organização internacional. jetivos. Embora as decisões do órgão encar-
Assinala-se apenas o fato de que a vontade regado de formar a vontade da organização
dos órgãos investidos de poder de decisão se imputem a esta, não se pode reconhecê-la
traduz mormente a vontade comum dos como própria da organização quando toma-
Ministros das Relações Exteriores, dos Mi- da em oposição à realização dos objetivos

40 Revista de Informação Legislativa


visados com sua criação. Não será vontade tências, como subordinaram o interesse ge-
distinta da vontade dos Estados membros, ral deste ao dos Estados Partes.
mas destes. Os Ministros das Relações Exteriores e os
Os atos das organizações de integração Ministros da Economia ou seus equivalentes
precisam estar sujeitos a um controle de tipo dos Estados Partes mantêm o controle do
jurisdicional. O Conselho e o Grupo têm a Mercosul, mediante a composição e o funciona-
seu cargo a função de velar pelo cumpri- mento do Grupo e da Comissão de Comércio.
mento do Tratado de Assunção, dos proto- Com referência aos outros órgãos, dois
colos e dos acordos firmados no seu âmbito têm função consultiva e um presta apoio
e a Comissão de Comércio, pela aplicação operacional aos restantes. Sem embargo, os
dos instrumentos comuns de política co- órgãos que dispõem de poder de decisão não
mercial intramercosul e com terceiros paí- precisam ouvir a Comissão Parlamentar
ses, organismos internacionais e acordos Conjunta para elaborar normas sujeitas, de
mercantis. Entretanto, os atos desses órgãos resto, à aprovação do Poder Legislativo dos
deliberativos estão subtraídos a qualquer Estados Partes para se incorporarem aos
controle de legalidade. seus ordenamentos jurídicos. Também não
O Protocolo de Brasília para Solução de precisam solicitar parecer do Foro Consul-
Controvérsias aplica-se aos diferendos que tivo Econômico-Social, mesmo para aprovar
surgirem entre os Estados Partes a respeito normas suscetíveis de afetar os principais
da aplicação e do não cumprimento das dis- setores da vida econômica e social.
posições do Tratado de Assunção, acordos A estrutura orgânica do Mercosul preci-
celebrados no seu âmbito e atos dos órgãos sa ser reformada. Sendo uma organização
com capacidade decisória. Os laudos dos de integração, os interesses dos Estados
Tribunais Arbitrais são obrigatórios para os membros e os interesses gerais do Mercosul
Estados Partes. Contudo, o não cumprimento não podem confundir-se. Para que a sepa-
justifica unicamente a adoção de medidas ração de interesses seja efetiva, o Conselho
compensatórias temporárias, como forma de deve constituir-se por membros dos gover-
pressão econômica para a execução dos nos dos Estados Partes que os representem
laudos. e defendam os interesses nacionais nas de-
RIDRUEJO (1994, p. 704) assinala os liberações do órgão revestido de poder má-
dois elementos que as diferenciam: ximo de decisão. O Grupo deve tornar-se
“a) a posse de um sistema perma- independente dos Estados Partes e dos ou-
nente de órgãos que assegure a conti- tros órgãos, protegido contra a preponde-
nuidade da organização e afirme sua rância dos interesses nacionais e privados.
independência em face dos Estados O Conselho deve garantir a realização dos
membros; objetivos do Tratado de Assunção, e o Gru-
b) a possibilidade que devem ter po, tornado independente dos Estados Par-
esses órgãos de manifestar uma von- tes, dos outros órgãos e dos interesses nacio-
tade distinta da dos membros, atra- nais, assegurar o funcionamento e o desen-
vés de processos específicos de ado- volvimento do Mercosul, bem como dispor
ção de decisões”. do direito de iniciativa dos atos de compe-
O Mercosul não possui supranacionali- tência do Conselho.
dade, que, em vez de diminuir, aumentaria A doutrina da Comunidade Européia
o protagonismo dos Estados Partes. A es- explica que o poder de iniciativa acautela a
trutura orgânica constante do Protocolo de representação dos interesses gerais e cons-
Ouro Preto é intergovernamental. Os Esta- titui um contrapeso ao poder normativo do
dos Partes negaram-se não só a transferir Conselho. Como escrevem MANGAS MAR-
para o Mercosul parcelas de suas compe- TÍN e NOGUERAS, (1996, p. 117),

