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Maria Victória Espiñeira, Helder Teixeira

DEMOCRACIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E NIVELAMENTO


INTELECTUAL: considerações sobre a ampliação da

DOSSIÊ
participação política

Maria Victória Espiñeira*


Helder Teixeira**

Este artigo tem por tema a questão da legitimidade democrática sublinhando, para tanto, os
limites da democracia representativa e as potencialidades represadas dentro do espectro polí-
tico atual brasileiro da ação individual e coletiva, suplantando o viés quantitativo que predomi-
na nas análises sobre o processo democrático no Brasil. Para além das variáveis tradicional-
mente assentadas na tríade voto, partidos políticos e eleições, o artigo procura demonstrar que
a democracia eleitoral brasileira ainda não consolidou uma cultura política democrática, na
medida em que vem solidificando um plano de diferenciação entre representantes e represen-
tados, decorrente de mandatos cada vez mais imperativos e menos afeitos ao controle e à
participação dos representados. Pesquisas quantitativas, fontes primárias, secundárias e a aná-
lise de movimentos sociais recentes no cenário nacional permitiram construir a hipótese aqui
trabalhada de que o processo eleitoral, por si mesmo, não responde pela construção e consoli-
dação de uma democracia plural e participativa.
PALAVRAS-CHAVE: democracia, representação, movimentos sociais, esfera pública, accountability.

Nos debates recentes, vem se desenhan- pos de governantes (os representantes e os repre-
do, de forma sistemática, algumas alternativas no sentados), considerando duas linhas de reflexão:
sentido de reduzir-se o hiato entre os represen- aquela que entende que os representados só dimi-
tantes e representados. No decorrer da história, nuem esse afastamento através de ações pedagógi-
vários mecanismos têm sido criados e propostos cas, presente nos estudos de John Dewey, posição
para esse fim. O clássico trabalho de Bernard que se refere à esfera individual da qualificação do
Manin, The Principles of Representative individuo como ser político; e uma segunda que se
Government (1997), apresenta vasta contribuição, relaciona com a dimensão coletiva, voltada para a

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recuperando um período extenso da trajetória do atuação dos movimentos sociais na esfera pública.
governo representativo, estudando desde a sele- Tomamos algumas evidências que demons-
ção dos cargos públicos para Atenas, as diversas tram a existência de um déficit da democracia repre-
formas de eleições na história e as diversas mu- sentativa, apresentando dados sobre o Brasil, que
danças do governo representativo, passando pelo se reportam à ausência de um elemento constitutivo
parlamentarismo, até a democracia de partidos e básico no governo dos representantes, qual seja, a
a de “audiência”. prestação de contas e a presença ainda constante do
O que propomos aqui é apresentar aspec- “mundo do segredo”. Bobbio (2000) refere-se à im-
tos que podem ser considerados cruciais na portância da redução do “espaço do segredo”, da
efetivação da aproximação entre esses dois gru- qual depende o vigor de uma sociedade pluralista,
como a democrata.
* Doutora em Ciência e Filosofia da Educação. Mestra
em Ciências Socias. Professora Adjunta do Departa- Esta análise ressalta a complexidade do tema,
mento de Ciência Política e da Pós-Graduação em Ciên- lembrando que, desde a Guerra de Peloponeso,
cias Sociais da Universidade Federal da Bahia.
Rua Aristides Novis, 197. Cep: 40.210-909. Federação. Tucídides já reconhecia os dilemas ou dificuldades
Salvador - Bahia - Brasil. victoria@ufba.br
** Doutorando em Ciências Sociais da UFBA.
da relação entre governantes e governados, ao se
helder.teixeira@yahoo.com.br referir à prática política de Péricles, cuja força de

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atuação estava em governar pelo povo e não com o Assim, o artigo discute dois modelos de
povo. Diferentemente de Creonte, cuja atuação po- relação entre representantes e representados, que
lítica ocorria através de vínculos estreitos em as- se referem (como já enunciamos): um, à esfera in-
sembléias com os representados, mas de natureza dividual de qualificação do indivíduo como ser
demagógica. É claro que Péricles, quando se afasta político; e, o outro, que privilegia a dimensão co-
de um governo “com o povo”, estava deixando um letiva de atuação desses indivíduos, através dos
dos princípios de um governo democrático. Mas o movimentos sociais, capazes de constituir um elo
que nos interessa aqui é reforçar o sombreamento conectivo entre representantes e representados
da força da retórica, que, muitas vezes, se sobrepõe mais do que a exclusiva operacionalidade instru-
ao conteúdo do bem público, com a intenção de mental dos partidos políticos.
“aproximação” com os representados. Isso implica dilemas analíticos no domínio
Buscamos discutir, neste artigo, algumas da constituição e construção dos sujeitos sociais,
formas de abuso do poder político, subjacentes na capazes não só de fornecer informações sobre o
vigência de democracias representativas, como a que ocorre de pronto na sociedade civil e, assim,
restrição participativa dos cidadãos, fomentada funcionar como sensores do sistema político, como
pela oligarquização político-partidária que, após os também de tornar visíveis as demandas sociais,
resultados das eleições, utiliza-se desse expedien- orientando, desse modo, as ações dos represen-
te para legitimar o distanciamento entre represen- tantes no nível político-partidário.
tantes e representados. Resumindo, iniciamos com a apresentação
Para além das questões relacionadas à teórica dos dois modelos que subsidiam a desi-
proporcionalidade e à identidade entre eleitor e elei- gualdade do processo de representação política,
to, o elemento detectado para a consolidação desse entre governantes e governados. Em seguida, tra-
modelo segregador de democracia foi o da pretensa zemos algumas evidências da realidade brasileira,
qualificação do representante, como indivíduo dis- indicativas de abuso de poder, pela inexistência
tintamente preparado para o exercício do poder de instrumento de controle social pelas casas
político, em detrimento do representado. Legislativas, e que resultam em distanciamento,
Assim, a nossa abordagem recusa um mode- descrédito e desconfiança entre os cidadãos e seus
lo monolítico de democracia e propõe um debate representantes. Concluímos com a indagação so-
sobre a importância da sua dimensão inclusiva, a bre modelos alternativos ao conservantismo
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partir de um critério qualitativo da formação e procedural da democracia, a partir da qual se dis-


edificação intelectual do cidadão, enfatizando o pa- cute a questão da qualificação intelectual como fer-
pel dos movimentos sociais nesse aprimoramento. ramenta de nivelamento democrático, de John
Objetiva-se, com isso, destacar e resgatar a democra- Dewey, e demonstrando o papel dos movimentos
cia como ideia que envolve um sistema de valores, e sociais na formação de uma pedagogia política de
não apenas sublinhar sua vertente institucional, po- aprendizado da democracia e de ampliação do es-
lítico-partidária, eleitoral e representativa. paço público democrático, o que se relaciona com
Diante de um modelo que paulatinamente a dimensão coletiva.
se afasta das origens e princípios da soberania
popular, urge refletir sobre as causas que vitupe- REPRESENTAÇÃO E DESIGUALDADE: a
ram não apenas o processo democrático, mas o diferenciação intelectual entre governantes
próprio sentido da política como esfera racional e governados
para dirimir as complexas aspirações inclusivas
oriundas das camadas mais fragilizadas e margi- A distinção artificial entre governantes e
nalizadas da população. Como resolver, então, es- governados tem assinalado uma espécie de lógica
ses impasses? redundante nos procedimentos políticos das de-

