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artigo

Articulando A Visão Sistêmica Com Os


Conceitos Fundamentais Da Política Atual
Para Álcool E Outras Drogas

ARTICULATING THE SYSTEMIC VIEW WITH THE BASIC CONCEPTS OF THE


CURRENT POLICY FOR ALCOHOL AND OTHER DRUGS

Resumo: Este artigo teórico tem como objetivo Abstract: This theoretical article aims to dis- Glacy Daiane B.
discutir possíveis articulações entre a abordagem cuss possible links between the systemic appro- Calassa
sistêmica e os conceitos fundamentais da Política ach and the fundamental concepts of the National
Psicóloga, pedagoga,
Nacional para a atenção aos usuários de álcool e Policy for attention to the users of alcohol and
terapeuta cognitiva,
outras drogas, do Ministério da Saúde. Apresenta other drugs, from the Ministry of Health of Brazil. especialista em educação
a visão sistêmica e a referida política com seus It presents a systemic view and the policy with para diversidade e cidadania,
dispositivos de atendimento que privilegia o sujei- their care devices that focus on singular subject Mestre em psicologia pela
to singular e a importância das relações em sua and the importance of relations in its constitution, Universidade Católica
constituição, apontando para os pontos de con- indicating the points of convergence between de Brasília. Psicóloga na
vergência entre elas. Discute conceitos de clínica them. Discusses integrated care, reference staff, Secretaria de Saúde do
ampliada, equipe de referência, rede intersetorial cross-sector network and network intervention Distrito Federal, atuando em
e intervenção em rede que ampliam a compreen- that enhance the understanding of the problem, um CAPS AD II.
são do problema, não culpabilizando o indivíduo e not blaming the individual and passing to contem-
passando a contemplar as relações. plate relations. Maria Aparecida
Penso
Palavras-chave: Visão sistêmica, clínica am- Keywords: Systemic vision, extended clinic, Psicóloga, terapeuta conjugal
pliada, equipe de referência e rede. reference staff and network. e familiar, psicodramatista.
Doutora em Psicologia pela
Universidade de Brasília.
Professora do Programa de
pós-graduação em Psicologia
O uso de álcool e outras drogas na perspectiva da abordagem sistêmica pressupõe da Universidade Católica de
a compreensão do sujeito como um ser “em relação” com seu contexto familiar, Brasília.
social, comunitário e econômico. A política pública atual do Ministério da Saúde
sobre álcool e outras drogas, lançada em 2003, por sua vez, preconiza a criação
de uma rede de serviços atuando de forma articulada, portanto, um olhar abran-
gente voltado para o contexto e a relação entre os diferentes serviços. Neste ar-
tigo, pretende-se discutir as convergências entre a citada política e a abordagem
sistêmica, compreendendo que ambas contribuem para uma visão mais ampla
e humanizada do usuário de álcool e outras drogas, focalizando na sua rede de
relações. Com relação à citada política, serão privilegiados os conceitos de clínica
ampliada, equipe de referência, intersetorialidade e articulação em rede, que são
fundamentais na atual política, buscando relacioná-los com os fundamentos da
teoria sistêmica.
A busca pela aproximação entre a abordagem sistêmica e a atual política vem
ao encontro da preocupação das autoras, atuantes na área de saúde mental e tera-
pia familiar sobre a necessidade de ampliação da compreensão do sujeito usuário
de álcool e outras drogas para além da responsabilização pessoal, incluindo o seu
contexto. Recebido em: 31/03/2015
Aprovado em: 11/12/2015

