Você está na página 1de 16

Relações entre pesquisa em ensino de Ciências e

formação de professores: algumas representações

Maria José P. M. de AlmeidaI


Roberto NardiII

Resumo

Este estudo foi realizado com o objetivo de investigar representa-


ções de pesquisadores da área de ensino de Física sobre a possível
interferência da pesquisa da área de ensino de Ciências na maneira
como se formam professores no Brasil. Para tal, foram analisadas
as respostas a uma questão formulada em entrevistas a treze pes-
quisadores do ensino da Física, indicados por seus pares por meio
de correio eletrônico encaminhado a pesquisadores do ensino de
Ciências, incluindo as subáreas de Biologia, Física, Geociências e
Química. A análise de discurso desenvolvida na França por Michel
Pêcheux, a partir de subsídios obtidos principalmente em publica-
ções de Eni Orlandi no Brasil, foi o apoio teórico que sustentou o
estudo. As representações que os discursos selecionados permitem
inferir evidenciam pequena influência. Entretanto, foram enuncia-
dos fatores de grande abrangência, incluindo desde aqueles inter-
nos à própria área, quanto fatores associados a políticas públicas.
Também se observou uma diversidade de posições entre os pes-
quisadores entrevistados. No conjunto, os fatores abordados pelos
entrevistados constituem um amplo quadro configurativo de re-
presentações que pode ser elemento de reflexão para outros pes-
quisadores. Acreditamos que essas representações têm potencial de
contribuição para efetivas interferências na forma de realização de
políticas públicas, sem a necessidade do uso de prescrições e cada
vez menos com recomendações vazias.

Palavras-chave

Ensino de Ciências – Formação de professores – Análise de discurso


– Representações.
I- Apoio do CNPq. Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, SP, Brasil.
Contato: mjpma@unicamp.br
II- Apoio da FAPESP e da Fundação para
o Desenvolvimento da UNESP. Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”,
Bauru, SP, Brasil.
Contato: nardi@fc.unesp.br

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 2, p. 335-349, abr./jun. 2013. 335


The relations between research in Science teaching and
teacher education: representations

Maria José P. M. de AlmeidaI


Roberto NardiII

Abstract

This study was conducted with the objective of investigating


representations of researchers from the area of the teaching of
Physics about the possible influence of the research in the area of
Science teaching upon the way in which teachers are educated in
Brazil. For that, an analysis was made of the answers to a question
formulated in interviews made with 13 researchers from the field of
the teaching of Physics, which were indicated by their peers through
an electronic mail sent to researchers in Science teaching, including
the subareas of Biology, Physics, Geosciences and Chemistry. The
discourse analysis developed in France by Michel Pêcheux, based
on elements obtained mainly from publications by Eni Orlandi in
Brazil, gave the theoretical support to the study. The representations
that the selected discourses allowed to infer suggest that the above-
mentioned influence is small. However, factors of great import were
mentioned, including factors internal to the area, as well as factors
associated to public policies. A wide diversity of positions among
the researchers interviewed could also be observed. On the whole, the
factors mentioned by the interviewees constitute a wide configuration
scenario of representations that can be an element for reflection to
other researchers. We believe that these representations have the
potential to contribute to the appearance of effective influences in
the form of the development of public policies, without the need for
prescriptions and with fewer and fewer empty recommendations.

Keywords

Science teaching – Teacher education – Discourse analysis


– Representations.
I- The author acknowledges the support
of CNPq. Universidade Estadual de
Campinas, SP, Brazil.
Contact: mjpma@unicamp.br
II- The author acknowledges the
support of FAPESP and of the UNESP
Development Foundation. Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, Bauru, SP, Brazil.
Contact: nardi@fc.unesp.br

336 Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 2, p. 335-349, abr./jun. 2013.


No Brasil, assim como em outros países, é explicitadas ou subentendidas nos estudos são
evidente a ampla focalização de estudos da área de natureza bastante variada. Apenas para ilus-
educacional sobre o professor, os papéis sociais trar a ampla gama dessas concepções, constata-
por ele exercidos, o que ele deve ou não fazer mos que não é difícil encontrar estudos recentes
profissionalmente e como deve ser sua forma- nos quais o professor é o indivíduo detentor de
ção, tanto a inicial quanto a continuada. Essa conhecimentos que devem ser passados aos alu-
focalização se manifesta na grande e diversifi- nos, ou estudos cujo foco está na maneira como
cada quantidade de publicações – em anais de ele atua enquanto mediador de atividades reali-
congressos, periódicos e livros – que incluem o zadas pelos estudantes.
professor como figura central. Apenas para ilus- A relevância do professor também pode
trar esse fato, citamos aqui os autores de alguns ser notada quando se olha para uma das subá-
dos livros a esse respeito editados nas três úl- reas da educação: no caso, o ensino de Ciências.
timas décadas no país: Martins (1984); Catani Nela se observa o mesmo interesse acadêmico
et al. (1986); Ribeiro (1987); Feracine (1990); pela figura do professor, interesse este que se
Becker (1995); Menezes (1996b); Rangel (1996); traduz num grande número de publicações nas
Brzezinski (1997); Pimenta (1997); Gatti (1997); últimas três décadas. São exemplos disso os li-
Giroux (1997); Kincheloe (1997); Geraldi et al. vros dos seguintes autores: Krasilchik (1987);
(1998); Goergen e Saviani (1998); Contreras Carvalho e Gil-Pérez (1993); Menezes (1996a);
(2002); Perrenoud (2002); Pereira (2003); Alves Gioppo (1999); Ostermann e Moreira (1999);
(2004); Facci (2004), Tardif e Lessard (2008). Mion e Saito (2001); Selles e Ferreira (2003);
Dossiês em periódicos também são registro do Nardi, Bastos e Diniz (2004); Rosa (2004, 2005);
grande interesse que a pesquisa em educação vem Bastos e Nardi (2008). Também na leitura des-
tendo pelo professor já há bastante tempo. Entre ses textos podemos ver explicitadas ou suben-
eles estão: O professor e o ensino: novos olhares, tendidas diferentes concepções teóricas e, con-
publicado em um dos números do Caderno Cedes sequentemente, diferentes concepções sobre o
de 1998; Formação de profissionais da educação: professor, mas em todas elas é possível notar o
políticas e tendências, de 1999, e Os saberes dos reconhecimento de sua relevância social.
docentes e sua formação, de 2001, ambos edita- O interesse na área de ensino de Ciências
dos pela revista Educação e Sociedade. por pesquisas que envolvem a formação do pro-
Trata-se de um interesse voltado a pro- fessor pode ser avaliado se considerarmos que,
blemas comumente associados à escola e ao no último Encontro Nacional de Pesquisa em
ensino que ali se pratica. Tais problemas ge- Educação em Ciências, realizado no final de
ram questões de estudo que, por sua vez, pos- 2011 na cidade de Campinas, dos 1.235 trabalhos
sibilitam análises realizadas com o apoio de distribuídos em 14 linhas temáticas do evento
diferentes tendências teóricas, as quais não se e aprovados para apresentação, 385 (31%) eram
limitam à geração de metodologias de análise, relativos à linha formação de professores.
pois contêm concepções sobre o professor que Entretanto, é fato que os consideráveis
interferem no próprio estabelecimento do pro- avanços obtidos em pesquisas estão longe de
blema a ser analisado. resolver a maioria das dificuldades encontradas
Essa ampla focalização evidencia, sobre- nas ações do professor nos diferentes níveis de
tudo, a relevância do professor em nossa so- ensino. Isso não é de se estranhar, se conside-
ciedade, independentemente de se tratar de um rarmos a complexidade do trabalho docente e,
estudo de caso sobre a maneira como determina- principalmente, se admitirmos que as ações desse
do professor ensina certo conteúdo, ou de uma profissional dependem de múltiplos fatores, não
reflexão sobre políticas públicas relativas à for- se restringindo à possível influência que o desen-
mação ou à atuação profissional. As concepções volvimento de pesquisas pode exercer sobre elas.

