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O outro lado das gangues

Resumo

O presente trabalho, intitulado: O outro lado da gangue tem como objectivo geral:
Apresentar os resultados de uma pesquisa de licenciatura realiada com adolescentes e
jovens de gangues do município do Dande, província do Bengo. A pesquisa foi
realizada no Bengo com recurso à etnografia psicológica, por meio de entrevistas (semi-
estruturada). Participaram 10 membros de gangues, com as faixas etárias compreendidas
entre 14 e 30 anos, todos do sexo masculino, residentes na província do Bengo,
município do Dande, distribuídos pelos diversos bairros como: Mifuma, Cawango,
Riceno, Kijoão Mendes, Kitonhi, Kikuxi, Kimaria, Kigunguo, entre outros. Todos eles
pertencentes a diferentes gangues. Como principais resultados, destacamos: as gangues
parecem oferecer vantagens concretas para os seus membros, tais como: apoio
emocional e afectivo, uma alternativa de sobrevivência para os que não têm emprego,
protecção para si e seus familiares, entre outros. Os jovens são forçados a entrar para as
gangues por se sentirem marginalizados pela sociedade criando, deste modo, seus
próprios estilos de vida. Entendemos que se o Estado criar políticas que favoreçam a
todos, garantias de segurança para cada cidadão, ambientes que promovam segurança,
protecção e lazer para todas as famílias independentemente dos seus status e um
ambiente social que tranquilize cada um, isso ajudaria a diminuir o poder de sedução
das gangues.

Palavras-chave: Gangue, menores em conflito com a lei, Dande.

Introdução

No âmbito da Extensão Universitária em Angola, na ESP-Bengo, através do


Observatório da Educação e Desenvolvimento Social (OBEDS) surgiram vários
projectos de carácter educativo para a transformação social, criando-se assim uma ponte
entre a escola e a comunidade, promovendo a resolução de problemas sociais mediante
o protagonismo estudantil. Dentre estes projectos está o “Reflorescer”, cujo objectivo
passa por trabalhar na reeducação, ressocialização e reinserção de menores em conflito
com a lei e no apoio psicossocial de crianças vítimas de violência doméstica. A
investigação que resultou neste trabalho surge integrada nesse projecto do qual o grupo
de investigadores faz parte.

Caracterização da realidade criminal em Angola


A criminalidade propala-se por todo o mundo. Em Angola, é consensual entre os
investigadores afirmar-se que aspectos socioculturais em conjugação com ambientes

1
familiares disfuncionais, bem como a baixa escolaridade, contribuem decisivamente
para a delinquência juvenil (Carvalho, 2010; Veloso, 2014; Pimenta, 2010).
Pode-se hipotetizar que a memória dos conflitos armados em Angola produziu
na sociedade a ideia de que diferenças de ideais e posturas e as questões de
desigualdade possam ser resolvidas pela violência. Neste sentido, não seria demais dizer
que a criminalidade entre os jovens pode ser parcialmente explicada por essa memória
de violência, posto que a situação deixou traumas que ainda parecem não ter sido
totalmente superados pela sociedade angolana.
Dizer que a criminalidade tem relação com a história recente do país é
reconhecer que os conflitos políticos e a sua má resolução afectam, de modo
imprevisível, o tecido social. Outra consequência concreta diz respeito ao facto de que
quanto mais se investia na guerra, tanto menos se investia na educação, que como se
sabe é a melhor forma de preparar os jovens para procurarem soluções mais adequadas
aos seus problemas.
Estima-se que durante aquele período, o número de mortes rondou os 800.000
(oitocentos mil), criando cerca de 4.000.000 (quatro milhões) de deslocados internos
que tenham abandonado as suas casas para se refugiarem nas áreas tidas como as
seguras do território nacional, facto que afectou e deturpou fortemente os valores que
regiam as famílias, revela o relatório sobre o sistema de justiça para crianças, Angola
Unicef (2016).
Apesar de se estar numa época pós-guerra, ainda se vive as consequências da
época contrária, porque atrás deste fenómeno social também se nota a crise de valores
morais que, outrora, contribuía para a harmonia social. “Grande parte das famílias
angolanas que perdeu irmãos, pais e amigos, não teve a oportunidade de receber o
devido acompanhamento ou aconselhamento por parte de especialistas (psicólogos,
sociólogos)” (Veloso, 2014, p.57), por falta de políticas públicas que no período pós-
guerra pudessem servir para ajudar a ultrapassar esses traumas, muitas vezes sublimados
na violência e criminalidade social, ou seja, não tendo espaço nem lugar para exprimir a
sua dor, muitas vezes, os sobreviventes fazem-no por meio da violência.
A Unicef (2016), apresenta, em seu relatório sobre o sistema de justiça para as
crianças em Angola, um índice de criminalidade entre jovens, que merece atenção. A
faixa etária que mais se encontra em conflito com a lei corresponde a crianças entre os
13 e 15 anos de idade, com relatos frequentes de assaltos e pequenos furtos (39% e 23%
2
respectivamente) assim como assassinatos. Sendo que este relatório define os mesmo
como menores de 18 anos de idades que tenham cometido crime.
As brutalidades de tais actos incentivaram a sociedade a adoptar justiça por
mãos próprias (quando o delinquente, é brutalmente torturado e carbonizado até a
morte) (Ndomba e Oliveira, 2016). De acordo com Strech, (2003) apud Tavares (2016),
acto muitas vezes presenciado por menores. Estes episódios podem, então, contribuir
para o desajustamento do comportamento dos mesmos e “a ausência de instituições e
dinâmicas sociais junto destas populações dificulta a saída deste ciclo vicioso” Veloso
(2014, p.59).
Vários crimes bárbaros são consumados não apenas pelos delinquentes das
gangues, mas, também, por pessoas próximas (crimes passionais, mãe matar o seu
próprio filho por comer sem a sua permissão prévia, neto matar a sua avó, filho morto
pela mãe por perder o telefone, por exemplo)1.
“A taxa de delitos cometidos por crianças aumentou nos últimos 3 anos e
reflecte tanto a crise económica como o aumento paralelo do desemprego e o colapso
das estruturas sociais e familiares,” destaca o relatório da Unicef (2016, p.11).
A retirada considerável de alguns jovens do mercado do empregado para o
desemprego sem alternativa para a sua sobrevivência, cultivou nestes, frustrações que os
leva a um desequilíbrio emocional. A pancadaria vai tornando-se no pequeno-almoço de
algumas famílias e com alguma intensidade enfermam a sociedade angolana. Todavia,
sob o olhar atento, tal situação demonstra nada mais que reflexos de condições
históricas, sociais e psicológicas.
Destacar que os dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística
(INE) em 2018 no anuário de estatísticas sociais feitas em 2013-2016, quanto à
criminalidade apontam que, Angola em 2013, registou-se cerca de 41.022 crimes; 1.644
(2,8%) foram registados na província do Bengo, sendo os crimes frequentes: violência
(24 casos), furto (204 casos), roubos (58 casos) e o uso de drogas (73 casos).
Em 2014, registou-se um número reduzido de crimes em todo território,
comparativamente ao ano anterior com um total de 39.882 crimes, mas, tendo
acrescentado a percentagem para a província do Bengo, de 2,8% para 3,2% no total de
1.284 crimes. O mesmo anuário do INE avança ainda que, no ano de 2015, Angola
registou cerca de 40.942 crimes, sendo 997 (2,4%) da província do Bengo dos quais se

