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e-metropolis
ISSN 2177-2312
editores
Ana Carolina Christóvão
Carolina Zuccarelli
Eliana Kuster
Fernando Pinho
Juciano Martins Rodrigues
Patrícia Ramos Novaes
Pedro Paulo Machado Bastos conselho editorial
Renata Brauner Ferreira Profª Drª. Ana Lúcia Rodrigues (DCS/UEM)
Samuel Thomas Jaenisch Prof Dr. Aristides Moysés (MDPT/PUC-Goiás)
Prof Dr. Carlos de Mattos (IEU/PUC-Chile)
Prof Dr. Carlos Vainer (IPPUR/UFRJ)
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Profª Drª. Simaia do Socorro Sales das Mercês (NAEA/UFPA)
Profª Drª Sol Garson (PPED/IE/UFRJ)
Profª Drª. Suzana Pasternak (FAU/USP)
Editorial nº 22 ▪ ano 6 | setembro de 2015
A
utoritarismo, conflitos inter- sa o fluxo da “migração de retorno” capital portenha, o ensaio fotográfi-
geracionais, experiência ur- para o Nordeste, fluxo em destaque co de Isabel Paz aponta para as espe-
bana, interseções entre raça na atualidade. Ao analisar o perfil da cificidades da cidade de Buenos Ai-
e gênero, megarregião, migração, população migrante, não migrante e res. Feito em 2012, com o interesse
urbanização e zoneamento ambiental migrante de retorno na última déca- de ater-se a detalhes que enriquece-
– esses são os temas em relevo da e- da, observa-se que a Região Metro- riam a visita à cidade, esse registro
-metropolis número 22. Convidamos politana do Cariri passou a reter os pode ser lido como pequenas pistas
a todas e a todos para mais um mo- habitantes mais qualificados e atrair de uma experiência urbana possível.
mento de reflexão sobre o urbano, o de volta à sua terra natal aqueles que Para finalizar esta edição, apre-
regional e a vida nas cidades. haviam deixado à região e que retor- sentamos a tradução de uma entrevis-
Iniciamos a revista com o artigo naram com maior qualificação. ta concedida pelo renomado teórico
de Sandra Lencioni, intitulado Urba- Em seguida, a questão ambiental urbano Neil Brenner, professor da
nização difusa e a constituição de em sua relação com os instrumentos Harvard University, em que argu-
megarregiões. O caso de São Paulo- legais de gestão do território aparece menta que a tão-falada ideia de que
-Rio de Janeiro, o qual, a partir do no texto de Maria do Carmo Bezer- estamos vivendo na “Era Urbana”.
conceito de megarregião, examina ra, A necessária articulação entre Para Brenner é preciso dar maior
a constituição da região urbana Rio os instrumentos de gestão de APA complexidade à discussão deste tema,
de Janeiro-São Paulo, as mudanças urbanas e o plano diretor. Aqui en- devendo o termo “urbanização” ser
na urbanização contemporânea e a contramos uma análise comparativa redefinido com o objetivo de abarcar,
metropolização do espaço como uma dos conceitos de zoneamento de uso na sua concepção, o poder das cida-
nova fase da urbanização. Em uma de do solo e zoneamento ambiental de des em influenciar regiões cada vez
suas conclusões, a autora indica que APAs urbanas, conforme descritos no mais distantes das tradicionais áreas
a economia petrolífera reforçará essa Plano Diretor e nos Planos de Mane- morfologicamente urbanas.
megarregião, constituindo-se como jo, respectivamente. Boa leitura. Até a próxima edição!
