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VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E

INTERSECCIONALIDADES I

CAPÍTULO 8

INDICADORES SOBRE VIOLÊNCIA


CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
NO BRASIL (2019-2021)

Ana Lara Cândido Becker de Carvalho30

30 Graduanda em Direito pela Universidade Estadual Vale do Acaraú. Integrante do Grupo de


Pesquisa Políticas Públicas de Inclusão Social e do Grupo de Estudos em Direitos Humanos
de Crianças, Adolescentes e Jovens do PPGD/UNISC. Pesquisadora do Eixo de Direitos da
Criança e do Adolescente, da linha de Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo
Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais (GEDAI), da Universidade Fede-
ral do Ceará (UFC). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2618132579025454. E-mail para
contato: larabeckercarvalho@gmail.com.

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INTRODUÇÃO
A presente pesquisa buscou estudar as ações para a redução das diver-
sas violações perpetradas em face de crianças e adolescentes no território
brasileiro a partir dos indicadores de violência apresentados por documen-
tos oficiais nos anos de 2019 a 2021. O objetivo geral foi analisar as ações
para combater a violência contra crianças e adolescentes no Brasil, partindo
dos indicadores produzidos por instituições públicas e pela sociedade civil.
Os objetivos específicos foram: delimitar os tipos de violência que mais viti-
mam crianças e adolescentes no Brasil; identificar as legislações produzidas
de forma recente que visam erradicar as violações em face de crianças e ado-
lescentes; e relacionar os dados obtidos com a efetividade das legislações e de
ações do poder público, e dos órgãos nacionais e internacionais voltadas para
o combate à violência contra crianças e adolescentes. A pergunta-problema
norteadora da pesquisa foi: com base nos indicadores, as ações de combate à
violência de crianças e adolescentes estão sendo efetivas? A hipótese é de que,
com base nos indicadores, as ações e políticas públicas voltadas para erradicar
a violência em face de crianças e adolescentes não estão sendo efetivas, seja
por mau planejamento, gestão e execução, seja por não cumprimento integral
ou parcial das legislações que visam o resguardo da infância e da adolescên-
cia. Para tanto, o método de abordagem será dedutivo e o método de procedi-
mento monográfico com técnicas de pesquisa bibliográfica e documental. O
objeto da pesquisa é exploratória de natureza teórica.

1 FORMAS DE VIOLÊNCIA EM FACE DE CRIANÇAS E ADOLES-


CENTES NO BRASIL
A violência não é um fenômeno recente e nem desconhecido ao tecido
social, de modo contrário mostra-se como um fator intrínseco à própria cons-
trução sociocultural das civilizações, o qual foi utilizado de forma institucio-
nalizada e hierarquizada através das relações de poder e acabou permeando
os âmbitos domésticos e familiares, destacando os papéis sociais de cada
membro da família (OLIVEIRA et al, 2022). Portanto, a violência, em si, é uma
consequência multifacetada de componentes interligados e interdependen-
tes que formam a sociedade, e as violações perpetradas contra crianças e ado-
lescentes é uma das faces desse problema e, a partir desse recorte, vislum-
bra-se que o papel primário de crianças e adolescentes no seio familiar era o
de objetos reflexos de direito - e não sujeitos de direito propriamente ditos -,
o que culminou na fragilidade de suas integridades física, moral, psicológica
e espiritual (MINELLA, 2006). Sobre o assunto, Maria Celeste Cordeiro Leite
Santos (2001, p. 344) afirma que “a violência familiar é u m sintoma a mais dos
desajustes de nossa cultura e estrutura social”.
A partir da promulgação da Constituição de 1988, sob o manto da
teoria da proteção integral (CUSTÓDIO, 2009) e do Sistema de Garantia

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de Direitos, alterou-se a tradicional concepção de crianças e adolescentes


como objetos reflexos de direitos, apenas à sombra dos direitos de seus pais
ou responsáveis, e vislumbrou-se a noção de que crianças e adolescentes
são sujeitos plenos de direito, devendo ser protegidos com absoluta priori-
dade, e são detentores de direitos próprios - como o de brincar, por exemplo
(CORSINO, 2008) - e dos direitos comuns a todos os indivíduos, conforme
dispõe o artigo 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da
proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes,
por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facili-
dades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, men-
tal, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade (BRASIL, 1990).