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“o direito de iniciativa revela que se tência para propor projetos de decisão ao
confiou à Comissão a concepção e a órgão superior do Mercosul, cumprir suas
preparação da política comunitária, e decisões e adotar resoluções em matéria fi-
que lhe corresponde, quase de modo nanceira e orçamentária, com base nas orien-
exclusivo, preparar os projetos norma- tações do Conselho, entre outras atribuições
tivos, aplicando na concepção das de natureza administrativa.
decisões uma visão de conjunto ins- A competência da Comissão de Comér-
pirada no interesse comunitário; por cio supera a do Grupo, a despeito de ser ór-
conseqüência assume o papel de ‘mo- gão auxiliar deste. O Grupo pode tomar de-
tor’ da Comunidade. cisões em matéria financeira e orçamentá-
Isto significa que o Conselho não ria, sob a orientação do Conselho, ao passo
pode agir por sua conta, por sua pró- que a Comissão de Comércio tem competên-
pria iniciativa ou a pedido de um Es- cia para aprovar diretrizes concernentes à
tado membro ou contra a vontade da administração e aplicação da tarifa externa
Comissão e, agora, tampouco do Par- comum e dos instrumentos de política co-
lamento Europeu”. mercial acordados pelos Estados Partes.
No órgão integrado pelos Ministros das Além de centro do poder de decisão na
Relações Exteriores e pelos Ministros da estrutura orgânica do Mercosul, o Conse-
Economia ou seus equivalentes dos Estados lho está colocado sobre o Grupo e a Comis-
Partes – o Conselho -, estão presentes os in- são de Comércio, cujos atos podem ser con-
teresses nacionais de cada um deles, quan- trolados pelos Ministros a que estão subor-
do não o de terceiro país, empenhado em dinados ou vinculados os membros desses
desfazer a crescente união entre os povos órgãos.
latino-americanos. Na representação e de- A composição do Conselho, do Grupo e
fesa desses interesses, os membros do Con- da Comissão de Comércio determina a con-
selho podem encontrar soluções conjuntas vergência das decisões para os Ministros
para problemas específicos. Não se imagi- das Relações Exteriores e os Ministros da
ne, entretanto, que tenham condições para Economia ou seus equivalentes dos Estados
conduzir politicamente o processo de inte- Partes. Isso choca com a idéia de que uma
gração, na qualidade de representantes e organização internacional é distinta dos
defensores dos interesses nacionais dos seus Estados membros, e estes não podem con-
respectivos Estados. trolá-la, mediante órgãos compostos, todos
Os membros do Conselho da Comuni- eles, por Ministros, representantes de Mi-
dade Européia estão na mesma condição. nistérios e de Bancos Centrais e outros ser-
Porém, o órgão de natureza executiva – a vidores da administração pública dos Esta-
Comissão – goza de poder de decisão pró- dos membros.
prio e autônomo, rigorosamente delimitado Mais que as outras entidades internacio-
nos tratados. nais, as organizações de integração preci-
A estrutura dos poderes do Mercosul sam contar com um só órgão constituído por
caracteriza-se pela inexistência de separa- representantes dos Estados membros. Os
ção orgânica. O poder de decisão pertence a membros dos outros órgãos devem ser pes-
três órgãos de que participam os Estados soas escolhidas de comum acordo pelos
Partes, representados por autoridades que governos dos Estados membros, em função
defendem os interesses destes. A diferença da sua aptidão para o cargo e segurança
reside na hierarquia de tais representantes, quanto à independência no exercício.
e não nas matérias, não bem especificadas, Por outro lado, a integração projetada
em que podem tomar decisões. O Grupo é o pelo Tratado de Assunção não visa exclusi-
órgão executivo do Mercosul e tem compe- vamente ao aumento do comércio entre os

