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Teoria dos Jogos e Relações Internacionais:

Um Balanço dos Debates*

F lavia d e C am pos M ello

A aplicação da teoria dos jogos às relações de 70 continuaram a focalizar, quase exclusi­


internacionais foi tradicionalmente um campo, vamente, a investigação em pírica específica
por excelência, da escola realista, fundamen­ dos processos de barganha em situações de
tada nas prem issas de que os E stados são crise. Muitas vezes associada a posições rea­
os principais atores do sistema internacional, listas extremadas e às visões dos anos iniciais
agentes unitários e racionais, movidos pela da Guerra Fria, essa literatura foi também cri­
preocupação com o poder e a segurança, e ticada por ater-se a um uso meramente descri­
predispostos ao conflito e à competição. N a tivo da teoria dos jogos, como metáfora ou
década de 60, em particular, a partir de contri­ analogia de determinadas situações.1
buições importantes de diversos economistas O interesse renovado pelateoriados jogos
como Thomas Schelling, a teoria dos jogos no início dos anos 80 teve suas origens mais
forneceu ao realismo um novo instrumental relacionadas às aplicações do paradigma da
para reafirmar suas proposições pessimistas ação coletiva ao estudo da política internacio­
quanto às perspectivas da cooperação entre nal, e especialmente à critica posteriormente
os Estados, tendo sido aplicada essencial­ desenvolvida a estas aplicações.2 A contribui­
m ente às questões de segurança e estratégia ção pioneira de M ancur Olson com A Lógica
militar. Jogos com o o “D ilem a do Prisionei­ da Ação Coletiva (Olson, 1965) teve sua pri­
ro” e o “Chicken” foram amplamente usados meira aplicação importante na área internacio­
na análise dos fenômenos internacionais, ilus­ nal com a teoria econômica das alianças (o
trando especialmente, no caso do primeiro, o modelo Olson-Zeckhauser, de 1966). Mas, seu
“dilema de segurança” na corrida armamentis- principal marco para a teoria das relações in­
ta, no qual todos os Estados têm uma estratégia ternacionais foi sua aplicação na “teoria da
dominante em se armar, embora para todos o estabilidade hegemônica”, associada à obra do
resultado seja menos preferível do que um economista Charles Kindleberger. Seu argu­
mundo totalmente desarmado. mento central é que a concentração de poder
No entanto, a centralidade posteriormente tende a garantir um a maior estabilidade do
adquirida pela teoria dos jogos no debate con­ sistema internacional, porque o ator hegemô­
temporâneo da área de relações internacionais nico assume os custos da provisão do “bem
(ou talvez, mais especificamente, no debate coletivo” que é a estabilidade — ao provê-la
norte-americano) não decorreu diretamente do para si próprio, os demais participantes do
desenvolvimento de suas aplicações tradicio­ sistema também se beneficiam (Kindleberger,
nais por parte da abordagem realista. Nessa 1973). Contudo, uma segunda vertente dessa
perspectiva, os estudos produzidos na década teoria conferiu aos atores hegemônicos um

* A gradeço o s comentários e sugestões de Maria Hermínia Tavares de A lm eida à versão preliminar deste artigo.

BIB, Rio de Janeiro, n. 44, 2.“ semestre de 1997, pp. 105-119 105
papel menos benevolente, centrada na idéia de diz respeito à diferenciação entre jogos de
que as potências simplesmente estabelecem o colaboração e jogos de coordenação, e aos
regime internacional que preferem, e forçam efeitos da informação. A quarta seção examina
os demais atores a contribuir. Essa vertente o modelo dos “jogos de dois níveis”, que intro­
originou-se nos trabalhos de Gilpin e especial­ duziu a dimensão da política doméstica ao
mente Krasner (Krasner, 1976), autores cen­ “jogo internacional” e, embora ainda pouco
trais na perspectiva posteriormente conhecida formalizado, constitui um dos resultados mais
como “realismo estrutural” ou “neo-realismo”, interessantes da aplicação da teoria dos jogos às
e aos quais o “neo-institucionalismo” buscou relações internacionais. Por fim, são apresenta­
se contrapor, na década de 80, com base na das sucintamente algumas implicações da posi­
teoria da escolha racional, para afirmar que o ção paradigmática do modelo da escolha racional
conflito e a hegemonia não são inevitáveis, e no estudo das relações internacionais.
que a cooperação é possível mesmo por parte
de atores puramente racionais e egoístas.
O Neo-lnstitucionalismo e a
Com efeito, a partir do início dos anos 80,
Escolha Racional
a investida neo-institucionalista contra o rea­
lismo fez ressurgir com força o interesse pela O neo-institucionalismo da década de 80
teoria dos jogos, que assumiu um lugar central tem suas origens nas análises da interdepen­
no debate entre as duas principais perspectivas dência da década de 70, centradas na idéia de
da teoria das relações internacionais (mais es­ que o aumento dos níveis de interação dos
pecificamente no cenário norte-americano). atores internacionais gera uma maior “deman­
Ao longo da década de 80 e até meados dos da” por cooperação. No fortalecimento dessa
anos 90, o debate “racionalista” entre neo-rea­ perspectiva, seus principais autores buscaram
listas e neo-institucionalistas, centrado na contrapor-se tanto à idéia realista de que a
questão dacooperação entre os Estados, explo­ cooperação é praticamente impossível (porque
rou aspectos fundamentais da teoria das rela­ a estrutura anárquica do sistema internacional
ções internacionais, como a possibilidade de configuraria um jogo de impasse), quanto à
ganhos comuns, o conflito distributivo que visão da estabilidade hegemônica (segundo a
esses ganhos podem gerar, bem como o papel qual o estabelecimento de regimes internacio­
da coerção e das instituições em criar e alocar nais requer a liderança ou a coerção por parte
os ganhos comuns. dos atores hegemônicos). O argumento central
Este artigo procura situar o uso da teoria dos neo-institucionalistas (ou “institucionalis-
da escolha racional e da teoria dos jogos nesse tas neoliberais”, ou ainda, como o próprio Keo-
debate contemporâneo da área de relações in­ hane se autodenominou posteriormente, “ins-
ternacionais, sistem atizando as principais titucionalistas racionais” ) é que as instituições
perspectivas e mostrando como a utilização internacionais têm papel fundamental na pro­
dos diferentes jogos e modelos reflete paradig­ moção da cooperação, pelo seu impacto na
mas alternativos na teoria das relações interna­ forma como os Estados definem seus interes­
cionais. A primeira seção apresenta o uso da ses.
escolha racional na investida neo-instituciona- Em A fter Hegemony, um dos marcos ini­
lista contra os argumentos realistas, e discute ciais desta literatura, Keohane declarou recor­
as novas perspectivas que a teoria dos jogos rer à escolha racional para mostrar, “ao contrá­
conferiu aos debates na área de relações inter­ rio do que sugere a sabedoria convencional”,
que a cooperação é possível mesmo por parte
nacionais. A segunda seção examina a resposta
de atores puramente racionais e egoístas.4
neo-realista e sua ênfase nas conseqüências
distributivas da interação estratégica. Em se­ “A análise da escolha racional nos ajuda a criticar,
guida, são discutidas algumas contribuições em seus próprios term os, o quadro som brio do
recentes a esse debate, especialmente no que R ealism o quanto à inevitabilidade da hegem onia