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mocracias modernas, que se restringem, basicamen- extrema dos resultados das urnas distorce a quali-
te, às eleições como mecanismo-chave de dade do exercício do poder político, de modo a
mensuração da qualidade e do alcance da repre- justificar a conduta abusiva dos mandatários.
sentação política. Por mais que não se subestime a Consequentemente, o representante eleito se utili-
importância desse instituto, o pleito eleitoral típi- za do resultado das urnas de modo a não prestar
co ainda se revela incompleto e contestável, na contas de suas ações e decisões, tendo em vista ter
medida em que não se furtou ao complexo ditame conquistado sua vaga a partir de sua competência,
das relações entre governantes e governados, que capacidade e respaldo intelectual.
apresenta ainda características de oligarquização, Na história recente da política brasileira, o
circunscrição e concentração das esferas políticas resultado das urnas tem sido constantemente evo-
decisórias em detrimento da legitimidade continu- cado para justificar o abuso do poder legitimamente
ada dessa mesma relação. assentado na vontade popular, mas corruptamen-
Assim sendo, a excessiva relevância coloca- te adequado às razões das oligarquias partidárias.
da nas eleições e nos procedimentos técnicos e roti- Presidentes distintos, como Fernando Collor (1990-
neiros dos processos legislativos é insuficiente para 1992) e Fernando Henrique Cardoso (1994-2001),
se mensurar o efetivo sentido da democracia como utilizam-se da justificativa das urnas para comba-
relação proporcional entre governantes e governa- ter qualquer tipo de contestação às suas diretrizes
dos, tendo em vista que o poder é considerado ex- governamentais. Parecem, com isso, defender a
clusivamente no exercício institucionalizado. O nexo argumentação de Montesquieu de que o povo é
dessa argumentação é que seu princípio se funda- sábio para escolher os governantes, mas não para
menta, nas democracias representativas modernas, governar (Montesquieu, 2000). Porém a Constitui-
na soberania popular, sendo, além disso, ção de 1988 assegura, em seu Art.5, LXXIII, que
despersonalizado e despatrimonializado; um “lu-
gar vazio”, na acepção de Claude Lefort (1991). qualquer cidadão é parte legítima para propor
ação popular que vise a anular ato lesivo ao
A ênfase colocada no processo eleitoral e patrimônio público ou de entidade de que o Es-
seus desdobramentos faz com que as democracias tado participe [...], ficando o autor, salvo compro-
vada má fé, isento de custas judiciais e de ônus
representativas fomentem a marginalização, a da sucumbência (Brasil, 2007).
coadjuvação e a restrição dos governados frente
aos interesses públicos concentrados nos repre- O que parece ser uma lógica distorcida é,

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sentantes. Logo, ascende uma nova forma de abu- essencialmente, aquilo que o processo político re-
so do poder político sem, contudo, exercer-se sob flete em sua dimensão mais concreta. Dos mandatá-
a forma instrumental típica das ditaduras, tais rios tradicionais aos políticos profissionais das de-
como a repressão, o extermínio e a supressão das mocracias modernas, todos se portam na perspecti-
oposições. É a própria dimensão representativa, va de que a autoridade possui uma justificativa para
eleitoral e congressual da democracia moderna que tal exercício (Weber, 1993, 2005). Portanto, por mais
institui uma impossibilidade concreta de se con- que o esforço em compensar as diferentes formas
ter essa usurpação e esse abuso da soberania e do de poder político, do autoritarismo à democracia,
poder popular. distinga a origem do próprio poder, parece que a
Desse modo, o que se descortina de tais re- máxima de Robert Michels (1968) – de que a
lações, diferenciadoras do exercício do cargo polí- oligarquização partidária promoverá a distinção en-
tico eletivo a partir do voto que o justifica, é que o tre líderes e liderados de modo irreversível – se faz
princípio de tal violação não mais se aloca no pla- cada vez mais atual. E isso decorre, mormente, da
no material da força, mas na incorporação de valo- postura de diferenciação intelectual que se faz pre-
res democráticos como justificativa para a exclu- sente no instante em que um cidadão objetiva
são pós-eleitoral dos representados. A valoração adentrar no jogo político-partidário.
Desse modo, a democracia moderna, fun-

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damentada em normas gerais que permitem aos político-partidárias considerem a possibilidade de


membros da sociedade resolver conflitos, não rea- ampliação, ou mesmo criação e reprodução de ins-
lizou grande parte de suas promessas. De acordo trumentos de controle down-top (Susskind;
com Bobbio, um dos grandes impedimentos foi a Cruikshank, 1987). Em que pese a importância de
persistência das oligarquias, que, mesmo se adap- trabalhos recentes que demonstram algumas expe-
tando historicamente à modernidade das relações riências que têm possibilitado a aproximação en-
econômicas e sociais, impediu uma maior partici- tre os representantes e representados através de
pação, inclusão e socialização das decisões políti- práticas participativas no campo das instituições,1
cas (Bobbio, 2002b, 2003). Além disso, esse fenô- alguns desses estudos partem do reconhecimento
meno se desdobra na insegurança do indivíduo, de que existem limites na democracia representa-
no que se refere à busca pela sobrevivência materi- tiva e procuram romper com posições que acredi-
al, pois que o Estado, antigo senhor absoluto das tam que o mundo das virtudes está apenas em um
relações sociais, foi sendo substituído por uma lado, ou na sociedade ou no Estado (Lavalle, 2006;
sociedade civil mais contestadora e interventora Urbinati, 2007; Laydet, 2004).
(Baumann, 1999). O problema das relações de poder entre
De tal modo que, na medida em que se am- governante e governados aparentemente não se li-
pliou a liberdade individual, o poder público mita ao abuso da autoridade constituída e envolve-
profissionalizado e racionalizado desfez a idéia de ria uma esfera ainda mais distante de controle pela
pertencimento do cidadão em sua comunidade, sociedade, na medida em que o maior dos abusos
dado que a hierarquização necessária das relações estaria na dificuldade colocada pelos governantes
de poder e a liberdade de atuação do mercado não em se fazerem cidadãos comuns numa democracia
prescindem da solidariedade para uma integração substantiva de procedimentos (Cohen; Arato, 1999).
social (Habermas, 2003). A ausência desse instrumento por parte das
Mais uma vez, a questão se situa no fato de Casas Legislativas, em diferentes instâncias, tem
que a ampliação dos direitos e liberdades indivi- reforçado maior distanciamento entre governantes
duais, mais concretamente depositadas na ampli- e governados, reiterando uma concepção da demo-
ação e universalização do voto, não pode ser cracia restrita à democracia procedimental e fomen-
desconsiderada. O problema é que tal expansão tando déficits de representação, desconfiança e des-
dos direitos políticos não produziu necessariamen- crédito na relação entre governantes e governados.
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te uma verdadeira relação de proporcionalidade A seguir, apresentamos algumas evidências brasi-