Nesse sentido, a violência contra crianças e adolescentes “constitui um


complexo fenômeno resultante da combinação de fatores individuais, fami-
liares e sociais, que têm como denominador comum um comportamento
destrutivo e violento do processo normal de desenvolvimento e bem estar
da criança” SANTOS (2001, p. 342-343), que viola o preceito constitucional
determinante do resguardo de crianças e adolescentes, explícito no artigo
227 (BRASIL. [2016]), e viola também a regra legal contida no Estatuto da
Criança e do Adolescente, que em seu artigo 5º determina que “nenhuma
criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discri-
minação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da
lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”
(BRASIL, 1990), revelando a violência contra crianças e adolescentes como
um grave problema sintomático e recorrente no tecido social.
Nos anos de 2019 a 2021, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, foram notificados 129.844 casos de violência física, sexual, psicoló-
gica e de negligência em face de crianças e adolescentes no Brasil, onde 18%
desse número corresponde à violência física no âmbito doméstico, sendo
77% das vítimas meninas e a faixa etária mais afetada foi a de 15-17 anos;
21,6% relaciona-se ao crime de maus tratos, onde a maioria das vítimas é
do sexo feminino (51%) em idade de 5 a 9 anos; e 57,4% dos casos relatados
nesse período são dos crimes de estupro e exploração sexual que vitimam
mais meninas (86%) do que meninos, em idades de 10 a 14 anos. Além disso,
em relação aos crimes de estupro e exploração sexual, a maiora expres-
siva das vítimas é negra (MARQUES; REINACH; SILVEIRA, 2021). Nota-se,
portanto, uma predominância da violência em face de meninas do que de
meninos, revelando a expressividade da violência de gênero cujos contor-
nos históricos, culturais e sociais perduram e retroalimentam a vitimação
de crianças e adolescentes do sexo femino em todo o território nacional
(TORRE, 2006). Apenas um indicador destoa dos já mostrados, revelando
que em relação ao fator “mortes violentas intencionais” as quais incluem

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as infrações penais de homicídios dolosos, feminicídios, latrocínio, lesão


corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenção policial, a
maioria das vítimas são meninos (86%), negros (78,1%) e cuja faixa etária
encontra-se entre 15 e 17 anos (82%).
É importante salientar que entre os anos de 2020 e 2021 houve a pan-
demia global do COVID-19, onde houve a convivência familiar majoritaria-
mente no ambiente doméstico entre todos os membros da família o que,
paradoxalmente, acarretou no maior número de violências e na queda das
notificações das mesmas (MARQUES et al, 2020), o que pode ser verificado
nas mortes violentas intencionais que, por serem menos sujeitas a subno-
tificações a autoridades como os Conselhos Tutelares, onde muitas vezes é
necessário o engajamento de um adulto para que o crime seja devidamente
registrado e apurado e, portanto, irem diretamente para as autoridades
policiais, apresentaram aumento expressivo no primeiro semestre de 2020
- dos 3.717 registros entre 2019 e o primeiro semestre de 2021, 810 foram
relatados nos primeiros seis meses de 2020 - , sendo possível vislumbrar que
essa informação se torna “um indicador importante de que, possivelmente,
os anos de pandemia não foram períodos menos violentos, mas sim uma
época em que os registros criminais estiveram mais suscetíveis à subnotifi-
cação” (MARQUES; REINACH; SILVEIRA, 2021, p. 9).
Segundo o Observatório da Infância, ocorreram, no ano de 2019, 34.212
notificações de abuso sexual contra crianças e adolescentes, considerando
a faixa etária de 0 a 19 anos, havendo uma significativa queda em 2020,
onde foram registrados 29.116 casos de abuso sexual (OBSERVATÓRIO DA
INFÂNCIA, 2022), o que ainda é um número expressivo, porém a diminui-
ção torna-se intrigante se considerado o contexto de pandemia global onde
por grande parte do referido ano, crianças e adolescentes permaneceram
sob o convívio mais próximo e direto com os adultos responsáveis que, teo-
ricamente, deveriam reportar as violações porventura sofridas por crianças
e adolescentes, porém, sabe-se que não é isso que ocorre, havendo, na ver-
dade, o encobrimento dos fatos por parte dos pais ou responsáveis em casos
de violência física, sexual, psicológica e de negligência em face de crianças e
adolescentes, o que dificulta a apuração dos crimes cometidos e, consequen-
temente, facilita a revitimização dessa população (PLATT; GUEDERT; COE-
LHO, 2020). Nesse sentido, a contradição em relação à queda de notificações
de abuso sexual contra crianças e adolescentes se fomenta quando se ana-
lisam os dados do ano de 2020 e as informações que, em 82,5% dos casos o
agressor conhecia a vítima - portanto, tratava-se de um familiar ou alguém
próximo à família - e em 76,5% dos casos os abusos sexuais ocorreram den-
tro da casa da vítima (BUENO; LIMA, 2022). Desse modo, considerando que
a violência sexual contra crianças e adolescentes mostra-se preponderan-
temente intrafamiliar e comunitária (SILVA, 2020), e durante o ano de 2020
houve um aumento expressivo da convivência familiar e comunitária, faz-se
necessário refletir o porquê da diminuição de registros desse tipo de violação.