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ou do conflito. Reexam inando o R ealism o à luz a escolha racional permite demonstrar as gran­
da teoria da esco lh a racional, e com atenção para des perspectivas da cooperação internacional.
a importância das instituições internacionais, po­
Em A fter Hegemony, o fundamento do argu­
dem os avaliar suas fraquezas e forças. Podem os
mento de Keohane para a análise da coopera­
rem over parte da aura de verossim ilitude que
cerca o R ealism o e reconsiderar o s fundam entos
ção econômica entre os países desenvolvidos
ló g ic o s e em p írico s de suas preten sões” (K eo- na década de 70 é que a interação dos atores
hane, 1984, p. 84). com interesses mútuos se dá de forma contí­
nua, podendo, portanto, ser formalizada com o
Do ponto de vista metodológico, a pro­ uso do Dilema do Prisioneiro repetido.6 Com a
posta neo-institucionalista consistiu em subs­
repetição do jogo, a deserção deixa de ser
tituir o uso tradicional do modelo do Dilema
compensadora no longo prazo, na m edida em
do Prisioneiro, jogado uma única vez, pelo
que os ganhos de curto prazo serão superados
modelo do jogo repetido. A idéia é que a
pela punição mútua que ocorrerá a longo pra­
cooperação entre os Estados se dá de forma
zo. Se as recompensas futuras forem suficien­
contínua e, portanto, envolve estratégias de
temente valorizadas, uma estratégia de T itfo r
reciprocidade e o ajustamento mútuo do com­
Tat (que pode ser traduzida como “elas por
portamento dos dois jogadores no sentido da
elas”) pode ser aplicada — e será metodologi­
cooperação.
camente consistente. Cada jogador atua de for­
Tradicionalmente, o Dilema do Prisionei­
ro representa a essência de uma situação de ma recíproca, retaliando a deserção e reprodu­
impasse, na qual a estratégia dominante é a zindo a cooperação, resultando n a completa
não-cooperação.5 N a síntese de Lima, cooperação mútua. D esta forma, se atores
egoístas monitoram mutuamente seu compor­
“Este jo g o é caracterizado por uma escolha-dile- tamento, e se um número suficiente dentre
ma apresentada aos dois jogadores numa situação estes estiver disposto a cooperar com a condi­
em que não têm com o se comunicar e nenhum ção de que os outros também cooperem, estes
controle sobre a escolh a do outro, além do que, os atores poderão ajustar seu com portamento
interesses das partes não são estritamente opostos.
para reduzir a discórdia e o conflito. E poderão
Embora ambos os jogadores pudessem benefi-
ciar-se caso optassem por cooperar, a lógica do
até mesmo criar e manter princípios, normas,
jo g o , na versão não-interativa, força-os a com pe­ regras e procedimentos — instituições — que,
tir. O dilem a reside no fato de que a estratégia por sua vez, fornecendo diretrizes para o com ­
racional, que é dominante, não é ótim a para ne­ portamento dos atores, irão facilitar o ajusta­
nhum dos dois jogadores. Tanto o ‘dilem a do mento não-negociado.
prisioneiro’ com o a lógica da ação coletiva retra­ N a avaliação de Snidal, outro autor de
tam uma situação na qual o que é racional 110 plano destaque da teoria neo-institucionalista, a força
m icro não o é, necessariam ente, no nível macro,
desta perspectiva consiste em ter demonstrado
configurando a chamada falácia da com posição”
que, em bora não seja individualmente racional
(Lima, 1990, p. 12).
no Dilema do Prisioneiro jogado uma única
É nesse sentido, portanto, que o realismo vez, a cooperação toma-se racional sob certas
usou tradicionalmente o Dilema do Prisioneiro condições no superjogo do Dilema do Prisio­
para ilustrar situações, como a corrida arma- neiro repetido (Snidal, 1986). A cooperação
mentista, em que a busca individual do que descentralizada toma-se possível (refutando a
seria racional é coletivamente desastrosa, com teoriada estabilidade hegemônica), demonstra-
resultados inferiores para todos. Embora todos se a importância da análise dinâmica da política
os jogadores pudessem se beneficiar da coope­ internacional, e apresenta-se um exemplo pri­
ração, a lógica do jogo faz com que ela não mordial do uso do poder dedutivo da teoria dos
ocorra. jogos para derivar novos resultados.
Para 0 neo-institucionalismo, no entanto, N a análise neo-institucionalista com base
com o uso do Dilema do Prisioneiro repetido, na teoria dos jogos, o Dilema do Prisioneiro é