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 2, p. 335-349, abr./jun. 2013. 337


Por outro lado, com o aumento das pesqui- O presente estudo insere-se nessa pro-
sas na área, alguns avanços podem ser notados. blemática que gera algumas questões, aqui
Num estudo em que analisa recomendações dire- resumidas da seguinte maneira: como os pes-
cionadas ao professor de Física, Almeida (2006) quisadores da área entendem a relação entre
classifica como prescrição o ato de dizer ao pro- o desenvolvimento de pesquisas – não apenas
fessor o quê, quando e como ele deve trabalhar aquelas sobre a formação docente, mas as pes-
com seus alunos. Já as recomendações vazias quisas da área de uma maneira geral – e a for-
dirigidas ao profissional são consideradas aque- mação docente? Em outros termos: segundo as
las sugestões calcadas em resultados satisfatórios representações de pesquisadores sobre o ensino
para determinados procedimentos de ensino, sem de Ciências no Brasil, qual é a relação entre o
que sejam apresentados os fundamentos e as con- desenvolvimento de pesquisas na área e a for-
dições em que foram gerados os procedimentos mação docente?
sugeridos. Em outro estudo, Almeida (2012) loca- Quanto ao universo do estudo, dadas
lizou inúmeras prescrições em textos de décadas algumas especificidades relacionadas a cada
passadas, mas também notou que ainda é possível campo, julgamos conveniente que a análise fo-
encontrar prescrições em alguns documentos vol- calizasse pesquisadores atuantes em uma mes-
tados para a ação docente, sem que, entretanto, ma disciplina. Como instrumento de pesquisa
elas estejam presentes em trabalhos resultantes de utilizou-se a entrevista, dado que essa é a téc-
pesquisas. Já quanto às recomendações vazias, o nica por excelência para se chegar às represen-
mesmo não ocorre. O texto ainda aponta serem tações dos sujeitos.
atualmente bem mais comuns as parcerias, uma Desse modo, foram analisados discursos
prática que a autora afirma estar bem dissemina- obtidos em entrevistas a pesquisadores da área
da na área de ensino de Ciências e que ela julga de ensino de Física, com o objetivo de com-
ter grande potencial para provocar deslocamentos preender suas representações acerca da inter-
no imaginário de professores do ensino básico e ferência ou não da pesquisa realizada na área
de pesquisadores da universidade. No entanto, é de ensino de Ciências sobre a maneira como se
fato que a possibilidade de parceria aplica-se à formam professores no Brasil. A questão bá-
formação continuada e não esgota as questões re- sica foi assim enunciada: como pesquisadores
lativas ao trabalho do professor e à sua formação, da área de ensino de Física entendem a relação
inicial ou continuada. entre o desenvolvimento de pesquisas na edu-
Por outro lado, dada a amplitude de pro- cação em Ciências e a formação docente?
postas educacionais e mais especificamente de
concepções sobre conteúdos e formas da for- Apoio teórico-metodológico
mação docente que podem ser identificadas na
literatura sobre o ensino de Ciências, justifica- O estudo sustenta-se teoricamente em
-se a relevância de se buscar compreender re- noções da análise do discurso (AD) com base
presentações de pesquisadores da área, as quais na perspectiva iniciada na França por Michel
provavelmente têm interferido nas próprias Pêcheux, utilizando a entrevista como técnica
opções de pesquisa desses pesquisadores. Nesse de coleta de informações.
sentido, sendo a formação docente um foco Tal como outras técnicas utilizadas com
importante entre as questões tratadas na área, o intuito de coletar informações, a entrevista
julgamos que uma síntese das posições de pes- pode ser pensada a partir de diferentes refe-
quisadores experientes sobre a influência das renciais teóricos. Estes são determinantes de
pesquisas nessa formação poderia contribuir possibilidades e limites do que se pode con-
significativamente para o avanço no direciona- cluir a partir da análise das informações obti-
mento de futuras investigações. das com a técnica utilizada. Ao nos apoiarmos