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Visão sistêmica sobre o uso de contexto, compreendendo a proble-
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drogas mática como relacional. Isto significa
dizer que a droga em si mesma não é
A compreensão e a implantação do o grande vilão, não tem vida própria
modelo de atenção a usuários de ál­cool e não toma as decisões a priori. Ela se
e outras drogas proposto na política constitui enquanto problema a partir
atual requerem a utilização de um pen- do momento em que encontra com
samento teórico e de metodologias que uma personalidade peculiar e com
não focalizem somente a doença, mas um momento sociocultural específico.
que consigam perceber a complexida- Portanto, é preciso considerar a histó-
de do ser humano e de suas ­relações. ria de vida do indivíduo, como ele se
Para a teoria sistêmica, os proble- relaciona com seus pares, com as pes-
mas decorrentes do uso de drogas soas com as quais conviveu e convive
precisam ser compreendidos a partir até hoje, qual a fase do ciclo de vida em
do reconhecimento de que as diferen- que a família se encontra, qual é a sua
tes faces deste problema não são uma rede social. Em resumo, numa pers-
soma de fatores, mas uma interação de pectiva sistêmica, o uso abusivo de ál-
diferentes formas e combinações. As- cool e outras drogas aponta um ques-
sim, leva-se em consideração a trilogia tionamento para além da pessoa do
homem-droga-contexto e valoriza-se usuário e se estende para uma reflexão
a ideia da complexidade (Sudbrack, relacional, junto a todas as pessoas en-
2014a). Não se baseia em encontrar ví- volvidas e aos significados atribuídos
timas ou algozes, causa ou efeito, mas no contexto relacional que promove
em compreender de forma circular as ressonância nos sistemas ampliados
relações entre todas as pessoas envolvi- (Baumkarten & Tatsch, 2009; Cruz
das. A droga não é mais vista como um & Roldão, 2011; Pereira & Sudbrack,
grande mal em si mesma e sim como 2008; Sudbrack, 2014b).
parte de um processo relacional e des- Dentro dessa perspectiva, o uso
sa forma, valoriza-se o sujeito como o abusivo de álcool e outras drogas é vis-
agente capaz de transformar sua histó- to como sintoma e não como doença.
ria (Penso, 2001; Sudbrack, 2014a). O Ele é a voz que denuncia à família, aos
uso de drogas é compreendido como profissionais e à sociedade as dificul-
tendo dois papéis distintos: ao mesmo dades do sistema familiar e social em
tempo em que favorece a manutenção lidar com suas diferenças. Deste modo,
e equilíbrio no sistema, indica que algo além dos aspectos de busca de prazer
deve mudar, pois está disfuncional. e alívio das dores (físicas e psíquicas)
Essa dinâmica entre transformação a droga também pode significar pro-
e equilíbrio os torna fatores únicos e cura por solução para dificuldades e
complementares (Conceição & Olivei- problemas. Redefinir o sintoma do
ra, 2008; Penso & Sudbrack, 2004a). uso abusivo de álcool e outras drogas
Pensar sobre o uso e/ou abuso de ál- desta forma significa compreender
cool e outras drogas na perspectiva da seu significado como uma força que
teoria sistêmica é privilegiar a constru- impulsiona mudanças, possibilitando
ção de significados em conjunto com um novo diálogo entre as famílias e
todos os atores envolvidos na situação. os contextos institucionais de trata-
Neste sentido, o uso de drogas deve mento (Baumkarten & Tatsch, 2009;
ser analisado contemplando as rela- Penso & Sudbrack, 2004a). Esta visão
ções que o sujeito estabelece com seu terá impactos na forma de abordar o

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usuário de álcool e outras drogas, pri- história, procurando a desconstru- Articulando a visão sistêmica
vilegiando a interdisciplinaridade, a ção e reconstrução do sintoma, num com os conceitos 47
fundamentais da política atual
intersetorialidade, e uma visão holís- arranjo gerador de um novo sentido para álcool e outras drogas
Glacy Daiane B. Calassa
tica para além do sujeito, onde cada (Baumkarten & Tatsch, 2009). Maria Aparecida Penso
profissional ultrapassa a compreensão Fora de uma abordagem sistêmica
isolada de sua disciplina e integra seu muitas teorias sobre uso de drogas não
conhecimento com os demais profis- permitem a integração da diversidade
sionais, em cooperação. Busca-se as- de dados, posicionamentos e contra-
sim um olhar mais amplo e integrado dições que caracterizam as relações
para compreender as conexões entre entre família, políticas públicas e o
os fenômenos e avançar rumo a uma uso abusivo de álcool e outras drogas.
visão complexa sobre o uso de álcool e Muitas vezes, em abordagens tradicio-
outras drogas (Sudbrack, 2014a). nais a compreensão sobre o consumo
O uso abusivo de álcool e outras de drogas fica limitada a uma relação
drogas remete a transformações e bus- linear de causa e efeito, negligencian-
ca de mudanças. Por meio de uma vi- do a complexidade das relações en-
são das possibilidades, a compreensão volvidas no fenômeno (Conceição &
do problema é dilatada, passando a Oliveira, 2008; Lins & Scarparo, 2010).
considerar novos contextos como a fa- Comparando os modelos de compre-
mília, instituições, comunidade, gru- ensão sobre o uso de álcool e outras
pos de pares e as redes. Logo, amplia- drogas, Sudbrack (2014b) faz um pa-
-se também as opções de intervenção e ralelo entre o que denomina enfoque
fica clara a necessidade da construção do medo, baseado em uma perspectiva
de outras narrativas, tanto pelos pro- tradicional e o modelo sistêmico, des-
fissionais, como pelos familiares e usu- crevendo as características essenciais
ários. Passa-se a perceber os sintomas de cada um, conforme tabela a seguir:
com diferentes significados e permite- Neste quadro, fica evidente a con-
-se ampliar as intervenções com mais tribuição da abordagem sistêmica no
criatividade e respeito ao usuário e sua sentido de deslocar a compreensão e