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o jogo mais utilizado. Axelrod e Keohane, por “sombra do futuro” refere-se ao horizonte tem­
exemplo, afirmam que a subotimalidade de poral sobre o qual se formam as expectativas,
Pareto é “o” problema fundamental para a e cujo “prolongamento” é facilitado pelas ins­
discussão da cooperação internacional, e argu­ tituições. E o número de jogadores é relevante
mentam que na medida em que, quando reduzido, diminui
os custos de controle e sanção. Por fim, tam­
“não se trata de focalizar exclusivam ente o D ile­
bém constitui um elemento contextuai impor­
m a do Prisioneiro p e r se, m as de enfatizar o
problema fundamental que este jo g o ilustra (junto
tante a possível inter-relação dos diversos jo ­
com o de Chicken e o de Stag Hunl). N estes jogos, gos (áreas de cooperação), que acentua a
a busca m íope do interesse próprio pode ser de­ natureza repetitiva do jogo e, portanto, também
sastrosa. M as ambos os lados podem se beneficiar inibe a fraude e a deserção (divergências eco­
da cooperação — se co n seg u irem a tin gi-la” nômicas, por exemplo, poderão ser atenuadas
(A xelrod e Keohane, 1985, p. 231). por interesses comuns mais amplos na área de
segurança).
N a mesma linha, Lipson argumenta que Esse último aspecto, na avaliação dos au­
“porque o Dilem a do Prisioneiro destaca tanto os tores neo-institucionalistas, constitui uma das
ganhos da cooperação quanto as tentações que principais vantagens da aplicação da teoria dos
im pedem a cooperação, este jo g o foi tomado jogos às relações internacionais (Snidal, 1986,
com o expressão elegante dos m ais profundos di­ pp. 55-57). A diferença do realismo, que utili­
lem as p o lítico s, incluindo o do contrato social”, e zou a teoria dos jogos essencialmente para a
acrescenta, citando Jon Elster, que a política é “o análise das questões de estratégia militar e de
estudo das formas de transcender o D ilem a do
segurança, a abordagem institucionalista per­
Prisioneiro” (Lipson, 1984 a p u d Baldw in, 1993,
mitiu a incorporação de diversas áreas temáti­
p. 62).
cas sob a mesma estrutura teórica. E, neste
No cerne da perspectiva neo-instituciona- sentido, também foi superado o uso restrito da
lista es tá a idéi a de q ue os pri nci pai s obstáculos teoria dos jogos como mera metáfora ou ana­
à cooperação são a fraude e a deserção, mas logia, buscando, de forma mais abrangente,
estes podem ser enfrentados através das insti­ ampliar a compreensão dos diversos aspectos
tuições internacionais. Estas são vistas como da interação dos Estados no sistema internacio­
soluções intencionalmente criadas para os pro­ nal. Finalmente, com o uso da teoria dos jogos,
blemas de ação coletiva, atuando por meio do a investida neo-institucionalista também pos­
suprimento de informações, da promoção da sibilitaria a junção, sob uma mesma estrutura
transparência e do controle, da redução dos teórica, do debate entre institucionalistas e rea­
custos de transação, do desenvolvimento de listas.
expectativas convergentes, e da facilitação do
uso produtivo de estratégias específicas. A Resposta Neo-Realista
Especificando m elhor as proposições
neo-institucionalistas, A xelrod e Keohane Para responder às novas proposições neo-
(1985) definiram as três dimensões situacio- institucionalistas, alguns dos principais auto­
nais básicas que afetam a propensão dos atores res da teoria neo-realista, como Grieco e Kras-
a cooperar: a mutualidade dos interesses, a ner, incorporaram o instrumental da teoria da
“sombra do futuro”, e o número de atores. A escolha racional e da teoria dos jogos às suas
mutualidade de interesses enfatiza que as pers­ análises, com vistas a reafirmar seu pessimis­
pectivas da cooperação são evidentemente mo quanto às possibilidades da cooperação
maiores quando os Estados têm uma ampla internacional (vista essencialmente como re­
gama de interesses políticos, militares e econô­ sultado da imposição dos países hegemôni­
micos comuns, que aumentam as expectativas cos), bem como sua idéia central de que os
quanto aos ganhos absolutos que podem ser Estados são movidos pela disputa por poder.
alcançados por meio da ação conjunta. A Grieco, desde meados dos anos 80, bus­

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cou apresentar suas críticas ao neo-institucio- básica com os ganhos relativos dos demais
nalismo de forma sistematizada, contrapondo- jogadores.
se a cada uma de suas principais proposições
(Grieco, 1988; 1993). O cerne do debate entre A Função Utilidade
as duas teorias reside na oposição entre ganhos
relativos (para os neo-realistas) e ganhos abso­ Dado que os Estados avaliam sua perfor­
lutos (para os neo-institucionalistas), refletin­ mance em termos daquela dos demais jogado­
do, basicamente, suas perspectivas fundamen­ res, a sua função utilidade não será meramente,
tais relativas à disputa pelo poder, no caso do como infere o neo-institucionalismo, U = V,
realismo, e à imagem liberal da cooperação no onde V é o ganho individual desse Estado. Para
caso dos institucionalistas. Conforme observa­ o neo-realismo, é necessário incluir um termo
do por diversos autores, esse debate reproduz, adicional, que integre tanto o seu ganho indi­
em grande medida, o desafio, no século XVII, vidual quanto o do seu parceiro (W), de tal
das idéias hobbesianas contra a teoria grotia- forma que diferenças a seu favor aumentem
na.7 Cada um dos argumentos está fundamen­ sua utilidade, enquanto diferenças a favor do
tado em visões radicalmente distintas quanto à parceiro diminuam sua utilidade. Assim, para
essência da natureza humana, do Estado e do o neo-realismo, a função utilidade de um Esta­
sistema inter-estatal (Cox, 1986, p. 213). do é U = V - k(W -V ), onde k representa o
coeficiente de sensibilidade deste Estado a di­
Ganhos Absolutos X Ganhos Relativos ferenças entre os ganhos individuais de cada
um, tanto para sua vantagem quanto para sua
Frente ao argumento central do neo-insti- desvantagem. Desta forma, para o neo-realis­
tucionalismo de que o principal obstáculo à mo, as funções utilidade dos Estados são ao
cooperação advém da preocupação dos Esta­ menos parcialmente interdependentes, e a fun­
dos com o cumprimento efetivo dos acordos ção utilidade de um Estado pode afetar a do
por parte de seus parceiros (que resulta em sua outro. E o coeficiente k será sempre positivo,
ênfase nas instituições para prevenir a fraude aumentando, por exemplo, se os jogadores fo­
e a deserção), o neo-realismo contrapõe sua rem adversários tradicionais mais do que alia­
idéia fundamental segundo a qual o que move dos tradicionais, ou se as questões em jogo
os Estados é a preocupação com o poder rela­ envolverem segurança mais do que bem-estar
tivo. O objetivo maior dos Estados, em qual­ econômico (dado que, para o realismo, a preo­
quer relação, não é o de alcançar o maior ganho cupação mais fundamental de um Estado refe-
individual possível, mas sim de impedir que os re-se à sua própria sobrevivência).
outros possam aumentar seu poder relativo. A Grieco também indica algumas oposições
preocupação central dos Estados não é maxi­ adicionais relativas à m odelagem das situa­
mizar poder em si, mas manter sua posição ções de interação por parte de cada uma das
relativa no sistema. Assim, em qualquer rela­ duas teorias, sugerindo que possam ser empi­
ção, os Estados avaliam sua atuação em termos ricamente testadas com sua aplicação a áreas
da atuação dos outros. Nesse sentido, o princi­ diversas das relações internacionais.
pal obstáculo à cooperação advém do temor de
que os demais Estados possam alcançar ga­ A Durabilidade dos Arranjos
nhos relativamente maiores, gerando um pro­ Cooperativos (Jogos Repetidos)
blema de “ganhos relativos”. Desta forma, um
Estado poderá recusar-se a participar de um Para o neo-liberalismo, dado que a fraude
arranjo cooperativo, ou desertar, ou limitar seu é menos provável em jogos repetidos, a melhor
compromisso com a cooperação mesmo na forma de estimular a cooperação é garantir a
perspectiva de grandes ganhos absolutos. A durabilidade dos arranjos (“prolongar a som­
preocupação com a fraude e a deserção existe, bra do futuro”). Para o neo-realismo, ao con­
mas é secundária com relação à preocupação trário, dada sua ênfase nas incertezas e nos