entre o direito de escolha e a participação efetiva leiras sobre o controle social das Casas Legislativas,
do cidadão nos processos políticos de relevância com base em dados da Transparência Brasil.
(Sartori, 1994). Mas, ao que parece, o processo elei-
toral, como fundamento jurídico concreto do exer-
cício da soberania popular, não tem preenchido REPRESENTAÇÃO, DESCONFIANÇA E DES-
os anseios da sociedade civil em escala mundial. CRÉDITO: alguns dados sobre controle social
Nesse sentido, cada vez mais são sugeridas for- no desempenho do legislativo, no Brasil
mas de exercício mais direto de controle social das
ações governamentais (Fisher; Sharp, 1998). Ao que parece, o descrédito e a rejeição pe-
Ou seja, por mais que as discussões de or- los quais passam os partidos políticos e as insti-
dem teórica tenham contribuído para a análise das tuições políticas clássicas no Ocidente estão rela-
relações de poder entre governantes e governados,
1
são poucas as propostas de controle horizontal das Autores como Avritzer e Pereira (2005, p. 16) preferem
chamar instrumentos como o orçamento participativo
ações de governo, assim como as perspectivas de de “instituições hibridas”, pois “envolvem um
partilhamento de processos deliberativos entre atores
que, nas sociedades contemporâneas, as oligarquias estatais e atores sociais”.

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cionados ao contínuo desencaixe entre o “cidadão Constata-se que, na esfera legislativa fede-
comum” e as elites políticas (Beitz, 1989). Quanto ral, somente a Câmara dos Deputados disponibiliza
maior for o desnível econômico e intelectual entre números sobre a atividade e os gastos dos deputa-
essas duas extremidades do processo político dos, o que corrobora os argumentos até aqui apre-
moderno, maior é a desconfiança para com os po- sentados sobre o caráter oligopolizado na demo-
líticos e as instituições democráticas (Vazquez, cracia representativa hodierna, com novas roupa-
2001). E, se examinarmos com atenção a nossa gens de abuso de poder político, o que se expres-
socialização, veremos que chegamos aos dias atu- sa, particularmente, em manobras evasivas de não
ais com o predomínio de uma matriz elitista, como prestação de contas dos representantes de suas
demonstra Luis Felipe Miguel (2002), com base ações aos representados.
em filósofos como Nietzche e Ortega y Gasset. A análise da Tabela 2 explicita a existência
Essa falta de credibilidade pode se observa- ou não de difusão de informações sobre o funcio-
da a partir dos dados da Tabela 1, fruto de uma namento das Casas Legislativas aos seus cidadãos.
pesquisa realizada pelo Programa das Nações Uni- Ela está ordenada segundo o maior índice do cus-
das para o Desenvolvimento (PNUD, 2004) sobre to de manutenção de cada Casa Legislativa para o
a democracia na América Latina. cidadão, tomando por base quatro indicadores: a)
Os dados indicam o quão distantes se en- Presença em plenário; b) Presença em comissões;
c) Verba de gabinete; d) Viagens. Esses indicado-
Tabela 1 - Percep ções sobre as razões d e d escu mp rimento res, correlacionados ao custo de manutenção de
d e p romessas eleitorais
um parlamentar por município, permitem avaliar,
Os governantes cumprem suas promessas
2,3
eleitorais de acordo com a metodologia aplicada pela Trans-
Não cumprem porque ignoram como os
10,1 parência Brasil, a conduta de parlamentares e da
problemas são complicados
Casa em relação aos representados. A publicização
Não cumprem porque aparecem outros
9,6
problemas mais urgentes de informações dos parlamentos constitui prática
Não cumprem porque o sistema não os
11,5
e conduta que contribui para a criação de um elo
deixa cumprir
conectivo com a sociedade civil, que patrocina e
Não cumprem porque mentem para ganhar
64,7
a s e le iç õ e s legitima o funcionamento das Casas Legislativas,
Nenhuma das anteriores 1,7 possibilitando um aperfeiçoamento qualitativo da
Fonte: Pergunta P25U da Seção Proprietária do PNUD, pesquisa democracia.
Latinobarômetro 2002.

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Nota: n = 19.279
No entanto – e esse é o elemento mais im-
portante a ser ressaltado –, o Relatório da Transpa-
contram os parlamentos e seus respectivos parla- rência Brasil revela que o grau de publicização das
mentares da sociedade civil. No caso específico atividades parlamentares, nas respectivas Casas
brasileiro, esse distanciamento se acentua ainda Legislativas brasileiras, é extremamente baixo. A
mais na medida em que, sendo um Estado situação de cada Casa Legislativa em relação aos
Federado, a relação entre representantes e repre- quatro indicadores levantados pela Transparência
sentados se desdobra ainda nas esferas estaduais Brasil, corroboram esta conclusão e servem de ele-
e municipais. mento importante para se avaliar a relação pública
Para trazer algumas evidências sobre o entre os Legislativos e a sociedade civil. Os dados
distanciamento entre representantes e representa- são apresentados na Tabela 2.
dos no Brasil, tomamos por base os dados da Trans- Nota-se, sobremaneira, a ausência de pres-
parência Brasil (2008), sobre a situação da maioria tação de contas na maioria das Assembléias
das Assembléias Legislativas dos Estados em rela- Legislativas do Brasil. A única Casa Legislativa que
ção à publicização de informações sobre o seu fun- disponibiliza informações nos quatro quesitos
cionamento (Tabela 2). pesquisados pela Transparência Brasil é a Assem-

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Tabela 2 - As Casas Legislativas qu e mais p esam no bolso d o cid ad ão


P re se n ç a e m P re se n ç a e m Verba d e Cu sto p er
Casa Legislativa Viagens
P lenário Comissões Gabinete cap ita (R$)
Roraima- RR NÃO NÃO NÃO NÃO 145,19
Acre- AC NÃO NÃO NÃO NÃO 112,13
Amapá-AP NÃO NÃO NÃO NÃO 110,23
Distrito Federal-DF NÃO NÃO S IM NÃO 99,14
Rondônia -RO NÃO NÃO NÃO NÃO 67,57
Sergipe-SE S IM NÃO NÃO NÃO 65,01
Mato Grosso do Sul-MS NÃO NÃO NÃO NÃO 63,65
Rio Grande do Norte-RN NÃO NÃO NÃO NÃO 49,87
Mato Grosso-MT NÃO NÃO NÃO NÃO 46,24
Santa Catarina- SC NÃO NÃO NÃO NÃO 40,92
Piauí- PI NÃO NÃO NÃO NÃO 37,42
Tocantins-TO NÃO NÃO NÃO NÃO 36,17
Alagoas- AL NÃO NÃO NÃO NÃO 35,40
Goiás- GO NÃO NÃO NÃO NÃO 34,62
Amazonas-AM NÃO NÃO NÃO NÃO 31,42
Rio de Janeiro-RJ S IM NÃO NÃO NÃO 28,62
Espírito Santo- ES NÃO NÃO NÃO S IM 28,51
Rio Grande do Sul-RS SIM S IM S IM S IM 28,35
Minas Gerais-MG NÃO S IM NÃO NÃO 25,51
Paraíba-PB NÃO NÃO NÃO NÃO 24,13
Paraná- PR NÃO NÃO NÃO NÃO 22,10
Ceará- CE NÃO NÃO NÃO NÃO 19,88
Pernambuco-PE S IM NÃO NÃO NÃO 19,67
Maranhão-MA NÃO NÃO NÃO NÃO 18,70
Câmara dos Deputados S IM S IM S IM S IM 18,14
Pará-PA NÃO NÃO NÃO NÃO 17,69
Senado Federal NÃO NÃO NÃO NÃO 14,35
Bahia-BA NÃO NÃO NÃO NÃO 13,95
São Paulo-SP NÃO NÃO S IM NÃO 10,63
Fonte: Como são nossos parlamentares Tran sparên cia Brasil (jan. 2008, p.4).
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Obs.: O registro de SIM ou NÃO indica a publicização ou não de cada uma das informações consideradas.