Tabela 1. Diferenças entre o enfoque do medo e o sistêmico


Enfoque do medo Enfoque sistêmico
Controle da oferta Redução da demanda
Preocupação em controlar a oferta de drogas ilícitas, com Preocupação em reduzir a procura por drogas, com limites para
pretensão de acabar com as drogas. crianças e jovens no acesso às drogas lícitas e ilícitas.
Controle externo Autonomia
Criminalização do usuário de drogas, com abordagem policial Conscientização da população sobre o uso de drogas lícitas e ilícitas.
centrada nas drogas ilícitas.
Amplificação da violência que gera insegurança e paralisia Ampliação do conhecimento e competência para ação
Ênfase no medo e nas ameaças, promovendo impotência e Ênfase na autoestima e na autoconfiança, promovendo iniciativas para
inércia. soluções criativas.
Abordagem isolada Abordagem integrada
Problema reduzido à questão do produto, atribuindo poder à Problema definido a partir do encontro de uma pessoa com um produto
substância sem considerar o sujeito. em um contexto sociocultural.
Repressão Educação
Prevenção centrada na fuga do problema, usando um dis­curso Prevenção centrada no conhecimento da realidade, quebrando tabus,
estereotipado e amedrontador, impondo posturas e decisões reconhecendo situações de risco, promovendo a opção pela saúde e
autoritárias. pela vida.
Questão individual Questão relacional
Envolvimento com drogas visto como um problema pessoal, Envolvimento com drogas visto como um problema de relações,
tratado como um processo patológico individual. tratado como processo de mudanças no contexto sociofamiliar.
Soluções hierarquizadas e parciais Soluções participativas e contextualizadas
Isolamento dos usuários do convívio social, transferindo o Mobilização dos recursos comunitários, construindo vínculos afetivos,
problema para especialistas. redes sociais, integrando os diferentes saberes.

Fonte: Sudbrack (2014b).

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a intervenção com usuários de álco- e políticas públicas que o sucederam,
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ol e outras drogas do indivíduo, para preconizavam atuações higienistas e
a sua condição de inserção e de per- repressoras. Em 2003, o Ministério
tencimento nos diferentes contextos da Saúde, em consonância com Lei
em que ele estabelece suas relações n. 10.216/2001 e Portaria GM/MS n.
afetivas e sociais. Certamente, essa 336/2001, afirmou seu compromisso
proposta desafia os profissionais que de enfrentar os problemas associados
atuam nos dispositivos previstos na ao consumo de álcool e outras drogas,
atual política a compreender o usuário considerando esta questão como um
e sua rede com um olhar relacional e problema de saúde pública e não mé-
construir formas de intervenção, que dico-psiquiátrico ou jurídico e adotan-
sejam contextualizadas à sua realida- do uma política baseada na perspecti-
de, incentivando e resgatando as ha- va da redução de danos, respeitando a
bilidades das pessoas, para que elas singularidade do sujeito.
se tornem cada vez mais criativas na A citada política sobre álcool e ou-
solução de seus problemas cotidianos tras drogas baseia-se em um modelo
(Sudbrack, 2014a, 2014b). que valoriza a interdisciplinaridade, a
Em resumo, a perspectiva sistêmica, intersetorialidade e a clínica amplia-
que compreende o sujeito inserido em da, preconizando a existência de uma
um contexto sociocultural ao qual in- equipe multidisciplinar para cada su-
fluencia e do qual recebe influências, jeito que frequente os serviços. A Por-
torna-se útil para discutir os conceitos taria GM/MS n.º 336/2002, por sua
da política atual do Ministério da Saú- vez, estabelece como principais servi-
de sobre álcool e outras drogas, pois ços os Centros de Atenção Psicossocial
ambos enfatizam a importância das re- (CAPS) nas seguintes modalidades de
lações. A seguir elaboramos um breve serviços: CAPS I, CAPS II e CAPS
histórico das legislações brasileiras so- III, definidos por ordem crescente de
bre a questão e a seguir procuraremos porte/complexidade e abrangência
apresentar conceitos fundamentais da populacional. Assim, o CAPS I atende
citada política que dialogam com esta população entre 20.000 e 70.000 ha-
perspectiva sistêmica. bitantes; o CAPS II atende população
entre 70.000 e 200.000 habitantes e o
CAPS III atende população acima de
A atual política do Ministério 200.000 habitantes. As três modalida-
da Saúde sobre álcool e outras des de serviços citadas devem estar ca-
drogas e os dispositivos pacitadas para realizar atendimento de
criados pacientes com transtornos mentais se-
veros e persistentes em sua área terri-
O Brasil tem um histórico de legisla- torial, em regime de tratamento inten-
ções e políticas públicas que conside- sivo, semi-intensivo e não-intensivo.
rava o usuário de álcool e outras como Além disso, a portaria prevê mais dois
irrecuperável e socialmente perigo- tipos de serviços especializados, os
so, e, portanto, deveria ser contido e Centros de Atenção Psicossocial para
trancado para receber tratamento. crianças e adolescentes (CAPS i) e os
Desde o Decreto 14.969, de 1921, que centros de atenção psicossocial para
o criou o sanatório para toxicômanos álcool e outras drogas (CAPS AD II)
(Brasil, 1921) para internar o usuário No entanto, os Centros de Atenção
de drogas, até posteriores legislações Psicossocial constituem-se como um