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ganhos relativos, os Estados irão preferir ar­ qual afirma que as questões de monitorament:
ranjos menos duráveis, dos quais possam se e sanção (enfatizadas pelos neo-instituciona
retirar caso as diferenças nos ganhos venham listas) foram irrelevantes: o problema funda
a favorecer seus parceiros. mental é o da distribuição de poder. Segundi
este autor, a literatura neo-institucionalisti
O Número de Jogadores centrada nos problemas de falhas de mercadí
ignora a questão do poder. Enfatizando a pos
E central no argumento institucionalista a sibilidade de ganhos mútuos, o problema cei
idéia de que, com um número menor de parti­ trai desta perspectiva é o de definir os arranja
cipantes, é mais fácil garantir o cumprimento institucionais apropriados para a cooperaçã:
dos arranjos cooperativos e impor sanções aos quando a lógica da maximização individual á
fraudadores. Para o neo-realismo, ao contrário, utilidade leva a resultados subótimos. E, nesti
num contexto de incertezas, um Estado deveria sentido, o foco se restringe à questão do moni
preferir arranjos com maior número de jogado­ toramento dos arranjos, negligenciando o po
res, pois aumentaria a probabilidade de que os der, isto é, a capacidade de determinar quei
ganhos dos parceiros melhor posicionados joga o jogo, define as regras, ou altera «
possam ser compensados por distribuições que valores da matriz de ganhos individuais. Quai
lhes sejam mais favoráveis nas interações com do discutem a questão mais am pla do context:
parceiros mais fracos. no qual o jogo é especificado, em vez de atentj
De forma geral, a oposição entre as duas para os conflitos distributivos, os neo-institt
teorias refere-se a dois aspectos básicos de suas cionalistas apenas enfatizam as formas comoí
abordagens da interação dos Estados em arran­ redução do número de jogadores ou a inter-n
jos internacionais: a estrutura mais apropriada lação das áreas diversas podem facilitar a coo
para o estudo da questão da cooperação inter­ peração.
nacional, e os mecanismos específicos para a
Segundo Krasner, o neo-institucionalis
promoção da colaboração. No primeiro aspec­ mo toma o Dilema do Prisioneiro como matri
to, a teorianeo-institucionalistalevaaenfatizar
exemplar. Outras situações que também levai
o problema do cumprimento efetivo dos acor­
a resultados subótimos, como nos jogos d
dos, e o neo-realismo focaliza as questões dis­
Chicken e Stag Hunt, são eventualmente dis­
tributivas. No segundo aspecto, o neo-institu-
cutidas. No entanto, jogos como o Deadloc!
c io n a lis m o d e d ic a -se a b u sc a r d e fin ir
(que representa a ausência de interesses mt
estratégias e arranjos institucionais mais ade­
tuos), e especialmente a Batalha dos Sexoi
quados para inibir a fraude, enquanto o neo-
(que é a essência de um modelo de barganhi,
realismo enfatiza a necessidade de lidar com
as preocupações sobre ganhos relativos por envolvendo escolhas distributivas) são total
parte dos atores menos favorecidos nestes ar­ mente ignorados nas análises neo-instituciona
ranjos. listas.
Neste debate, a crítica neo-realista mais Para ilustrar seu argumento quanto à ceit
contundente foi formulada por Krasner, argu­ tralidade do poder na distribuição dos benefí
mentando que os problemas da cooperação cios, exercido por meio de ameaças e inter-n
internacional não são caracterizados por pon­ lações táticas entre diversas áreas da interaçã
tos de equilíbrio subótimos, mas sim pela dis­ estratégica dos Estados no sistema internado
córdia no que se refere à distribuição dos ga­ nal, Krasner utiliza o jogo da Batalha dos Se
nhos. São, portanto, conflitos distributivos e xos, com vistas a demonstrar as diversas foi
não problemas de falhas de mercado, relativos mas como o exercício do poder por parte de ui
à eficiência dos arranjos (Krasner, 1991). dos jogadores afeta a m atriz de ganhos indi
Krasner desenvolveu seu argumento com viduais. O jogo da B atalha dos Sexos é tra
base na análise da criação de regimes interna­ dicionalm ente ilustrado pela situação de ui
cionais na área de telecomunicações, para a casal que tem duas opções de lazer para um

