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As críticas do Parmênides à teoria das formas

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Fernando F. Strongren1

Resumo:

No diálogo Parmênides de Platão, nos é apresentada uma crítica a teoria das Formas, tal como
apresentada pelo personagem Sócrates no mesmo diálogo. Tendo em vista o espanto gerado
com a presença de uma crítica à teoria das Formas dentro de um texto do próprio Platão,
pretendo neste artigo realizar uma construção de cada um dos problemas levantados no
Parmênides, a saber: (a) qual a extensão do mundo das Formas; (b) como é dada a participação
entre as Formas e os sensíveis; (c) poderiam ser as Formas conceitos; (d) a transcendência e a
possibilidade do conhecimento. Por fim, com uma visão total das críticas levantadas neste
diálogo, termino com uma rápida passagem pelas interpretações dadas a ele dentro do
pensamento platônico.

Palavras-Chave: Formas. Crítica. Platão. Parmênides.

Introdução:

O diálogo Parmênides de Platão nos apresenta um problema fundamental para a


interpretação da evolução do pensamento de seu autor, nele é apresentada uma crítica à
teoria das Formas que, dependendo da interpretação dada a ela, vai determinar a leitura
de todos os diálogos platônicos posteriores.
Esta característica do Parmênides é de tamanha importância que acabou gerando
duvidas sobre a sua classificação estilometrica2, entretanto os estudiosos da estilometria
logo o definiram como pertencente ao grupo dos diálogos da fase media ou da
maturidade.
Mesmo com a determinação do lugar do Parmênides nos diálogos platônicos,
outro problema surge em decorrência da crítica à teoria das Formas, a saber, qual seria o
significado da crítica que Platão expõe na segunda parte desse diálogo? E é sobre estas
críticas iremos discorrer neste artigo, porém antes faremos uma breve introdução ao
Parmênides.

1
Graduando em Filosofia da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Marília.
f.strongren@yahoo.com.br. Orientador: Profº. Dr. Carlos Eduardo Oliveira.
2
A estilometria é o método que utilizado para a determinação a ordem cronológica de cada dialogo
platônico.
Vol. 1, nº 1, 2008.
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O diálogo:

O Parmênides de Platão é dividido dramaticamente em dois planos, no primeiro


temos o relato de Céfalo de seu encontro com Glaucon, Adimanto e Antifonte, para que
Antifonte lhes narrasse o debate entre Sócrates, Zenão e Parmênides, já que este tinha
ouvido Pitodoro contar diversas vezes o encontro dos três filósofos.
O segundo plano dramático é o das conversações entre Sócrates, Zenão e
Parmênides que é relatado por Antifonte.
É neste segundo plano dramático que está presente o conteúdo filosófico do
diálogo, e é da leitura desta parte que os estudiosos dividem o Parmênides em outras
duas ou três partes3. As subdivisões mais aceitas e a que usamos em nossos estudos, é a
que separa em duas partes o relato de Antifonte, sendo que a primeira parte (127b–
137b) contém a exposição da teoria das Formas feita por Sócrates e as críticas que
Parmênides faz a esta, por sua vez a segunda parte (137c–166c) contem a demonstração
do método de Zenão filosofar, o qual Parmênides sugere que o jovem Sócrates passe a
utilizar.
No que concerne a veracidade do encontro entre Sócrates, Zenão e Parmênides,
tal como apresentado no diálogo por Platão, o que pode criar em nos certo grau de
duvida é o fato de que tomamos conhecimento de tal pelo relato de Antifonte que o
decorou depois de ouvido varias vezes de Pitodoro que esteve presente no encontro, ou
seja, temos contato com o diálogo entre os três filósofos de uma fonte indireta e relatada
de memória. Este fato, apesar de nos parecer estranha, não era nada incomum para um
grego contemporâneo de Platão, já que em uma época onde poucos sabiam ler a
memória era o principal meio da preservação dos fatos.
Mesmo com o alto valor de veracidade dado aos relatos de memória na Grécia
antiga é muito pouco provável que o diálogo que Platão nos apresenta no Parmênides
tenha realmente ocorrido. Como argumento a favor desta tese tem-se o fato de que a
teoria das Formas, como aparece no diálogo, é considerado por diversos comentadores
de origem platônica e não de Sócrates, como o diálogo nos leva a crer.
Partindo deste fato os estudiosos da filosofia de Platão deram diversas
interpretações ao Parmênides e passaram a se perguntar qual a importância deste na