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dispositivo que devem estar articula- mente a doença, mas trazendo à tona Articulando a visão sistêmica
dos com uma ampla rede de serviços, a necessidade de trabalhar com o con- com os conceitos 49
fundamentais da política atual
em uma perspectiva sistêmica de fun- ceito de Clínica Ampliada, em que a te- para álcool e outras drogas
Glacy Daiane B. Calassa
cionamento integrado. Neste sentido, rapêutica não se restringe a fármacos, Maria Aparecida Penso
a Portaria 3.088 estabeleceu que essa mas inclui o poder da escuta e da pala-
rede precisa ser constituída pela Aten- vra, da educação em saúde e do apoio
ção Básica em Saúde (Unidade Básica psicossocial, necessitando, portanto,
de Saúde; equipe de atenção básica para de equipes interdisciplinares atuan-
populações específicas e Equipe de do nos serviços. (Campos & Amaral,
Consultório na Rua); Equipe de apoio 2007). Trabalhar na lógica da clínica
aos serviços do componente Atenção ampliada atende bem a proposta dessa
Residencial de Caráter Transitório política na medida em que trabalha a
(Centros de Convivência); Centros de ampliação e horizontalização da clí-
Atenção Psicossocial, nas suas diferen- nica inserida na dimensão cuidadora
tes modalidades; atenção de urgência integral, considerando diversos fatores
e emergência (SAMU 192; Sala de Es- como centrais para a configuração das
tabilização; UPA 24 horas; portas hos- práticas em saúde mental – políticos,
pitalares de atenção à urgência/pronto históricos, culturais, biológicos, psico-
socorro;, entre outros); atenção resi- lógicos e sociais – que devem ser leva-
dencial de caráter transitório (Unidade dos em consideração no atendimento
de Recolhimento; Serviços de Atenção a cada usuário (Campos & Amaral,
em Regime Residencial); atenção hos- 2007; Couto & Delgado, 2010; Reis &
pitalar (enfermaria especializada em Garcia, 2008).
Hospital Geral, serviço Hospitalar de Partindo-se dessa perspectiva,
Referência para Atenção às pessoas também, considera-se que uma úni-
com sofrimento ou transtorno men- ca instituição não consegue abarcar
tal e com necessidades decorrentes do toda a complexidade e diversidade
uso de crack, álcool e outras drogas); das problemáticas relacionadas ao uso
estratégias de desinstitucionalização abusivo de abusivo de álcool e outras
(Serviços Residenciais Terapêuticos) e drogas, sendo necessário o trabalho
reabilitação psicossocial. intersetorial. Portanto faz-se necessá-
rio buscar a articulação de saberes e
experiências para a solução sinérgica
Os conceitos de clínica de problemas complexos. Em resumo,
ampliada, equipe de referência, não é mais possível que uma institui-
rede intersetorial e a visão ção aja de forma hierarquizada, verti-
sistêmica calizada, piramidal e isolada da rede
no qual o indivíduo está inserido (Ino-
O modelo de atenção e tratamento josa, 2001).
preconizado pela atual política de ál- O conceito de clínica ampliada deve
cool e drogas, ao valorizar a clínica ser entendido como uma das diretri-
ampliada, o trabalho interdisciplinar, a zes impostas pelos princípios do Siste-
equipe de referencia e a rede interseto- ma Único de Saúde (SUS). Ampliar a
rial, se aproximam da teoria sistêmica, clínica implica ampliar o conceito de
como veremos a seguir. saúde, doença e tratamento; aumen-
A política atual de álcool e outras tar o grau de autonomia dos sujeitos;
drogas concebe o sujeito usuário de primar pelos direitos dos usuários e
forma mais ampla, não focando so- realizar a avaliação diagnóstica, con-