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noite: uma luta de boxe ou um balé. Cada um perspectivas no âmbito desta mesma estrutura
dos jogadores tem sua preferência, mas para teórica. Desenvolveu-se um a extensa literatura
ambos é mais importante saírem juntos do que nesta área, com réplicas e tréplicas por parte de
irem a seu espetáculo preferido. Trata-se, por­ seus principais autores e, ao mesmo tempo,
tanto, de um problema de coordenação das enfoques que cada vez mais tendem a se cen­
estratégias, para superar o desacordo quanto ao trar em pontos específicos do debate, com a
resultado preferido. aplicação de testes empíricos e a sofisticação
Neste contexto, segundo Krasner, o poder na formalização dos modelos. Contudo, o re­
pode ser usado, em primeiro lugar, para deter­ sultado fundamental da consolidação do deba­
minar quem pode participar do jogo. Nas rela­ te é que algumas de suas dimensões centrais
ções internacionais, os atores menos podero­ foram reconhecidas, por cada um a das pers­
sos sequer são convidados para a mesa de pectivas, como próprias às suas abordagens
negociações. Em segundo lugar, o poder tam­ específicas.8 Mas novos autores têm também
bém pode ser usado para ditar as regras do jogo buscado trabalhar na junção das proposições
— por exemplo, quem joga primeiro. No caso
de ambas as perspectivas.
da Batalha dos Sexos, o jogador que se move Um primeiro aspecto que cabe aqui men­
primeiro pode determinar o resultado, se o
cionar se refere à questão dos jo g o s de soma-
outro jogador estiver convencido de que a es­
zero. N a ciência política em geral, o modelo de
tratégia do primeiro é irrevogável.
soma-zero já foi praticamente descartado, na
Por fim, o poder pode ser usado para
medida em que, mesmo no caso de eleições
mudar a própria matriz de ganhos individuais.
presidenciais, o resultado não é analisado sim­
Por exemplo, um jogador mais poderoso pode
plesmente em termos de que uma vitória de­
usar uma ameaça, ou uma vinculação tática
mocrata significa uma derrota republicana. No
com uma outra área de interação, para mudar
entanto, na área de relações internacionais, o
a distribuição dos resultados para cada um dos
jogadores. modelo de soma-zero permanece central no
Desta forma, desde a perspectiva neo-rea­ debate, basicamente porque reflete a concep­
lista de Krasner, o poder é exercido não para ção do poder que é básica na perspectiva do
liderar a cooperação (como seria o caso na realismo clássico.
versão original da teoria da estabilidade hege­ Concretamente, Thomas Schelling já ha­
mônica), mas para garantir uma distribuição via indicado, em 1960, que as situações de
mais favorável dos benefícios para os atores soma-zero são raras na política internacional,
mais poderosos. Os arranjos institucionais não e surgiriam somente no caso de uma guerra de
são irrelevantes nesta abordagem — na medida extermínio total. Mas os neo-realistas conti­
em que são necessários para resolver os pro­ nuaram a considerar que, em termos de poder,
blemas de coordenação e conferir estabilidade as relações internacionais são ainda um jogo
— , mas a ênfase reside no fato de que a escolha de soma-zero. Assim, conforme amplamente
das regras beneficia mais alguns atores do que destacado pela crítica neo-institucionalista, é
outros. Embora todos os atores alcancem um esta a concepção de poder subjacente ao foco
resultado melhor com a coordenação, a forma dos neo-realistas n a questão dos ganhos relati­
de coordenação efetivamente adotada não afe­ vos. No modelo em que os Estados buscam
ta a todos de maneira homogênea. exclusivamente ganhos relativos, o mundo de
dois atores torna-se de fato um jogo de soma-
Jogos de Colaboração X Jogos zero, e a cooperação é, portanto, impossível.
de Coordenação Keohane resume esta questão na oposição en­
tre as duas teorias quando afirma que, para as
Com a investida crítica neo-realista ba­ situações em que existe pouco interesse mútuo
seada também na escolha racional e na teoria — e nas quais, portanto, as relações internacio­
dos jogos, consolidou-se o debate entre as duas nais se aproximariam de um série de jogos de