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Em 2019, ocorreram 62.537 notificações de violência física em face de


crianças e adolescentes, que pode ser definida como ações que infligem
sofrimento físico à criança e ao adolescente ao ofender sua integridade física
e/ou sua saúde corpórea (LIMA et al, 2011) e, novamente, houve uma redu-
ção dos registros dessa violação no ano seguinte, totalizando 43.618 casos,
uma redução de 30%. Dos registros de 2020, 14.363 vítimas eram brancas,
3.580 eram pretas, 20.656 eram pardas e 696 eram crianças ou adolescentes
indígenas. As vítimas mais violadas apresentam escolaridade que compre-
ende da 5ª à 8ª série do ensino fundamental, ou seja, em média crianças
de 10 a 14 anos, cujas informações revelam 7.540 casos, seguidos de 6.462
notificações de violação física em face de adolescentes que estão cursando
o ensino médio, uma faixa etária aproximada de 15 a 18 anos. O sexo mas-
culino compreende 16.006 vítimas, e 27.606 das crianças e adolescentes viti-
madas são do sexo feminino (OBSERVATÓRIO DA INFÂNCIA, 2022).
A negligência, outra modalidade recorrente de violação em face de
crianças e adolescentes no tecido social brasileiro, pode se caracterizar
como “atos de omissão de cuidados e de proteção à criança contra agravos
evitáveis, que incluem atitudes de não educar, não impor limites, não man-
dar uma criança à escola, não alimentá-la adequadamente, não medicá-la
quando necessário, não protegê-la de inclemências climáticas e não mantê-
-la com a mínima higiene” (PASIAN et al, 2013, p. 63-64), e em 2019 apresen-
tou 36.580 casos notificados contra crianças e adolescentes da faixa etária
de 0 a 19 anos. Seguindo os dados das outras formas de violações, em 2020
houve uma queda significativa de notificações, totalizando 29.346 casos, o
que representa uma redução de 19,77%, mesmo não havendo indicativos de
que o cometimento da negligência contra crianças e adolescentes tenha, de
fato, diminuído. Em sentido contrário, conforme ensina Silva (2020), a hipó-
tese mais verossímil é a de que os pais ou responsáveis, geralmente autores
da negligência, utilizaram o período de isolamento social como justificativa
para a sobrecarga em diversos setores interpessoais e, dessa forma, houve a
intensificação das formas de negligenciar a saúde biopsicossocial de crian-
ças e adolescentes. Além disso, devido às restrições decorrentes da pande-
mia de COVID-19, as subnotificações desse tipo de violência, que, por si só,
não é tão fácil de provar e apurar como outras modalidades de violações,
e que precisam do relato de uma pessoa adulta que possa se responsabili-
zar pela denúncia, ficaram restringidas devido às limitações de circulação
das crianças e adolescentes nos espaços comunitários, escolares e de lazer.
Outrossim, os dados obtidos no Observatório da Infância (2022) demons-
tram que, no ano de 2020, 10.835 das vítimas são brancas, 1.599 pretas e, por
fim, 13.598 são pardas. Em relação à escolaridade, as vítimas mais afetadas
estão entre 5ª à 8ª série incompletas do ensino fundamental, e a maioria
das vítimas são meninos, totalizando 15.405 casos notificados, enquanto as
meninas são 13.925 dos casos.

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A violência psicológica, geralmente perpetrada de forma conjunta com


outras formas de violência, ainda é de difícil conceituação, mas pode ser
caracterizada como atos danosos ao pleno desenvolvimento de crianças e
adolescentes, cujas consequências diretas, dentre outras, são: “incapaci-
dade de aprender, incapacidade de construir e manter satisfatória relação
interpessoal, inapropriado comportamento e sentimentos frente a circuns-
tâncias normais, humor infeliz ou depressivo e tendência a desenvolver sin-
tomas psicossomáticos” (ABRANCHES; ASSIS, 2011, p. 844). Devido a difi-
culdade de ser precisamente detectada por ser uma violação multifacetada
e, por vezes, sutil, recorrente, continuada e enraizada no âmbito doméstico e
familiar, a coleta de dados torna-se mais dificultosa. Em 2019, foi registrado
o número alarmante de 23.693 casos de violência psicológica em face de
crianças e adolescentes, sendo a maior parte perpetrada em face da popu-
lação de faixa etária de 10 a 14 anos, totalizando 9.334 registros (39,3%),
conforme explicita a Sociedade Brasileira de Pediatria (2021), mostrando
essa corrente prática violenta que insiste em perdurar no âmbito familiar
e comunitário e que revela resquícios da concepção de crianças e adoles-
centes como objetos de direito, e até mesmo como “mini-adultos” e, dessa
forma, devem ser medidos sob as réguas de deveres e responsabilidades da
vida adulta, justificando a violência psicológica - assim como a física - como
educação e correção (MARTINS, 2016).

2 LEGISLAÇÕES ATUAIS VOLTADAS AO COMBATE À VIOLÊN-


CIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL
Em virtude do problema sociocultural da violência contra crianças e
adolescentes, faz-se necessário que o Estado, enquanto Estado Constitu-
cional de Direito e que, portanto, deve obedecer à diretriz principiológica
de supremacia constitucional (CADEMARTORI, 2018, concretize o man-
damento contido na Constituição Federal de 1988 que, em seu artigo 227,
explicita que:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegu-
rar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta priori-
dade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito,
à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discrimina-
ção, exploração, violência, crueldade e opressão.
(...)
§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a explora-
ção sexual da criança e do adolescente (BRASIL, [2016]).