mais um elemento integrante do de- Uma abordagem que considere as
senvolvimento geográfico desigual interseções entre raça, classe e gêne-
brasileiro. ro é o tema do artigo Mulheres ne-
Mais adiante, em ¿Autoritarismo gras, movimentos sociais e direito à
en el espacio urbano? Disputas in- cidade: uma perspectiva para as po-
tergeneracionales en la Plaza San líticas públicas. Em seu texto, Jessi-
Juan, Ciudad de México, os pesqui- ca Raul traz uma importante reflexão
sadores mexicanos Christian Mari- sobre o lugar das famílias chefiadas
néz e León Contreras afirmam que, por mulheres negras na cidade do Rio
apesar dos avanços democráticos de Janeiro. Ao considerar as formas
ocorridos nos últimos anos em seu de apropriação do espaço urbano e
país, uma forte herança autoritária das desvantagens desta apropriação
se reproduz, entre outras coisas, na para as camadas populares, a autora
apropriação dos espaços públicos. busca compreender o impacto da es-
No artigo Migração para e da peculação imobiliária e do aumento
Região Metropolitana do Cariri nas do custo de vida na cidade para as
últimas duas décadas, Wellington mulheres negras pobres enquanto
Justo explora o tema da migração grupo social e historicamente vulne-
nesta região nos períodos de 1995- rável.
2000 e 2005-2010, bem como anali- Luz y fuerza: um olhar sobre a
editorial
Capa Ensaio
06 Urbanização difusa 36 A necessária articulação 54 Luz y fuerza: um olhar
e a constituição de entre os instrumentos de sobre a capital portenha
megarregiões. O caso de gestão de APA urbanas e o Light and strength:
São Paulo-Rio de Janeiro plano diretor an overview on the
Diffuse urbanization and The necessary articulation porteña capital
the creation of mega-regions. between Urban Protected Por Isabel Paz
The case of São Paulo Areas managament tools
— Rio de Janeiro and the Master Plan
Por Sandra Lencioni Por Maria do Carmo Entrevista
de Lima Bezerra
58 Em prol de uma
reconsideração do urbano
Artigos 46 Mulheres negras,
e seu impacto global
movimentos sociais e
16 ¿Autoritarismo en el direito à cidade: uma In favor of a reconsideration
espacio urbano? Disputas perspectiva para as of the urban and their
intergeneracionales en la políticas públicas global impact
Plaza San Juan, Ciudad Com Neil Brenner
Black women, social
de México movements and the right Por Peter Mares
Authoritarianism in the urban to the city: a perspective
space? Intergenerational for public policies
disputes in Plaza San Juan,
Por Jessica Mara Raul
Mexico DF
Por Christian Amaury
Ascensio Martínez e León
Felipe Téllez Contreras
ficha técnica
Projeto gráfico A Ilustração de capa foi feita por
e editoração eletrônica Alexandre S. Matos e Emanuel Perez
Paula Sobrino Barroso, designers, animadores e ilustrado-
res a frente do Estúdio à Deriva.
paulasobrino@gmail.com
estudioaderiva@gmail.com
Revisão
Aline Castilho
alinecastilho1@hotmail.com
capa
Sandra Lencioni
Urbanização difusa e a
constituição de megarregiões
O caso de São Paulo-Rio de Janeiro
Resumo
Mudanças na urbanização contemporânea e a constituição de regiões urbanas de grandes
dimensões motivam a discussão deste texto, que discute a metropolização do espaço
como uma nova fase da urbanização e se utiliza da ideia de nebulosa urbana para expres-
sar a urbanização dispersa. Enfatiza que a dispersão urbana não é infinita e que a chave
para se compreender os limites da dispersão reside na questão da integração. Utiliza o
conceito de megarregião para examinar a constituição da mais importante região urbana
do hemisfério sul: Rio de Janeiro-São Paulo, que tende a se amalgamar, ainda mais, face
à economia do petróleo, em especial, devido à exploração do pré-sal.
Abstract
Changes in contemporary urbanization and the creation of large urban areas motivates
the discussion of this text. It discusses the metropolization of space as a new phase of
urbanization and use the urban nebula idea to express the urban sprawl. It emphasizes
that urban sprawl is not infinite and that the key to understanding the limits of the
Sandra Lencioni
dispersion repose in the question of integration. It uses the concept of mega-region to
é professora titular do Departamento
examine the constitution of the most important urban area in the southern hemisphere: de Geografia, da faculdade de Filosofia,
Rio de Janeiro — São Paulo, which tends further to amalgamate, especially in the face of Letras e Ciências Humanas da Universida-
the oil economy, especially due to the pre-salt exploration. de de São Paulo.
escapar a todo constrangimento, intensificando, por xão no tempo histórico a indicar uma nova fase da
outro lado, a pressão sobre os espaços naturais e agrí- urbanização. Fase está, é bom não ter medo de dizer,
colas. Esses fenômenos de dilatação e de hipermobi- que nos deixa pasmos diante da consciência das con-
lidade não são, necessariamente, incompatíveis com dições de vida urbana que tínhamos e da que estamos
os fenômenos de reurbanização e de redensificação”. condenados a viver no presente.