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som a-zero — as análises das duas perspecti­ a manutenção dos acordos (em vez da facilitação
vas tenderiam a convergir. Sob estas condi­ da barganha prévia ao acordo, que caracteriza os
ções, os neo-realistas estariam certos ao con­ jogos de coordenação) e, nesse sentido, confe­
s id e r a r q u e os E s ta d o s r e s is tir ia m a rem um papel importante às organizações in­
cooperar, prefeririam arranjos menos dura­ ternacionais formais.
douros e as inter-relações inibiriam a coope­ Dois fatores, em particular, promovem a
ração. Contudo, para as situações em que cooperação em jogos de colaboração. Em pri­
existe a possibilidade de ganhos mútuos (e meiro lugar, os atores irão requerer um grande
que segundo os institucionalistas, é claro, volume de informação sobre o comportamento
são muito mais com uns), as divergências dos outros, já que a deserção dos outros é cara
entre as duas teorias tom am -se explícitas para quem continua cooperando e dificulta a
(K eohane, 1989, p. 18, nota 20). possibilidade de retaliação. Assim, a resolução
O segundo aspecto que cabe aqui destacar destes jogos, conforme enfatizado pelos neo-
se refere ao reconhecimento, no debate mais institucionalistas, envolve o amplo monitora­
recente, da necessidade de diferenciar, nas mento e o controle do cumprimento do acordo,
análises, jogos de colaboração e jogos de em contraposição aos jogos de coordenação,
coordenação, que refletem paradigmas alter­ nos quais a troca de informações se dápor meio
nativos na teoria das relações internacionais, e
da comunicação das intenções para evitar um
para os quais o debate entre as duas teorias
resultado m utuam ente insatisfatório. “De
mostra que as soluções são distintas.9 A dife­
acordo com a lógica da interação estratégica,
renciação original entre essas duas categorias
em colaboração os Estados irão trocar infor­
de jogos é de Stein, em artigo de 1982, e
mações de form a retrospectiva; em coorde­
tomou-se um dos cernes da discussão na evo­
nação, de form a prospectiva” (M artin, 1993,
lução mais recente do debate (Stein, 1982).
p. 96).
A diferenciação entre problemas de cola­
Em segundo lugar, em colaboração, os
boração e problemas de coordenação encontra-
Estados precisam buscar mecanismos que ga­
se sintetizada de forma interessante no trabalho
rantam a durabilidade da cooperação (a “som­
de Martin, que analisa o papel potencial das
bra do futuro” do neo-institucionalismo), para
organizações multilaterais e dos princípios do
assegurar que os custos imediatos da coopera­
multilateralismo como solução para cada um
ção sejam compensados, no longo prazo, pelos
dos dois tipos de problemas (Martin, 1993).
benefícios da atuação conjunta. E este é tam­
Segundo a autora, os problemas de colabora­
bém um papel importante para as organizações
ção constituíram o cerne das preocupações da
literatura neo-institucionalista, tendo o Dilema internacionais.
do Prisioneiro como modelo básico. A resolu­ Por outro lado, os problemas de coorde­
ção do dilema dos jogos de colaboração é uma nação são tipicamente ilustrados pelo jogo da
questão de ajustamento mútuo, na medida em Batalha dos Sexos (como na análise neo-rea-
que os dois jogadores precisam concordar em lista de Krasner), enfatizando a barganha pré­
se afastar do equilíbrio subótimo, rejeitando via. Os jogos de coordenação podem ter gran­
sua estratégia dominante. des im plicações distributivas, que podem
Os problemas de colaboração contêm for­ dificultar a obtenção de soluções cooperativas.
tes incentivos a desertar, em oposição aos jo ­ M as não há incentivos à fraude e, um a vez
gos de coordenação, nos quais nenhum Estado estabelecido o equilíbrio, nenhum jogador tem
tem um incentivo imediato a desertar unilate- incentivos a desertar. A informação é impor­
ralmente de um equilíbrio estabelecido. Em tante, mas refere-se às intenções futuras, por­
colaboração, a tentação a desertar é grande, tanto, o modelo não requer instituições físcali-
pois resulta em ganhos imediatos. Estes jogos, zadoras e controladoras do cumprimento da
portanto, requerem mecanismos para garantir cooperação — refletindo a crítica neo-realista

112
à ênfase neo-institucionalista no papel das or­ O Modelo dos Jogos de Dois Níveis
ganizações internacionais form ais."’
Por fim, um último aspecto a ser mencio­ Ao lado da formalização crescente e do
nado refere-se ao surgimento de uma literatura caráter cada vez mais técnico do debate, uma
mais recente que procura considerar conjunta­ outra linha no desenvolvimento recente da
mente os problemas de colaboração e de coor­ aplicação da teoria dos jogos às relações inter­
nacionais é o modelo dos “jogos de dois ní­
denação, bem como aprofundar a formalização
veis”, que busca analisar simultaneamente o
de seus modelos. Um exemplo nesse sentido é
jogo doméstico e o jogo internacional d a bar­
o artigo de Morrow (1994), que discute as
ganha entre os Estados. Concretamente, o mode­
questões da distribuição e da informação para
lo é o resultado de uma nova investida neo-insti­
a análise da cooperação internacional.11
tucionalista contra o realismo, voltando-se para
M orrow considera que existem dois pares
o tema das fontes domésticas do com porta­
de problemas que obstruem a cooperação in­
mento internacional.
ternacional: os problemas de monitoramento e
De fato, a limitação fundamental do deba­
sanção, quejá foram amplamente discutidos na te racionalista entre neo-realistas e neo-institu-
literatura (neo-institucionalista), e os proble­ cionalistas consistiu na sua completa descon­
mas de distribuição e informação, bem menos sideração dos fatores domésticos que afetam
analisados (dado que o neo-realismo destaca as motivações dos Estados e a natureza do jogo
essencialmente o problema distributivo como internacional.12 Fundamentada na hipótese de
empecilho à cooperação). Segundo o autor, os que os Estados são atores unitários, a perspec­
problemas de distribuição e informação prece­ tiva racionalista assume a determinação exó­
dem os de monitoramento e sanção, já que, se gena das preferências dos atores. Conforme
os atores não conseguirem concordar quanto à observado por Cohen,
forma como irão cooperar, não haverá o que
“N ão há nada na ló g ica essencial da teoria dos
monitorar e cumprir. Contudo, por terem usa­
jogos que diga com o é inicialm ente determinada
do o Dilema do Prisioneiro como modelo bá­
a configuração das preferências. Por sua própria
sico, autores como Keohane e Axelrod ignora­ natureza, e ssa teoria nada diz sobre a m otivação
ram este aspecto, embora enfatizem, em seu inicial dos jogadores. [...] M esm o as aplicações
argumento, que um dos papéis centrais das m ais am biciosas da teoria dos jo g o s têm suas
instituições internacionais para promover a lim itações na tendência a se concentrarem mais
cooperação é o de facilitar a informação. A no que resulta das con cep ções de interesse próprio
questão da comunicação permanece proble­ do Estado do que na conform ação destas con cep ­
ç õ es” (C ohen 1990, pp. 277-278).
mática pois, se as instituições se limitarem a
divulgar informações coletadas junto aos paí­ O modelo dos jogos de dois níveis cons­
ses-membros, estes poderão ter fortes incenti­ titui uma tentativa incipiente de incorporar a
vos, por exemplo, a “fraudar” seus relatórios. dimensão da política doméstica à abordagem
Com base no jogo da Batalha dos Sexos, racionalista. O marco inicial desta discussão
que representa a essência de um problema foi um artigo de Putnam (1988) com base na
distributivo, e ao qual acrescenta um problema metáfora de que os governantes (ou seus re­
de informação, Morrow desenvolve um mode­ presentantes) jogam simultaneamente em duas
lo extremamente complexo para demonstrar mesas de negociação: o jogo doméstico e o
que estes dois problem as se exacerbam mu­ jogo internacional. A grande repercussão deste
tuamente. Sua conclusão básica é que as artigo resultou na coletânea organizada por
questões distributivas impedem a solução do Evans, Jacobson e Putnam , publicada em
problem a da inform ação, e que a análise da 1993, reunindo diversas aplicações empíricas
cooperação internacional tem como principal do modelo.
desafio, atualmente, enfrentar o problema da A novidade, nesta discussão, não é em si
distribuição. a noção dos jogos interligados, mas principal-