1
Informação disponibilizada pelo Jornal de Angola, recuperado em 07 de Setembro de 2020.
3
destacam com maiores números a violência (32 casos), furtos (60 casos) roubos (204
casos) e sem registo de crimes por drogas.
É importante destacar que, em relação aos dados apresentados pelo INE
relativamente aos crimes por drogas no ano de 2015, não se sabe ao certo os reais
motivos da ausência de registo. Dado que chamou a atenção dos investigadores desse
trabalho, pois não se sabe se esta ausência se dá pelo facto de os menores deixarem de
consumir drogas naquele ano, ou, ainda, se é pelo facto de terem feito o uso de
estupefacientes ou por falta de notificação às autoridades policiais. A única informação
avançada foi que em 2015 não houve registos de crimes por drogas a nível da província
(Bengo).
Em 2016, os dados apontavam para mais de 43.545 crimes registados no país. E
cerca de 877 na província do Bengo, com uma percentagem de 2,0% em relação aos
anos anteriores, tendo os crimes de furtos 200 casos e os de ofensas corporais 195 casos.
Pode fazer-se uma reflexão sobre as diferenças de percentagens dos números de
crimes por ano na província do Bengo a partir de alguns factos, como se poderá
verificar a seguir: desde o ano de 2011-2016, houve a criação de alguns programas
sociais emergenciais em algumas regiões do país, designadamente, terapia ocupacional,
cesta básica e o programa de melhorias das condições habitacionais segundo o anuário
de estátisticas sociais (2018).
A província do Bengo, em 2013 beneficiou do programa de melhorias das
condições habitacionais, tendo atendido nesse ano cerca de 450 famílias. Surgiram na
província políticas internas de actuação quanto a criminalidade a destacar o trabalho de
sensibilização junto das comunidades ou bairros e aplicação rigorosa da acção de
recolha de armas ligeiras e de pequeno porte em posse ilegal de cidadão, contribuindo
para a redução de actos violentos e uso das armas por parte dos marginais na realização
das suas acções criminosas.

Desde a implementação do programa de acção do governo sobre o


desarmamento da população civil foram entregues e recolhidas na província
4.978 armas de fogo de diversos calibres, 23.830 munições, 1.399
carregadores, 496 explosivos, 26 projécteis de lança granadas, bem como a
descoberta de dois paióis e esconderijos de armas […] e a redução da
capacidade de o indivíduo pensar que é capaz de empreender actos violentos
e manter-se impune (ANGOP (2013, s/p).

