Você está na página 1de 13

Professor Gilson Souza

Curso de Técnico de Segurança do Trabalho


Modulo-IX

-Bioética e Biossegurança: O
desafio dos transgênicos
O humano enfrenta seu estado de necessidade e
precariedade de várias maneiras, inclusive com o
saber-fazer racional e operacional da
tecnociência. Ademais, neste século adquiriu a
competência biotecnocientífica, que visa
transformar e reprogramar o ambiente natural,
os outros seres vivos e a si mesmo em função de
seus projetos e desejos, fato que se torna, cada
vez mais, motivo de grandes esperanças e
angústias, consensos e conflitos, em particular
do tipo moral.
Antes da Época Moderna, que viu surgir a ciência
experimental, a cultura dos direitos humanos e o
Estado de direito, as fontes de legitimidade do agir
eram, de regra, de tipo transcendente (míticas,
religiosas ou naturais), mas aos poucos foram
sendo desconstruídas até serem substituídas por
princípios seculares, imanentes ao imaginário
social, às forças políticas, econômicas e
tecnocientíficas vigentes na sociedade. Hoje, este
processo de secularização da sociedade parece
irreversível, apesar da persistência de várias formas
de transcendência em seu âmbito, e o bem-estar
humano parece depender, prevalentemente, dos
progressos da biotecnociência.
Esta situação configura uma nova condição
antropológica que não se dá sem conflitos e
controvérsias acerca do que é bem, bom e
razoável, devido à existência de uma pluralidade
de concepções pertinentes, legítimas, e não
necessariamente comensuráveis, sobre o Bem, o
Justo e o Verdadeiro. Por transformar nossas
concepções mais arraigadas acerca da vida e da
morte, saúde e doença, bem-estar e precariedade,
assim como dos limites que podemos, ou não,
ultrapassar, a competência biotecnocientífica é
considerada por alguns um progresso; por outros,
um perigo.
Uma análise imparcial da moralidade da
biotecnociência deve, portanto, considerar que esta
é motivo de fascínio e espanto, mas deve também
submeter tais sentimentos à luz da razão,
analisando a "cogência" (cogency) dos argumentos
pró e contra os fatos da biotecnociência, evitando
seja o niilismo progressista seja o
fundamentalismo conservador, optando por uma
ponderação prudencial de riscos e benefícios.
Deve-se encarar, por exemplo, os argumentos de
que não existiriam limites a priori ao know how
tecnocientífico, que os limites considerados
outrora insuperáveis podem tornar-se rapidamente
obsoletos e que "em ciência nunca deve-se dizer
nunca" (3), razão pela qual doenças, moléstias,
incapacidades e outros transtornos, que causam
mal-estar, poderão um dia ser minimizados ou
vencidos. Mas existem também argumentos
contrários, como aquele de que existiriam riscos
inerentes à prática tecnocientífica e
biotecnocientífica, tais como:
1) os riscos biológicos associados à biologia molecular e à
engenharia genética, às práticas laboratoriais de manipulação
de agentes patogênicos e, sobretudo, aos Organismos
Geneticamente Modificados (OGMs), que podem estar na
origem, por exemplo, do surgimento de novas doenças virais
ou do ressurgimento de antigas doenças infecciosas mais
virulentas, por um lado, e 2) os riscos ecológicos resultantes
da introdução de OGMs no meio ambiente ou da redução da
biodiversidade, por outro. Ambos os tipos de argumentos são
pertinentes mas, provavelmente, não são totalmente novos.
Com efeito, o homem adapta e transforma seu meio natural
há milhares de anos, tendo aprendido a domesticar,
selecionar, cruzar animais e plantas e a utilizar micro-
organismos para fabricar alimentos e roupas.
 Porém, a praxis do homem contemporâneo mudou de
escala, atingindo patamares nunca vistos antes: ela já não
se limita à "reforma" do mundo externo, mas alcança as
próprias estruturas da matéria e da vida, inclusive a
estrutura da vida humana. Por isso, o know how
biotecnocientífico atual levanta questões que, para muitos,
são inéditas, tais como a segurança biológica e a
transmutação dos valores morais.
 A biossegurança, enquanto nova disciplina científica, e a
bioética, enquanto nova disciplina filosófica, se
preocupam com esta situação (aparentemente) inédita,
tentando ponderar os prós e os contras e, se for o caso,
propor leis, normas e diretrizes com o intento de
minimizar riscos, abusos, conflitos e controvérsias, sem
prejudicar, entretanto, os avanços biotecnocien-tíficos.
 Nesse sentido, a biossegurança e a bioética
parecem ter o mesmo tipo de objetivo ou
"vocação". Mas cada disciplina opera também a
partir de seus pontos de vista específicos e com
suas ferramentas próprias e legítimas, em
princípio diferentes. Isto não impede que,
respeitando determinadas condições, exista uma
cooperação inter e transdisciplinar entre as duas
disciplinas, sobretudo se consideramos que
existem preocupações comuns, tais como a
qualidade do bem-estar presente e futuro dos
seres humanos e não humanos;
 O grau de aceitabilidade das várias formas de
risco; a legitimidade de intervir no dinamismo
intrínseco dos processos biológicos em geral e
da vida humana em particular, etc. Tais
problemas são complexos e polêmicos e parece
que nenhuma disciplina, sozinha, possa dar
conta deles. Mas, mesmo aceitando esta
argumentação no plano dos fins, bioética e
biossegurança devem ter, cada uma, suas
ferramentas específicas, condição necessária
para uma autêntica cooperação interdisciplinar.
 Em suma, ambas se preocupam com uma série de
referentes comuns (a probabilidade dos riscos e de
degradação da qualidade de vida de indivíduos e
populações) e legítimos (a aceitabilidade das novas
práticas), mas a biossegurança o faz quantificando e
ponderando riscos e benefícios, ao passo que a bioética
analisa os argumentos racionais que justificam ou não tais
riscos. Em nossa apresentação abordaremos, de forma
introdutória, duas questões: 1) a emergência do
paradigma biotecnocientífico e o surgimento das
biotecnologias modernas, responsáveis pela evolução do
conceito de biossegurança; 2) os diferentes papéis de
biossegurança e bioética na avaliação de riscos e
benefícios da biotecnociência

Você também pode gostar