Além disso, consta na Constituição Federal que o poder público deve


fomentar ações que assegurem o direito à saúde - em sentido amplo - para
crianças e adolescentes de forma prioritária e integral (BRASIL, [2016]), e,

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conforme ensina Duarte (2012), o resguardo em relação à saúde de crianças


e adolescentes engloba sua saúde biopsicossocial e, desse modo, deve ter
a prevenção da violência como alicerce indissociável, pois as violações em
face dessas populações afetam direta e negativamente seu bem-estar físico,
psíquico e social.
Para a execução de ações que busquem erradicar a violência contra a
infância e a adolescência, é preciso estabelecer legislações baseadas na teo-
ria da proteção integral e do Sistema de Garantia de Direitos. Nesse sentido,
no ano de 2020, foi instituído o Decreto nº 10.570, o qual implementa a Estra-
tégia Nacional de Fortalecimento dos Vínculos Familiares e o seu Comitê
Interministerial, cujas bases principiológicas para a articulação das ações
as quais visam primariamente fortificar os laços familiares que geram reper-
cussões positivas no desenvolvimento biopsicossocial de crianças e adoles-
centes e, consequentemente, formam um âmbito protetivo em relação às
violações sofridas por essa população (NJAINE et al, 2006) são reconhecer
os direitos humanos relacionados à infância e à adolescência e garantir o
direito à convivência familiar e comunitária, que é essencial para que crian-
ças e adolescentes possam formar-se de forma saudável e satisfatória. Assim
sendo, o artigo 3º do Decreto nº 10.570/2020 determina que os objetivos das
políticas que almejam concretizar a fortificação dos elos familiares são:
Art. 3º São objetivos da Estratégia Nacional de Fortaleci-
mento dos Vínculos Familiares:
I - apoiar, fortalecer e articular as iniciativas existentes no
âmbito das competências das políticas coordenadas pelos
órgãos do Poder Executivo federal e propor ações e aprimo-
ramentos baseados em evidências e melhores práticas;
II - propor estratégias integradas que possam potencializar
a articulação intersetorial, qualificar a atenção aos vínculos
familiares no escopo das políticas públicas e potencializar os
resultados;
III - promover a avaliação do impacto familiar das políticas,
dos programas e das ações em elaboração ou implementados
pelos órgãos do Poder Executivo federal, visando à elabora-
ção de proposições que aprimorem a atenção às famílias no
âmbito das políticas públicas;
IV - fomentar a pesquisa, a produção e a divulgação de
conhecimento acerca da realidade das famílias brasileiras
e da relação entre os vínculos familiares e o bem-estar da
população; e
V - articular os esforços entre o Governo federal e a socie-
dade civil, em prol da valorização, do apoio e do fortaleci-
mento dos vínculos familiares (BRASIL, 2020).

Além disso, as diretrizes-guias fomentadas pelo Decreto nº 10.570/2020


buscam equilibrar os fatores socioeconômicos que, de acordo com Fragoza
et al (2012), relacionam-se de forma sistemática com a violência intrínseca

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ao tecido social que aflige grupos vulneráveis, como crianças e adolescen-


tes. São eles:
Art. 4º Constituem diretrizes para a implementação da Estra-
tégia Nacional de Fortalecimento dos Vínculos Familiares:
I - a valorização das funções sociais da família, baseada em
relações de reciprocidade, responsabilidade e solidariedade
entre os seus membros;
II - o reconhecimento e o apoio às funções desempenhadas
pela família:
a) na formação, no cuidado e na proteção de crianças, ado-
lescentes e jovens, e
b) no cuidado e na proteção de pessoas idosas e de pessoas
com deficiência;
III - o fortalecimento do valor da maternidade e da paterni-
dade responsáveis e do cuidado e da convivência familiar e
comunitária;
IV - a promoção do equilíbrio entre o trabalho e a família;
V - o esforço para que as ações governamentais respeitem o
projeto familiar no que se refere ao acesso ao trabalho, ao pla-
nejamento familiar, à maternidade e à paternidade, inclusive
por adoção, à parentalidade e à proteção de pessoas idosas e
de pessoas com deficiência;
VI - a promoção de uma cultura de valorização da infância e
da adolescência como fases peculiares do desenvolvimento,
de reconhecimento e de apoio do papel dos pais ou respon-
sáveis em relação às necessidades e aos direitos da criança e
do adolescente, a fim de fortalecer o papel parental e a cen-
tralidade da família;
VII - o reconhecimento do valor social do trabalho domés-
tico e de cuidado como essenciais para o desenvolvimento da
família e da sociedade;
VIII - o fortalecimento das redes de apoio às famílias e dos
vínculos comunitários e a valorização das iniciativas da
sociedade civil na promoção da qualidade dos vínculos fami-
liares e comunitários;
IX - a disseminação das informações e a capacitação dos
agentes públicos acerca da formulação e da avaliação de polí-
ticas públicas na perspectiva do fortalecimento dos vínculos
familiares; e
X - o reconhecimento e o respeito aos usos e costumes dos
povos e comunidades tradicionais e de outras realidades
socioculturais, observados o princípio da dignidade da pes-
soa humana e os seus direitos fundamentais.