Medidas de apoio ou protecção social bem como de sensibilização terão


contribuído de certa forma para uma percentagem mínima de 2,8% no ano de 2013.
4
Ao passo que, em 2014, a subida da percentagem de crimes de 2,8% para 3,2%
poderá ter sido por conta da crise económica que se registou no País, e o Bengo não foi
excepção.
O que terá desencadeado várias implicações sociais, tanto que afectou
substancialmente as tais ditas “mixas” ou seja, o trabalho informal, sendo a fonte de
rendimentos de muitos jovens, levando estes a casa sem terem como sobreviver. Por
outro, na altura, não havia espaços de lazer para a população, levando a adopção de
diferentes maneiras de ocupar o seu tempo e de se reinventar.
Frisar que no ano seguinte, alguns movimentos juvenis intensificaram as suas
actividades com realce ao movimento literário e artístico Lev’Arte-Bengo, facto que
terá contribuído na ocupação de muitos jovens nesta região; assim como o programa
Tussanguluka que visava aumentar presença na via pública dos funcionários do
MININT no Bengo e a estratégia motivacional para os efectivos do Ministério do
Interior “o Concurso prémio Azul”, garantindo, assim, uma a actuação de maior
sensibilização junto à comunidade. Estes acontecimentos resultaram na redução da
percentagem de crimes de 3,2% para 2,4%.
Contudo, estes elementos terão concorrido para as diferenças das percentagens
dos crimes na província do Bengo. O aumento de crimes poderá ter sido devido à crise
económica, o relaxamento quanto ao cumprimento com rigorosidade das medidas de
protecção e apoio social e programas do MININT no Bengo, levados a cabo para se
diminuir a situação da criminalidade nesta província.

Origem das gangues


É difícil falar com precisão sobre o surgimento das gangues. Alguns autores,
como Johnson & Muhlhausen (2005) apud Moreira (2012), afirmam que as gangues
têm estado entre nós desde a existência da civilização. Na Europa, por exemplo, pode-se
verificar o surgimento das gangues, a partir do século XIV, enquanto nos Estados
Unidos da América, desde o século XVIII, vindo a aumentar nos últimos trintas anos
por conta da sua diversidade, multiplicidade das actividades criminosas, afectando
quase todos os países do mundo Cahill & Hayeslip (2010) apud Moreira (2012).
Não é uma tarefa fácil chegar a uma definição consensual de gangues, pois cada
gangue apresenta suas particularidades a olhar para as formas de tratamentos, critérios

5
de selecção, locais e tipos de liderança. O termo gangue é a versão portuguesa da
palavra inglesa gang, que significa “turma ou grupo”.
Consideradas como um fenómeno subjectivo de teorização na criminologia, as
gangues juvenis têm vindo a ser definidas por inúmeros autores, existindo diversidade
de definições. Pode-se, por exemplo, verificar esta complexidade na definição
apresentada por (Lord e colegas, 2010) apud Moreira, 2012, p.14):

Referem as gangues como um grupo com três ou mais indivíduos, que têm
uma identidade distinta (tomando a forma de um símbolo ou de uma
característica em comum), que comete/cometeu crime generalizado ou tem
comportamentos caracterizados como antissociais ou marginais, sendo parte
da sua identidade de pertença a este grupo.

Assim, pode-se considerar a gangue como um conjunto de pessoas de diversas


faixas etárias com comportamentos perturbadores do ambiente social, caracterizados
como rebeldes ou criminosos, partilhando as normas construídas e estabelecidas pelos
mesmos e que retêm os seus membros por vários meios. A aceitação pelo grupo é feita
por diversos processos, sendo os futuros integrantes submetidos a juramentos
considerados inquebráveis como garantia de permanência.
Apesar de não ser avançada nenhuma definição que seja universal sobre as
gangues, a mais aceite entre os investigadores é a apresentada por Klein, (1971) apud
Moreira (2012, p.14) que se refere às gangues:

Como qualquer grupo de jovens adolescentes geralmente perpetradores de


agressão distinta para com outros na sua zona de residência, auto intitulados
como um grupo, normalmente com um nome distintivo, constantemente
envolvido em suficiente número de incidentes caracterizados como
delinquentes ou criminais e com reconhecimento negativo constante pela
comunidade ou agentes de segurança.

Esta definição apresenta uma perspectiva diferente sobre as gangues,


considerando-as como um grupo que actua de forma isolada nas regiões já identificadas
e em pessoas conhecidas, pois entre as gangues existe delimitação geográfica. Por isso,
para actuar deve -se conhecer a área, por formas a não incorrer em grandes riscos, não
apenas pela comunidade, mas também por uma outra gangue da zona.
No entanto, para os autores citados, o conceito de gangues é atribuído, em
muitos casos, à grupo de indivíduos com modo de vida diferente dos demais, com uma
identidade peculiar e que, normalmente, detém um nome ou símbolo caracterizador e,
acima de tudo, perturbadores da convivência colectiva.