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siderando o saber interdisciplinar A proposta da clínica ampliada
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e a história de vida de cada sujeito e prevê alguns dispositivos que buscam
comunidade (Ministério da Saúde, integrar os saberes para uma interven-
2007). Este conceito pressupõe o su- ção mais efetiva, entre eles a equipe de
jeito como um ser em relação e busca referência (Cunha, 2009). A equipe de
identificar situações que ampliam o referência é um rearranjo organiza-
risco ou vulnerabilidade das pessoas. cional que retira o poder absoluto da
A partir desta perspectiva nenhum hierarquização de algumas profissões
sujeito será reduzido a sua patologia, e corporações de especialistas, para
ao contrário, será visto de acordo com reforçar a importância, o poder e a
sua história, seu discurso, sua episteme autonomia de gestão da equipe inter-
particular, seus arranjos subjetivos, disciplinar (Campos & Domitti, 2007).
seus sintomas e vias de superação, seu Dentro dessa perspectiva é necessário
território e quotidiano e as dificulda- priorizar a gestão referenciada a uma
des concretas acarretadas por sua pe- clientela, cuidar da construção de uma
culiar condição na existência. Neste interação positiva entre os profissio-
sentido, o trabalho na perspectiva da nais/profissionais e profissionais/pa-
clínica ampliada utiliza-se da concep- cientes, construindo objetivos, apesar
ção sistêmica relacional. das diferenças e não contra as diferen-
O enfoque de clínica ampliada pre- ças (Cunha, 2009).
coniza um método de trabalho que A equipe assim constituída é, ao
reconheça a complexidade e variabili- mesmo tempo, um dispositivo orga-
dade dos fatores e dos recursos envol- nizacional e uma metodologia para a
vidos em cada caso específico, seja ele gestão do trabalho em saúde que tem
um problema individual ou coletivo. por objetivo aumentar as alternativas
Isto só é possível com um trabalho em de realização de uma clínica ampliada
equipe interdisciplinar, que depende e de diálogo entre as diversas especiali-
de uma reforma cultural e do fomen- dades e profissões (Campos & Domitti,
to a um ambiente de trabalho aberto 2007). Dentro dessa proposta, ocorre a
a interdisciplinaridade (Campos & ruptura com o modelo médico centra-
Amaral, 2007). Para Campos e Domit- do nos aspectos biológicos e o trabalho
ti (2007) trabalhar por meio de uma passa a ser planejado de forma inter-
visão interdisciplinar supõe a ade- disciplinar. A equipe passa a modificar
são a um paradigma que vê processo as terapêuticas conforme a condução
saúde/doença/intervenção de modo do caso e dos resultados obtidos. O cri-
complexo, holístico e dinâmico. Fato tério de avaliação passa a ser se a inter-
nem sempre fácil de conseguir devido venção está sendo benéfica ou danosa
à hiperespecialização, onde os sabe- ao usuário (Silva & Fonseca, 2005).
res estão cada vez mais fragmentados, Trabalhar dessa forma significa com-
fazendo com que os profissionais te- preender que nenhuma especialidade,
nham dificuldade em compreender e de modo isolado, poderá oferecer uma
intervir em problemas complexos, po- abordagem integral ao paciente. Essa
lidisciplinares, transversais, multidi- metodologia pretende assegurar maior
mensionais, transnacionais e globais, eficácia e eficiência ao trabalho em
o que acaba prejudicando as possibili- saúde, assim como investir na cons-
dades de compreensão e de reflexão e trução da autonomia dos usuários. Sua
diminuindo as oportunidades de uma utilização como instrumento concreto
visão em longo prazo (Morin, 2003). e cotidiano pressupõe uma mudança