42 Revista de Informação Legislativa


Estados Partes: a realização de um mercado pessoas escolhidas pelos Estados membros
comum é o primeiro objetivo do Tratado, em razão de sua competência e independên-
como o do que institui a Comunidade Euro- cia. Diferentemente do Conselho, que repre-
péia, e consiste em construir um espaço sem senta os interesses dos Estados membros no
fronteiras tarifárias internas, protegido por âmbito da integração, a Comissão deve pro-
uma tarifa externa comum, no qual as mer- mover o que convenha ao bom funciona-
cadorias, as pessoas, os serviços e os capi- mento do Mercosul. Por essa razão, os mem-
tais circulem livremente. bros do Grupo não podem estar vinculados
A missão do Mercosul é completar essa aos governos dos Estados Partes.
tarefa prodigiosa, que se deteve na elimina- O Tratado de Assunção descreve o Mer-
ção dos direitos aduaneiros, determinadas cosul como organização internacional do
medidas de efeito equivalente e restrições tipo da Comunidade Européia, ou seja, or-
aplicadas ao comércio entre os Estados Par- ganização de integração econômica, criada
tes, e na adoção parcial da tarifa externa para unificar os mercados nacionais dos
comum. Estados membros. A construção de um só
O crescimento do Mercosul exige profun- mercado pressupõe a existência de órgãos
da reforma da sua estrutura orgânica, que dotados de competências nitidamente dis-
mantenha o Conselho como órgão delibera- tintas, que realizem esse objetivo. O estabe-
tivo, mas integrado por representantes dos lecimento de um mercado comum só progri-
Estados membros, ordinariamente os Minis- de mediante decisões de que participem ins-
tros das Relações Exteriores. Em cada reu- tâncias supranacionais.
nião, poderia variar a composição, de acor- A falta de um órgão jurisdicional na es-
do com a ordem do dia. Nas deliberações trutura orgânica do Mercosul é coerente com
sobre agricultura, educação ou saúde, por a determinação de instituir uma organiza-
exemplo, compareceriam os respectivos Mi- ção de integração, personificada, com os
nistros. A visão política geral do processo de instrumentos da cooperação intergoverna-
integração pertenceria sempre e exclusiva- mental, sob a tutela dos governos dos Esta-
mente aos Ministros das Relações Exteriores. dos Partes. Entretanto, constitui a maior
Tratando-se de órgão não permanente, é causa da acumulação de problemas que as
indispensável que os trabalhos do Conse- negociações diplomáticas não têm sido ca-
lho sejam preparados por um órgão auxiliar pazes de resolver.
permanente, constituído por representantes O sistema de solução de controvérsias
diplomáticos dos Estados membros. É inefi- do Protocolo de Brasília não contribui para
ciente a coordenação, mesmo conjunta, das o desenvolvimento do processo de integra-
reuniões do Conselho pelos Ministérios das ção porque não garante a aplicação e a in-
Relações Exteriores, como prescreve o art. terpretação uniforme das normas pertinen-
7º do Protocolo de Ouro Preto. tes, não controla a legalidade dos atos im-
O funcionamento permanente de um ór- putados ao Mercosul, não sanciona as vio-
gão encarregado de examinar os assuntos lações cometidas pelos Estados Partes, não
inscritos na ordem do dia, preparar as reu- tutela os direitos derivados das normas dos
niões do Conselho e facilitar a adoção de órgãos com capacidade decisória.
decisões teria a vantagem adicional, apon- Outro órgão que, apesar de necessário,
tada por GARCÍA (1994, p. 62), de suprir a não faz parte da estrutura orgânica do
necessidade de associar os governos dos Mercosul é o que representaria os poderes re-
Estados membros, de uma forma contínua, gionais e locais, totalmente alijados do pro-
aos trabalhos do Mercado Comum. cesso de integração. SALGADO (1996, p. 22)
É imperioso que o Grupo Mercado Co- utiliza o termo participação com o signifi-
mum seja órgão permanente, composto por cado de