3
Não podemos esquecer que estas divisões do Parmênides, como de qualquer outro diálogo platônico,
não foi dado pelo próprio autor, mas são propostas pelos estudiosos para facilitar a leitura.
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historia do pensamento platônico, p.e., Kelessidou4 diz que alguns modernos5, que viam
o Parmênides como um exercício lógico, passaram a se perguntar se o Parmênides
“trata-se de um abandono, por parte de Platão, da teoria das Idéias ou de um começo
de duvida?Trata-se de uma revolução do platonismo ou de um abandono da teoria
‘especialmente socrática’ da ‘participação’”6. Esta indagação levou alguns a tomar
uma posição radical e passaram a defender a tese de que após esta autocrítica platônica,
o filosofo da Academia abandonou completamente a sua teoria das Formas, outros vêem
nesta parte do diálogo uma demonstração de Platão de como não deve ser entendida a
teoria das Formas.
Com esses breves apontamentos sobre o diálogo Parmênides podemos dar início
à apresentação das críticas à teoria das Formas contidas neste.

As Críticas:

No Parmênides a teoria das Formas de Platão, como foi dito acima, é apresentada
por um Sócrates ainda muito jovem (127c) ao tentar refutar uma das hipóteses de Zenão
que negava a multiplicidade7.
Depois da exposição de Sócrates, Parmênides o interpela e apresenta a este a
primeira aporia decorrente da teoria das Formas postulada por Sócrates. Parmênides
demonstra que se aceitarmos as Formas de acordo com a apresentação feita por Sócrates
seriamos obrigados a aceitar a existência de Formas correspondentes a coisas sensíveis
ignóbeis.
Apesar de não ser dada a esta crítica uma resposta ao diálogo ele traz a tona outro
grande problema do pensamento platônico, a saber, qual a extensão real do mundo das
Formas, em outras palavras, à quais nomes (sejam eles conceitos, valores morais ou
objetos sensíveis) podemos confiar à existência de Formas correlatas.

4
KALESSIDOU, A. 1992.
5
Tais como Grote, Wilamowitz, Schleiermacher, Calogero e Brochard.
6
“S’agit-il d’un abandon de la part de Platon de as théorie des Idées ou d’um commencement de doute?
S’agit-il d’une révolution dans le platonisme ou d’une réfutation de la théorie ‘spécialement socratique’
de la ‘participation’” (KALESSIDOU, 1992, p. 295).
7
Dos três personagens principais deste diálogo provavelmente o mais verossímil é Zenão que nega a
multiplicidade, aproximando-se assim da tese da Unidade de seu mestre Parmênides, por sua vez, os
personagens Sócrates e Parmênides, provavelmente, são usados somente como elementos dramáticos por
Platão sem ter grandes relações com o Sócrates e o Parmênides históricos. Cf.: IGLESIAS, M. Notas
sobre a composição do diálogo. In: PLATÃO, Parmênides.
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Quando Sócrates se vê em meio ao problema apresentado por Parmênides da
necessidade da aceitação de Formas para coisas ignóbeis e não sabe como o resolver,
Parmênides afirma que por ser Sócrates muito jovem a filosofia ainda não o tomou por
completo e passa a segunda crítica onde é levantado o segundo tema geral das críticas
de Parmênides à teoria das Formas: a questão da Participação8. O primeiro ponto ao
qual Parmênides dirige sua crítica diz respeito ao modo pelo qual as coisas sensíveis
participam das Formas.
Quanto a isso são apresentadas duas hipóteses, a saber, I) as Formas, esta toda
dentro de cada coisa sensível que dela participa e (II) as coisas sensíveis possuem
apenas uma parte da Forma da qual tem participação. No que concerne à primeira
hipótese caímos em uma aporia absurda porque a aceitando somos obrigados a admitir
que a Forma, sendo una e universal, estaria como uma unidade dentro de coisas
múltiplas. Quanto à segunda hipótese as conseqüências são ainda piores, usando um
exemplo dado no próprio diálogo veremos isso mais claro:

[...] As coisas grandes o são por participar de uma parte as Forma de


Grandeza. A parte, entretanto, pela participação da qual as coisas se
tornam grandes é menor que a própria Grandeza. O absurdo reside,
portanto, em afirmarmos que uma pequena parte da Forma de
Grandeza torna as coisas grandes [...]9.

Antes de passarmos ao próximo ponto da crítica da participação de Parmênides,


devemos ressaltar que diversos autores, entre eles Conford, Guthrie, Fouilleé e Soares,
vêem este primeiro problema apresentado por Parmênides como sendo um alerta de
Platão para mostrarmos como não devemos ler os seus diálogos, pois segundo esses
autores além do problema da visão puramente imanentista das Formas, há também na
interpretação uma visão materialista das Formas, ou seja, para Parmênides as Formas
são coisas extensas, o que nos leva no caso da hipótese I ao absurdo de a considerarmos
as Formas una e múltiplas, e na hipótese II é essa concepção que nos permite compará-
las nas relações de tamanhos.
A segunda crítica de Parmênides referente à participação das coisas sensíveis nas
Formas é o argumento tradicionalmente conhecido pela sua designação aristotélica de

8
Essa separação em três grupos de problemas decorrentes da tese apresentada por Sócrates – extensão do
“Mundo das Formas”, participação e, como veremos adiante, incognoscibilidade é adotada também por
M. Soares (cf. SOARES, 2001).
9
SOARES, op. cit., p. 89. Neste trecho aqui citado Soares re-escreve a primeira das três aporias que
Parmênides apresenta contra a tese da participação em partes das Formas.
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Argumento do Terceiro Homem10. Esse argumento é apresentado por Parmênides em
dois momentos distintos do diálogo, a saber, 131e – 132b e 132d – 133a, com algumas
diferenças, mas em ambos os momentos sobre a mesma base.
Resumidamente, ambos os argumentos possuem a mesma encadeação lógica: (a)
da observação de diversos sensíveis retiramos determinada característica comum; (b)
dessa característica única concluímos a Forma desta; (c) Porém, se observarmos tanto a
Forma como as coisas sensíveis, veremos que todas essas possuem o mesmo caráter
único, forçando-nos a admitirmos uma segunda Forma; (d) se aplicarmos (c)
novamente, englobando a segunda Forma, teremos uma terceira Forma e assim ao
infinito.
Nesse argumento de Parmênides continua, segundo Soares, a visão materialista
das Formas, porém agora ele não toma mais como somente as Formas como coisas
extensas mas as coloca no mesmo patamar ontológico das coisas sensíveis, ou seja,
Parmênides trata a Forma de Cavalo como sendo ela mesma um cavalo, donde
poderíamos colocar tanto a Forma de Cavalo e os cavalos sensíveis no mesmo grupo de
seres.
Entre as duas exposições do argumento do terceiro homem, Sócrates da início ao
que permitirá o desenvolvimento do diálogo e ao terceiro ponto de crítica por parte do
Parmênides, nesse ponto Sócrates abre a possibilidade das Formas serem na verdade
meros conceitos, ou seja, seriam elas idéias subjetivas que designariam os objetos,
relações e ações sensíveis.
A essa possibilidade Parmênides refuta, surpreendentemente, através da
postulação da Formas como necessárias, afirmando que tendo de ser o pensamento um
pensamento de algo, este algo tem que existir objetivamente, pois, ao contrário teríamos
pensamentos sobre o nada. Após essa postulação da necessidade do pensamento ser
vinculado a algo objetivo, só lhe resta demonstrar que este algo são as Formas, ele faz
isso afirmando que sendo esse algo uno e universal ele só poderia ser uma Forma (132b
–132c).
Postulada a necessidade das Formas, Parmênides parte para uma outra crítica a
tese socrática, a da transcendência das Formas.