Assim, os fenômenos de “retorno ao centro” (...) são
indissociáveis do processo de metropolização. (Pin-
çon, 2011, 40). UM MUNDO DE
A esses autores poderíamos agregar outros, como NEBULOSAS URBANAS
Volle (1996), Lacourt (1999), Monclús (1999). En-
fim, o que queremos é destacar uma significativa As profundas transformações urbanas levaram, já há
bibliografia que considera o processo de metropo- várias décadas, à reflexão dos novos caminhos da ur-
lização do espaço como expressão de um novo mo- banização. O trabalho de Gottmann (1961) sobre o
mento (diríamos crítico) da urbanização. A lógica da desenvolvimento urbano da costa leste dos Estados
industrialização e da urbanização, como a da trans- Unidos — do sul de Nova Hampshire até o norte da
formação de espaços rurais em urbanos, continua Virgínia — foi e continua sendo uma referência. Foi
existindo, mas está subordinada à da metropolização. ele quem conceituou o que vem a ser uma megalópo-
Esta nova lógica é que se coloca hegemônica sobre le, conceito usado para se referir a uma região urbana
processos historicamente conhecidos, no sentido de com fusão de metrópoles, que não tem nada a ver
que embora possa não ser quantitativamente a maior, com a ideia do senso comum de que uma megalópole
é ela que domina e dirige os processos que metamor- significa metrópole grande.
foseiam o espaço. Gottmann não foi a primeira pessoa a usar o ter-
Nessa metamorfose os padrões de comportamen- mo “megalópole”. Antes havia sido empregado por
to, signos e hábitos metropolitanos veiculados pelas Gueddes (1915) [1960], por Splenger (1918) [1966]
redes de comunicações chegam a todos os lugares. e por Mumford (1938) [1945]. Em todos eles há
A antiga distinção entre campo e cidade, tão clara a ideia de cidades com enorme crescimento. Para
no passado, torna-se mais embaciada e, onde faz-se Gueddes (1915) [1960] uma megalópole exprime
ainda nítida, ganha opacidade quando se examina o um estágio de desenvolvimento da sociedade. Intui
comportamento social pautado por um modo de ser de forma antecipadora que na costa leste dos Esta-
que emana da metrópole e invade o campo. O Jeca- dos Unidos se desenvolveria um corredor de cidades.
-tatu paulista, o caipira, o colono do sul, o caiçara, Entende, também, que aí se desenvolveria uma vida
o sertanejo, o candango... se eles já se constituíam social deprimente, com crimes, violência e apatia,
como figuras do passado são, agora, figuras de um uma vida urbana negativa. Em 1938, Mumfort vai
passado muito mais distante. Os homens do cam- na mesma direção de Gueddes (1915), chamando
po e os ribeirinhos, os assentados, os que vivem em de megalópole a cidade hipertrofiada e espraiada que
pequenas propriedades rurais ou nas cidades, os que rompe seus limites e se caracteriza por não ter forma.
vivem em casas flutuantes e nas palafitas, por exem- Dizia que ela se constituiria num estágio degradado
plo, reproduzem hábitos e valores metropolitanos de cidade a anunciar uma fase de decadência da ci-
veiculados pela televisão. São todos eles homens de vilização.