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Mecanismos de atracção e retenção das gangues
As palavras “atrair” e “reter” derivam do latim (attraho e retineo), onde “atrair”
significa encantar, despertar ou exercer atracção sobre algo. Já “reter” significa manter,
segurar, para que não escape ou escorregue.
Importa realçar que existem várias abordagens em torno das gangues. Os autores
(Carvalho, 2010; Nardi & Dell’aglio, 2010; Cymrot, 2011) não são unânimes quanto a
expressão própria para indicar as estratégias que as gangues usam, assim como
identificar de maneira discriminada as mesmas. Os autores acima mencionados usam as
expressões: formas, meios ou métodos para indicar o que as gangues fazem para muitos
aderirem a elas. Assim sendo, procurou-se identificar e descrever as diferentes maneiras
que as gangues usam para atrair e reter os novos membros, adoptando-se a expressão
“mecanismo” por se entender ser no caso a mais adequada ao fenómeno que se deseja
investigar e compreender.
Cada gangue, dependendo da sua localização territorial, constituição e padrão de
conduta, usa formas de atrair e reter os membros para que continue em funcionamento
ou em acção. Neste sentido, apresentam os seguintes mecanismos de retenção e
atracção: Festas de rua, ser consumidor de drogas, ser corajoso, juramento de fidelidade,
garantia de protecção e por último a remuneração, sobres os quais se irá debruçar a
seguir.

Festas de rua
As gangues, às vezes, são o epicentro da realização das actividades culturais de
que os jovens gostam. Sendo assim, atraem os menores realizando festas, ou ainda se
aproveitando das maratonas e diferentes actividades culturais realizadas nas
comunidades que, por vezes, terminam em roubos, vendas ilegais de drogas, lutas entre
as gangues, entre outros crimes (Cymrot, 2011).
Estas actividades são aproveitadas pelas gangues como mecanismo para atrair a
atenção dos demais, principalmente, dos menores. Grabianowski (2006) sugere que uma
das razões para que as gangues recrutem menores, estes que começam a segui-los para
objectivos próprios, está no facto de crianças atraírem menor atenção da polícia e que
quando são pegas cumprem penas mais curtas, ou apenas medidas socioeducativas.

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Assim, as gangues usam-nas no transporte de drogas e armas e às vezes para o
cometimento de outros tipos de crime.

Ser consumidor de drogas


Por meio das festas de rua são apresentadas aos adolescentes as drogas. As
gangues têm o produto e o oferecem aos adolescentes. O uso das drogas ajuda a
aproximação entre os membros da mesma gangue e também com membros de outras. O
uso das drogas também inspira confiança e comprometimento do indivíduo com o
grupo. É muito difícil pertencer a uma gangue e não utilizar pelo menos uma droga,
pelo que causa estranheza do grupo e pode conduzir à quebra da confiança em relação à
solidariedade e coesão internas temendo que seja alguém infiltrado (Carvalho, 2010).
Neste mecanismo, ocorrem três procedimentos que podem ser explicados pela
dinâmica do “observar, comprar e consumir”.
Num primeiro momento, o menor vai apenas observar o que os outros fazem, o
modo como são comercializadas as drogas, o sigilo necessário, que tipos de drogas usar.
Começando, por isso, a ganhar o interesse em saber o que acontece quando consumida,
o que os faz ficar em êxtase, deixando-os mais livres e à vontade para fazer
determinadas coisas que em condições normais são mais difíceis.
Isto desperta, de facto, interesses dos menores, sobretudo daqueles mais
retraídos e curiosos, levando-os assim a desenvolver os outros procedimentos: comprar
e consumir. Nesta fase, o menor acaba por consumir estas substâncias para satisfazer o
desejo por formas a exteriorizar as ideias recônditas. Mas, vale aqui referir que o
consumo pode ser de forma pessoal, ou por coação feita por parte da gangue como
demonstração de lealdade e comprometimento ao grupo.
Muito além do prazer em experimentar a droga, o menor que procura a gangue
para obter os bens pela via mais fácil, vê na comercialização das drogas o seu “ganha-
pão”. O menor, coagido a entrar no grupo e passando por estas fases, vai apresentar
comportamentos anti-sociais, tornando-se, então, num membro auxiliar das gangues
tendo no futuro várias consequências.

Ser Corajoso
Neste, o jovem que tenciona entrar na gangue deve mostrar-se corajoso, capaz
de enfrentar qualquer situação, mesmo sabendo que a sua vida ou a dos familiares
8
estejam em risco. O ser corajoso para quem pondera pertencer a uma gangue serve
como um teste. (Cymrot, 2011)
O líder do grupo manda realizar diversas tarefas para a demonstração da
coragem do candidato ao crime. Tais acções acontecem, geralmente, na comunidade
(em particular nas instituições de ensino, durante os intervalos lectivos, por exemplo)
onde o líder do grupo manda fazer coisas como: esperar alunos para insultá-los, receber
materiais escolares ou dinheiro, roupas, calçados ou outros bens que tenham em sua
posse para demonstrar que o indivíduo é corajoso e agressivo. Se o adolescente for bem
sucedido é aceite a gangue (Carvalho, 2010).
Apesar disso, a entrada para uma gangue faz-se, normalmente, por meio de um
dos seus integrantes, por amizade ou a partir da constatação de que se trata de um jovem
corajoso, disposto à acção em benefício do grupo e sem se importar com as
consequências que daí advenham (Carvalho, 2010).
Este mecanismo entra em consonância com a “lei de silêncio” que vigora dentro
das gangues e leva os seus integrantes a um total silêncio quando capturados pelas
autoridades ou por grupos rivais. Aqui se revela o ser corajoso e a disposição que o
membro tem para salvaguardar as informações e os interesses do grupo.
Alinha-se, para os propósitos desta investigação, aos pensamentos de (Melde &
Esbensen, 2011), quando entendem que a principal preocupação com as gangues juvenis
prende-se com o facto de os jovens que as integram, demonstrarem uma elevada
tendência para a violência”. A tortura é tida como uma fase de treinamento, a sua
resistência bem como a execução, passa a ser uma demonstração da capacidade do
futuro membro da gangue.