bléia Legislativa do Rio Grande do Sul. No nível comprovar a consolidação da democracia a partir da
Federal, somente a Câmara dos Deputados cum- regularidade das eleições, da competição entre os
pre esses requisitos, enquanto o Senado não partidos, do jogo parlamentar em nível congressual,
disponibiliza nenhum deles. Essa ausência de in- da quantidade de projetos e emendas postas em
formações, por si só, caracterizaria abuso de poder operacionalidade e, sobremodo, da estabilidade das
político em detrimento da sociedade civil. A exis- instituições democráticas representativas.2
tência ou não de instrumentos de controle social é Essa perspectiva restrita da consolidação
um indicativo relevante da consolidação democrá- democrática, com base apenas no exercício
tica, cuja análise não se restringe apenas ao exercí- legislativo, sem considerar outras relações mais
cio parlamentar no âmbito da barganha, tramitação ampliadas e horizontais entre representantes e
e aprovação de projetos em nível quantitativo. representados, é o que este artigo pretende refutar,
Efetivamente, a Ciência Política tem enfatizado, na medida em que se entende que a consolidação
de modo excessivo, as relações procedurais no uni-
2
verso parlamentar, particularmente no Congresso Estão próximos dessas perspectivas os trabalhos de
Przeworski, Cheibub e Limongi (2003), bem como
Nacional. Com base nessa ótica, seria possível Limongi (2006).

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democrática, numa sociedade complexa como a no baixo nível de confiança das instituições
brasileira, não passa exclusivamente por deliberações políticas em relação àquelas que, tradicionalmente,
congressuais e assembleistas. Pelo contrário, a refletem uma maior proximidade com a sociedade
excessiva concentração e a dificuldade de inserção civil, mesmo não sendo pautadas por relações
participativa do “cidadão comum” na esfera democráticas em suas respectivas organizações.3
parlamentar podem depreciar o funcionamento do Pesquisa encomendada pela Associação dos
sistema e contribuir para o seu descrédito junto à Magistrados Brasileiros, em 2008 (Tabela 3), reflete
sociedade civil. essa descrença e apatia da sociedade civil em relação
Em que pese a importância das análises sobre aos partidos políticos no Brasil.4
a operacionalização do universo democrático na Os dados revelam os níveis de descrença e
prática parlamentar, há uma nítida deficiência quanto desconfiança acentuados da população quanto aos
à relação desproporcional derivada do pleito poderes legislativos, estadual e municipal. Isso
eleitoral, qual seja, a do distanciamento físico, reflete, assim, a relação inversa entre a proximida-
geográfico e material entre representantes e de física dos poderes legislativos dos estados e
representados quando se trata do debate, deliberação municípios e a confiança dos cidadãos, e a predo-
e decisão política. Em suma, o modelo de minância da esfera Executiva Estadual e Federal
democracia representativa vem acentuando o no que se refere a uma maior positividade das ações
protagonismo dos partidos políticos como atores de governo voltadas para a população.
privilegiados em detrimento da ação coletiva e ativa Ademais, e de modo específico, é nítida a
da sociedade civil (Vazquez, 2001). desconfiança para com o Poder Legislativo em to-
Não por acaso o distanciamento entre das as suas esferas (Federal, Estadual e Munici-
representantes e representados, no Brasil, se reflete pal), demonstrando, por conseguinte, que a políti-

Tabela 3 - Confiança nas institu ições


Institu ições mais confiáveis Confia Não confia Ns/nr Sald o
Forças Armadas 79 16 5 +63
Igreja Católica 72 24 4 +48
Polícia Federal 70 24 6 +46
Ministério Público 60 30 11 +30
Imprensa 58 33 9 +25
Poder Judiciário 56 37 7 +19

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Sindicatos de Trabalhadores 55 38 7 +17
Igreja Evangélica 53 38 8 +15
Governo Federal 52 42 6 +10
Governo Estadual 49 44 7 +5
Institu ições menos confiáveis Confia Não confia Ns/nr Sald o
Prefeitura 47 48 5 -1
Empresários 44 45 11 -1
Assembléia Legislativa 39 54 7 -15
Senado 33 61 6 -28
Câmara dos Vereadores 26 68 6 -42
Câmara dos Deputados 24 68 7 -44
Partidos Políticos 22 72 6 -50
Fonte: Associação dos Magistrados do Brasil, maio./jun., 2008.
Amostra de 1.500 entrevistados da população adulta brasileira com acesso à rede telefônica..

4
Disponível em: www.amb.com.br/portal/docs/pesquisa/
barometro.pdf. A metodologia da pesquisa está detalha-
3
Esse argumento pode ser reiterado nos trabalhos de da no próprio site de modo a ilustrar melhor o quantita-
Moisés (2005, 2005a). tivo pesquisado.

