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FIDELIDADE PARTIDÁRIA

Vanessa Ribeiro Sousa Silva1

O transfuguismo ou “troca – troca” de partidos não é nenhuma novidade no cenário


político nacional. Desde o período democrático de 1946 a 1964 essa prática já se fazia
presente, embora, de forma menos intensa.
Com o avanço da democracia em nosso País essa prática se tornou quase uma regra.
Nas legislaturas de 1987-1991, 1991-1995 e 1995, um total de 467 deputados ou 31% deles
deixaram as legendas que os elegeram. 2
A doutrina cita algumas razões que explicariam a proliferação do “troca-troca”
partidário. Entre elas estariam o individualismo das candidaturas, vez que a eleição para o
candidato dependeria não apenas da força do partido, mas também da sua capacidade de
angariar votos para si. Outra explicação seria a oportunidade que a troca traria para o
deputado de aumentar suas chances de sucesso na carreira política ou ainda a possibilidade
que o ingresso em uma agremiação governista traria de obter mais recursos financeiros.
Independentemente da causa, o transfuguismo é tido como uma conduta condenável,
segundo Gilmar Ferreira Mendes, por contaminar o processo democrático e corromper o
funcionamento parlamentar dos partidos, vez que prejudica o exercício do direito de oposição,
o qual é essencial aos partidos políticos3.
A primeira tentativa de barrar o transfuguismo ocorreu durante o regime militar, com o
surgimento do instituto da fidelidade partidária. Compreendido como a obrigação imposta ao
parlamentar de permanecer nos quadros do partido pelo qual foi eleito, sob pena de perda do
mandato, o referido instituto foi introduzido em nosso ordenamento pelo artigo 152 da
Emenda Constitucional nº 1, de 1969.4
O parágrafo único do supra citado artigo determinava a perda automática do mandato
do senador, deputado federal, deputado estadual ou vereador que se opusesse às diretrizes
estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar o partido sob cuja legenda foi

1
Aluna do 9º Semestre do curso de Direito da Universidade do Estado da Bahia – UnEB, Campus IV
2
MACIEL, Eliane Cruxên Barros de Almeida. FidelidadePartidária: Um panorama institucional.
Disponível em: http://www.buscalegis.ccj.ufsc.br/revistas/index.php
3
MENDES, Gilmar Ferreira. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Políticos na Constituição. In.:
Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 826.
4
MACIEL, Eliane Cruxên Barros de Almeida. FidelidadePartidária: Um panorama institucional.
Disponível em: http://www.buscalegis.ccj.ufsc.br/revistas/index.php
eleito. Só em 1985, com a emenda constitucional nº 25, a qual deu nova redação ao art. 152 o
instituto foi extinto. Mas, em 1988, o instituto da fidelidade partidária ressurgiu em nosso
ordenamento, mas dessa vez sem a previsão de perda automática do mandato e determinou
que os estatutos dos partidos dispusessem sobre o citado instituto. Em seu art. 17, §1º, a
Constituição determina que os estatutos dos partidos devem dispor sobre disciplina e
fidelidade partidária.
Apesar da previsão constitucional, por muito tempo prevaleceu a tese de que a
infidelidade partidária não deveria ter repercussão sobre o mandato dos parlamentares. Essa
tese, aliás, era sustentada pelo Supremo Tribunal Federal que, desde onze de setembro de mil
novecentos e oitenta e nove, com o julgamento do mandato de segurança nº 20.927/DF,
decidiu que a maior sanção que um partido político poderia impor ao correligionário infiel era
a exclusão de seus quadros5.
Essa história, porém, começou a mudar em vinte sete de março de dois mil e sete,
quando o Tribunal Superior Eleitoral respondendo a uma consulta n. 1.398, fixou o
entendimento de que no sistema proporcional, tendo em vista as regras para obtenção do
quociente eleitoral e partidário, o mandato pertenceria ao partido e não ao eleito. Em
decorrência disso, o abandono da agremiação pela qual o parlamentar foi eleito, após a sua
diplomação acarretaria a extinção do mandato6.
Tal entendimento do TSE foi reafirmado em agosto de dois mil e sete na consulta n.
1423. No mesmo ano, o STF, no julgamento do MS n. 20.927, alterou o seu entendimento
com relação às consequências do transfuguismo e decidiu que o abandono da agremiação
partidária pelo parlamentar que por ela foi eleito, causaria a extinção do mandato. Ainda no
mesmo julgamento o Pretório Excelso fixou entendimento segundo o qual a desfiliação só não
acarretaria o fim do mandato em caso de ruptura de compromissos programáticos por parte
das agremiações ou perseguição política.
Segundo a tese defendida no julgamento, o partido deteria o monopólio das
candidaturas, primeiramente porque, segundo a Constituição, em seu art. 14, § 3º, V, o
candidato só pode concorrer às eleições se estiver filiado a um partido. Da mesma forma, o
Código Eleitoral e a lei 9.096/95 estabelecem a filiação como uma condição de elegibilidade,
de tal modo que a permanência do parlamentar na legenda pelo qual foi eleito é condição
necessária para a manutenção do seu mandato.

5
MENDES, Gilmar Ferreira. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Políticos na Constituição. In.:
Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010. p.828
6
Id. Ibidem. p. 824
Em segundo lugar, a exigência da fidelidade partidária seria consequência do próprio
sistema proporcional pelo qual as cadeiras do parlamento são distribuídas aos partidos em
decorrência da votação por ele recebida (quociente partidário). O voto dado ao parlamentar
não é determinante para a obtenção de uma cadeira no Congresso, mesmo porque, se
dependessem do voto pessoal a maioria dos candidatos não conseguiriam atingir o quociente
eleitoral, sendo fundamental, para que sejam eleitos, o voto da legenda. Por isso, permitir a
perpetuação do tranfuguismo seria o mesmo que promover um afastamento entre o voto do
eleitor dado nas urnas e a distribuição de poder no parlamento. Criando, assim, uma crise de
representatividade.
Vale ressaltar, porém, que a supracitado entendimento não é unânime na doutrina. A
principal tese contrária defende que os políticos são representantes do povo e não dos
partidos, tratando-se a filiação de mera condição de elegibilidade. Além disso, na opinião dos
defensores adotam esse entendimento, no sistema eleitoral brasileiro não há o chamado
mandato imperativo pelo qual a vontade da legenda seria capaz de fazer sucumbir à vontade
do eleito e do eleitor.
Apesar das opiniões contrárias, o fato é que a tese de extinção do mandato em
decorrência da infidelidade partidária está consolidada na jurisprudência brasileira. Optou-se,
portanto, pelo combate ao transfuguismo como tentativa de melhorar a imagem dos
parlamentares em relação aos cidadãos.

REFERÊNCIAS

FREITAS, Andréa. Infidelidade Partidária e Representação Política: alguns argumentos


sobre migração partidária no Brasil. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?

MACIEL, Eliane Barros de Almeida. FidelidadePartidária: Um panorama institucional.


Disponível em: http://www.buscalegis.ccj.ufsc.br/revistas/index.php

MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Políticos na Constituição. In.: Curso de Direito


Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2010.

OLIVEIRA, Arlindo Fernandes de. Estatuto Jurídico da Fidelidade Partidária e sistema


elitoral. Disponível em: http://www.buscalegis.ccj.ufsc.br/revistas/index.php

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