Juramento de fidelidade
Neste mecanismo de retenção, o jovem infractor deve fazer juramentos e ser fiel
ao grupo. Este processo é considerado entre as máfias e gangues mais organizadas de
omertà, palavra originária do sul da Itália, é um código de honra que dá importância ao
silêncio, proibição de cooperação com as autoridades, a não interferência nos negócios
de outros membros e gangues, entre outras acções que possam vir colocar a integridade
do grupo em risco.2

2
Informação disponível em Estilo Gangster. Blog: Qualidade de ser homem. O que é Omertá?

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O não cumprimento do código coloca a vida do sujeito e seus familiares directos
em risco, chegando à morte em situações mais extremas. Por esta razão, a lei do silêncio
é um dos códigos mais honrosos entre os criminosos, não só pelas tortuosidades que o
transgressor poderá receber, mas por ser uma qualidade insubstituível de todo o
membro.
Há aqui um dado interessante a olhar para a percepção de que os mesmos se
recusam a seguir as normas. Na verdade, esses jovens aceitam seguir as normas, leis e
padrões de conduta do grupo de que fazem parte, tanto que mesmo com torturas graves,
ameaças perigosas sobre seus familiares manifestam-se fiéis ao juramento feito. Por
outras palavras, demonstram o forte comprometimento ao grupo, estando até dispostos a
morrer em nome da gangue. Contudo, aos olhos da sociedade, estes jovens são
caracterizados como rebeldes e delinquentes, por não agirem em conformidade com as
normas socialmente aceites.

Garantia de protecção
Este mecanismo é usado para atrair e reter os membros, pois as gangues
oferecem ao jovem protecção e segurança para si e para as pessoas próximas. A
sensação de se sentir assegurado por um grupo, que é temido por muitos, torna-se num
factor atraente para a incidência ao mundo da criminalidade por alegada “consideração”
por parte da sociedade. (Cymrot, 2011). Às vezes, quando o membro é capturado pelas
autoridades, as gangues garantem a sua protecção até mesmo no estabelecimento
prisional, pois por incrível que pareça, as gangues têm contactos dentro desses recintos.
Contudo, esta protecção pode tornar-se trágica quando o mesmo não
corresponder com o padrão da gangue, ou até mesmo querer sair do grupo. É, realmente,
um mundo com o conhecimento fácil da porta de entrada, a de saída é quase que
impossível.

Remuneração
Por último, apresenta-se o mecanismo de remuneração, que serve para atrair e
reter. Muitas gangues existem principalmente como um empreendimento lucrativo, elas
realizam actividades diversas ilícitas (assaltos, tráficos de drogas e de seres humanos,
lavagem de dinheiro) o jovem entende que estando numa gangue poderá ter maior
facilidade de ostentar o que almeja (Grabianowiski, 2006).
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Os membros da gangue são, muitas vezes, remunerados, sendo que os mais
dedicados e obedientes recebem prémios extras. Quanto ao cronograma salarial varia,
podem receber após cada acção (assalto), pode ser diário ou mensal, ou seja, a
remuneração depende muito da organização de cada gangue (Carvalho, 2010).
Esta forma revela o valor e a utilidade do jovem que, muitas vezes, a sociedade
não reconhece, aliciando a sua permanência. E em alguns casos, o adolescente ou o
jovem encontra nesse ambiente a oportunidade de ter um emprego que nas políticas do
Estado não encontra, embora ilícito.
Jovens que se encontram em condição de vulnerabilidade e estejam diante do
dilema da falta de dinheiro, desempregos, fome, desprezo por parte da família,
profissão, ostentação e rejeição social podem recorrer ao crime se não conseguirem
ganhar o suficiente com um emprego que seja legítimo. “Isso explica em parte por que
as gangues existem em áreas pobres e degradadas das cidades. No entanto, nem todo
mundo pobre entra para uma gangue, e nem todo membro de gangue é pobre”
Grabianowiski (2006, p. 6).