338 Maria José P. M. de ALMEIDA; Roberto NARDI. Relações entre pesquisa em ensino de Ciências e formação...
na perspectiva da AD, utilizamos, principal- para outro alguém também de algum lu-
mente, as noções desenvolvidas no Brasil por gar da sociedade e isso faz parte da signi-
Eni Orlandi. ficação. Como é exposto por Pêcheux, há
Nessa perspectiva, pressupõem-se a não nos mecanismos de toda formação social
transparência da linguagem e o papel das condi- regras de projeção que estabelecem a rela-
ções de produção na formulação dos discursos, ção entre as situações concretas e as repre-
com destaque para as representações sociais. sentações dessas situações no interior do
Em decorrência, as considerações sintetizadas discurso. É o lugar assim compreendido,
a partir das entrevistas subentendem a relevân- enquanto espaço de representações sociais,
cia das representações dos entrevistados e do que é constitutivo da significação discur-
entrevistador na obtenção das informações que siva. É preciso dizer que todo discurso
constituíram os discursos analisados. Mais pre- nasce de outro discurso e reenvia a outro,
cisamente, foram utilizadas as noções de dis- por isso não se pode falar em um discurso,
curso, condições de produção e representação, mas em estado de um processo discursivo,
conforme são compreendidas nessa vertente da e esse estado deve ser compreendido como
AD. Tais noções sustentaram a análise das res- resultando de processos discursivos sedi-
postas obtidas em entrevistas a pesquisadores mentados, institucionalizados. E finalmen-
do ensino de Física. te, faz parte da estratégia discursiva prever,
Orlandi (1983) considera a linguagem situar-se no lugar do ouvinte (antecipação
como um trabalho, no sentido de não ter cará- das representações), a partir de seu próprio
ter natural, nem arbitrário. Assim pensada, ela lugar de locutor, o que regula a possibi-
é resultado da interação entre o homem e as lidade de respostas, o escopo do discurso.
realidades natural e social, ou seja, constitui-se (ORLANDI, 1983, p. 19)
em produção social e deve ser entendida como
uma mediação necessária: “[...] a mediação Com base nas noções explicitadas a partir
como relação constitutiva, ação que modifica, do trabalho de Orlandi, entendemos as respostas
que transforma” (ORLANDI, 1983, p. 18), sendo obtidas em entrevistas como processos discursi-
de cunho sócio-histórico os processos envolvi- vos produzidos em determinadas condições. Ou
dos na constituição da linguagem. seja, admitimos que, na análise, deve-se consi-
É também a partir do mesmo referen- derar quem disse, para quem disse, quando disse
cial que conceituamos o discurso como efeito e de onde disse; além disso, é preciso levar em
de sentidos entre interlocutores. A autora evi- conta que o que alguém responde não independe
dencia que o sentido não é constituído apenas de quem perguntou. Em outros termos, quando
pelos interlocutores, mas está associado à situ- trabalhamos com linguagem, estamos no domí-
ação e ao contexto histórico-social. Ela ainda nio do simbólico. Assim, é preciso admitir que
comenta a relevância da representação social, as posições de quem verbaliza o discurso, e de
associando a significação do processo discursi- quem o ouve não são posições concretas, mas
vo às posições em que se situam os interlocu- sim imaginárias: suas representações.
tores, tendo em vista as noções de condições de Neste estudo, os discursos que nos pos-
produção e representação: sibilitaram analisar representações de pesqui-
sadores do ensino de Física foram obtidos em
[...] os interlocutores, a situação, o contex- entrevistas semiestruturadas com pesquisadores
to histórico-social (i. é., as condições de da área de ensino de Ciências. Trabalhos como
produção) constituem o sentido da seqüên- o de Nardi e Almeida (2007) evidenciam a rele-
cia verbal produzida. Quando se diz algo, vância dessa técnica para a obtenção de repre-
alguém o diz de algum lugar da sociedade sentações de pesquisadores.

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 2, p. 335-349, abr./jun. 2013. 339


Condições de produção das considerar relevante a centralização da análise
entrevistas numa subárea. Assim, como já dito, são anali-
sadas aqui apenas as respostas de pesquisado-
A questão formulada aos pesquisadores res do ensino de Física, subárea que concentrou
da área de ensino de Ciências, cujas respostas o maior número de entrevistados. O universo
possibilitaram a constituição dos discursos aqui analisado inclui respostas de treze pesquisado-
analisados, foi parte de uma pesquisa mais am- res: três tinham sua atuação institucional prin-
pla em que os entrevistados foram selecionados cipal na região Sul e dez na região Sudeste do
via indicações de seus pares e contatados por país. Todos lecionavam ou haviam lecionado
correio eletrônico obtido junto às associações em universidades públicas, junto a faculda-
de pesquisa que os congregam. des e departamentos de Educação ou de Física,
De quase 1.000 correios eletrônicos en- em disciplinas da Licenciatura em Física e, no
viados, pouco mais de 200 foram respondidos caso de alguns deles, do Bacharelado em Física.
com o que havia sido solicitado, a saber, cin- Todos também tinham ou haviam tido atuação
co nomes de colegas que eles julgavam estarem na pós-graduação.
atuando na área desde o início e que, na opinião A explicitação das condições de uso dos
deles, haviam contribuído para a construção do depoimentos antecedeu cada entrevista, e foi
campo. Pouco mais de 500 nomes foram citados, garantido aos entrevistados que eles não seriam
sendo 24 deles entrevistados. Esse número obe- identificados quando o estudo fosse publicado.
deceu a dois critérios: a maior frequência de ci- Neste artigo, decidimos utilizar a palavra pes-
tação pelos pares e a decisão de que fosse entre- quisador, independentemente de se tratar de um
vistado pelo menos um pesquisador de cada uma pesquisador ou de uma pesquisadora. No en-
das subáreas do ensino de Ciências: ensino de tanto, consideramos interessante registrar que,
Biologia, de Física, de Geociências e de Química. dentre os treze entrevistados cujas respostas
Todas as entrevistas foram realizadas em foram analisadas, cinco eram pesquisadoras e
2005 pelo mesmo entrevistador: um dos pares oito eram pesquisadores.
dos pesquisadores entrevistados e segundo autor É fato também que, nas respostas à questão
do presente trabalho. Mesmo se admitindo a pos- sobre a interferência da área de ensino de Ciências
sibilidade de variações que poderiam ocorrer em – enquanto área de pesquisa – na maneira como
decorrência das próprias respostas dos entrevis- se formam professores no Brasil, houve comentá-
tados, foram estabelecidas as questões básicas. rios que remetiam à relação entre a produção de
A pergunta cujas respostas estão aqui em pesquisas na área de ensino de Ciências e o ensino
pauta foi a seguinte: A formação e o crescimen- escolar de uma maneira geral. Mas aqui focaliza-
to da área de ensino de Ciências têm interfe- mos diretamente a formação docente.
rido na maneira como se formam professores
no Brasil? Por quê? (para respostas negativas) Representações dos
Ou de que maneira? (para respostas positivas). entrevistados
No planejamento da pesquisa, essa questão foi
pensada basicamente como a última a ser for- A análise qualitativa apoiada na AD con-
mulada em cada entrevista. sistiu na leitura prévia de todas as entrevistas, se-
A leitura do conjunto de respostas mos- guida de recortes orientados pela busca de respos-
trou indícios de algumas especificidades pró- tas para a questão deste estudo. Dessa maneira,
prias a cada subárea do ensino de Ciências, procurou-se compreender se, no imaginário dos
havendo variação conforme os pesquisado- pesquisadores, o crescimento da área de ensino de
res entrevistados: do ensino de Biologia, de Ciências havia contribuído para a maneira como
Geociências, de Física e de Química. Daí se estão sendo formados professores no país.