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do modo como se estruturam e fun- so adotar uma abordagem sistêmica Articulando a visão sistêmica
cionam serviços e sistemas de saúde de saúde e do ser humano, de acordo com os conceitos 51
fundamentais da política atual
(Campos & Domitti, 2007). com os pressupostos da clínica am- para álcool e outras drogas
Glacy Daiane B. Calassa
Os dispositivos previstos na política pliada e da equipe de referência. Tais Maria Aparecida Penso
atual do Ministério da Saúde sobre ál- pressupostos adéquam-se ao trabalho
cool e outras drogas, entre eles o CAPS intersetorial, numa perspectiva inter-
AD II, pressupõem um trabalho com- disciplinar de análise dos problemas,
plexo, com a implantação da clínica possibilitando o estabelecimento de
ampliada e a existência de equipes de um processo de diálogo entre os sujei-
referência, criando arranjos que permi- tos envolvidos e permitindo a identifi-
tam a atuação conjunta e singularizada cação da contribuição que cada profis-
entre profissionais, pacientes e seu ter- sional e instituição pode vir a aportar
ritório. Por isso, a equipe de referência no processo de intervenção (Teixeira
baseia seu funcionamento na formação & Paim, 2000).
de vínculo entre usuários e profissio- Com relação à perspectiva de traba-
nais e na coconstrução do tratamento. lho em rede e de forma intersetorial,
Na elaboração compartilhada do proje- numa visão sistêmica dos serviços os
to terapêutico, um profissional ou uma países nórdicos demonstram uma ex-
equipe interdisciplinar assume a res- periência peculiar. Assim como no
ponsabilidade do acompanhamento do Brasil, os serviços de atenção a usuá-
paciente em suas diferentes dimensões, rios de álcool e outras drogas desses
como: questões emocionais, familiares, países estão sob crescente pressão para
educacionais, habitacionais, laborais e desenvolver e coordenar serviços de
financeiras (Miranda & Onocko-Cam- melhor qualidade para os usuários.
pos, 2010). Assim, o profissional de Para investigar como os serviços têm
referência, em contínuo diálogo com se organizado, Næss, Opedal e Nesvåg
sua equipe técnica e com o usuário, (2014) realizaram uma pesquisa com
acompanha o projeto terapêutico sin- base em experiências em três cida-
gular, fazendo contatos com família do des nórdicas, Stavanger, na Noruega,
paciente e verificando regularmente os Umea, na Suécia e Aarhus, na Dina-
objetivos estabelecidos. marca. O estudo destaca o desenvol-
Segundo Schutz & Mioto (2010), vimento de serviços e quais os fatores
quando não existem equipes de re- que estão possibilitando inovações de
ferência, que atuem de forma inter- tratamento para usuários de álcool e
disciplinar e intersetorial, os serviços drogas.
são onerados pela desarticulação no Nos centros de tratamento das três
atendimento. As demandas dos usu- cidades pesquisadas os serviços desen-
ários, muitas vezes, são enviadas para volvem-se baseados no fortalecimento
diferentes setores da rede sem sucesso da liderança, que dá flexibilidade aos
no atendimento de suas necessidades. profissionais e autonomia para melho-
Ao mesmo tempo, pode ocorrer um rar os serviços. Em Aarhus, os servi-
paralelismo de ações, assim como a ços utilizam processos de aprendiza-
fragmentação e a ausência de coorde- gem de base local, com metodologias
nação do projeto terapêutico. Segundo de tratamento qualitativas, validadas
os autores, quando isto ocorre há um interna e externamente. Os autores
prejuízo na qualidade do tratamento. reafirmam a importância da descen-
Para evitar que situações como as tralização do processo de tomada de
descritas acima aconteçam, é preci- decisão e a autonomia na gestão. Os

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resultados da pesquisa demonstram Frente a tamanho desafio para que a
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também que existe um movimento em equipe de referência consiga se efeti-
direção ao trabalho em rede e os servi- var necessita de encontros periódicos
ços estão interconectados, permitindo e regulares para discussão de casos ou
que os profissionais atuem em outras problemas de saúde selecionados pela
unidades, como estratégia deliberada equipe e também a elaboração de pro-
de acesso a novas ideias, que é usada jetos terapêuticos. A equipe também
para desenvolver serviços. Na visão terá que fazer acordos sobre linhas de
dos autores isso é importante, pois intervenção para os vários profissio-
existem inúmeros desafios associados nais envolvidos (Campos & Domitti,
às questões intersetoriais que são ex- 2007).
perimentados por organizações que Claro que existem obstáculos es-
trabalham com a mesma temática. truturais para implementação dessas
Retomando o modelo brasileiro, equipes. Essas barreiras se efetivam na
a ser desenvolvido, a partir da atual própria forma como as organizações
política, dentro da lógica da interdis- estão se estruturando, com formas de
ciplinaridade, a equipe de referência agir que vão contra o modo interdis-
busca atingir objetivos comuns e é res- ciplinar e dialógico de operar. Assim,
ponsável pela realização de um con- para o sucesso dessa proposta de tra-
junto de tarefas, ainda que operando balho é necessário tempo e arranjos or-
com diversos modos de intervenção. ganizacionais que busquem diminuir a
Para que isto possa ocorrer com su- fragmentação imposta ao processo de
cesso, é importante que seja delegado trabalho decorrente da especialização
a essa equipe poder e autonomia (Bra- crescente em quase todas as áreas de
sil, 2009; Campos & Domitti, 2007). conhecimento. Para que a interdisci-
Este poder não é absoluto, porque há plinaridade ocorra de forma satisfató-
o poder dos gestores e usuários, ne- ria, gerando resultados de qualidade
cessários para o cumprimento da fun- nas intervenções, é importante facili-
ção de coordenação, de integração e tar a comunicação entre os diferentes
de avaliação do trabalho das distintas especialistas e profissionais e também
equipes de referência (Campos & Do- elaborar um sistema que produza um
mitti, 2007). Segundo estes autores, na compartilhamento de responsabili-
gestão do trabalho interdisciplinar em dades pelos casos e pela ação prática
equipes de referência deve haver uma e sistemática conforme cada proje-
clara definição da responsabilidade e to terapêutico específico (Campos
ampla possibilidade de construção de & Domitti, 2007). Para esses autores,
vínculo. Isto significa que um profis- o trabalho interdisciplinar depende
sional deve ser responsável pelo caso também de que as equipes consigam
e pela construção de uma lógica que lidar com a incerteza, além de terem
integre os diferentes serviços, departa- habilidades para receber e fazer críti-
mentos e profissionais. cas e para tomada de decisão de modo
A equipe de referência requer um compartilhado. Para isto a compreen-
espaço coletivo, de vínculo e diálo- são sistêmica de que cada profissional
go para discussão de casos clínicos, em sua especificidade só consegue en-
sanitários ou de gestão (Brasil, 2009; xergar uma parte da realidade é muito
Campos & Domitti, 2007). Assim, a importante (Vasconcellos, 2002).
instituição e as formas de atuar são Além da interdisciplinaridade, ou-
alteradas a partir dessa concepção. tro grande desafio que se coloca para