Realidade das gangues em Angola


As gangues são uma realidade de algumas cidades angolanas, apesar de as
mesmas nem sempre estarem necessariamente ligados a actividades criminosas. Eram
grupos de adolescentes e jovens normalmente de sexo masculino, amantes de Kuduro e
outras actividades comuns, tinham apenas os encontros do grupo como um momento de
lazer, para conversas descontraídas, jogar a bola ou para falar de assuntos pertinentes à
comunidade, trocar experiências relacionadas à vida pessoal de cada integrante,
inicialmente, os grupos de jovens tinham estas características.
A actividade das gangues aumentou gradualmente no século XX. Nos anos 1980
e 1990, as drogas narcóticas tornaram-se mais predominantes nas ruas. Armas de fogo
também se tornaram mais fáceis de adquirir ilegalmente. Essa combinação fez entrar
para uma gangue de rua algo mais lucrativo e mais violento. No geral, a actividade das
gangues atingiu o pico em meados dos anos de 1992 com o agravamento do conflito
armado em quase todo o território nacional (Sucami, 2020).
Carvalho (2010, p.76) afirma que:

A partir da segunda metade da década de 1990, a delinquência juvenil


começa a adquirir uma proporção mais acentuada. Os grupos de jovens
começam a ganhar estrutura própria, adquirem normas de conduta rígidas e
11
começam a enveredar por práticas não aceites socialmente, infringindo
mesmo a lei. Primeiro durante a madrugada e, depois, a qualquer hora do dia)
e começam até a envolver-se em actividades de natureza criminal, como
sejam roubos na via pública, agressões e, até, homicídios. Trata-se ainda,
nesta fase, de grupos constituídos maioritariamente por jovens que têm uma
ocupação e se reúnem somente no final do dia ou aos fins-de-semana.

Estes começaram a evoluir de grupos de sentadas aos finais de semana,


alargando as suas actividades e consequentemente ganhando outras perspectivas e
formas de actuar que levou a muitos a adoptar politicas que lhes permitissem exercer as
suas acções de maneira mais descontraída, usando substâncias licitas e ilícitas,
envolvendo-se em actividades ilegais, como roubos, corridas de carro na via pública,
agressões, homicídios entre outras. “No início da década de 90, intensificaram-se as
influências através dos canais televisivos, filmes, e, ultimamente, a internet, onde
muitas vezes os jovens procuram inspira-se para a criação de gangs de rua, e grupos”
(Pimenta, 2010, apud Carlos, 2011, p. 16).
Um dos primeiros grupos a ser constituído em Luanda é os Homens de Arte
(HDA), isso nos anos 903. Surgiu inicialmente como um grupo cultural que, com a
viragem de acontecimentos, se tornou numa gangue perigosa e temida. Mais tarde,
verificou-se o aparecimento de outros grupos, nomeadamente, os Alameda Squad,
Babilónia Squad, Dibos, Kalunga Mata, Cabeças Rapadas, Prenda Squad, Cazenga
Squad, Lambas Squad, Caixão Vazio Squad, G-Unit Squad (Sucami, 2020), todos na
capital do país.
Em alguns pontos do país, a semelhança da capital, formaram-se grupos de jovens cujo
objectivo inicial era exaltar o nome do grupo e posteriormente desviavam para a
rivalidade entre grupos que consequentemente levou-os a passarem a actuar
defensivamente em relação aos rivais, partindo daí para a violência e o ao cometimento
de delitos para sustentar os vícios, isto é, passaram a socializar-se em torno de
objectivos contrários às normas da sociedade. Como é o caso de grupos como os B.F.
(Bairro Benfica), os B.K. (Bairro da Kamunda) os Caixas e os Notórios (Bairro do
Quiochi). Todos pertencentes à Cidade de Benguela (Pimenta, 2010, apud Carlos,
2011).

3
Informação disponibilizada pelo Jornal Electrónico ANGONOTÍCIAS, no dia 04 de Junho de 2016
12
Métodos e técnicas
Utilizou-se a Etnografia psicológica proposta por Sato e Souza (2001) apud
Costa (2016, 2020). A investigação foi levada à cabo por meio da realização de
entrevistas semi-estruturadas, direccionada por um roteiro prévio, com questões abertas,
apresentando maior flexibilidade que a estruturada, que possibilitaram a colecta de
depoimentos e histórias de vida, constituindo-se a escuta como ferramenta principal de
trabalho.

Participantes

Participaram da investigação 10 membros de gangues entre os quais 9 activos e


1 ex membro de gangue, com as faixas etárias compreendidasentre 14 e 30 anos de
idade, todos do sexo masculino, residentes na província do Bengo, município do Dande,
distribuídos pelos diversos bairros como: Mifuma, Cawango, Riceno, Kijoão Mendes,
Kitonhi, Kikuxi, Kimaria, Kigunguo, entre outros. Pertencentes a diferentes gangues
como: Os 90 Rebeldes, Formação M, UTP, os Facebook, Time Habilidoso, Time Work,
Caravana, Dope Caravana, Blour, Young King, 99 TMS, Aruba Squad, Family Gée e os
Lendários.

Discussão dos resultados

Nesta parte do artigo, vamos abordar os resultados parciais da pesquisa de campo, onde
apresentaremos também os benefícios segundo os participantes da pesquisa, de ser
membro de uma gangue.