10
Em momento algum Platão usa este termo no diálogo Parmênides, a designação deriva do argumento
apresentado por Aristóteles contra as teses platônicas e que levam a um regresso ao infinito, porém
mesmo havendo grandes diferenças entre o argumento de Aristóteles e o apresentado no Parmênides,
ambos ficaram conhecidos, por levarem ao regresso ao infinito, pelo mesmo nome.
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Estipulada a separação total entre o mundo das Formas e o mundo sensível –
devido à transcendência e a negação da imanência do primeiro, Parmênides apresenta
três conseqüências absurdas, a saber, a inexistência da relação de um mundo com o
outro, donde não poderíamos afirmar a formação das essências dos entes sensíveis com
as Formas; a impossibilidade de conhecermos as Formas; e por fim, a impossibilidade
dos deuses nos conhecerem.
Quanto à primeira, Parmênides a alcança com o seguinte argumento: (a) sendo as
Formas transcendentes elas só se relacionam entre elas; (b) do mesmo modo as coisas
sensíveis só se relacionam entre si; (c) portanto, a constituição de ambas as esferas
ontológicas surgiriam em decorrência das suas relações internas e não de um mundo
com o outro.
Disso Parmênides retira a conclusão da impossibilidade do conhecimento das
Formas, pois uma vez que não possuímos em nós a Forma do Conhecimento (o
conhecimento referente ao mundo das Formas) não conheceríamos nada referente às
Formas.
Continuando, Parmênides chega à conclusão “mais terrível” (134c), o fato dos
deuses não possuírem nenhum conhecimento do sensível. Parmênides mostra isso
afirmando que ninguém além de Deus poderá possuir a Forma de Conhecimento e, uma
vez concedido que as Formas não possuam nenhuma ligação com os sensíveis, Deus
não nos conhecerá e nem terá o mínimo poder sobre nós.

Conclusão:

Vimos na nossa exposição das críticas feitas por Parmênides à teoria das Formas
no diálogo platônico que leva seu nome, que elas podem ser divididas em três grandes
grupos que contem uma quantidade desigual de críticas, a saber:

I A questão da extensão do mundo das Formas:


I.I. A necessidade de aceitarmos Formas para coisas ignóbeis;
II A questão da participação:
II.I. Como as coisas participam das Formas;
II.II. O “argumento do terceiro homem”;
III A questão da Transcendência:
III.I. A incognoscibilidade das Formas;

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III.II. A impossibilidade dos deuses conhecerem as coisas.
Como foi apresentado, grande parte das aporias que Parmênides aponta na teoria
das Formas decorrem de uma interpretação materialista ou puramente imanentista das
Formas, o que Platão nunca defendeu. Isto somado ao fato de que o próprio Parmênides,
depois de tanto criticar a teoria das Formas, afirma a necessidade de concebermos as
Formas, pois, de outro modo, não seria possível o diálogo ou a filosofia (135b – 135c);
isso nos leva a crer, assim como Soares, que Platão ao escrever o Parmênides tinha
como objetivo mostrar aos seus leitores que como não se deve entender a teorias das
Formas, ou seja, não se deve pensar as Formas nem como coisas extensas, nem como
sendo elas puramente imanentes.

Referências

KÉLLESSIDOU, A. Le Parménide de Platon dans la critique des partisans de la logique


et dans la mystique plotinienne. Φιλοσοφία, Atenas, n. 21 – 22, 1992, p. 294 – 303.
PLATÃO. Parmênides. 1. ed. Rio de Janeiro: PUC - Rio, 2003.
SOARES, M. A ontologia de Platão: um estudo das formas no Parmênides. Passo
Fundo: UPF Editora, 2001.

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