Portanto, reconhece-se que a maternidade e a paternidade são funções


indissociáveis do resguardo à saúde de crianças e adolescentes, o que inclui
a capacidade de protegê-los das formas e violência, a partir de comporta-
mentos preventivos, e de denunciar eventuais casos que ocorram, agindo
de forma repressiva efetiva. Além disso, é necessário conectar as searas
laborais e familiares, oportunizando condições dignas de salário, circuns-
tâncias que promovam o descanso, o lazer e tempo hábil para que os pais ou

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responsáveis de crianças e adolescentes possam conciliar o emprego com


suas obrigações domésticas e familiares e, idealmente, licença-maternidade
e licença-paternidade de tempo efetivamente necessário para que estes
acompanhem os marcos de desenvolvimento iniciais dos filhos, possibili-
tando a maior conexão entre pais e filhos e, consequentemente, o fortale-
cimento dos vínculos familiares (CALHEIROS; LIMA; SILVA, 2012). Desse
modo, ao valorizar crianças e adolescentes como sujeitos de direitos de fato
e, portanto, detentores de um local privilegiado no âmbito familiar como
seres humanos em condição peculiar de desenvolvimento e que, por isso,
dependem integralmente das searas doméstica, comunitária, social e esco-
lar para se desenvolverem de forma saudável e satisfatória, é possível for-
talecer ações que promovam diferentes frentes articuladas acerca das pre-
venções em relação às violências em face de crianças e adolescentes (REIS;
ALVIM, 2021).
Além da necessidade de fortalecer os vínculos familiares e comunitá-
rios, que atuam como fatores preventivos e protetivos em relação à integri-
dade biopsicossocial de crianças e adolescentes, trazida pelo Decreto nº
10.570/2020, no ano de 2022 foi editado o Decreto nº 11.074/2022 que trata
sobre a instituição do chamado Programa de Proteção Integral da Criança e
do Adolescente para cumprir o disposto na Constituição Federal e no Esta-
tuto da Criança e do Adolescente em relação ao seu resguardo absoluto e
universal, estabelecendo políticas de caráter intersetorial e multidisciplinar,
com ações humanizadas e especializadas, para atender a criança e/ou o ado-
lescente, sua família e integrá-los à comunidade em que vivem, bem como
somá-los aos campos sociais de forma produtiva. O Decreto nº 11.074/2022
foi editado para alterar diversos dispositivos do Decreto nº 9.579/2018 no
tocante ao fomento de ações em prol da defesa de crianças e adolescentes.
Além disso, há a implementação do Programa Protege Brasil, o qual,
para cumprir o objetivo primário de velar pelo desenvolvimento saudável
de crianças e adolescentes, irá buscar implementar, articular e executar as
seguintes ações: Plano Nacional de Prevenção Primária do Risco Sexual
Precoce e Gravidez na Adolescência; Plano Nacional de Enfrentamento da
Violência contra Crianças e Adolescentes; Plano de Ação para Crianças e
Adolescentes Indígenas em Situação de Vulnerabilidade; e o Pacto Nacio-
nal de Prevenção e de Enfrentamento da Violência Letal contra Crianças e
Adolescentes (BRASIL, 2022). O referido Decreto busca, dessa forma, agir
de forma preventiva - ao estimular programas para prevenir o início pre-
coce e desinformado à vida sexual ainda na adolescência e as violações
letais que vitimam crianças e adolescentes - e de modo repressivo, ao esta-
belecer planos gerais que buscam erradicar a violência (em sentido amplo)
em face de crianças e adolescentes e também estratégias para populações
infantojuvenis específicas, como as crianças e adolescentes indígenas as
quais se encontram em situações vulneráveis. Nesse contexto, o Decreto nº
9.579/2018, com redação dada pelo Decreto nº 11.074/2022 determina que:

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Art. 125-F. O Plano Nacional de Enfrentamento da Violência


contra Crianças e Adolescentes tem como finalidade articu-
lar e desenvolver políticas destinadas à garantia da proteção
integral de crianças e de adolescentes.
Parágrafo único. São diretrizes do Plano Nacional de Enfren-
tamento da Violência contra Crianças e Adolescentes:
I - desenvolvimento de habilidades parentais e protetivas à
criança e ao adolescente;
II - integração das políticas públicas de promoção e de defesa
dos direitos humanos de crianças e de adolescentes;
III - articulação entre os atores públicos e sociais na constru-
ção e na implementação do Plano;
IV - formação e capacitação continuada dos profissionais que
atuem na rede de promoção, de proteção e de defesa dos direi-
tos de crianças e de adolescentes vítimas ou testemunhas de
violência;
V - aprimoramento das estratégias para o atendimento inte-
grado, prioritário e especializado de crianças e de adolescen-
tes vítimas ou testemunhas de violência;
VI - fortalecimento do Sistema de Garantia dos Direitos da
Criança e do Adolescente vítima ou testemunha de violência;
VII - aprimoramento contínuo dos serviços de denúncia e de
notificação de violação dos direitos da criança e do adoles-
cente;
VIII - fortalecimento da atuação das organizações da socie-
dade civil na área da defesa dos direitos humanos de crianças
e de adolescentes; e
IX - produção de conhecimento, de estudos e de pesquisas
para o aprimoramento do processo de formulação de polí-
ticas públicas na área do enfrentamento da violência contra
crianças e adolescentes (BRASIL, 2018).