Entrada para gangues


Existem várias razões apresentadas pela literatura para a entrada numa gangue,
no caso dos entrevistados nesta investigação, a entrada para as gangues aconteceu pelos
seguintes motivos: o meio em que eles estavam inseridos, exemplos de outros jovens e
adultos do bairro que pertenciam a gangues, o testemunho de violência e os estímulos
para fazer parte; como se vê no relato a seguir:

Ninguém me convidou, é mesmo aquele de nós crescendo a


jogando bola no bairro desde criança, a ver nossos mais velhos
aquela vida que levavam de luta, grupo e assalto depois também
se desviamos coisas que nós praticávamos na infância se

13
desviamos. Começamos a entrar neste vício praticar coisas de
mal E1.

Benefícios proporcionados pela gangue


Ao contrário do que a sociedade comum acredita, ser membro de uma gangue
traz vários benefícios e vantagens para quem nela está inserido, algo que, na maior parte
das vezes, vai além da compreensão de quem vê de fora. Os membros encontram em
gangues segurança, algo que o meio e a família, muitas vezes, não lhe dão.

Sinto conforto de que se por acaso houver um conflito na minha


vida, tenho como me defender com o meu grupo, porque sei que
com a polícia não vou resolver, com o apoio da família não vai
ser muito possível (…) E3.

Esta segurança em muitos casos ultrapassa o nível pessoal, atingindo até o nível
familiar: “O primeiro benefício era protecção, protecção da família (…) faltou respeito,
apanha, o cunhado bateu irmã de alguém que faz parte da gangue, apanha!” E5.

Irmandade dentro das gangues


Entende-se a irmandade como forma de união entre os membros da gangue.
Com essa categoria, quer-se abordar sobre o nível de união e intimidade partilhada entre
os membros existentes nas gangues.
Encontrou-se entre os entrevistados a ideia de que, na gangue encontraram uma
união quase familiar e que, muitas vezes, não tinham nas suas famílias de origem: “nas
gangues ganha-se o sentido de irmandade (…) partilham-se não só os ganhos, mas
também as perdas, partilham-se as consequências” E5.
Essa irmandade une-os de tal maneira que fica difícil uma desvinculação, é, por
isso, uma união de amizade e companheirismo, muitas vezes, iniciada mesmo antes de
estarem em gangues. É uma relação de vida, como destaca o relato a seguir: “(…)
sempre vou querer, são meus amigos que cresceram comigo, sempre vou quiser
(querer), aquele amor de crescer com eles, é que não aguento sair mesmo do grupo
(…)” E4.
A irmandade existente entre os membros das gangues chamou a atenção dos
investigadores, visto que estas (gangues) são, socialmente, consideradas como
perturbadores de convivência social. Descobrir a união, intimidade e caridade dentro

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delas, leva fortemente a reflectir sobre a nossa maneira de as ver, entender na verdade,
que eles, apesar de tudo, são pessoas como qualquer uma, sentem e compadecem-se
com o sofrimento dos outros. Estão neste mundo, não porque talvés queiram, mas foi a
maneira que conseguiram encontrar para lutar pelas suas vidas e de suas famílias.

Relação entre os detidos e a polícia: Reeducação nos serviços prisionais


Nesta categoria, em particular, procurou-se saber a real relação que se estabelece
entre os membros da gangue com a polícia. Se entendia que existia uma relação estreita
e pautada na pedagogia entre os detidos da gangue com a polícia, mas os entrevistados
nos apresentam argumentos diferentes. Entende-se que existe uma relação de
hostilidade e de interesse e que deve ser analisada e compreendida por duas formas: A
relação fora e a outra dentro das prisões.

(…) Além das necessidades, dificilmente nos chamam como


estamos sendo chamado assim como neste momento, para
conversar connosco assim como estão a conversar connosco. A
policia quando chega perante a nós, é mais espancamento do
que conversa é mais torturação do que diálogo” e nós passamos
por isso e muitos mais (…) E3.

Os entrevistados, na sua maioria, são reincidentes nos crimes, alguns já foram detidos e
condenados por três ou mais vezes. Os argumentos apresentados acima levam a reflectir
se dentro das cadeias se reeduca, ou seja, que tipo de processo de reeducação ocorre de
facto no interior dos presídios e que garanta a reinserção social dos presos sobretudo
quando se trata de menores?

Falta de políticas públicas para jovens


As políticas públicas são a soma das actividades do Governo que agem por meio
de delegação, políticas estas que influenciam directamente a vida dos cidadãos. Ora, as
políticas públicas quando planejadas devem reflectir-se na vida do cidadão, não somente
nas estátisticas oficiais, mas nas acções e devem, com efeito, beneficiar a todos.

