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DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

A COMUNIDADE POLITICA
O Senhoril do SENHOR
O povo de Israel, na fase inicial da sua história, não tem reis, como os demais povos, porque reconhece tão-
somente o senhorio de Iahweh. É Deus que intervém na história através de homens carismáticos, conforme
testemunha o Livro dos Juízes.
Apontar para o Senhor
Israel tem uma concepção de realeza diferente da dos povos vizinhos: o rei, escolhido por Iahweh e por Ele
consagrado será visto como Seu filho e deverá tornar visível o senhorio e o desígnio de salvação.
Deverá ainda fazer-se defensor dos fracos e assegurar ao povo a justiça: as denúncias dos profetas apontarão
precisamente para as inadimplências dos reis
Jesus e os Césares Pedro e Paulo
Jesus rejeita o poder opressivo e despótico dos A submissão, não passiva, mas por razões de
grandes sobre nações e suas pretensões de consciência ao poder constituído corresponde à
fazerem-se chamar benfeitores, mas nunca ordem estabelecida por Deus. São Paulo define as
contesta diretamente as autoridades de seu tempo. relações e os deveres dos cristãos para com as
autoridades (cf. Rm 13, 1-7).
Na diatribe sobre o tributo a ser pago a César, Ele
afirma que se deve dar a Deus o que é de Deus,
condenando implicitamente toda tentativa de São Pedro exorta os cristãos a submeter-se “a toda
divinizar e de absolutizar o poder temporal: autoridade humana por amor a Deus” (1 Pe 2, 13).
somente Deus pode exigir tudo do homem. Ao O rei e os seus governadores têm a função de
mesmo tempo o poder temporal tem o direito “punir os malfeitores e premiar os bons” (cf. 1 Pe
àquilo que lhe é devido: Jesus não considera 2, 14).
injusto o tributo a César.
Poder temporal
Quando o poder humano sai dos limites da vontade de Deus, se autodiviniza e exige submissão absoluta,
torna-se a Besta do Apocalipse, imagem do poder imperial perseguidor.
A Igreja proclama que Cristo, vencedor da morte, reina sobre o universo que Ele mesmo resgatou. O Seu
reino se estende a todo o tempo presente e terá fim somente quando tudo for entregue ao Pai e a história
humana se consumar com o juízo final.
Pessoa e Política
A pessoa humana é fundamento e fim da convivência política. Dotada de racionalidade, é responsável pelas
próprias escolhas e capaz de perseguir projetos que dão sentido à sua vida, tanto no plano individual como
no plano social.
Isto significa que para o homem, criatura naturalmente social e política, “a vida social ... não é qualquer
coisa de acidental”, mas uma dimensão essencial e incancelável. A comunidade política procede, portanto,
da natureza das pessoas.
Comunidade e Povo
A comunidade política tem na referência ao povo a sua autêntica dimensão: ela “é, e deve ser na realidade, a
unidade orgânica e organizadora de um verdadeiro povo”.
O povo não é uma multidão amorfa, uma massa inerte a ser manipulada e instrumentalizada, mas sim um
conjunto de pessoas, cada uma das quais ― do próprio lugar e a seu modo ― tem a possibilidade de formar
a própria opinião a respeito da coisa pública e a liberdade de exprimir a própria sensibilidade política e de
fazê-la valer em maneira consoante com o bem comum.
Povo e Nação
O que, em primeiro lugar, caracteriza um povo é a partilha de vida e de valores, que é fonte de comunhão no
âmbito espiritual e moral.
A cada povo corresponde em geral uma nação, mas, por razões diversas, nem sempre as fronteiras nacionais
coincidem com os confins étnicos. Aparece destarte a questão das minorias, que historicamente tem
originado não poucos conflitos.
A finalidade
Considerar a pessoa humana como fundamento e fim da comunidade política significa esforçar-se, antes de
mais, pelo reconhecimento e pelo respeito da sua dignidade mediante a tutela e a promoção dos direitos
fundamentais e inalienáveis do homem.
A comunidade política persegue o bem comum atuando com vista à criação de um ambiente humano em que
aos cidadãos seja oferecida a possibilidade de um real exercício dos direitos humanos e de um pleno
cumprimento dos respectivos deveres
A convivência social modalidades da solidariedade e da dedicação ao
próximo.
O significado profundo da convivência civil e
política não emerge imediatamente do elenco dos Relações integrais
direitos e deveres da pessoa. Tal convivência só
O homem é uma pessoa, não só um indivíduo. É
adquire todo o seu significado se for baseada na portanto uma realidade bem superior à de um
amizade civil e na fraternidade. sujeito que se exprime nas necessidades
Uma comunidade é solidamente fundada quando produzidas pela mera dimensão material.
tende para a promoção integral da pessoa e do O preceito evangélico da caridade ilumina os
bem comum: neste caso, o direito é definido, cristãos sobre o significado mais profundo da
respeitado e vivido também de acordo com as convivência política.
Autoridade política A autoridade política deve garantir a vida
ordenada e reta da comunidade, sem tomar o lugar
A autoridade política é, portanto, necessária em
da livre atividade dos indivíduos e dos grupos,
função das tarefas que lhe são atribuídas e deve
mas disciplinando-a e orientando-a, no respeito e
ser uma componente positiva e insubstituível da
na tutela da independência dos sujeitos individuais
convivência civil.
e sociais, para a realização do bem comum.
Os deveres da autoridade
A autoridade, pois, deve deixar-se guiar pela lei moral: toda a sua dignidade deriva do desenrolar-se no
âmbito da ordem moral.
A autoridade deve reconhecer, respeitar e promover os valores humanos e morais essenciais.
A autoridade deve exarar leis justas, isto é, em conformidade com a dignidade da pessoa humana e com os
ditames da reta razão.
Objeção de consciência
O cidadão não está obrigado em consciência a seguir as prescrições das autoridades civis se forem contrárias
às exigências da ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho.
É um grave dever de consciência não prestar colaboração, nem mesmo formal, àquelas práticas que, embora
admitidas pela legislação civil, contrastam com a lei de Deus.
O direito a resistir
Reconhecer que o direito natural funda e limita o direito positivo significa admitir que é legítimo resistir à
autoridade caso esta viole grave e repetidamente os princípios do direito natural.
Critérios de resistência
A doutrina social indica os critérios para o exercício da resistência: “A resistência à opressão do poder
político não recorrerá legitimamente às armas, salvo quando se ocorrerem conjuntamente as seguintes
condições: 1. em caso de violações certas, graves e prolongadas dos direitos fundamentais; 2. depois de ter
esgotado todos os outros recursos; 3. sem provocar desordens piores; 4. que haja uma esperança fundada de
êxito; 5. se for impossível prever razoavelmente soluções melhores”. A luta armada é contemplada como
extremo remédio para pôr fim a uma “tirania evidente e prolongada que ofendesse gravemente os direitos
fundamentais da pessoa humana e prejudicasse o bem comum do país”. A gravidade dos perigos que o
recurso à violência hoje comporta leva a considerar preferível o caminho da resistência passiva, “mais
conforme aos princípios morais e não menos prometedor do êxito”.