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ca partidária não afeta de modo positivo o cotidia- JOHN DEWEY E A QUALIFICAÇÃO INTELEC-
no do eleitor. Chama atenção a baixa credibilidade TUAL COMO FERRAMENTA DE
no empresariado. Isso pode ser interpretado pela NIVELAMENTO DEMOCRÁTICO
associação que o eleitor faz da possível ingerência
dos interesses privados na atuação de parlamenta- Na medida em que foi enfatizada, até agora,
res, em detrimento do interesse público. a existência de uma distinção entre governantes e
Por conseguinte, para responder parte dos governados e que tal diferenciação se opera cada
questionamentos sobre o que causa tal descrença vez mais sob o estigma da “qualificação” das lide-
nas instituições políticas brasileiras, é preciso ter ranças político-partidárias, em detrimento da
em mente que grande parte do distanciamento, da “desqualificação” dos representados, faz-se adequa-
desconfiança e do descrédito pelos quais passa a do discutir um modelo alternativo de democracia
democracia representativa na atualidade pode ser a partir da reflexão de John Dewey, no que se refe-
colocada frente à reprodução constante de antigas re ao nivelamento individual entre governantes e
formas de exercício do poder político, baseadas na governados.
relação entre ordem e obediência, tais como gênero, Dewey define a democracia a partir de uma
raça, etnia, status social, ordem econômica, etc. ótica comunitária e republicana (Honneth, 2001).
(ONU, 2004). As elites, entes tão nitidamente pos- Contudo, como assinala Pogrebinschi (2004),
tos, localizados e distintos, modificaram-se de modo Dewey diferencia a democracia como idéia e siste-
a se confundirem com a própria sociedade, na me- ma. Essa distinção reflete as preocupações de
dida em que a educação, a especialização e a cultura Dewey com a qualidade não apenas do processo
não mais se restringiam a classes específicas. político-eleitoral, mas, sobremodo, com o nível
Essa foi a grande contribuição oriunda da intelectual dos cidadãos sobre os assuntos que
emancipação quantitativa da cidadania através do incidiam cotidianamente em suas vidas (Hoy, 1998).
mercado e das eleições periódicas, o que, do mes- Assim, para Dewey, a democracia como “sis-
mo modo, deu novas roupagens aos instrumentos tema” é aquela dos partidos políticos, eleições,
de abuso de poder, que se sofisticaram a ponto de parlamentos, etc. Por seu turno, a democracia como
se fazerem quase imperceptíveis, mesmo nas de- “ideia” é, acima de tudo, um modo de vida (Dewey,
mocracias mais consolidadas (Bobbio, 2002b). De 2004). Desse modo, mais que repetição, reprodu-
atributo, o poder político passa a ser sinônimo de ção e regularidade de procedimentos, a democra-
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reputação como capacidade, eficiência e cia como ideia é virtude e educação cívica, no sen-
racionalidade de modo a diferenciar o mandatário tido de que a convivência entre opostos, no ambi-
do representante não pela origem social, mas pelo ente mais próximo do cotidiano do indivíduo, o
status de diferenciação intelectual. capacita, através da discussão, para o debate e a
Haveria, por conseguinte, algum modelo al- compreensão de temas comuns a todos os indiví-
ternativo a esse estado de conservantismo procedural duos membros de uma comunidade e para a parti-
de democracia? Seriam o associativismo, o cipação qualificada na política (Westbrook, 1993).
comunitarismo, o basismo e o radicalismo solu- Essas considerações são fruto de uma refle-
ções para dirimir a excessiva concentração de po- xão de Dewey que não separa a política da vida
deres nos círculos das elites políticas? Como recu- cotidiana, uma vez que a política é a própria vida,
perar o sentimento de democracia sem que as pró- dado que a democracia se refere a toda e qualquer
prias instituições democráticas passem por séria experiência nas relações sociais dos indivíduos,
desconfiança quanto à sua existência e utilidade? de modo que o sistema político reflete o nível de
relação que se opera em outras instituições sociais
como família, escola, igreja, trabalho, etc. (Dewey,
1997, 2004). A democracia é, pois, um sentimento

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Maria Victória Espiñeira, Helder Teixeira

cultivado e desenvolvido ao longo da vida de cada dir mais amiúde sobre os ditames políticos de
indivíduo, e sua noção de política reflete o tipo de qualquer natureza.
experiência democrática que vivenciou em sua for-
mação (Hoy, 1998).
A democracia se opera desde os primeiros OS DÉFICITS DA REPRESENTAÇÃO
instantes de convivência do indivíduo, na medi- POLÍTICA E A DIMENSÃO DOS MOVIMENTOS
da em que é a qualidade da comunicação o meca- SOCIAIS NO ACCOUUTABILITY5
nismo através do qual se forma o homem educado
(Dewey, 1997, 2002). Daí a importância dada por Partimos do princípio de que é de dentro
Dewey aos processos comunicativos, pois eles do paradigma deliberativo de democracia que so-
provocam a formação, a reflexão e a revisão de con- bressai a importância dos movimentos coletivos,
ceitos e valores constantemente absorvidos pelo o papel dos diversos grupos societários e movi-
indivíduo ao longo de sua vida (Hickman; mentos sociais. Esse campo se apresenta extrema-
Alexander, 1998). Não por acaso Dewey sempre mente fértil, diante do tema do afastamento dos
enfatizou a relevância da qualidade dos meios de governantes em relação aos representados, e prin-
comunicação como instrumentos necessários à cri- cipalmente diante da realidade do continente, onde
ação de uma sociedade democrática (Dewey, 2003). os processos democráticos formais não atendem a
A reflexão de Dewey sobre a democracia determinados segmentos que sempre estiveram em
procura não diferenciar o indivíduo do ponto de desvantagem.
vista social, econômico, social e racial, a partir do Compreendemos que o processo deliberativo
acesso à informação (Hoy, 1998). Em outras pala- é inovador para a democracia na medida em que
vras, a educação, entendida como atividade que permite que se desenvolvam ajustes para adequá-
transcende a instituição escolar, é o veículo para la à realidade. Tomamos como ponto de partida a
nivelar, de modo concreto, as diferenças ente os dificuldade que é formar uma vontade geral (no
indivíduos, operadas na sociedade (Dewey, 2003). sentido defendido por Rousseau), e que a vontade
A distinção de ordem intelectual entre os do povo é manufaturada, que os indivíduos são
indivíduos tende a desaparecer, na medida em que influenciados e, como não se sentem responsáveis,
a educação, como acesso à informação e à forma- perdem o senso de realidade. Diante da complexi-
ção de qualidade, é implementada (Westbrook, dade da sociedade, é impossível o povo acompa-

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1993). Com a construção de democracia nesse ní- nhar as questões de natureza mais técnicas, como
vel, as instituições políticas tendem a cumprir suas
5
funções de forma pedagógica, dado que a política Dewey e Habermas se constituem nos principais teóricos
de referência neste artigo. Contudo, é preciso diferenciar e
e, acima de tudo, a democracia passam a ser mais contextualizar suas respectivas reflexões teóricas sobre a
questão da ação coletiva. Dewey analisa a ação coletiva no
que um sistema; constituem uma ideia que se cons- âmbito da formação do indivíduo em prol do coletivo, o
trói diuturnamente a partir do compartilhamento que, para o teórico americano, suplanta a noção de comu-
nidade, tão próxima da cultura norte-americana. Por seu
de experiências vividas por homens iguais na ca- turno, Habermas se posta no exercício da formação de
uma vontade coletiva através do debate na esfera pública,
pacidade de reflexão (Dewey, 2003). permitindo a compreensão da importância dos movimen-
tos sociais. Esse esclarecimento se faz necessário na me-
Em suma, para Dewey a política é um dos dida em que há autores que distinguem as concepções de
muitos lugares da democracia (Mogilka, 2003). comunidade e ação coletiva entre Dewey e Habermas,
dentre os quais Honneth (2001). No entanto, para efeito
Desse modo, não pode ser uma espécie de ativida- de corroboração de hipótese, este artigo se concentra na
necessidade de não se dispersar a dimensão individual da
de reservada a especialistas iluminados ou inicia- formação política do indivíduo no âmbito de uma coleti-
vidade formal e abstrata, dado que, sem a apreensão indi-
dos, uma vez que a democracia não se presta, em vidual da realidade, reduzem-se as possibilidades de uma
sua essência, a qualquer tipo de distinção artifici- qualificação da política como processo cotidiano coletivo.
Para efeito de comparação acerca das concepções norte-ame-
almente construída a partir da origem popular e ricana (comunitarianism) e germânica (gemeinschaftlich)
de comunidade, que estão presentes nas reflexões de Dewey
soberana, mormente, a que alija o cidadão de deci- e Habermas, ver Brier; Lovelock, 1997.

