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Ainda menino, Alencar fez uma viagem pelo sertão. A experiência dessa viagem de
garoto seria constantemente evocada pelo futuro escritor em seus romances, com
imagens e impressões da exuberante natureza brasileira. Alguns espaços merecem
destaque por ser palco de importantes acontecimentos desse romance: o campo dos
tabajaras, onde fica a taba do pajé Araquém, pai de Iracema; a taba de Jacaúna, na terra
dos potiguaras (ou pitiguaras); a praia em que vivem Martim e Iracema e onde nasce
Moacir.
IMAGENS E METÁFORAS
Uma das grandes habilidades de Alencar está em representar o pensamento selvagem
por meio de uma linguagem cheia de imagens e de metáforas. Sabe-se que as
sociedades que não avançaram no terreno da lógica argumentativa (que pressupõe
noções científicas básicas) têm em contrapartida grande riqueza no plano mitológico.
Elas se valem dos mitos e das histórias para explicar o mundo.
O pensamento do selvagem é imagético e, por isso, está muito próximo da poesia. Vê-se
nesse ponto como o autor soube unir forma e conteúdo. De outro modo seria difícil
caracterizar a linguagem do índio sem prejuízo da verossimilhança.
BASE HISTÓRICA
A narrativa inicia-se em 1608, quando Martim Soares Moreno é indicado para regularizar
a colonização da região que mais tarde seria conhecida como Ceará.
José de Alencar era leitor assíduo de Walter Scott, criador do romance histórico, e foi
influenciado por esse escritor. Como em vários romances de Alencar, Iracema mistura
ficção e documento, com enredo que toma como base um argumento histórico. Essa
junção se deve também ao projeto de criação de uma literatura nacional, no qual Alencar
e os demais escritores românticos do seu tempo estavam fortemente empenhados.
Ainda quanto ao aspecto histórico, que o autor levou em conta ao compor a obra,
ressalte-se que os índios potiguaras (habitantes do litoral) eram aliados dos
portugueses, enquanto os tabajaras (habitantes das serras cearenses) eram aliados dos
franceses.
ENREDO
A primeira cena antecipa o fim do livro, o que reforça a unidade da obra: Martim e Moacir
deixam a costa do Ceará em uma embarcação, quando o vento lhes traz aos ouvidos o
nome de Iracema.
Martim desiste de atacar a índia assim que põe os olhos nela. Iracema, por sua vez,
parece atirar a flecha por puro reflexo, pois logo depois se arrepende do gesto e salva o
estrangeiro, levando-o até sua aldeia.
Martim é recolhido à aldeia pelo pajé Araquém, pai de Iracema, e apresenta-se a ele
como um aliado de seus inimigos potiguaras que se perdera durante uma caçada. O pajé
o trata com grande hospitalidade e garante hospedagem, mulheres e a proteção de mil
guerreiros.
Iracema oferece mulheres a Martim, que prontamente as recusa e revela sua paixão por
ela. O amor de Martim é cristão, idealizado. O de Iracema também, mas por motivo
diverso: ela guarda o segredo da jurema, por isso precisa manter se virgem. Esse é o
estratagema que Alencar utiliza para transpor o amor romântico europeu às terras
americanas. Uma índia, criada fora dos dogmas cristãos, não teria motivos para
preservar sua virgindade.
AMOR PROIBIDO
As proibições reforçam ainda mais o amor entre a índia e o português. São as primeiras
de muitas provações que tal união terá de enfrentar. Em linhas gerais, o romance
estrutura-se no embate entre tudo o que une e o que separa os dois amantes.
Iracema conduz Martim ao bosque sagrado, onde lhe ministra uma poção alucinógena. O
guerreiro branco delira, e a índia adormece entre os seus braços.
Enquanto isso, Itapuã continua alimentando planos para se livrar do estrangeiro. O amor
entre os protagonistas parece impossível de se concretizar, por isso Martim é coagido
por Iracema a voltar para sua terra. Caubi, irmão de Iracema, acompanha-os. No caminho
de volta, porém, são atacados por guerreiros liderados por Irapuã. Martim, Iracema e
Caubi refugiam-se na taba do pajé Araquém, que usa de um truque para salvar o
português da ira do chefe guerreiro.
O casal muda-se então para uma cabana afastada, localizada numa praia idílica. Com
eles vai Poti, o grande amigo de Martim. Lá vivem um tempo de felicidade, culminando
com a gravidez de Iracema e o batismo indígena de Martim, que recebe o nome de
Coatiabo, ou “gente pintada”. Com o passar do tempo, contudo, o português se
entristece por não poder dar vazão a seu espírito guerreiro e por estar com muita
saudade de sua gente. A bela índia tabajara também se mostra cada vez mais triste.
Numa ocasião em que Martim e Poti saem para uma batalha, nasce o filho, Moacir.
Quando os dois amigos voltam da guerra, encontram Iracema à beira da morte. O corpo
da índia é enterrado aos pés de um coqueiro, em cujas folhas se pode ouvir um lamento.
Daí vem o nome Ceará, canto de sua jandaia de estimação, uma ave que sempre a
acompanhava.
CONCLUSÃO
Iracema, por amor a Martim, abandona família, povo, religião e deus. É uma clara
referência à submissão do indígena ao colonizador português. Alguns dizem que o nome
Iracema é também um anagrama de América.
Édipo Rei,