Percebe-se que as bases orientadoras do Decreto nº 9.579/2018, que


foram adicionadas pelo Decreto nº 11.074/2022, convergem com algumas das
objetivações expostas no Decreto nº 10.570/2020, como a busca pelo fortale-
cimento da maternidade e da paternidade aliado à fortificação do microssis-
tema familiar com bases socioassistenciais para que todos os membros pos-
sam se fortalecer nos âmbitos psicossociais para que, dessa forma, as relações
intrapessoais e interpessoais sejam equilibradas e harmonizadas dentro do
tecido sociocultural (GÓES, 2019). É, de fato, fundamental valorizar a institui-
ção familiar para que a criança e o adolescente, ao aprender de forma espe-
lhada os valores e comportamentos morais e sociais reproduzidos dentro do
âmbito doméstico, possa externar condutas não violentas tanto em vínculos
familiares como em vínculos relacionais nas searas comunitária, escolar e
laboral (RECH; D’ AGOSTINI; DEMARCO, 2019). Portanto, fomentar ações e
políticas articuladas entre o Poder Público e a sociedade civil de forma inter-
setorial, territorializada, multidisciplinar e em rede é fundamental para com-
bater, em escala nacional e de forma satisfatória, a violência contra crianças e

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adolescentes que, conforme ensina Sanches et al (2019), retroalimenta a vio-


lência social e perpetua a cultura de violações em face de crianças e adoles-
centes nos âmbitos domésticos e comunitários.
Em face dos números preocupantes publicizados pela Ouvidoria
Nacional de Direitos Humanos, a partir de informações coletadas pelo canal
Disque 100, os quais mostram que no ano de 2021 foram registrados 9.290
protocolos relativos à violações contra crianças e adolescentes - os quais
podem abrigar mais de uma denúncia no mesmo protocolo - sendo o estado
de São Paulo líder no número de notificações, com 2.811 registros, seguido
dos estados de Rio de Janeiro (1.410), Minas Gerais (1.220), Bahia (434) e Rio
Grande do Sul (396). Os protocolos do referido ano resultaram em 40.360
notificações registradas de violências que afetam a infância e a adolescên-
cia (MINISTÉRIO DA MULHER, DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS,
2021). Em razão da gravidade da realidade fática de evidente desproteção de
crianças e adolescentes face à violência e das divulgações midiáticas de cri-
mes cometidos contra esse público, que geram grandes comoções, foi san-
cionada a Lei nº 14.344/2022, chamada de ‘Lei Henry Borel’ devido a morte
do garoto de 4 anos à época dos fatos por violência intrafamiliar doméstica,
que busca criar mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violên-
cia doméstica e familiar contra a criança e o adolescente, além de firmar o
sistema de garantia de direitos das crianças e adolescentes as quais sejam
vítimas ou testemunhas de violência (BRASIL, 2022). O referido diploma
normativo altera o ordenamento jurídico ao tornar o crime de homicídio
qualificado contra vítimas menores de 14 anos como hediondo e institui
como infração penal a prática omissiva de não comunicar ou denunciar às
autoridades competentes atos de violência contra crianças e adolescentes
(OLIVEIRA; BISNETA, 2022). Fazendo jus à necessária integração articu-
lada, multiprofissional, intersetorial e em rede das instituições e órgãos cuja
finalidade primária seja a defesa da infância e da adolescência, o artigo 4º da
Lei 14.344/2022 determina que:

Art. 4º As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar


contra a criança e o adolescente serão incluídas nas bases de
dados dos órgãos oficiais do Sistema de Garantia dos Direitos
da Criança e do Adolescente, do Sistema Único de Saúde, do
Sistema Único de Assistência Social e do Sistema de Justiça e
Segurança, de forma integrada, a fim de subsidiar o sistema
nacional de dados e informações relativo às crianças e aos
adolescentes.
§ 1º Por meio da descentralização político-administrativa
que prevê o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e
do Adolescente, os entes federados poderão remeter suas
informações para a base de dados do Ministério da Justiça
e Segurança Pública e do Ministério da Mulher, da Família e
dos Direitos Humanos.

131
VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E
INTERSECCIONALIDADES I

§ 2º Os serviços deverão compartilhar entre si, de forma inte-


grada, as informações coletadas das vítimas, dos membros da
família e de outros sujeitos de sua rede afetiva, por meio de
relatórios, em conformidade com o fluxo estabelecido, pre-
servado o sigilo das informações.
§ 3º O compartilhamento completo do registro de informa-
ções será realizado por meio de encaminhamento ao serviço,
ao programa ou ao equipamento do sistema de garantia de
direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de
violência, que acolherá, em seguida, a criança ou o adoles-
cente vítima ou testemunha de violência.
§ 4º O compartilhamento de informações de que trata o § 3º
deste artigo deverá zelar pelo sigilo dos dados pessoais da
criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.
§ 5º Será adotado modelo de registro de informações para
compartilhamento do sistema de garantia de direitos da
criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência,
que conterá, no mínimo:
I - os dados pessoais da criança ou do adolescente;
II - a descrição do atendimento;
III - o relato espontâneo da criança ou do adolescente,
quando houver;
IV - os encaminhamentos efetuados (BRASIL, 2022).