340 Maria José P. M. de ALMEIDA; Roberto NARDI. Relações entre pesquisa em ensino de Ciências e formação...
A partir de indícios presentes nos re- Entre os pesquisadores que foram diretos
cortes realizados, evidenciamos qualitativa- na afirmação de que a influência era pequena, um
mente – e, na medida do possível, de maneira deles referiu-se à academia e à formação inicial,
abrangente – como se relacionam os aportes da julgando, entretanto, que a influência era maior
área de ensino de Ciências com a formação de na formação em serviço. Tal opinião foi compar-
professores. As porcentagens apresentadas não tilhada por outro entrevistado, que ressaltou ser
significam um viés quantitativo do estudo, mas essa influência local e não em termos amplos.
apenas apontam certa tendência de resposta. É interessante notar que, em contrapo-
Essas porcentagens foram calculadas com sição a esse argumento, outros pesquisadores
base nas respostas sim ou não à questão bási- julgaram que a influência ocorria na forma-
ca. Na ênfase da maioria dos treze entrevista- ção inicial, sendo que todos eles se referiram
dos, evidenciam-se representações de que houve às instituições onde havia pós-graduação em
pequena influência. Apenas dois pesquisadores ensino, ou seja, grupos de pesquisa nessa área.
do ensino de Física (15,4%) foram enfáticos ao Um deles apontou, inclusive, a relevância do
apontar a existência de influência; dois (15,4%) professor que realizou pós-graduação, mesmo
a negaram de imediato; seis (46,1%) afirmaram atuando em universidades em que não há pes-
que a influência era pequena; e três (23,1%) fo- quisa, comparativamente aos professores uni-
ram bastante diretos ao condicionar a influência versitários que não têm pós-graduação.
da pesquisa na formação docente à existência de Entre os argumentos para justificar a
grupos de pesquisa nas instituições formadoras. pequena influência da produção de pesquisas
É necessário salientar, entretanto, que sobre ensino de Ciências na formação de pro-
essas porcentagens mostram apenas as ênfases fessores, as condições de trabalho no ensino bá-
imediatas dos pesquisadores ao serem ques- sico foram, sem dúvida, as mais apontadas. Em
tionados. Uns mais, outros menos, todos eles alguns casos, elas foram o foco da argumenta-
forneceram vários argumentos para suas afir- ção do pesquisador.
mações, sendo possível notar em suas falas o Dada essa pequena síntese inicial, passa-
quanto ponderavam sobre o que estavam di- mos em seguida a comentar trechos das respos-
zendo. Alguns deles, inclusive, manifestaram tas dos pesquisadores. Tais discursos não esgo-
já se terem dedicado anteriormente a estudar tam o que foi apresentado nas entrevistas, mas
academicamente a questão que lhes havia sido evidenciam a diversidade de respostas obtidas.
formulada e/ou participado de discussões sobre Essa diversidade pode ser notada no grande nú-
o assunto em encontros da área. mero de opiniões diferentes contidas nas res-
Por outro lado, as duas respostas dos postas, tanto nas positivas, quanto nas negati-
pesquisadores que negaram a influência do vas e também nas ponderações. Algo bastante
acúmulo de pesquisas da área na formação de patente foi a crítica por se pensar unicamente
professores atribuíram a falta de influência à a relação entre resultados obtidos na área e a
inexistência de demanda por professores mais formação docente, sem levar em conta outros
qualificados e, no mesmo sentido, à desvalori- possíveis aspectos intervenientes nessa forma-
zação do professor, com referência ao professor ção. Em sua maioria, os comentários não se
do ensino básico. Nesse último caso, acrescen- restringiram à formação docente, mas também
tou-se que havia influência sobre o professor abrangeram o ensino formal, de maneira geral,
universitário. Das duas respostas que enfatiza- ou então focalizaram algum tipo de instituição.
ram a influência da pesquisa na formação do- No discurso apresentado a seguir, o en-
cente, uma apontou como justificativa a educa- trevistado faz um questionamento com relação
ção continuada e a outra situou a influência em à própria pergunta a que estava responden-
disciplinas criadas nas universidades. do. Para esse pesquisador, tal questão, assim