seu tempo com um modo de vida historicamente Gottmann se distancia das colocações de Splenger
constituído. Submetem-se progressivamente a uma (1918), Gueddes (1915) e de Mumford (1938). Para
sociedade de consumo, experimentando signos que o autor, o crescimento urbano não se constitui numa
apreendem como modernos e contemporâneos, mes- preocupação, nem na constituição desmesurada da
clando o tradicional modo de vida com o novo. cidade. E ele tampouco considera que este seja ex-
Portanto, mais que transformar o espaço, o pro- pressão de uma fase de decadência civilizatória1. Para
cesso de metropolização produz uma verdadeira me- ele, uma megalópole exprime um estágio superior
tamorfose. Lembrando as libélulas, elas podem exem- de desenvolvimento metropolitano e, é importante
plificar o que queremos afirmar. De larvas aquáticas reiterar, não expressa decadência do processo civiliza-
se transformam em libélulas voadoras expressando tório. Outra referência importante é que, para Got-
uma metamorfose, uma mudança profunda, na qual
não só a forma e a estrutura de larva para libélula se
1 Especificamente, os textos de Randle, (1990) e o de Baigent
alteram, mas, também, seu habitat. De igual manei- (2004) fazem uma comparação do termo “megalóple” entre
ra, as transformações urbanas são tão profundas, que autores. O primeiro, entre Mumfort e Gottmann e, o segun-
se pode conceber com clareza um momento de infle- do, entre Gueddes, Mumfort e Gottmann.
tmann, uma megalópole constitui uma região urba- vez que o que é considerado disperso não significa
na e essa ideia não se faz presente nem em Splenger sem fim. Em primeiro lugar, cabe lembrar que dis-
(1918) e nem em Mumford (1938). persar exprime a ação de separar os elementos, de
Foi Gottmann quem analisou com rigor e pionei- romper a unidade de um conjunto. Isso significa
rismo a constituição de uma região urbana a expres- dizer que a dispersão tem o seu contraposto: a uni-
sar um novo tempo. Embora seu trabalho anunciasse dade. No caso em exame, a dispersão urbana tem
novos processos e novas configurações urbanas e te- como contraposto a ideia de unidade, precisamente
nha influenciado uma vasta literatura sobre o urba- de uma unidade historicamente constituída, uma vez
no, após o auge de trabalhos semelhantes, durante as que o urbano se constitui como feito humano, como
décadas de 1960-1970, a exemplo da megalópole de produção social. Portanto, estamos a falar de frag-
Los Angeles-San Diego e de Tóquio-Osaka, a impor- mentação de uma unidade, de fragmentação de uma
tância do pensamento de Gottmann perdeu fôlego. totalidade. E, também estamos a falar de dispersão e
Em primeiro lugar porque houve uma grande re- de seu contrário, a concentração.
novação no pensamento sobre o processo de urbani- Dizendo com outras palavras, a unidade (totali-
zação dada a influência do pensamento marxista que dade) e a fragmentação se desenvolvem num quadro
colocou em xeque a perspectiva clássica dos estudos de dispersão e é a integração na fragmentação que
urbanos, dos quais Gottmann é um dos representan- garante o conjunto, a totalidade. Sem a integração
tes. Conflitos sociais e a luta pelo espaço passaram, não seria possível visualizar os limites da dispersão e
com ênfase, a fazer parte da agenda de preocupações nem capturar as relações que são estabelecidas entre
sobre o urbano. Em segundo lugar, porque a ideia de os fragmentos. É a integração que permite entender a
planejamento urbano e regional como uma possibi- tensão entre fragmentação e totalidade e que permite
lidade da prancheta e dos órgãos de planejamento foi compreender que a dispersão significa dispersão de
colocada em dúvida como garantia de sucesso. partes de um todo.
No final da década de 1980, e especialmente nas Sem a compreensão do entendimento preciso da
duas décadas seguintes, face às profundas alterações palavra dispersão e de seu contraponto, a totalida-
no urbano e ao desenvolvimento de uma urbaniza- de, cada fragmento em si, comporia uma unidade,
ção cada vez mais extensiva territorialmente, não são um ponto isolado. Como definiu Euclides, o célebre
retomadas as colocações de Gottmann sobre mega- matemático da Antiguidade, um ponto não tem par-
lópole, mas se cunham novos nomes, a exemplo de tes. Tal raciocínio impossibilitaria perceber a ideia de
“metapólis” (Ascher, 1995), “cidade dispersa” (Mon- conjunto e de limites de uma nebulosa urbana. A
clús, 1999) e “cidade-região global”, (Scott, Agnew, chave para se compreender os limites da dispersão
Soja & Stopper, 2001). reside no exame da integração na dispersão. Só assim
Estas nomeações, e tantas outras similares, têm é possível compreender que só na aparência os frag-
vários aspectos comuns presentes na ideia de mega- mentos dão ideia de pontos isolados. Cada fragmen-
lópole de Gottmann. Entre eles destacamos um: o de to é parte de uma totalidade.