113
mente a investigação de hipóteses específicas mente, demonstra-se que um jogadorpode, por
quanto às inter-relações, buscando analisar, exemplo, evitar maiores concessões no plano
por exemplo, como a configuração dos grupos internacional pelo fato de que estas não seriam
de interesse domésticos afeta as decisões de ratificadas no plano doméstico. Nesse sentido,
política externa. Segundo Putnam, trata-se de chega-se também à conclusão de que os arran­
superar as análises tradicionais de equilíbrio jos internacionais que fortalecem os gover­
parcial (interpretações em termos das causas nantes no plano dom éstico podem enfraque­
domésticas e seus efeitos internacionais, ou cer sua posição n a barganha internacional, e
das causas internacionais e seus efeitos domés­ vice-versa.
ticos), para buscar teorias de equilíbrio geral Concretamente, a importância crescente
que possam dar conta simultaneamente da in­ da abordagem interativa dos jogos de dois
teração entre fatores domésticos e internacio­ níveis na análise das relações internacionais
nais. não resulta apenas do desenvolvimento de mo­
A premissa básica aos jogos de dois níveis delos analíticos mais abrangentes. No contexto
é que os governantes buscam tipicamente al­ da interdependência crescente entre Estados
cançar dois objetivos: manipular as políticas democráticos, a prática da diplomacia, cada
vez mais, reflete a interpenetração da política
doméstica e internacional simultaneamente.
internacional com a política doméstica.
As estratégias e táticas diplomáticas têm cons­
No entanto, a perspectiva dos jogos de
trangimentos determinados tanto pelo que os
dois níveis, até o momento, não foi objeto de
outros Estados irão aceitar quanto pelo que as
formalizações mais sofisticadas, e continua a
constituencies domésticas irão ratificar. A di­
ser usada, essencialmente, como um a metáfora
plomacia é, portanto, vista como um processo
descritiva. Cabe também observar que seu al­
de interação estratégica no qual os atores bus­
cance analítico aplica-se apenas às relações
cam ao mesmo tempo ter em conta e, se possí­
entre o processo de negociação de um tema
vel, influenciar a reação dos outros atores, internacional e sua eventual aprovação ou re­
domésticos e internacionais. E o resultado das jeição doméstica. Não estão contempladas
negociações internacionais pode então depen­ nem a dimensão da modalidade do relaciona­
der da estratégia que um governante escolhe mento entre os países negociadores (a dimen­
para influenciar a sua política doméstica, mas são propriamente sistêmica), nem a forma
também a política doméstica do seu parceiro como se organiza a interação entre os atores
internacional. Explorando o controle sobre a domésticos (a dinâmica da política interna).
informação, os recursos e a definição da agen­
da com respeito à sua política doméstica, o
Considerações Finais
governante pode abrir novas oportunidades de
entendimento internacional e também de vanta­ O debate racionalista entre neo-realistas e
gem na barganha. E, no sentido inverso, as estra­ neo-institucionalistas trouxe contribuições im­
tégias internacionais também podem ser usadas portantes à teoria das relações internacionais.
para mudar o caráter dos constrangimentos do­ D aperspectivainstitucionalista, ouso da teoria
mésticos. Ademais, o governante pode também dos jogos demonstrou como o comportamento
usar estratégias que tenham como alvo grupos dos Estados é suficientemente afetado por fa­
domésticos em outros países.13 tores contextuais, como a facilitação da comu­
Uma das principais conclusões da aborda­ nicação, a disponibilidade de informação, a
gem dos jogos de dois níveis é que, ao contrário densidade e regularidade das interações, e a
da visão tradicional de que as divisões internas existência de instituições de monitoramento e
enfraquecem a posição de barganha de um fiscalização. N esse sentido, o instrumental da
Estado no jogo internacional, sob certas con­ teoria dos jogos subsidiou o desenvolvimento
dições a fraqueza interna significa força exter­ de hipóteses específicas quanto às condições
na. Considerando os dois jogos simultanea­ mais propícias à cooperação entre os Estados.

114
D a perspectiva realista, a ênfase nos proble­ lógicas e construtivistas das relações interna­
mas distributivos reform ulou a dimensão do cionais. As dimensões analíticas relativas a
conflito e da coerção mesmo no âm bito da identidades, cultura e entendimentos intersub-
possibilidade da cooperação. De form a ge­ jetivos apenas recentemente voltaram a atrair
ral, o debate estim ulou o reexam e dos funda­ maior atenção nos debates centrais.
mentos das principais teorias das relações O resultado mais interessante da aplica­
internacionais. ção da teoria dos jogos às relações internacio­
N o entanto, a completa desconsideração nais é, sem dúvida, o modelo dos jogos de dois
das fontes domésticas das relações internacio­ níveis. Contudo, a tentativa de incorporar aos
nais, por parte de duas de suas correntes teóri­ jogos a dinâmica da política interna permanece
cas mais influentes, não deixou de ter impactos ainda incipiente. Nesse sentido, a tendência
sobre a própria conformação do campo de mais recente na literatura é de uma maior apro­
estudos ao longo d a década de 80. Em particu­ ximação com perspectivas j á desenvolvidas no
lar, a posição paradigmática do modelo do ator campo da ciência política e dos estudos com ­
racional, para além da desvinculação entre o parados.
doméstico e o internacional, também margina­
lizou dos debates acadêmicos as perspectivas Recebido para publicação
não-racionalistas, como as abordagens socio­ em agosto de 1997)