Vigiar, punir e remediar


Para tutelar o bem comum, a legítima autoridade pública deve exercitar o direito e o dever de infligir penas
proporcionadas à gravidade dos delitos.
A pena não serve unicamente para o fim de defender a ordem pública e de garantir a segurança das pessoas;
esta torna-se, outrossim, um instrumento de correção do culpado, um correção que assume também o valor
moral de expiação quando o culpado aceita voluntariamente a sua pena.

Democracia e valores Informação e democracia


Uma autêntica democracia não é o somente o A Informação está entre os principais
resultado de um respeito formal de regras, mas é o instrumentos de participação democrática. Não é
fruto da convicta aceitação dos valores que pensável participação alguma sem o conhecimento
inspiram os procedimentos democráticos: a dos problemas da comunidade política, dos dados
dignidade da pessoa humana, o respeito dos de fato e das várias propostas de solução dos
direitos do homem, do fato de assumir o bem problemas.
comum como fim e critério regulador da vida É necessário assegurar um real pluralismo neste
política. delicado âmbito da vida social, garantindo uma
Se não há um consenso geral sobre tais valores, se multiplicidade de formas e de instrumentos no
perde o significado da democracia e se campo da informação e da comunicação,
compromete a sua estabilidade. facilitando também condições de igualdade na
posse e no uso de tais instrumentos mediante leis
apropriadas.
Comunidade Civil
A comunidade política é constituída para estar ao serviço da sociedade civil, da qual deriva.
A sociedade civil é um conjunto de realizações e de recursos culturais e associativos, relativamente
autônomos em relação ao âmbito tanto político como econômico.
Estado e Sociedade
O Estado deve fornecer um quadro jurídico adequado ao livre exercício das atividades dos sujeitos sociais e
estar pronto a intervir, sempre que for necessário, e respeitando o princípio de subsidiariedade, para orientar
para o bem comum a dialética entre as livres associações ativas na vida democrática.
A sociedade civil é heterogênea e articulada, não desprovida de ambigüidades e de contradições: é também
lugar de embate entre interesses diversos, com o risco de que o mais forte prevaleça sobre o mais indefeso.
Liberdade religiosa Igreja e Estado
A liberdade de consciência e de religião “diz A Igreja e a comunidade política, embora
respeito ao homem individual e socialmente”: o exprimindo-se ambas com estruturas organizativas
direito à liberdade religiosa deve ser reconhecido visíveis, são de natureza diversa quer pela sua
no ordenamento jurídico e sancionado como configuração, quer pela finalidade que perseguem.
direito civil, todavia, não é em si um direito
A Igreja organiza-se com formas aptas a satisfazer
ilimitado. as exigências espirituais dos seus fiéis, ao passo
Os justos limites ao exercício da liberdade que as diversas comunidades políticas geram
religiosa devem ser determinados para cada relações e instituições ao serviço de tudo o que se
situação social com a prudência política, segundo compreende no bem comum temporal. A
as exigências do bem comum, e ratificados pela autonomia e a independência das duas realidades
autoridade civil mediante normas jurídicas mostram-se claramente, sobretudo na ordem dos
conformes à ordem moral objetiva fins.

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