485
DEMOCRACIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E NIVELAMENTO ...

afirmava Shumpeter (1984). Segundo esse autor, uma dezena de anos de “pressão”, para o aproveita-
não haveria o bem comum, pois não haveria o ele- mento do espaço físico da Associação, a fim de de-
mento unificador que cimentaria uma democracia, senvolver atividades lúdicas (Espiñeira, 1997). Ain-
e, assim, o bem comum não se firmaria no plano da sobre essa questão, podemos observar que a Re-
da lógica, mas sim no dos valores, pois, mesmo volta da Vacina ocorreu num quadro em que dois
quando nos deparamos com situações que envol- grupos disputavam o poder político, sem dar a
vem valores considerados universais, como o da conhecer ou prestar contas à população do que re-
saúde, é possível haver dissenso. almente ocorria na esfera dos representantes.
Lembramos um caso ilustrativo dessa É claro que devemos estar atentos para al-
constatação, que aconteceu aqui no Brasil, duran- gumas armadilhas que podem estar contidas nes-
te a primeira república, com a Revolta da Vacina. se debate sobre a esfera das demandas e os agentes
Mas a lógica de Shumpeter é a de que, na ausência estatais e que envolvem a “lógica da sociedade con-
de valor comum definido e diante do não- tra o Estado” e dos “movimentos contra os parti-
envolvimento do cidadão com as questões públi- dos políticos” (Arditi, 1995). Este é um assunto
cas, restaria confiar nas formas democráticas que lança algumas luzes sobre o tema, mas que
procedimentais. Esse distanciamento do individuo não é objetivo deste estudo.
da política, visto por Schumpeter (1984) como Aqui é interessante observar que aquilo
decorrente do desinteresse e da falta de responsa- muitas vezes é defendido como “vontade geral”,
bilidade, é considerado, nos estudos de cultura na verdade, não passa da “vontade de um grupo
política, de outra forma. Tal comportamento que o Estado adota e vende como vontade geral”.
corresponde à chamada “eficácia política subjeti- Seria mais ou menos o que é observado por
va”, ou cinismo político, que é a forma como os Habermas (2003b) sobre um tipo de opinião pú-
indivíduos avaliam a sua capacidade de influir blica que não tem origem nas discussões públicas,
ativamente no processo de tomada de decisões mas sim é tornada pública via publicidade.
políticas e pode ser resultado de uma situação na Para esse autor, se antes, na modernidade,
qual o representado sente que sua atuação não faz existia uma unidade ética e o elemento unificador
qualquer diferença, pois os governantes não levam era o sagrado, hoje, à medida que a racionalização
em consideração as suas opiniões. avança, vive-se a fragmentação das diversas esfe-
Portanto, sem pretender refutar as afirma- ras de valor com suas lógicas próprias. Os proble-
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ções desse estudioso, entendemos que é necessá- mas, portanto, seriam um resultado da fragmenta-
rio situar os fenômenos apontados dentro de uma ção moderna e do abismo entre os conceitos elitistas
lógica conjuntural que compreenda sua gênese. – desenvolvidos por distintos especialistas, e os
Diante dessas dificuldades, diríamos que, utilizados na vida cotidiana.
no lugar da defesa da democracia minimalista e do Mas, não afetado pelo desencanto de Weber,
recurso ao procedimentalismo, seria importante Habermas consegue ver a possibilidade da existên-
conhecer as relações causais que levam ao quadro cia de alguns instrumentos de mediação que servi-
político demonstrado por Shumpeter (1984) e cri- riam de ponte entre essas diversas esferas fragmen-
ar mecanismos que tornem efetiva a relação entre tadas (da política, da ciência, da arte, da religião,
representante e representado. Assim, invertendo dentre outras), recuperando-se, assim, o mínimo
a leitura desse autor, poderíamos afirmar que os senso de totalidade perdido e dando sentido para a
indivíduos alijados dos espaços deliberativos se vida e para a sociedade. Ele acredita na possibilida-
recolhem ao mundo privado. Isso ficou claro, por de de se criarem instrumentos que possam assegu-
exemplo, quando alguns dirigentes de Associações rar certa unidade ao mundo da vida (que é o pano
de Bairros, “cansados” de demandar ao Estado sem de fundo das convicções partilhadas por todos os
ser ouvidos e atendidos, resolveram voltar-se, após sujeitos que agem comunicativamente).

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Maria Victória Espiñeira, Helder Teixeira

É nesse quadro que o Habermas dos anos tor nega, assim, a ação direta, ao apontar para a
noventa vai oferecer espaço para introdução do relevância da sociedade civil no modelo de
tema dos movimentos sociais. É nessa década que accountability. “A esfera pública e a sociedade ci-
ele vai reconhecer o caráter totalizante do conceito vil atuariam de forma complementar, ao invés de
de indústria cultural, que concebe o indivíduo, substituir os processos de accountability” (Arato,
na sociedade de massa, como um consumidor 2002, p. 97).
passivo dos produtos culturais. Essa idéia é in- Isso nos leva a considerar não uma recusa
compatível com a sua teoria do agir comunicacional da democracia como procedimento, nem que é
– baseada em valores compartilhados e no diálogo necessário obrigatoriamente aliar-se à “democracia
racional entre sujeitos ativos – que, portanto, pre- selvagem” na defesa de uma virada de jogo. Mas é
cisa ser abandonada. Isso vai ocorrer principal- necessário observar-se que, no Brasil, os movimen-
mente à luz das novas teorias da comunicação, que tos sociais têm atuado muitas vezes no sentido de
enfatizam o processo de atribuição de sentido (ne- fazer valer a Constituição, ou seja, atuam para que
gociada) que ocorre na esfera da recepção. o plano “de jure” seja passado para o plano real,
Essa virada recupera o significado normativo para o cumprimento da lei. Isso porque, como
do conceito de esfera pública que aparece no ad- defende Emir Sader (2003), a elaboração e a apro-
vento da modernidade. Cria o espaço que é o da vação da Constituição de 1988 ocorreram na con-
sociedade civil, locus privilegiado para o funcio- tramão de um mercado que chegava atrasado ao
namento dos movimentos sociais e grupos. Nesse Brasil, com suas políticas de ajuste fiscal, de modo
sentido Avritzer e Costa (2004) afirmam que o con- que, nos anos noventa, o Brasil passou a ser uma
ceito da esfera pública cria um espaço, que é o da democracia sem cidadãos, em que os direitos soci-
sociedade civil, e estabelece uma argumentação com ais foram reconhecidos formalmente, ao mesmo
o Estado. Ela seria o lugar para toda uma gama de tempo em que ocorre a redução e o corte nos direi-
experiências comunicacionais originárias da soci- tos sociais.
edade civil, com a introdução de novos temas e Acompanhando o quadro dos movimentos
públicos, o que contribuiria para politizar ques- sociais, percebemos que eles, na década de oiten-
tões do mundo da vida na esfera pública. Para ta, no Brasil, provocaram mudanças nas práticas
Habermas, existe uma tensão entre a esfera públi- jurídicas e no modo de implantar algumas políti-
ca e o Estado. É esse processo de ação comunicati- cas sociais (onde existiam mobilizações popula-