Portanto, através da sinergia multiprofissional conectada ao Sistema de


Garantia de Direitos promovida pelo sistema judiciário e pelo Sistema Único
de Saúde, através dos órgãos socioassistenciais e psicossociais, o fomento de
dados estatísticos será de suma importância para o planejamento e a execu-
ção de ações voltadas à prevenção da violência contra crianças e adolescentes.

3 RELAÇÃO DOS INDICADORES DAS VIOLÊNCIAS CONTRA


CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM A EFETIVIDADE DAS
LEGISLAÇÕES E AÇÕES VOLTADAS À ERRADICAÇÃO DESTAS
Apesar do arcabouço teórico-jurídico brasileiro possuir legislações
robustas e protetivas voltadas ao resguardo biopsicossocial de crianças e
adolescentes, de forma a conectá-los com a família, a comunidade e a escola
e, desse modo, prevenir e combater a violência intrafamiliar e social, os indi-
cadores mostrados na presente pesquisa revelam que o plano fático diverge
do que é proposto pelos diplomas normativos existentes no ordenamento
jurídico pátrio, pois os dados coletados precipuamente dos anos 2019 a 2021
revelam que as violações em face de crianças e adolescentes ainda se mos-
tram como uma mazela retroalimentada pela própria violência transgera-
cional (MOSENA; BOSSI, 2022) e por fatores históricos e socioeconômicos
que perpetuam resquícios da visão de que crianças e adolescentes não são
sujeitos de direito e, portanto, não são detentores dos direitos à integridade
física, moral, psicossocial espiritual. Além disso, a partir de 2020, devido à
pandemia global causada pelo vírus da COVID-19, as notificações relativas

132
VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E
INTERSECCIONALIDADES I

às violações perpetradas contra crianças e adolescentes diminuíram, o que


não significa a redução real das violências, mas sim a falta de notificações
e denúncias aos órgãos competentes nesse período, o que sugere até um
possível aumento das violências contra crianças e adolescentes cometidas
preponderantemente nos âmbitos domésticos e intrafamiliares (PLATT;
GUEDERT; COELHO, 2020).
Apesar da continuidade desse problema sociocultural que dificultam
a efetividade das ações que buscam erradicar essas violências, é possível
coletar informações positivas acerca dessas políticas. Segundo o Fundo das
Nações Unidas para a Infância - UNICEF, através do documento intitulado
“Panorama da Violência Letal e Sexual contra crianças e adolescentes no
Brasil”, redigido em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
é necessário que o Estado e a sociedade civil ajam de forma coordenada,
cooperada e articulada para combater a violência contra crianças e adoles-
centes de forma eficaz, planejando políticas públicas que atinjam todas as
searas onde a infância e a adolescência estão permeadas. Para isso, é preciso
um conjunto de ações que visem atuar de forma primariamente preventiva,
mas também repressiva em relação a essas violações. “Essas respostas pres-
supõem um olhar específico para as diferentes etapas de vida e para as dife-
rentes formas de violência mais prevalentes em cada momento da infância
e na adolescência” (UNICEF, 2021a, p. 51).
Para contribuir com a efetividade dos mandamentos constitucionais,
legais e dos tratados internacionais que prezam pelo resguardo biopsicos-
social de crianças e adolescentes, através da contribuição direta da UNI-
CEF para capacitar as equipes técnicas envolvidas no processo de escuta de
crianças e adolescentes vítimas de violência, foi promovido auxílio à imple-
mentação dos Comitês de Prevenção de Homicídios na Adolescência em São
Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Salvador/BA, além de incentivar a efetivação
da Lei nº 13.431/2017, que trata do sistema de garantia de direitos da criança
e do adolescente vítima ou testemunha de violência - sendo reiterado pela
Lei nº 14.344/2022 - ao garantir informações explicativas acerca da ‘Lei da
Escuta Protegida’ para 482 mil pessoas. Por meio dessas ações, o estado do
Pará, em 2021, fortaleceu a capacitação de 120 profissionais que integram
o processo de cuidado de crianças e adolescentes que testemunharam ou
foram vítimas diretas de violações (COSTA, 2022).
Além disso, ainda no ano de 2021, com concentrações específicas na
região Sudeste do Brasil, a UNICEF movimentou campanhas preventivas
acerca dos impactos das violências contra crianças e adolescentes, alcan-
çando direta e indiretamente 78 milhões de pessoas, e, através de trabalhos
e projetos organizados de forma multiprofissional e qualificada para aten-
der às necessidades próprias que a infância e a adolescência demandam,
a UNICEF conseguiu beneficiar 1.200 crianças e adolescentes com aten-
dimentos psicossociais nos bairros da Maré e da Pavuna, no município do
Rio de Janeiro. Os trabalhos psicossociais também alcançaram as crianças e