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“capacidade de intervir, pesar e influir O Comitê representa as coletividades re-
nos processos de tomada de decisões. gionais e locais. CONSTANTINESCO, KO-
Desta maneira, a participação conver- VAR e SIMON (1995, p. 686) indagam por
te-se em competência, entendida como que a alínea 1 do art. 198-A denomina esse
poder político, para incidir, precisa- organismo Comitê das Regiões, quando re-
mente, nas relações políticas, para to- presenta o conjunto das coletividades infra-
mar parte nos processos decisórios e, estatais? Teriam os redatores do Tratado a
se for o caso, para responsabilizar-se intenção de sublinhar a vocação regional
ou co-responsabilizar-se na aplicação do Comitê? Respondem dizendo que
dos mesmos. Falamos, pois, de parti- “o precedente do Conselho Consulti-
cipação e de competência européia vo das Coletividades Regionais e Lo-
das Regiões, o que significa a impli- cais foi, entretanto, rico em ensina-
cação direta das Regiões na estrutu- mentos a esse respeito! Esta denomi-
ração, no funcionamento da União nação enganosa deve, apesar de tudo,
Européia, assim como sua participação assegurar a representação das coleti-
na formação da vontade comunitária”. vidades intermediárias e dos municí-
Transcorridos mais de trinta e um anos pios”.
da assinatura do Tratado que institui a Co- Os citados autores explicam que as in-
munidade Européia, a Comissão decidiu coerências e insuficiências das disposições
criar o Conselho Consultivo das Comuni- do Tratado originam-se da diversidade das
dades Regionais e Locais. Segundo escre- estruturas territoriais dos Estados membros.
vem MANGAS MARTÍN e NOGARES na “Se é certo que todos os níveis de
obra já citada (1996, p. 248, nota 9), coletividades infra-estatais devem es-
“sua natureza não era distinta da do tar representados no Comitê das Re-
milhar de comitês e grupos de traba- giões, duas interrogações subsistem a
lho que auxiliam a Comissão em seu respeito da qualidade dos represen-
trabalho de iniciativa e de execução. tantes e da ventilação do seu nome
Além de assessorar unicamente a Co- entre as diversas coletividades no in-
missão, carecia de representatividade terior dos Estados.
político-territorial, já que eram propos- Em determinados países membros
tos por federações ou associações tran- da Comunidade, a Região inexiste, ou
seuropéias, e sua função consultiva então constitui somente uma circuns-
limitava-se à política regional, e a ex- crição administrativa do Estado”.
pressão de sua opinião dependia da MANGAS MARTÍN e NOGARES (1996,
petição da Comissão”. p. 249) referem-se ao fato de que
Mais de três anos após, o Tratado de “nem todos os Estados membros têm
Maastricht institucionalizou o Comitê das a mesma organização político-admi-
Regiões, com natureza consultiva, integra- nistrativa; alguns carecem de divisão
do por representantes das coletividades re- regional ou, se existem, as regiões ad-
gionais e locais, nomeados pelo Conselho, ministrativas não são comparáveis às
por um período de quatro anos, mediante regiões dos Estados federais ou semi-
proposta dos respectivos Estados membros, federais, como a Alemanha, a Bélgica,
e reconduzíveis por igual período. a Espanha ou a Itália. É preciso reco-
A função do Comitê é assistir o Conse- nhecer que o CR tem uma composição
lho e a Comissão na tomada de decisões. heterogênea, no que respeita às pró-
Esses dois órgãos devem consultá-lo nos prias regiões; além disso, tem que de-
casos previstos no Tratado e em todos os bater e alcançar o consenso das suas
outros em que acharem oportuno. opiniões com a dos Municípios”.