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va que vai levar ao ponto de “validade moral”, es- res). Hoje, como dissemos, eles têm tido como um
tabelecendo um código compartilhado e tornan- dos seus destacados papéis o de colocar no plano
do, assim, possível a formação da vontade geral, real o que está na lei, ou seja, sua prática cotidiana
em que os elitistas não acreditavam. está muitas vezes entre o “espaço da lei e sua apli-
Nesse ponto, é necessário atentar para os li- cação”. O que não é pouco, considerando a nossa
mites que Andrew Arato (2002) estabelece na ação realidade.
da sociedade civil e de seus movimentos. Ele acredi- É levando em conta esse contexto que, em
ta na importância da pressão da sociedade civil como alguns momentos, a utilização da ação direta aju-
um complemento para um regime representativo, na da a formar uma opinião pública, generalizando a
promoção de mecanismos de responsabilização, mas experiência de comunicação dentro de um grupo,
ressalta que essa ação não pode ter o sentido da como ocorreu com a revolta dos estudantes
transgressão, da desobediência civil, pois esses secundaristas contra o aumento das passagens dos
movimentos representam apenas uma pequena ônibus, em Salvador. Esse movimento, que ficou
parte dos cidadãos. Para ele, é necessário, portan- conhecido como “Revolta do Buzú”, provocou a
to, preservar o que está definido no modelo paralisação da cidade por uma semana e ocorreu
institucional, garantindo-o e cumprindo-o. O au- através dos órgãos de representação estudantil (grê-

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DEMOCRACIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E NIVELAMENTO ...

mios e DAs), com o apoio de partidos políticos, Lei, que ocorreu há aproximadamente um mês,
conseguindo atrair os representantes através da que estabelece um processo eleitoral para os car-
esfera pública por meio da exposição de uma opi- gos de diretores dos colégios públicos do Estado e
nião pública. que envolve professores, técnicos administrativos
Nesse sentido, o movimento conseguiu que e alunos. Essa conquista foi resultado de deman-
os representantes políticos sentassem com os prin- da e da pressão de diversos movimentos dos estu-
cipais envolvidos para sentir as demandas e acom- dantes e professores.
panhar o sentimento de uma grande parte da po- Observa-se também, nesses movimentos,
pulação. Essa experiência demonstrou como os assim como na Revolta do Buzú, a formação de um
movimentos sociais podem, através da organiza- espaço público através da pressão resultante de
ção e da informação, levar o cidadão a se sentir ação direta, como no caso da formação desse con-
parte da sociedade política, estabelecendo temas, selho com membros do governo, personalidades
instruindo, orientando e organizando os represen- da sociedade civil e movimentos sociais. Mas não
tados na esfera pública, o que permite que os re- se pode deixar de destacar também a força dos
presentantes repensem seus atos nesse processo. donos dos colégios privados, que ficou patente
Esse exemplo demonstra que, em alguns momen- nessas negociações, como pode ser observado numa
tos, a ação direta pode provocar e formar a opinião entrevista com uma das estudantes participantes
pública, generalizando a experiência de comuni- da Revolta dos Pingüins (Pronzato, 2007)
cação dentro de um grupo. De todo modo, é revelador, nas declarações
Merece também destaque um movimento de participantes das chamadas bases desses dois
semelhante ao de Salvador, ocorrido com estudan- movimentos, e mesmo em outros movimentos so-
tes secundaristas no Chile, em 2006, denominado ciais, a ênfase dada ao processo de aprendizagem
Revolta dos Pingüins.6 Esse movimento se iniciou que ocorre durante a participação nas ações em-
com a demanda de passes escolares para utiliza- preendidas. Elas afirmam que só a partir desse
ção dos transportes. Ele tomou as ruas e ocupou engajamento passaram a saber o que ocorria com o
os colégios durante um mês. Foram 100 mil estu- país. É muito comum, na prática dos movimentos
dantes que paralisaram todos os colégios, inclusi- sociais, a formação, durante as ações coletivas, de
ve os privados, que participaram com o sentido uma ação pedagógica de conhecimento e de toma-
de oferecer solidariedade. Da reivindicação inici- da de consciência, além de elas servirem como
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al, o movimento passou a demandar outras ques- “sensores” para informar o sistema político. Quan-
tões de natureza mais política, como reformas no do Sartori (1994) enfatiza a importância da demo-
sistema da educação privada e a denunciar injus- cracia representativa, referindo-se à falta de
tiças provocadas pelo neoliberalismo. Esse movi- representatividade da “democracia de manifesta-
mento tomou um impulso, fez cair um Ministro e ção” – marchas, passeatas, que, mesmo envolven-
trouxe adesões de trabalhadores “obreros”, do seg- do mais de 10.000 participantes, sempre estariam
mento da saúde, professores e alunos de universi- bastante abaixo em comparação com o número de
dades e os pais dos estudantes. Alguns entrevista- votantes que participam de eleições –, desconsidera
dos afirmam que todo o país estava com os estu- o potencial educador dessas manifestações, que
dantes. Entre as questões colocadas, estava a defe- realizam um contrapeso aos meios de comunica-
sa da formação de um conselho cidadão que abri- ção. Esse processo leva ao esclarecimento do re-
garia diversos atores sociais e políticos. presentado, o que pode vir a provocar a distribui-
Na Bahia, merece destaque a aprovação da ção de recursos e o sentimento de “reconhecimen-
to”, que teriam papel central no mecanismo de
6
Assim chamado em alusão aos uniformes utilizados accountability.
pelos estudantes secundaristas (camisa branca, casaco
em formato V preto, jaqueta e gravata. Melucci (2001) observa que é através das

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Maria Victória Espiñeira, Helder Teixeira

lutas parciais que se potencializa a formação de muitas vezes, ao fato de que suas estruturas inter-
identidades, pois elas são resultado de um pro- nas diminuem, cada vez mais, a hierarquização e o
cesso de negociação contínua, ou, como defende conteúdo de suas práticas e se afasta dos projetos
Ernesto Laclau (2006), demandas crescentes e não considerados finalísticos. Formas democráticas com
satisfeitas criam uma relação que ele denomina algumas características inovadoras e, em certa me-
como “equivalencial”, relação essa que pode ser dida, não reduzíveis às praticas partidárias tradici-
responsável pela constituição de um povo no sen- onais têm surgido com frequência nos últimos anos.
tido geral. Ele exemplifica: Esses movimentos apresentam elementos que apon-
tam para ações estimuladoras da formação de cida-
... suponhamos que em uma certa localidade um dãos informados, que acompanham os acontecimen-
grupo de vizinhos solicita à prefeitura que crie tos políticos. Diante dessas inovações, defendemos
uma linha de ônibus para ajudar a levá-los do
lugar em que vivem até o lugar em que a maioria a tese de que os movimentos sociais oferecem ele-
trabalha. É uma demanda muito específica e atu- mentos para os representantes políticos abertos à
al. Com efeito, a prefeitura pode aceitar essa de-
manda, o que seria o fim do problema, ou pode “revisão e reavaliação de suas práticas”, conside-
também recusá-la. Se a prefeitura recusa, have- rando o que Urbinati nos informa:
rá uma frustração dessa demanda. E, se a gente
começa a ver que naquela área em que eles vi-
vem há outras demandas, como na área de habi- ... a refrega política, que a representatividade da
tação, educação, segurança, distribuição de água, representação traz à tona, uma característica que
que tampouco são satisfeitas, isso começa a criar é sempre uma questão de grau e flutuação, e uma
um sentimento básico de solidariedade entre to- construção ideológica que está sempre aberta à
das essas demandas (2006, p. 22-23). revisão e à reavaliação (2007, p. 210).