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 2, p. 335-349, abr./jun. 2013. 341


formulada, estaria subentendendo a ideia de [...] não queira essa relação, porque essa
que, apesar de a pesquisa na área ter acumula- relação não existe. [...] se a gente soubesse
do resultados, a formação de professores con- ensinar Física com 50 minutos, uma vez
tinua ruim. Em sua argumentação, ele lembra por semana, nós seriamos os maiores char-
outros aspectos que influenciariam o ensino de latões certo?
Ciências, como o salário do professor, de res-
ponsabilidade governamental: No fato de alguns pesquisadores mani-
festarem representações que apontaram fatores
[...] não se pode pensar que vai ser a área, supostamente externos à pesquisa em ensino de
ou a pesquisa em ensino de Ciências, que Ciências como determinantes da influência de
vai ser responsável pela formação de pro- tal pesquisa no ensino de sala de aula, nota-
fessores [...] essas questões educacionais mos que, embora essas manifestações não se-
são coisas de política governamental. [...] jam otimistas quanto a uma influência direta da
O professor vai ter um salário digno ou pesquisa, trata-se de uma preocupação desses
ele vai continuar trabalhando 50 horas pesquisadores. Várias respostas indicam suas
por semana? Não adianta fazer mil pes- reflexões a esse respeito, como a seguinte:
quisas, enquanto tiver professor dando
aula 50 horas por semana. [...] não tem [...] a pós-graduação em ensino de Física,
pesquisa, não tem área consolidada que já há tantos anos, em várias capitais, né?
vá contribuir pra isso se não tiver uma [...] pelo menos, nós temos ainda muito
política governamental. pouca divulgação disso... penetração disso,
nas escolas secundárias [...]. Na sala de
Falando da posição de pesquisador que aula, o aluno continua achando que o
ocupa, ele manifesta sua representação sobre importante é decorar a fórmula; ele não
a necessidade de o professor dar menos aulas chega a entender o fenômeno.
para que a pesquisa possa influenciar sua for-
mação. Refere-se, assim, à formação continu- Entretanto, conforme já comentamos,
ada e atribui o número excessivo de aulas ao também houve respostas segundo as quais te-
salário, que é responsabilidade do governo. ria ocorrido certa interferência. Como exemplo,
Nas representações de outro pesquisa- no trecho a seguir, o pesquisador inicialmente
dor, um fator que deveria ser considerado para menciona condições de produção externas à es-
se pensar a relação da pesquisa com o ensi- cola como determinantes da não interferência
no de Ciências em sala de aula é a estrutura da pesquisa no ensino de sala de aula, como a
curricular da escola. Para justificar a ausência cobrança de aprovação no vestibular associada
de mudanças na escola pública, ele remete ao à necessidade de o programa ser trabalhado in-
número de aulas: tegralmente. Ele também supõe, porém, que em
alguns casos a interferência teria ocorrido:
[...] isso não quer dizer que a Física na
escola pública... a escola... esteja boa. [...] [...] eu acho que é um pouco difícil ainda.
Com duas aulas por semana, você não dá [...] ele [o professor] está sobrecarregado de
nada! Duas, ou uma aula por semana! uma... de um discurso comercial, dos cole-
gas que querem aprovação no vestibular e
Outro entrevistado, por sua vez, considerou veem que tem que dar o programa todo, em
que não seria possível ensinar Física apropriada- determinados esquemas, com determinadas
mente com uma aula por semana, situação exis- apostilas [...]. Então, esse trabalho de pesqui-
tente em algumas escolas à época da entrevista: sa... de entendimento de como o aluno está...

342 Maria José P. M. de ALMEIDA; Roberto NARDI. Relações entre pesquisa em ensino de Ciências e formação...
como é que ele está desenvolvendo, essa... [...] pode ser, sim, que haja uma certa in-
esse conhecimento dele... um trabalho mais fluência, tendências, visões etc. [...] e há
ligado à aprendizagem significativa [...]. Isso coisas mais recentes, através de... de... po-
acaba não... não tendo tempo de chegar à líticas oficiais. [...] você produz parâme-
sala... a maioria das salas de aula, mas eu tros, parâmetros complementares, diretri-
acho que... que a gente tem casos com êxito. zes, leis... E quando chega à base... lei, ora
lei... os parâmetros... ou leu e não gostou,
O conjunto de excertos apresentado a ou achou interessante, mas não sabe como
seguir constitui um quadro configurativo de pôr em prática aquilo... Os quadros que nós
grande parte das condições de produção inter- formamos... estou dizendo, esses quadros
venientes no ensino, segundo as representações alcançam muito pouco a base escolar.
dos pesquisadores. São trechos que evidenciam
a diversidade de posições a esse respeito entre [...] eu acho que ainda é pequena a influên-
tais pesquisadores. Tendo em vista a perspec- cia dessas iniciativas, por uma razão, entre
tiva teórica assumida neste estudo, os recortes outras [...]. Entre nós, o magistério conti-
das falas dos entrevistados, pensados como dis- nua a ser uma atividade considerada ainda
cursos, são efeitos de sentido produzidos nas pouco importante. Além disso, a escola pú-
condições de produção das entrevistas, condi- blica, em nível secundário, ela é esquecida.
ções estas que incluem suas memórias discur-
sivas, ou seja, outros discursos ditos em outros [...] e a profissão de professor não foi valo-
lugares e de outras maneiras, além das condi- rizada, do ponto de vista oficial. Então, eu
ções imediatas de produção desses discursos. acho que houve um desencontro na socie-
Devemos inclusive lembrar que o entrevistador dade entre a valorização, do ponto de vista
é um dos pares dos entrevistados, havendo a oficial [...] porque a implantação da pós-
possibilidade de tais discursos terem sido regu- -graduação é uma valorização... né? Mas
lados por sua presença. eu acho que não houve ainda um encontro
que transforme, né?
O retorno pra sala de aula tem sido...
relativamente pouco comparado com... Qual foi o nosso efeito [...]. A gente tem
com o grosso do trabalho, né? que ser modesto, pra saber que foi muito
pequeno. No entanto... também... a gente
[...] a comunidade tem um impacto grande tem que se conscientizar de que educação
na... na... formação continuada, mas aí tem é um processo que envolve toda a popula-
um problema... não tem uma correspon- ção... e é portanto muito complexo, muito
dente apropriação dos professores desse lento esse desenvolvimento.
conteúdo para poder usar na sala de aula.
[...] e esse material que nós temos, eu acho
[...] o professor formado num local com que está ficando, assim, um pouco ocio-
mais qualificação, eu acho que ele vai ser so. [...] a Secretaria de Educação tinha que
um melhor professor; mas, às vezes, as adquirir aquilo por preço menor, [...] pene-
condições, né? [...] Eu acho que o grande tração disso nas escolas secundárias... isso
problema no Brasil é... as condições... que eu acho que tem que ser mais.
entra o tempo que o aluno passa na escola,
no ensino fundamental e médio, o nível [...] eu acho que esse assunto de sala de
econômico desses alunos... as condições de aula e da contribuição, eu acho que é fun-
trabalho dos professores. damental, mas as pessoas que fazem isso