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as equipes de referência é o trabalho de proteção e de atenção aos usuários, Articulando a visão sistêmica
intersetorial, pois algumas das respos- dependentes de drogas, assim como com os conceitos 53
fundamentais da política atual
tas necessárias para o enfrentamento seus familiares, contribuindo para a para álcool e outras drogas
Glacy Daiane B. Calassa
dos problemas presentes na comuni- melhoria da qualidade de vida dessas Maria Aparecida Penso
dade estão nas diversas redes de prote- populações (Milanese, 2012).
ção formais e informais, existentes nas Para trabalhar na perspectiva inter-
comunidades e a integração entre elas setorial e em rede, é necessário elabo-
(Milanese, 2012; Sanicola, 2008; Slu- rar estratégias que perpassem os vá-
zki, 1997). Percebe-se dessa forma, que rios setores sociais, tanto do campo da
é impossível lidar com um problema saúde, quanto de outras políticas pú-
complexo como o uso de álcool e outras blicas e da sociedade como um todo.
drogas sem uma perspectiva interseto- Ou seja, os serviços de atenção à saúde
rial, em rede e com um olhar sistêmico, de usuários de álcool e outras drogas
compreendendo que cada profissional não devem fechar-se em si mesmos,
terá um olhar específico do problema reproduzindo a lógica manicomial;
e que precisará de outros olhares para ao contrário precisam ser encarados
complementar sua percepção. como sistemas abertos inseridos em
outros sistemas, com trocas de ener-
gia entre eles (Vasconcellos, 2002).
Intersetorialidade e Contudo, vale salientar que o trabalho
intervenção em rede de transitar entre a construção coleti-
va do tratamento e a relação íntima e
O pensamento sistêmico compreende espontânea com os pacientes no meio
que os fenômenos não ocorrem de for- social destes é uma tarefa delicada e
ma isolada, havendo uma intercone- árdua (Miranda & Onocko-Campos,
xão entre sua ocorrência e o contexto 2010).
e que cada sistema ou subsistema está Essa visão pactua ainda com um
inserido em um sistema maior (Ni- importante legado do SUS, que foi
chols & Schwartz, 2007; Vasconcellos, a ampliação da concepção de saúde,
2002). Neste sentido, o fenômeno do diante da qual o processo saúde-do-
uso abusivo de álcool e outras drogas ença passou a ser compreendido como
só pode ser compreendido e tratado produto e produtor de uma complexa
dentro da rede de relações em que rede, uma produção social compos-
ocorre. Em consonância com tal pre- ta de múltiplos fatores (Brasil, 2009).
missa a política atual de álcool e outras A Constituição Cidadã, no art. 196,
drogas pressupõe a criação de redes também afirma que saúde é direito de
intersetoriais de atenção aos usuários, todos e dever do Estado e estabelece
compreendidas como relações com- ainda um amplo conceito de saúde,
plexas que exigem a coexistência de afirmando que esta é produção social,
planos coletivos e individuais, inter- resultado de complexas redes que en-
nos e externos, rigorosamente éticos volvem elementos biológicos, subjeti-
e espontâneos (Miranda & Onocko- vos, sociais, econômicos, ambientais
-Campos, 2010). Essas redes se so- e culturais (Brasil, 1988). Este precei-
bressaem pelo seu grande potencial to constitucional lançou o desafio de
de mobilização e sua capacidade de mudar a cultura existente no país, pre-
transformar as comunidades, tendo dominantemente setorial para pensar
alto impacto em diversos aspectos da sistemicamente e atuar de forma inter-
vida das pessoas, pois criam sistemas disciplinar e intersetorial.