que todas confluem para a ideia de nebulosa urbana. Uma nebulosa urbana, seja ela considerada uma
Como nebulosa, o fenômeno urbano apresenta-se megalópole, uma metápole ou uma cidade-região,
esgarçado, rompido, com porosidades e descontinui- constitui uma totalidade composta de fragmentos de
dades face a um quadro de volatividade permanente. uma unidade. É a integração entre as partes do todo
que se constitui na chave para apreensão dos limites
dessas grandes extensões urbanas que cada vez mais
TOTALIDADE E FRAGMENTAÇÃO. se afiguram no mapa do mundo.2
A INTEGRAÇÃO COMO
ELEMENTO DE COESÃO 2 É bastante usual a referência à fragmentação do espaço
NA DISPERSÃO quando os olhares se voltam para a urbanização contempo-
rânea. Em geral, esse olhar vem acompanhado da discussão
sobre dispersão e concentração espacial. Também é comum
Seja em relação à ideia de megalópole ou em rela-
uma outra referência, a homogeneização do espaço. Mas
ção a tantas outras a expressar o desenvolvimento de gostaríamos de destacar um terceiro termo, a hierarquia. O
uma urbanização dispersa e cada vez mais extensiva espaço não é só fragmentado e homogêneo. Ele é, também,
territorialmente, que temos chamado preliminar- hierarquizado. O espaço capitalista como sendo homogê-
mente de nebulosa urbana, cabe sempre a indagação neo, fragmentado e hierarquizado encontra-se em Lefébvre
(1974), que se inspirou no pensamento de Marx que colocou
acerca do limite dela. o trabalho como categoria central e que enfatiza ser ele, no
Em suma, se a urbanização é dispersa como apre- capitalismo, homogêneo, fragmentado e hierarquizado. Foi,
ender seus limites? Como resolver esta questão, uma então, que Lefébvre concebeu essa mesma tríade para a aná-
A integração é que dá coesão ao que se apresenta regional é um conceito que encontramos em Soja
disperso, ao que se mostra estendido territorialmente (2013). O que queremos afirmar é que em ambos
como um mosaico de fragmentos. Reiterando, a in- autores, nas duas concepções, destaca-se a palavra
tegração é a chave para se compreender a unidade do região. A ideia de região ao estar presente expressa
que se apresenta fragmentado e disperso. O que per- o sentido de integração, como assinalamos anterior-
mite afirmar que uma nebulosa urbana não conforma mente, sentido este indispensável para se compreen-
uma área, mas uma região. A geografia nos ensina der uma urbanização difusa e o desenvolvimento de
há décadas a diferença entre área e região, afirman- regiões urbanas extensas territorialmente e em coales-
do que nem toda área constitui uma região. Para que cência, a expressar unidade na fragmentação. Como
uma dada área se constitua como uma região é indis- afirmamos anteriormente, disperso e difuso não que-
pensável haver uma unidade interna, uma coesão, ou rem dizer infinito.
seja, a constituição de uma totalidade. É importante A interpretação de Soja (2013) e o conceito de
observar que essa unidade e integração não é definida urbanização regional guardam relação com sua ideia
pela continuidade de elementos espaciais, nem pela de transição pós-metropolitana. Nas palavras de
homogeneidade de fenômenos, mas pela integração Soja estamos vivendo “uma mudança paradigmática
que apresentam. Por isso, uma região pode apresentar na verdadeira natureza do processo de urbanização
descontinuidade territorial dos fenômenos desde que (...) [e tudo indica] que a era da metrópole moderna
haja integração na dispersão. parece estar terminando”. (Soja, 2013, 151). O que
Os fluxos, os movimentos, as ligações (linkages) vemos no seu pensamento é a evolução da ideia de
entre as partes, bem como as complementariedades transição pós-metropolitana para a de urbanização
entre partes e funções, que se dão pela mediação de regional. Diz ele que “há sinais que a transformação
diversas dinâmicas e processos e que se desenvolvem da urbanização metropolitana para a regional e o uso
no interior da região, são elementos constitutivos da de termos associados tais como cidades-região e cida-
integração. Por isso, a discussão atual sobre as aglo- des regionais crescerão em importância para a análi-
merações difusas, tanto quanto a de megalópole, me- se geográfica urbana ao longo da próxima década”.