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 2, p. 335-349, abr./jun. 2013. 343


– e nós, como professores ou licencian- escola. Estão entre as condições de produção
dos – deveríamos, realmente, ser capazes limitantes apontadas nos discursos dos pes-
de passar isso com muita seriedade e de- quisadores: a pouca importância que se dá ao
monstrar limitações. E demonstrar não é magistério, o esquecimento da escola pública
qualquer coisa. Um pouco de trabalho, um e o desencontro entre a valorização da pós-
pouco de energia gasta pra poder preparar -graduação e a profissão de professor.
material para fazer um estudo, um peque- Como fator externo limitante da in-
no estudo bibliográfico... terferência da pesquisa no ensino escolar,
foi apontada a complexidade da escola, bem
[...] há um potencial muito grande na nos- como o fato de ela envolver toda a popula-
sa área de... fazer essa... de oferecer essa ção. Também houve a indicação de uma pos-
contribuição mais... macroscópica. [...] a sível solução: a distribuição nas escolas, pela
gente vê hoje as pessoas trabalhando mais, Secretaria de Educação, do material produzido
evidentemente... muitos não trabalhando na área. Já a representação do penúltimo re-
nada e... há pressa... uma rapidez... a gen- corte aponta como limite para a interferência
te tem que ler coisas pequenas, os alunos o próprio trabalho dos pesquisadores, salien-
se queixam, muitas vezes de um texto de tando a necessidade de se demonstrarem as
vinte páginas que eles têm que ler de uma limitações no trabalho com os licenciandos.
aula pra outra... Então, há uma dificuldade Por sua vez, o último dos recortes destacados
que nós temos de... suplantar a [...] estamos nessa sequência extrapola a questão do Brasil
na era do conhecimento de uma elite que para uma imagem da população mundial e da
produziu esse conhecimento, e temos po- inserção diferencial de partes da sociedade no
tencial enorme pra difundi-lo, de maneira conhecimento nela produzido.
muito mais fácil hoje, através da internet, No que se refere a respostas mais dire-
através dos meios eletrônicos de comuni- tas ao questionamento sobre a interferência da
cação, mas nós temos um analfabetismo... área de ensino de Ciências na maneira como se
massivo da população... do contingente da formam professores no Brasil, a seguinte fala
população mundial. Então, pra ler a inter- apresenta uma representação de que a inter-
net, você precisa ter filtros, demandam um ferência existe. Ao mesmo tempo, ela parece
estudo, uma leitura sofisticada; senão você subentender fatores limitantes para a ação da
naufraga... Eu acho que boa parte naufraga área, tal como observamos em algumas das fa-
na internet, não navega nela... não é? las já apresentadas.

Na leitura desses recortes, reconhece- Então... agora... chega sim, aos professores;
mos representações que indicam o pouco re- e esse é o maior drama dos professores...
torno da pesquisa para a sala de aula, pela porque eles sabem o que fazer. [...] Então, eu
distinção entre impacto na formação con- acho que... chega .... dentro das limitações
tinuada e uso do conteúdo apreendido pelo que nos é posta...
professor. Também são focalizadas circuns-
tâncias de produção impeditivas da influência Já nos trechos a seguir, aparece delimita-
das pesquisas efetuadas, tais como o tempo da a abrangência da interferência:
do aluno na escola, seu nível socioeconômi-
co e as condições de trabalho do professor. Então... eu diria que houve um efeito em
Ainda encontramos representações centrali- centenas, milhares, talvez, de professores,
zadas nos parâmetros curriculares e no re- mas, não ainda, nas centenas e milhares
conhecimento dos limites de sua eficácia na necessários...

344 Maria José P. M. de ALMEIDA; Roberto NARDI. Relações entre pesquisa em ensino de Ciências e formação...
[...] não digo que teve um impacto... um im- de aula. Então, eu acho que muitas coisas
pacto quantitativo muito grande, não é? Isso, estão sendo passadas pra sala de aula [...].
de novo, eu digo que... a dificuldade que a Hoje nós temos materiais didáticos de Física
gente tem... de divulgar, de forma séria... que têm incorporado essa pesquisa. Acho que
agora... começa... a aparecer trabalho mais
Outros pesquisadores admitiram que a sistemático, mas claro que não é o país intei-
interferência ocorreria, mas basicamente nos ro; o país é muito grande.
professores do ensino superior:
Ainda no que se refere à interferência da
[...] eu acho que há um impacto na pesquisa na formação de professores, conside-
formação de professores universitários... ramos relevante registrar que um dos pesquisa-
agora, na atuação dos professores em sala dores, logo no início da entrevista, disse já se
de aula... ter dedicado a um estudo sistemático sobre essa
formação e sobre o que seria necessário para que
[...] mesmo as universidades menores estão a pesquisa tivesse efetivamente interferência no
sendo obrigadas a qualificar o seu pessoal, ensino. Essa manifestação reforça a opinião dos
ou a contratar gente qualificada, a nível autores deste estudo de que nele foi questionado
de mestrado, pelo menos... então, eu acho um assunto que fazia parte do universo de preo-
que a qualidade das pessoas que trabalham cupações dos pesquisadores da área.
na formação de professores tá... tá Também é interessante o registro de que,
aumentando... agora, eu também acho que, mesmo não tendo o entrevistador se referido
se me perguntasse: e o efeito no ensino? especificamente a recursos produzidos na área,
[...] Mas aí a coisa é mais complicada. dois dos treze entrevistados direcionaram suas
falas para os periódicos nela publicados:
Nos recortes a seguir, notamos a maneira
bem direta como dois pesquisadores entendiam Você leva em conta também as revistas,
a atuação da universidade em mudanças decor- então eles... essa produção toda deveria ter
rentes da pesquisa em ensino de Ciências: uma presença maior no ensino, né?... fun-
damental e médio.
[...] a modificação no currículo da licencia-
tura introduziu muito mais os resultados [...] uma revista que temos que dar mui-
das pesquisas em muitas, muitas discipli- to crédito [cita os editores do periódico]...
nas, várias... pelo menos eu, todo ano, te- bem, eu não sou personalista, mas eu gos-
nho várias disciplinas que, de alguma for- to de dar realmente crédito às pessoas que
ma, dizem respeito ao conhecimento que a merecem [...], porque o trabalho de formi-
própria comunidade produziu, né? guinha que têm feito, ao longo de todos
esses anos, deu uma mudança, de quanto
[...] na medida em que um aluno da licencia- para qualitativo, fabulosa; e a revista, que
tura... começa a se incorporar com um grupo sempre vi e ainda vejo, que os professores
de pesquisa em ensino dentro de uma uni- e os estudantes, me lembro, brigam por ela,
versidade, ele começa a... entrar um pouco querem ter ela.
no meio acadêmico... ele começa a ter outros
interesses, interesse em fazer o mestrado, em Para finalizar as representações suben-
fazer um doutorado, e ele não é aquele pro- tendidas nas falas dos pesquisadores entrevis-
fessor que vai pegar as 40, 50 horas sema- tados, reproduzimos a seguir um caso relatado
nais, mas ele é um atuante também na sala por um deles. Ao contá-lo, ele disse estar-se