Nosso bairro faz falta de muita coisa, dificilmente nós


conversamos para se dar conselho, e achamos que não há muita
necessidade de se aconselhar porque todo mundo está a sofrer,
quando você está aquele está sofrer, dificilmente aquele vai
aconselhar um ao outro todo mundo está no sofrimento, é mais
ou menos isso. E a falta do bairro achamos que, nós tínhamos
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um núcleo aqui no bairro chamado Cota USA, faleceu e não
temos mais nenhum núcleo no bairro, já não tem ninguém que
pode falar com a população com os menores acima de nós que
estamos a 24 e 25 anos, que nos chame a atenção, até porque o
nosso bairro Kijoão Mendes é mal falado E3.

Os entrevistados reclamam a falta de espaços que visam a emancipação dos


jovens, lugares aonde possam se exprimir, libertar de forma legal as suas emoções,
ouvir e serem ouvidos. Contestam o abandono por parte do Estado, alegam que muitas
vezes que são realizadas actividades por parte de instituições governamentais, todavia
eles não são considerados, são esquecidos como se de um povo à parte se tratasse.

Estrutura e funcionamento das gangues no Bengo

Verificou-se que as gangues do Bengo estão constituídas por grupos e subgrupos.


Esta divisão é feita em função das idades de cada membro, tendo assim dentro de um
único grupo os mini (juniores) e os seniores.
Os Mini vão dos 14 aos 17 anos de idade, enquanto os seniores dos 18 aos 25
anos, ou mais. São maioritariamente do sexo masculino, sendo que as do sexo feminino
são suas companheiras, na maior parte das vezes.
Ora, o funcionamento dessas gangues depende da sua filosofia, assim como a
forma de actuação, as regras disciplinares e as identidades claras que os defere dos
demais. De acordo com os entrevistados, existe um grupo superior (mãe) que comporta
subgrupos. E nisto, cada subgrupo tem a sua filosofia de actuação. É o caso de três dos
entrevistados, com idades entre 18 e 24 anos, que pertencem a uma gangue que possui a
estrutura dos subgrupos.

As gangues são bem estruturada, na gangue tem quem só cuida


de todo dinheiro, na gangue tem o líder, tem o vice (..) tem o
responsável pela imagem do grupo Se o grupo tiver criar t-shirt
fazer uma música tudo com a intenção de manter o nome do
grupo, tem todo um trabalho é tudo muito organizado (…) E5.

A maior parte dos grupos tem os seus dirigentes, e cada membro tem o seu
cargo, assim como afirma um dos entrevistados: “Eu é quem pilho mais, eu é que fico a
frente, quem incentivo mais as lutas” E7.

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Conclusões

Podemos concluir que os jovens são levados a participar das gangues: as festas de rua, a
coragem, os juramentos de fidelidade, a protecção e a remuneração.

A remuneração é um dos mecanismos mais poderosos de atracção. Muitas


gangues existem principalmente como um empreendimento lucrativo, elas realizam
diversas actividades ilícitas (assaltos, tráficos de drogas e de seres humanos, lavagem de
dinheiro) o jovem entende que estando numa gangue poderá ter maior facilidade de
ostentar o que almeja. Os membros da gangue são, muitas vezes, remunerados, sendo
que os mais dedicados e obedientes recebem prémios extras.
Esta investigação ajudou-nos a conhecer a estrutura e funcionamento das
gangues em Caxito, tendo-se concluído que na sua maioria, elas apresentam uma
estrutura organizacional e formas de funcionamento próprias e complexas, que se
materializam no seguimento de regras que devem ser acatadas escrupulosamente por
seus membros. Uma vez que, há necessidade de se ter uma identidade objectiva e clara
que os possa deferir de outras gangues.

As gangues trabalham de forma organizada. A distribuição de funções serve para


manter a estrutura e o funcionamento das gangues. Essa organização não só mantém a
estrutura da gangue, como proporciona o seu desenvolvimento.
Existe uma delimitação territorial, apesar de nem sempre ser cumprida por todos
os grupos. A invasão do território alheio só é permitida quando existe uma colaboração
entre as gangues. E quando isso não acontece, surgem as rivalidades entre os grupos. As
brigas entre as gangues são combinadas para se poder manter o nome da gangue e EM
alguns casos devido a problemas passionais. Nessas lutas usam-se diferentes recursos
como: Arma, Catana, Chúchu, Faca, Pico de Pincho, Pedra e outros meios.
Concluimos que há de facto benefícios em fazer parte de uma gangue, tais como:
apoio e a aceitação que a família não lhes dá, valor que a sociedade lhes nega, as
oportunidades que lhes faltam no meio onde se encontram e a alternativa de
sobrevivência que não têm por falta de um emprego. Na ausência dessas condições, o
indivíduo procura forma de melhorar a sua condição de vida, fazendo-o porque o
sistema em si não promove melhores condições para seus cidadãos. Como forma de

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emancipar, buscam desta infeliz maneira o reconhecimento social e possibilidade de
singularização.
Desta feita, em virtude da pesquisa realizada, deixamos uma questão de reflexão
que podem ajudar a orientar futuras pesquisas: Onde está o problema, no indivíduo que
entrou para as gangues por ser a única forma que encontrou de lutar para a sua
sobrevivência e dos seus familiares, ou na sociedade ou no Estado que não lhes presta a
devida atenção?

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