tápolis, cidade-região, consideram esse espaço como (Soja, 2013, 150).
região urbana e não como área urbana. Esta ponde- Mas, foi a concepção de megarregião, de Sassen
ração é importante, porque uma área urbana não se (2008), que nos inspirou o olhar sobre a região Rio
confunde com região urbana. de Janeiro-São Paulo, como unidade, a ser discutida
Temos nos referido a nebulosas urbanas porque a seguir. Para ela, “ventajas específicas de la escala me-
se trata de uma expressão de linguagem e não assu- ga-regional consisten en, y emergen de la coexistencia
me, aqui, o sentido de conceito. Não retomamos o dentro de un espacio regional de múltiples tipos de
conceito de megalópole porque ele foi concebido economías de aglomeración. Estos tipos de economí-
num quadro sem duas referências importantes para as de aglomeración están hoy distribuidos a lo largo
se pensar a urbanização contemporânea. A globaliza- de diversos espacios económicos y escalas geográficas
ção e a desregulamentação promovidas pelas políticas (…). Cada uno de estos espacios muestra distintas
neoliberais na relação com a produção do urbano e economías de aglomeración y, a lo menos empírica-
a revolução das comunicações e o desenvolvimento mente, se fundan en tipos diversos de contextos ge-
da informática que alteraram profundamente as dis- ográficos, desde lo urbano a lo rural, de lo local a lo
tâncias. global.” (Sassen, 2007, 12).
As nebulosas urbanas constituem regiões. Agora
sim, podemos falar de alguns conceitos e abandonar
o que era agora apenas uma expressão de linguagem
A MEGARREGIÃO RIO DE
— a de nebulosa urbana. Chegamos ao ponto de falar JANEIRO-SÃO PAULO. A
de conceitos novos que permitem apreender o novo. URBANIZAÇÃO REGIONAL
Abandonando, portanto, a figura de linguagem ex- DE MAIOR EXPRESSÃO NO
pressa em nebulosa urbana, vamos, então, caminhar TERRITÓRIO BRASILEIRO:
em direção a dois conceitos. O de megarregião e o de RIO DE JANEIRO–SÃO PAULO
urbanização regional.
Megarregião é um conceito usado por alguns au- No sudeste do Brasil, ao longo da costa atlântica, as
tores, entre eles, Sassen (2008). E o de urbanização metrópoles do Rio de Janeiro e de São Paulo consti-
tuem as principais cidades de uma megarregião. Aí se
lise da produção do espaço capitalista. Esta discussão está no desenvolve a urbanização regional de maior expressão
capítulo V de sua obra Au-delà du structuralisme. no Brasil e no hemisfério sul. Da região do entorno
do Rio de Janeiro, ao longo da costa, indo em dire- no da região metropolitana inclui a mesorregião do
ção à Juiz de Fora, penetrando pelo Vale do Paraíba e Sul Fluminense que contém as microrregiões: Vale
chegando à Baixada Santista a mancha urbana, quase do Paraíba Fluminense, Barra do Piraí e Baía da Ilha
que contínua, avança para o interior paulista indo Grande que têm como cidades principais: Volta re-
além de Campinas e Sorocaba. Esta região integra-se donda, Barra do Piraí e Angra dos reis, respectiva-
entre si e, em escala global, por meio das atividades mente. Compreende, também, a microrregião Serra-
econômicas, dos eixos de circulação viária e aérea e na, cuja cidade principal é Petrópolis e a microrregião
das redes de informação e comunicação. do Lagos, com destaque para Cabo Frio.3 Além de
Segundo Davidovich, 2001, no Rio de Janeiro, cinco municípios: Paracambi, Seropédica, Itaguaí,
a “parte considerável do entorno da metrópole apre- Cachoeiras de Macacu e Rio Bonito, que não estão
senta uma configuração espacial em eixo; o do Mé- inseridos em nenhuma das microrregiões previamen-
dio Vale do Paraíba do Sul, o do Litoral Sul e o do te citadas. A ligação do Rio de Janeiro com Juiz de
Litoral Norte (até a Região dos Lagos), o da Rio-Juiz Fora, em Minas Gerais, se dá, em especial, com os
de Fora, que significam, também, o privilegiamento municípios ao longo da rodovia Presidente Juscelino
de alguns lugares, em detrimento de outros”. Acres- Kubitschek, um trecho da BR-040.