Nessa lógica interativa, novas questões vão Concluindo, acreditamos que é no quadro
surgindo. Por exemplo, os debates sobre o melho- da esfera pública, nas constantes negociações, que
ramento das ruas da minha cidade e as tematizações os movimentos sociais vão exercer o papel políti-
de novas questões podem levar à superação dos co de exigir que se cumpram as grandes funções
fins imediatos. dos representantes, estimulando o estabelecimen-
Assiste-se, neste momento, a uma to do elo conectivo com os representados. Além
pluralidade de movimentos coletivos. Esses dife- de, nessas práticas dos movimentos sociais, se-
rentes atores coletivos oferecem uma ressignificação rem construídos sujeitos sociais capazes não só
simbólica de identidades e, muitas vezes, criam de fornecer informações ao sistema político sobre

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sujeitos com capacidade globalizantes. o que está ocorrendo na sociedade civil, mas tam-
Sabemos que, nesse campo, as questões são bém de dar visibilidade às suas demandas e, as-
mais férteis do que as respostas. Mas o que tenta- sim, estar sempre a reorientar o representante.
mos discutir aqui é como superar o autointeresse, Como Arato (2002), acreditamos que o
na direção do “interesse bem compreendido”, e accountability que ocorre nas eleições através da
reduzir o distanciamento entre representantes e punição do representante só pode se realizar, de
representados, sem desconhecer a dificuldade da fato, se o financiamento das candidaturas dos re-
construção de um modelo teórico global de ação presentantes deixar de ter origem privada. Isso
social a partir da heterogeneidade dos movimen- porque os recursos privados contribuem para que
tos sociais, diante de uma conjuntura denomina- o candidato não se preocupe com os eleitores,
da por Lavalle (2007) como “pós partidária”, em mesmo que pense em reeleição, pois o volume de
que os atores não mais se identificam com os par- recursos fornecidos por esses grupos garantiriam
tidos. Eles vivenciam a fragmentação da classe tra- uma publicidade capaz de maior convencimento e
balhadora, e os partidos políticos de massas já não favorecimento de “grupos frágeis”. É bastante co-
criam identidades. nhecida, no caso do Brasil, essa dinâmica, com o
Nos movimentos sociais atuais, assistimos, retorno, via eleição, de representantes que tiveram

489
DEMOCRACIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E NIVELAMENTO ...

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CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 477-492, Set./Dez. 2008

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DEMOCRACIA, MOVIMENTOS SOCIAIS E NIVELAMENTO ...

DEMOCRACY, SOCIAL MOVEMENTS AND DEMOCRATIE, MOUVEMENTS SOCIAUX ET


INTELLECTUAL LEVELING: considerations about REMISE A NIVEAU INTELLECTUEL: considérations
the enlargement of political participation sur l’accroissement de la participation politique

Maria Victória Espiñeira Maria Victória Espiñeira


Helder Teixeira Helder Teixeira

This paper has for theme the subject of the Le thème abordé dans cet article est celui de la
democratic legitimacy underlining, for such, the limits question de la légitimité démocratique. Pour ce faire,
of representative democracy and the potentialities les limites de la démocratie représentative ainsi que
dammed inside of current political Brazilian spectrum les potentialités retenues dans le spectre politique
of individual and collective action, supplanting the actuel brésilien d’une action individuelle et collective
quantitative bias that prevails in the analyses on the ont été mises en évidence, allant au-delà de l’aspect
democratic process in Brazil. Beyond the variables quantitatif prédominant dans les analyses du processus
traditionally seated in the triad vote, political parties démocratique au Brésil. Pour dépasser les variables
and elections, this paper tries to demonstrate that the traditionnellement établies sur la triade vote, partis
Brazilian electoral democracy still didn’t consolidate politiques et élections, nous essayons de montrer que
a democratic political culture, in the measure in that it la démocratie électorale brésilienne n’a pas encore
is solidifying a differentiation plane between réussi à consolider une culture politique démocratique,
representatives and represented, due to mandates more dans la mesure où elle renforce un plan de
and more imperatives and less bound to the control différentiation entre représentants et représentés, dû à
and participation of those represented. Quantitative des mandats de plus en plus impératifs et de moins en
researches, primary sources, secondary sources and moins habitués au contrôle et à la participation des
the analysis of recent social movements in the national représentés. Des recherches quantitatives, des sources
scene allowed the building of the hypothesis worked primaires, secondaires et l’analyse de mouvements
here that the electoral process, for itself, doesn’t answer sociaux récents sur la scène nationale ont permis de
for the construction and consolidation of a plural and construire l’hypothèse selon laquelle le processus
participative democracy. électoral, en soi, n’a aucun répondant pour la
construction et la consolidation d’une démocratie
plurielle et participative.

K EYWORDS : democracy, representation, social MOTS-CLÉS: démocratie, représentation, mouvements


movements, public sphere, accountability. sociaux, sphère publique, accountability.
CADERNO CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 477-492, Set./Dez. 20088

Maria Victória Espiñeira - Professora Adjunta do Departamento de Ciência Política e da Pós-Graduação em


Ciências Sociais da UFBA. É mestre em Ciências Sociais e doutora em Ciência e Filosofia da Educação. Tem
pesquisado sobre os movimentos sociais e suas relações com os partidos políticos (com ênfase nos estudantes
e nos bairros), os vereadores e a presença dos movimentos sociais nas suas agendas, a cultura política desses
grupos políticos e a transição democrática no Brasil. Publicou O Partido a Igreja e o Estado nas Associações
de Bairros pela EDUFBA (1997), o capítulo “Experiência da Ala Jovem do MDB da Bahia durante o Regime
Militar (2003) e vários artigos sobre movimento estudantil.
Helder Teixeira - Licenciado e bacharel em História pela UFRN, mestre em Ciência Política pela UFPE e
doutorando em Ciências Sociais da UFBA. Atua no campo da assessoria e consultoria parlamentar ad hoc na
Câmara Municipal de Aracaju (SE), como colunista do Jornal CINFORM e comentarista político em rádio e
televisão no estado Sergipe. Desenvolve pesquisa sobre a ingerência militar na Constituinte de 1987-1988 e
seus desdobramentos no âmbito da segurança pública brasileira hodierna através de Bolsa da CAPES.

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