44 Revista de Informação Legislativa


Por fim, salientam que essa heterogenei- munidad Europea. Madrid: Centro de Estudios
dade e dualidade do Comitê das Regiões Ramón Areces, 1994.
trouxe consigo certa tensão, e quiçá não seja CARREAU, Dominique, Droit International. 4. ed.
plenamente adequada a coabitação das re- Paris: Pedone, 1994.
giões e municípios no mesmo foro. COMBACAU, Jean; SUR, Serje. Droit international
Não se propõe uma cópia servil da es- public. 2. ed. Paris: Montchestien, 1995.
trutura institucional da Comunidade Euro- CONSTANTINESCO, Vlad; KOVAR, Robert; SI-
péia, mas que seja tomada como modelo da MON, Denys (dir.). Traité sur l’Union Européenne.
reforma que possa tirar o Mercosul do im- Paris: Economica, 1995.
passe em que foi precipitado. DUPUY, Pierre-Marie. Droit international public. 5.
Há duas objeções previsíveis à reestru- ed. Paris: Dalloz, 2000.
turação do Mercosul sobre as quais deve- GUTIÉRREZ ESPADA, Cesário. Derecho internacio-
mos estar prevenidos: uma procura confun- nal público. Madrid: Editorial Trotta, 1995.
dir adaptação de um modelo e cópia pura e
ISAAC, Guy. Droit communautaire générale. 3. ed.
simples; a outra exagera o custo do funcio- Paris: Masson, 1990.
namento de órgãos permanentes, principais
ou acessórios, como se não houvesse míni- MANGAS MARTÍN, LIÑÁN Araceli; NOGUERAS,
Diego. Instituciones y Derecho de la Unión Europea.
mo e máximo. Madrid: McGraw-Hill, 1996.
A perda de oportunidade de maior cres-
PASTOR RIDRUEJO, José Antonio. Curso de Dere-
cimento no Mercosul devido aos conflitos
cho Internacional Público y Organizaciones Internacio-
insolucionáveis pela via da arbitragem “ad nales. 5. ed. Madrid: Tecnos, 1994.
hoc” supera a soma dos gastos que um ór-
PHILIP, Christian. Conseil des ministres des Com-
gão jurisdicional permanente acarretaria, se
munautés européennes. In: BARAVE, Ami; PHI-
criado com preocupação de austeridade e LIP, Christian. Dictionnaire Juridique des Communau-
dotação estritamente necessária de pessoal. tés Européenes. Paris: Universitaires de France, 1993.
A precariedade da construção do Mer- REUTER, Paul. Direito internacional público. Lis-
cosul, mostrada pelo impasse a que chegou, boa: Presença, 1981.
somente desaparecerá com a revisão drásti-
ROJO SALGADO, Argimiro. La exigencia de partici-
ca da sua estrutura orgânica. pación regional en la Unión Europea: de la regionaliza-
Os governantes e todos os que se opõem ción estatal a la regionalización comunitaria. Ma-
ou protelam a institucionalização do Mer- drid: Boletín Oficial del Estado, Centro de Estudios
cosul deveriam pensar na responsabilida- Constitucionales, 1996.
de que assumem ao dificultar a transforma- SCHMITTER, Catherine. Comité des reprèsentants
ção de uma parte do continente latino-ame- permanents (COREPER), do Dictionnaire Juridique
ricano numa zona de prosperidade e de des Communautés Européennes. In: BARAVE,
bem-estar social. Ami; PHILIP Christian. Dictionnaire Juridique des
Communautés Européenes. Paris: Universitaires de
Bilbliografia France, 1993.
WESSELS, Wolfgang. Evolución de la Comunidad
ALONSO GARCÍA, Ricardo. Derecho comunitário: Europea: Unión Europea. In: OREJA, Marcelino
Sistema Constitucional y Administrativo de la Co- (dir.). La Constitución Europea. Madrid: Actas, 1994.

Brasília a. 39 n. 155 jul./set. 2002 45

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