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 2, p. 335-349, abr./jun. 2013. 345


lembrando do que ouvira de um professor pa- se formam professores no Brasil. Entretanto,
lestrante num dos simpósios de ensino de Física: eles não se limitaram a responder estritamente
à questão formulada, mas estenderam suas
[...] contando que, quando ele era aluno respostas, fazendo comentários que incluíram
da licenciatura, teve um professor na possibilidades e limites da pesquisa e da ação
disciplina, se não me falha a memória, de docente em diferentes níveis do ensino. Cabe
Estrutura da Matéria, que, logo no início aqui o reconhecimento de um processo de
do curso, perguntava a cada aluno se ele historicização. Segundo Orlandi (2012, p. 176),
era licenciatura ou era bacharelado. E
quando o aluno falava que era licenciatura, [...] é a necessidade da versão oral, da
ele já dizia: “Você está reprovado”. Isso é imagem enunciativa, que vai tomando
um elitismo incompreensível. Então, esse suas distâncias, que vai constituindo a
professor disse como esse tipo de atitude historicidade, a condição de possibilidade
marcou a ele e a outros colegas, que se do trabalho da interdiscursividade.
sentiam discriminados, antecipadamente,
por uma ideia, por uma visão deprimente Em tal processo, a diversidade de posi-
da tarefa de ensinar, que era tida, por essa ções dos pesquisadores pode ser notada nos ar-
pessoa, e é tida ainda, por alguns outros gumentos utilizados, presentes em suas memó-
físicos... como uma atividade menor. rias discursivas e manifestos em seus discursos.
Nas manifestações de um mesmo argumento
Como finalização dos recortes de falas por mais de um pesquisador, pode-se observar
dos pesquisadores, recortes estes aqui entendidos ênfases diferentes.
como discursos que apontam indícios de suas A partir das condições de produção das
representações, tal caso permite que se avalie a entrevistas, mas também levando em conta ou-
relevância que pode ter, para a autoimagem do tras condições de produção pertinentes às suas
futuro professor, o imaginário social sobre a pro- memórias discursivas, notamos a natureza dife-
fissão do docente do ensino básico manifesta por renciada das representações dos treze pesquisa-
aquele físico, seu professor. Tal imaginário social dores, o que aponta para a diversidade de suas
é atribuído pelo pesquisador entrevistado a al- reflexões e pode ser atribuído a concepções
guns físicos, mas pode ser estendido a parcelas educacionais, apoios teóricos, condições de tra-
maiores da população. Trata-se de algo que cer- balho e histórias de vida no meio educacional,
tamente contribui para a construção de autoima- aspectos que são diferentes de uns para outros.
gens, as quais precisam ser somadas aos fatores Aqui convém relembrar que os pesqui-
limitantes da influência da pesquisa em ensino sadores entrevistados foram os mais votados
de Ciências na formação do professor e, conse- por seus pares quando questionados sobre
quentemente, em seu desempenho profissional. quem consideravam que estava na área de
ensino de Ciências desde seu início, tendo in-
Considerações finais clusive contribuído para a construção dessa
área. Entretanto, em seu conjunto, os aspec-
Neste estudo, buscou-se compreender tos abordados pelos entrevistados constituem
discursos de pesquisadores do ensino da Física um amplo quadro configurativo de represen-
obtidos em entrevistas. Foram destacados tações que pode ser elemento de reflexão para
discursos em que esses pesquisadores outros pesquisadores. Acreditamos também
manifestaram algumas de suas representações que tais representações têm potencial de con-
sobre as possibilidades de interferência da tribuição para efetivas interferências na for-
pesquisa em ensino de Ciências na maneira como ma de realização de políticas públicas, sem a

346 Maria José P. M. de ALMEIDA; Roberto NARDI. Relações entre pesquisa em ensino de Ciências e formação...
necessidade do uso de prescrições e cada vez pesquisa e posições assumidas por um grupo sig-
menos com recomendações vazias. nificativo de pesquisadores da área de ensino de
Além disso, a diversidade de fatores e Ciências. Trata-se de uma diversidade de posições
argumentos que constituíram as respostas é manifestas quando eles foram interrogados sobre
bastante positiva. Ela é um indício da plurali- uma questão crucial do ensino – a formação do-
dade de resultados de investigação, de linhas de cente –, o que em muito enriquece essa área.

Referências

ALMEIDA, Maria José P. M. Prescrições e recomendações ao professor na solução de problemas do ensino na educação em
ciências. Ciência & Ensino, v. 1, n. 1, p. 47-51, dez. 2006.

______. Meio século de educação em ciências: foco nas recomendações ao professor de física. São Paulo: LF Editorial, 2012.

ALVES, Nilda (Org.). Formação de professores: pensar e fazer. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2004. (Questões da Nossa Época, 1).

BASTOS, Fernando; NARDI, Roberto (Orgs.). Formação de professores e práticas pedagógicas no ensino de ciências:
contribuições da pesquisa na área. São Paulo: Escrituras, 2008.