133
VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E
INTERSECCIONALIDADES I

os adolescentes indígenas e refugiadas nos estados de Roraima, Amazonas


e Pará através do Programa Súper Panas que é voltado para para a educa-
ção, a proteção e o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes.
Atualmente há 481 crianças e adolescentes que estão recebendo benefícios
econômicos, através de programas de transferência de renda fomentados
pela UNICEF e atendimentos socioassistenciais voltados ao fortalecimento
dos vínculos familiares. Na região Nordeste, a UNICEF busca atuar de forma
preventiva, promovendo atividades mediadoras de conflito que ensinam
a comunicação não violenta diretamente a 280 crianças em Recife e pro-
porcionando a 3.300 crianças da Bahia, através do Projeto Áwùre, oportu-
nidades de prevenção à violência ao oportunizar estratégias que estimulem
o direito ao trabalho digno - combatendo o trabalho infantil - focando no
fomento de programas que embasem empregabilidade e aprendizagem,
além de estimular a frequência regular à escola, buscando reduzir a evasão
escolar (COSTA, 2022).
Outrossim, através do projeto “Me Proteja”, advindo da campanha de
enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes endossado pelo
Fórum Nacional da Justiça da Infância e Juventude promovido pelo Conse-
lho Nacional de Justiça - CNJ, busca-se fomentar uma campanha de cons-
cientização a nível nacional acerca dos danos causados pelas violências e
quais suas principais consequências negativas na vida e no desenvolvimento
das crianças e adolescentes vitimadas. Através de um gesto realizado com as
mãos - que estimula a capacidade motora -, e criado especificamente para
sinalizar a vitimação em face de alguma violação, profissionais da educação,
da assistência social, da saúde (física e mental) e as autoridades competen-
tes para o resguardo da infância e da adolescência estarão familiarizados
com o sinal e estarão capacitados para proceder nessas situações. A ideia da
campanha é tornar o gesto como “oficial” para pedidos de ajuda por crian-
ças e adolescentes (FÓRUM NACIONAL DA JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA
JUVENTUDE, 2022).
Contudo, apesar de existirem legislações, ações e políticas sinérgicas
entre o Estado e a sociedade civil, os indicadores mostrados na presente
pesquisa revelam que faltam, como ensinam Fiuza e Klanovicz (2021),
ações verdadeiramente integrativas que possam causar a adesão de estados
e municípios principalmente nas pautas relacionadas à conscientização das
consequências danosas ao desenvolvimento biopsicossocial de crianças e
adolescentes e o impacto destas para a sociedade, e à prevenção das viola-
ções nos principais espaços ocupados pela população estudada: ambiente
doméstico, escolas, comunidades territorializadas, espaços de lazer, e espa-
ços laborais. Além disso, para maior efetividade das ações que visam com-
bater a violência, é preciso trabalhar de forma contundente com as crian-
ças que compõem a chamada “Primeira Infância” (crianças de até 6 anos
completos ou 72 meses de vida) em conjunto com sua família, propiciando
a convivência familiar e comunitária de forma saudável para que os resulta-

134
VIOLAÇÕES DE DIREITOS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E
INTERSECCIONALIDADES I

dos contra a violência, a longo prazo, sejam satisfatórios em todos as searas


socioculturais (AQUINO et al, 2021).

CONCLUSÃO
Na presente pesquisa, buscou-se estudar as ações para a redução das
diversas violações perpetradas em face de crianças e adolescentes no ter-
ritório brasileiro a partir dos indicadores de violência apresentados por
documentos oficiais nos anos de 2019 a 2021. Num primeiro momento, ao
analisar as formas de violências sofridas por crianças e adolescentes em
maior escala, foram utilizados dados e estatísticas organizadas por catego-
rias (como escolaridade, faixa etária e sexo da vítima) para melhor elucida-
ção dos tipos de violações que crianças e adolescentes sofrem no território
brasileiro com maior intensidade, seja de forma isolada ou em conjunto.
Após isso, procurou-se evidenciar legislações atuais que buscam combater
as violências em face da infância e da adolescência, apresentando precipu-
amente os Decretos nº 10.570/2020 e nº 11.074/2022 (que alterou o Decreto
nº 9.579/2018) e a Lei Federal nº 14.344/2022 e seus mecanismos para bus-
car efetivar a prevenção e a erradicação de violações contra crianças e ado-
lescentes. Por fim, ao examinar ações da sociedade civil e de organizações
nacionais e internacionais que auxiliam o Poder Público através do trabalho
em rede para combater as violações perpetradas contra crianças e adoles-
centes, concluiu-se que, apesar de existirem políticas assíduas em cons-
cientizar e buscar a prevenção dessas violências no território nacional, em
relação aos indicadores apresentados estas mostram-se insuficientes para
intervir de forma preventiva e repressiva em escala nacional, apresentando
uma desarticulação heterogênea ao trabalho intersetorial e em rede. Des-
sarte, enquanto não houver ações devidamente coordenadas, financiadas,
fiscalizadas e executadas com efetividade com adesão de estados e municí-
pios do Brasil, a violência contra crianças e adolescentes perdurará.

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