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As redes ligam sistemas e são teci- dos, podem gerar resultados positivos.
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das por vários sujeitos, em diferentes Esse tipo de intervenção considera que
momentos, podendo promover saúde, as pessoas vivem relacionadas umas às
bem-estar e qualidade de vida; ou ao outras dentro das redes. Um incidente
contrário, doença, e mal-estar, depen- crítico pode reforçar os laços já exis-
dendo de sua extensão, estrutura e ca- tentes ou alterar sua dinâmica natural.
pacidade de adaptação (Sluzki, 1997). Cada membro dentro desse contexto
A estruturação de redes é uma tarefa pode definir as necessidades e gerar
complexa e exige colocar em funcio- respostas adequadas às dificuldades
namento diversas tecnologias que que aparecem (Sanicola, 2008).
qualificam os encontros entre diferen- Sanicola (2008) coloca ainda que
tes serviços, especialidades e saberes. apesar de muitas demandas que che-
É preciso garantir que a cobertura em gam ao serviço serem de ordem cole-
saúde e a comunicação entre os servi- tiva, estas são transformadas em uma
ços se amplie para que os processos de questão individual e são tratadas dessa
atenção e gestão fiquem mais eficien- forma, com foco no indivíduo. Esse
tes, eficazes e que construam a inte- tipo de atuação gera desresponsabi-
gralidade da atenção. A integralidade lização do território e dependência
significa diálogo entre os serviços, os no usuário, tirando sua autonomia e
usuários e profissionais de saúde para inibindo atuações criativas dos profis-
que os projetos terapêuticos sejam sionais. Assim deixa-se de olhar, ex-
realizados por meio da compreensão plorar e intervir na rede de criar laços
dos usuários e das necessidades por e corresponsabilização. A proposta,
ele apresentadas. Trata-se de uma vi- portanto, é a saída da sede do serviço
são que compreende o usuário como e a busca, na sociedade, de vínculos
protagonista e sujeito em sua totali- que completem e ampliem os recursos
dade. São esses processos de interação existentes. É no dia a dia do território
entre os serviços e destes com outros que o apoio mútuo, a fraternidade, a
movimentos e políticas sociais que fa- rejeição e o preconceito são construí­
zem com que as redes de atenção se- dos. Intervir no território significa
jam sempre produtoras de saúde num modificar o lugar social do usuário de
dado território (Brasil, 2009). Por álcool e drogas (Amarante, 2013).
conseguinte, percebe-se que trabalhar Em resumo, o trabalho em rede
em rede requer uma nova cultura, que e intersetorial pressupõe uma visão
se caracteriza por socializar o poder, sistêmica relacional que considere as
negociar, trabalhar com autonomias relações entre diferentes sistemas. No
e flexibilizar posturas. Comunicação caso da atenção ao usuário de álcool
e articulação são habilidades funda- e outras drogas, este trabalho precisa
mentais no trabalho em rede. Ações ocorrer contemplando toda a rede de
intersetoriais retiram as instituições relações do sujeito.
de seu isolamento e asseguram uma
intervenção agregadora e inclusiva
(Gonçalves & Guará, 2010). CONSIDERAÇÕES FINAIS
A intervenção em rede permite a uti-
lização dos recursos do tecido social do Buscou-se neste artigo articular os
qual as pessoas fazem parte, utilizando conceitos da política atual de álcool e
o potencial e as habilidades das pessoas outras drogas com a teoria sistêmica,
que, quando oportunamente canaliza- para a qual a dependência de drogas

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é compreendida como um fenôme- Baumkarten, S., & Tatsch, D. T. (2009). Articulando a visão sistêmica
no social complexo, que não pode ser A psicologia e as intervenções fa- com os conceitos 55
fundamentais da política atual
compreendido de forma reducionista e miliares na drogadição: o sintoma para álcool e outras drogas
Glacy Daiane B. Calassa
simplista. A referência às drogas nessa como mensagem da necessidade de Maria Aparecida Penso
perspectiva é vista dentro de seu con- mudança. In XV Encontro Nacional
texto relacional e não reduzida a expli- da ABRAPSO. Maceió: ABRAPSO.
cações de causa e efeito. Dessa maneira, Brasil. (1921). Decreto no 14.969, de
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e suas relações. Neste sentido, a teoria do. (2007). A clínica ampliada e
sistêmica dialoga muito bem com a po- compartilhada, a gestão democrá-
lítica sobre álcool e outras drogas. tica e redes de atenção como refe-
Por outro lado, um conhecimento renciais teórico-operacionais para
profundo da política atual de álcool a reforma do hospital. Ciência &
e drogas pode ajudar terapeutas fa- Saúde Coletiva, 12(4). doi:10.1590/
miliares que trabalham com famílias S1413-81232007000400007
de usuários de álcool e drogas, seja Campos, G. W. de S., & Domitti, A. C.
em seus consultórios, seja em orga- (2007). Apoio matricial e equipe de
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