BECKER, Fernando. A epistemologia do professor: o cotidiano da escola. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1995.

BRZEZINSKI, Iria (Org.). Formação de professores: um desafio. Goiânia: UCG, 1997.

CADERNOS CEDES. Campinas: CEDES, n. 44 (O professor e o ensino: novos olhares), 1998.

CARVALHO, Anna Maria P.; GIL-PÉREZ, Daniel. Formação de professores de ciências: tendências e inovações. Tradução de
Sandra Valenzuela. São Paulo: Cortez Editora, 1993. (Coleção Questões da Nossa Época, v. 26).

CATANI, Denice B. et al. Universidade, escola e formação de professores. São Paulo: Brasiliense, 1986.

CONTRERAS, José. A autonomia de professores. Tradução de Sandra Trabucco Valenzuela. São Paulo: Cortez, 2002.

EDUCAÇÃO & SOCIEDADE: Revista Quadrimestral de Ciência da Educação. Campinas: CEDES, n. 68 (Formação de profissionais
da educação: políticas e tendências), 1999.

EDUCAÇÃO & SOCIEDADE: Revista Quadrimestral de Ciência da Educação. Campinas: CEDES, n. 74 (Dossiê “Os saberes dos
docentes e sua formação”), 2001.

FACCI, Marilda G. D. Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor? Um estudo crítico-comparativo da teoria do


professor reflexivo, do construtivismo e da psicologia vigotskiana. Campinas: Editores Associados, 2004. (Coleção Formação de
Professores).

FERACINE, Luiz. O professor como agente de mudança social. São Paulo: EPU, 1990.

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 2, p. 335-349, abr./jun. 2013. 347


GATTI, Bernadete. Formação de professores e carreira: problemas e movimentos de renovação. São Paulo: Autores
Associados, 1997.

GERALDI, Corinta M. G. et al. (Orgs.). Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado de Letras; Associação de Leitura
do Brasil, 1998.

GIOPPO, Christiane. A produção do saber docente no ensino de ciências: uma proposta de intervenção. Curitiba: IBPEX, 1999.

GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Tradução de Daniel Bueno.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

GOERGEN, Pedro; SAVIANI, Dermeval (Orgs.). Formação de professores: a experiência internacional sob o olhar brasileiro.
Campinas: Autores Associados; São Paulo: NUPES, 1998.

KINCHELOE, Joe L. A formação do professor como compromisso político: mapeando o pós-moderno. Tradução de Nize Maria
Campos Pellanda. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

KRASILCHIK, Myriam. O professor e o currículo das ciências. São Paulo: EPU; EDUSP, 1987.

MARTINS, Anita Viviani Martins. O professor como agente político. São Paulo: Edições Loyola, 1984.

MENEZES, Luis Carlos (Org.) Formação continuada de professores de ciências no âmbito ibero-americano. Campinas:
Autores Associados; São Paulo: NUPES, 1996a.

______ (Org.). Professores: formação e profissão. Campinas: Autores Associados; São Paulo: NUPES, 1996b.

MION, Rejane A.; SAITO, Carlos H. Investigação-ação: mudando o trabalho de formar professores. Ponta Grossa: Gráfica Planeta, 2001.

NARDI, Roberto; ALMEIDA, Maria José P. M. Investigação em ensino de ciências no Brasil segundo pesquisadores da área: alguns
fatores que lhe deram origem. Pro-Posições, Campinas, v. 18, n. 1 (52), p. 213-226, jan./abr. 2007.

NARDI; Roberto; BASTOS, Fernando; DINIZ, Renato E. da Silva (Orgs.). Pesquisas em ensino de ciências: contribuições para a
formação de professores. São Paulo: Escrituras, 2004.

ORLANDI, Eni P. Para quem é o discurso pedagógico. In: ______. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso.
São Paulo: Brasiliense. 1983. p. 18-31.

______. Discurso em análise: sujeito, sentido, ideologia. Campinas: Pontes, 2012.

OSTERMANN, Fernanda; MOREIRA, Marco Antonio. A física na formação de professores do ensino fundamental. Porto Alegre:
Editora da Universidade, 1999.

PEREIRA, Ricardo Marcelo. O avesso do modelo: bons professores e a psicanálise. Petrópolis: Vozes, 2003.

PERRENOUD, Philippe. A prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão pedagógica. Tradução de Claudia
Schilling. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.

PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Didática e formação de professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. São
Paulo: Cortez, 1997.

RANGEL, Mary. Representações e reflexões sobre o “bom professor”. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1996.

RIBEIRO, Maria Luisa Santos. A formação política do professor de 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez Editora, 1987.

ROSA, Maria Inês P. Investigação e ensino: articulações e possibilidades na formação de professores de ciências. Ijuí: Editora
Unijuí, 2004. (Coleção Educação em Química).

348 Maria José P. M. de ALMEIDA; Roberto NARDI. Relações entre pesquisa em ensino de Ciências e formação...
ROSA, Maria Inês P. Formar: encontros e trajetórias com professores de ciências. São Paulo: Escrituras, 2005.

SELLES, Sandra E.; FERREIRA, Márcia S. (Orgs.). Formação docente em ciências: memórias e práticas. Niterói: EDUFF, 2003.

TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude (Orgs.). O ofício de professor, perspectivas e desafios internacionais. Tradução de Lucy
Magalhães. Petrópolis: Vozes, 2008.

Recebido em: 01.03.2012

Aprovado em: 10.12.2012

Maria José P. M. de Almeida é professora titular no Departamento de Ensino e Práticas Culturais da Universidade Es-
tadual de Campinas (Unicamp), líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em Ciência e Ensino e atua junto ao programa de
pós-graduação da Faculdade de Educação e ao Programa de Pós-Graduação Multiunidades em Ensino de Ciências e
Matemática (PECIM), ambos da Unicamp.

Roberto Nardi é professor adjunto no Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual
Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), líder do Grupo de Pesquisa em Ensino de Ciências e atua no Programa de Pós-
Graduação em Educação para a Ciência, da UNESP.

Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 2, p. 335-349, abr./jun. 2013. 349

Você também pode gostar