centa que este entorno metropolitano constitui uma Na porção paulista, a megarregião compreende
nítida diferenciação com o resto do estado, onde têm 167 municípios. Tal informação se funda no minu-
prevalecido o atraso econômico e as funções urbanas cioso trabalho efetuado pela Emplasa — Empresa
tradicionais, à exceção da atividade petrolífera na ba- Paulista de Planejamento Metropolitano4. Além da
cia de Campos”. (Davidovichi, 2001, 71). região metropolitana de São Paulo, há quatro outras
O eixo de ligação entre o Rio de Janeiro e São regiões metropolitanas: a de Campinas (metrópole
Paulo, a rodovia Presidente Dutra, capturou, como Campinas), a de Sorocaba (metrópole Sorocaba), a
área de influência de São Paulo, o Vale do Paraíba do Vale do Paraíba Paulista e Litoral Norte (metró-
Fluminense. Como exemplo destas relações intensas pole São José dos Campos) e a da Baixada Santista,
vale lembrar a indústria automobilística, na qual as com a metrópole Santos. Além de duas outras forma-
fábricas da Volkswagen, Peugeot, Citroën; Hyundai, ções espaciais. A primeira, a aglomeração urbana de
Land Rover e Nissan guardam estreitas relações com Jundiaí e a de Piracicaba, tendo as cidades de Jundiaí
São Paulo, bem como a fábrica de pneus Michelin. e Piracicaba como cidades principais. E, a segunda, a
Também vale mencionar que o setor siderúrgico do microrregião Bragantina, cuja principal cidade é Bra-
Rio de Janeiro guarda estreitas relações com São Pau- gança Paulista.
lo, tanto que a CSN — Companhia Siderúrgica Na- A visão noturna da megarregião Rio de Janeiro-
cional — localizada em Volta Redonda, tem sua sede -São Paulo revela a unidade desta região. As áreas mais
administrativa na cidade de São Paulo. escuras, que interrompem a continuidade das luzes,
A porção do Estado de São Paulo é linear no Vale revelam a topografia acidentada. São áreas de serra e
do Paraíba e em direção ao interior paulista, na re- de matas a serem preservadas. Devemos ter em conta
gião de Campinas e de Sorocaba, apresenta um de-
senho areolar, porque o desenvolvimento econômico
3 A mesorregião e a microrregião, no caso do estado do Rio de
não se restringiu aos eixos de circulação tendo se es- Janeiro, constituem divisões regionais elaboradas pelo IBGE
palhado por áreas inteiras. Isso significa dizer que a — Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística —, que uti-
megarregião Rio de Janeiro-São Paulo configura-se lizou o critério de similaridade econômica e social para a sua
de forma linear e areolar. delimitação. A microrregião se constitui numa subdivisão da
mesorregião. Ambas, a mesorregião e a microrregião, são di-
Essa forma híbrida da urbanização regional con-
visões utilizadas para fins estatísticos e não constituem uma
figura uma megarregião com intensa integração entidade política ou administrativa.
produtiva, forte interação com a economia global e 4 O trabalho da Emplasa considera a macrometróple constitu-
grande densidade dos movimentos pendulares. Mas ída por 173 municípios. Este trabalho foi efetuado em 2012.