Notas
1. Para um exemplo das críticas ao uso tradicional da teoria dos jogos por parte do realismo, ver
especialmente Snidal (1986).
2. Para uma discussão das contribuições da teoria da ação coletiva aos estudos de relações
internacionais, ver Lima (1986), e um a versão sucinta em Lima (1990). Esses dois trabalhos
de Maria Regina Soares de Lima são também referências fundamentais para um exemplo do
uso da abordagem da ação coletiva no desenvolvimento de um esquema de análise para a
política externa brasileira.
3. Ver Keohane (1993, pp. 288 e 298).
4. Um outro marco importante desta literatura é a coletânea organizada por Oye (1986).
5. Para algumas referências básicas sobre o Dilema do Prisioneiro e o estudo da teoria dos jogos
aplicada às relações internacionais e à ciência política, ver Allan e Schmidt (1994), Hargreaves
Heap e Varoufakis (1995), Morrow (1994) e Ordeshook (1988).
6. Nesse trabalho, Keohane afirma ter restringido sua análise à cooperação entre países desen­
volvidos para melhor focalizar as áreas em que os interesses comuns são maiores e a
cooperação mais facilmente alcançada, mas considera que seus argumentos se aplicariam
também às relações Norte-Sul. No entanto, trata-se de um a perspectiva típica do institucio-
nalismo neoliberal, que ignora as desigualdades entre os países, enfatizando apenas o consenso
e a convergência para proclamar seu otimismo com relação à cooperação. Para um a visão
crítica a este respeito, ver especialmente Krasner (1985).
7. Pode-se observar também, em algumas perspectivas neo-institucionalistas, um a forte dimen­
são kantiana na idéia do progresso, e de uma evolução progressiva rumo à cooperação.
8. São duas as referências básicas sobre esta literatura: a coletânea organizada por Keohane,
Neorealism and its Critics, e a coletânea organizada por Baldwin, Neorealism and Neolibe-
ralism — The Contemporary Debate. Ambas reproduzem artigos anteriores dos principais
autores bem como novas análises sobre o estágio do debate (Keohane, 1986; Baldwin, 1993).
Para uma resenha destes dois livros, ver Powell (1994).

115
9. A colaboração se refere a jogos como o Dilema do Prisioneiro, nos quais os resultados de
equilíbrio são subótimos. A coordenação se refere a jogos como a Batalha dos Sexos, nos
quais existem equilíbrios múltiplos, e cada jogador tem preferência por um dos pontos de
equilíbrio. A título de esclarecimento, a idéia de “jogo de colaboração” em nada se refere à
“teoria dos jogos cooperativos” (nos quais o acordo é predeterminado). Esta teoria há muito
tempo deixou de ser utilizada, e a teoria dos jogos atual é exclusivamente não-cooperativa.
10. Martin, entretanto, identifica um papel importante para os princípios do multilateralismo
(como a não-discriminação, a indivisibilidade e a reciprocidade difusa) na fase de pré-nego-
ciação dos jogos de coordenação, para a facilitação da barganha prévia.
11. Cabe observar, no caso de Morrow, que se trata de um autor alheio à tradição do debate na
área de relações internacionais, e sua contribuição é um exemplo da tendência à formalização
crescente das discussões nesta área. Outro exemplo nesse sentido é o artigo de Ordeshook e
Niou, que propõem uma reformulação do debate entre neo-realistas e neo-institucionalistas,
considerando que essas perspectivas constituem apenas equilíbrios alternativos de um jogo
mais amplo. Ver Niou e Ordeshook (1994).
12. Para uma crítica à ausência da dimensão doméstica no debate racionalista, ver M ilner (1992).
Trata-se de uma crítica interna à própria perspectiva racionalista. Para algumas críticas mais
abrangentes por parte de autores identificados com a abordagem sociológica das relações
internacionais, ver Cox (1986) e Wendt (1987).
13. Por exemplo, o artigo de Odell na coletânea organizada por Evans e ta lii (1993), analisando
o contencioso da informática entre o Brasil e os Estados Unidos, mostra que a IBM e outras
multinacionais norte-americanas do setor foram aliados importantes para aposição do governo
brasileiro na defesa da reserva de mercado. Ver Odell (1993). Para um a outra aplicação dos
jogos de dois níveis às relações internacionais do Brasil, ver Lehman e M cCoy (1992) sobre
as negociações da dívida externa.

Bibliografia

1. Bibliografia citada sobre o debate entre neo-realistas e neo-institucionalistas

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2. Bibliografia citada sobre os jogos de dois níveis

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3. Referências básicas citadas para o estudo da teoria dos jogos aplicada às relações
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1995 Game Theory — A Critical Introduction. Londres, Routledge.
Morrow, James D.
1994 Game T heoiyfor Political Scientists. Princeton, Princeton University Press.
Ordeshook, Peter C.
1988 Game Theory and Political Theory — An Introduction. Cambridge, Cambridge Uni­
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4. Referências bibliográficas gerais

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1966 “An Economic Theory of Alliance”. Review o f Economics and Statistics, vol. 48,
agosto, pp. 266-279.
«

Schelling, Thomas C.
1960 The Strategy o f Conflict. Cambridge, Cambridge University Press.

Resumo
Teoria dos Jogos e Relações Internacionais: Um Balanço dos Debates

O artigo procura situar o uso da teoria da escolha racional e da teoria dos jogos nos debates
contemporâneos da área de relações internacionais. A abordagem racionalista é sistematizada, em
suas vertentes neo-institucionalista e neo-realista, mostrando como a utilização dos diferentes
jogos e modelos reflete paradigmas alternativos na teoria das relações internacionais. O artigo
discute a evolução do debate nos anos 90, e indica algumas implicações da posição paradigmática
do modelo da escolha racional no estudo das relações internacionais.

Abstract
Game Theory and International Relations: An Evaluation o f the Debate

The article examines the application of rational choice and game theory in contemporary debates
within the field of international relations. An exploration of both the neo-institutionalist and
neo-realist versions of the rationalist approach shows how the use o f different games and models
reflects alternative paradigms in international relations theory. The article discusses how the
debate has evolved in the 1990s and points to some implications o f the paradigmatic position of
the rational choice model within the study of international relations.

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