deve ser assinalado que embora tenha intensos laços Em 2014 instituiu-se a região metropolitana de Sorocaba que
alterou o recorte anterior denominado de Aglomeração Urba-
com a atividade econômica global, também apresen-
na de Sorocaba. Este recorte continha seis municípios que não
ta uma rede de relações apenas local. compuseram a região metropolitana de Sorocaba. Trata-se dos
A megarregião é composta, no estado do Rio de seguintes municípios: Conchas, Laranjal Paulista, Pereiras,
Janeiro, por cinquenta municípios, sendo os mais Porangaba, Quadra e Torre de Pedra. Em suma, a aglomera-
importantes dispostos ao longo dos principais eixos ção urbana de Sorocaba cedeu lugar à Região Metropolitana
de Sorocaba que tem um recorte territorial aproximado ao da
de circulação viária. A região metropolitana do Rio Aglomeração Urbana de Sorocaba. Esta alteração que fez com
de Janeiro é composta por 21 municípios, sendo o que a cidade-região de São Paulo passasse a ter 167 municípios
centro a capital do estado, Rio de Janeiro. O entor- em vez dos 173.
Figura 1
Megarregião Rio
de janeiro-São
Paulo (Visão
Noturna)
que as serras presentes nesta região nunca foram obs- extensão territorial, é aprender o espaço como fixo.
táculos para a construção de uma unidade territorial Ao contrário, todo limite e fronteira são frutos da
tecida historicamente. A serra da Mantiqueira, entre história. Basta lembrar que as convenções fazem os
o Rio de Janeiro e Juiz de Fora e na região de Queluz japoneses chamarem de Oriente Próximo o que é dis-
no Vale do Paraíba, bem como a serra do Mar, en- tante, pois esta denominação foi dada e se impôs a
tre São Paulo e Santos, nunca foram barreiras para o partir do olhar procedente do mediterrâneo. E isso
desenvolvimento de relações entre os lugares. Nunca vale até mesmo para o fuso horário.
foram impedimentos para o desenvolvimento de re- A urbanização contemporânea revela com clareza
lações historicamente construídas ligando povoados, que a cidade como a conhecemos, circunscrita a um
vilas e cidades desde os tempos coloniais. ponto, tende, em algumas áreas a se amalgamar com
O mapa a seguir traça os limites dessa megarre- outras e constituir regiões urbanas de grande coesão
gião, considerando-se apenas os estados do Rio de deixando como imagem do passado a cidade como
Janeiro e São Paulo, a exigir a complementação de aglomeração concentrada. Talvez evoluiremos para
municípios de Minas Gerais. Cabe lembrar que o um mundo sem cidades como a que herdamos do
trabalho de André Urani (2007) denominado “A me- passado e viveremos em grandes aglomerações disper-
galópole brasileira” incorporou municípios mineiros, sas. Isso não significa que não haverá mais cidades
a requerer uma análise comparativa que não se cons- como aglomerações concentradas, significa apenas
titui no escopo deste texto. que a tendência é a de que, no futuro, multipliquem-
Convém chamar atenção para o fato de que os -se as grandes concentrações urbanas construídas por
limites dessa megarregião devem ser entendidos em movimentos de dispersão.
movimento. Por isso abolimos qualquer menção A megarregião Rio de Janeiro-São Paulo anuncia
à ideia de extravasamento metropolitano, ideia co- a emergência deste novo tempo. Áreas urbanas convi-
mum quando se fala do entorno metropolitano. Esta vem com as rurais, que apresentam, muitas delas, sig-
formulação contém a ideia de transbordamento e, nos metropolitanos mesclados com as características
portanto, de um limite fronteiriço estável. Ora, a his- de ontem, tornando um pouco mais obsoleta a clássi-
tória é movimento, é processo, é contínua mudança ca divisão entre campo e cidade, tanto quanto parece
e quaisquer que sejam as fronteiras, quaisquer que ter caducado a divisão centro e periferia. Apesar de
sejam os limites territoriais, eles não permanecem todas estas mudanças cabe chamar atenção para um
os mesmos; eles não são perenes, imutáveis. Assim, fato, o de que tais mudanças não invalidam essas no-
entender como transbordamento ou como extra- ções. Tudo isso é ainda válido, mas se torna defasado
vasamento dos limites é naturalizar os processos de e claramente insuficiente quando nos debruçamos