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Edgar vai até a sala olhando para baixo, ao chegar diante da porta que desejava entrar, para e

pensa. "Aonde eu ia mesmo?". A porta está em sua frente. Dá dois passos ao norte atento aos
barulhos de fora. Em seguida levanta o braço e bate na porta duas vezes. Edgar ouve os passos
vindo do outro lado, ele está ansioso. A porta se abre e Edgar vê primeiro os cabelos brancos
daquele velho senhor. Edgar diz:

- Olá, estou procurando o senhor.


- Olá menino, o que queres comigo? Que já sou pouco jovem e atraente...
- Não vim por fazer as pazes, é preciso que se acabe com essa farça toda.
- Mas que farça, do que falas?, diz o senhor com a batina preta.
- Ah, você sabe, não se faça como todos os outros. A farça da cidade, da polícia, da política, a
farça das artes, das escolas, a farça dos próprios teatros, dos hospitais, das máquinas de
costura, a farça que foram todas as mães e os pais que davam lugar aos impostores de fora. O
que querem que eu faça?
- Calma lá rapaz, está muito agitado, não é como se o mundo fosse sair por aí.

Joyce chega do outro lado da sala e puxa Edgar pelo braço para um canto.
- Ei, o que fazes aí? Não havia prometido que ficaria em silêncio?
- Sim sim, é que quando vi a porta fui acometido por um esquecimento e achei que deveria
bater. I'm sorry Joyce.
- Está tudo bem está tudo bem, dispense o velho, vai?

Edgar volta até a frente do senhor com que conversava, e o olhando articula:
- Senhor, tenho de ir, é hora de ver a novela das nove, essa é muito boa.
- Haha, que estranho senso de humor você tem menino, se cuide por aí.

Edgar se dirige até Joyce que o esperava na porta de saída daquela velha igreja. Joyce caminha
até Edgar e o toma pela mão. "Vamos lá garoto", e o sai levando para fora.
Na rua havia muito transito e pouca visão, estava escuro e haviam poucas luzes acesas.
Edgar aperta mais a mão de Joyce enquanto seguem em seu caminho.
Ao chegarem na casa de Joyce Edgar tira os sapatos. Ele abre a porta. Em seguida olha para os
próprios pés e caminha até a cozinha. Abre a geladeira. Vê sua mão esticando em direção ao
brilho da máquina, pega uma cerveja que já estava no freezer. Joyce se encontra na sala, está
ligando a televisão. Edgar fecha a geladeira e se dirige em sua direção. Ele lhe entrega a
cerveja. Ela sorri e agradece. "Está aprendendo bem", diz. - É o seu segundo dia aqui e já sabe
de meus hábitos, em menino? Como foi mesmo que eu lhe encontrei? Joyce se perde em seu
pensamento, Edgar fica assistindo televisão enquanto os insetos transitam entre a luz amarela
do teto e a luz azul da televisão, vez ou outra passam perto do ouvido de Joyce, que embebida
em seu quase sono só balança a cabeça. Joyce tens os pés sobre o colo de Edgar. Este sufoca
um pouco, estão tapados com um cobertor. O entrevistador na televisão não tem cabelos e
Edgar acha isso engraçado. O tempo passa e Joyce acorda preocupada com a cerveja, "oh que
havia me esquecido disso", abre os olhos e bebe a lata de cerveja em um só movimento,
distribuindo-a em diversos goles. Edgar mexe as pernas que já estavam dormentes, descruza-
as. "E agora?", ela para, sorri.
- Você dormia, diz ele.
- Sim, acabei acordando devido à cerveja, sonhei que estava presa dentro da lata.
- Que sonho engraçado, diz o pequeno Edgar. - Se soubesse disso a teria tampado. A lata, e
aponta para a lata.
- E se acabasse por me prender em um espaço tão pequeno, garoto?

Edgar olha para Joyce e vê que seus olhos balançam um pouco em seus centros, não entende o
motivo.
- Acho que podemos dormir, diz Edgar para Joyce.
- Está bem, façamos isso.

Joyce se dirige até o quarto e ajeita ambos os espaços, em seguida caminha até a parede azul,
apagando a luz no final do corredor.

No outro dia os raios de sol entram pelos olhos de Joyce, que novamente acorda assustada. Ela
olha para o lado direito e vê o menino agarrado em si, "da onde veio este menino?", pensa
novamente. Apesar de sua mania de perguntas Joyce não procurava a resposta. Achava que
ele ficava bem ali. Joyce passa a mão sobre seus cabelos negros. Ele acorda vagarosamente,
ela observa o abrir de seus olhos, seu primeiro suspiro de volta à este lado. "Olá novamente",
diz Joyce, que no fundo gostava da companhia do menino. Joyce havia esquecido sobre o estar
acompanhada, sobre a submersão em uma presença diferente da sua.

Edgar se dirige até o banheiro enquanto Joyce pensa no café da manhã. Quando ele volta ela o
abraça em uma espécie de maternalidade carente. O menino percebe alguma coisa e a abraça
de volta. Edgar estava ainda meio dormindo e depois de alguns segundos sentira-se
novamente dentro daquela máquina do tempo que é o sonho. A presença de Joyce o envolvia,
era bastante densa e maleável, ela chorava em seu ombro, silenciosamente.
- Vamos lá menino, diz Joyce, virando de costas para que ele não a visse chorando. - Irei
preparar o café da manhã para nós.
- Está bem doutora, posso lhe ajudar se quiser.
- Está bem menino, pode assistir aos desenhos da televisão, liguei-a pensando em ti.
Joyce sai apressada do quarto em que dormia, "está bem doutora", e talvez fosse daí, das
memórias engraçadas, dos atos de seu trabalho. Quanta tristeza, quanta miséria embaixo dos
esgotos das camadas de pele e da terra. Joyce apertava o estômago. Suas memórias a
invadiam. Lembrava-se da última conversa com sua chefe, de ouvir que era fraca, que não
tinha o necessário, que era melhor que não retornasse mesmo que quisesse. Joyce havia
voluntariamente esquecido de sua profissão, mas o menino aparentemente havia sido uma
espécie de troféu, onde poderia ver que havia feito um bom trabalho, e que não era ela o
problema no meio daquela coisa toda. Quando volta à si já tem os ovos prontos. Joyce anda
até o quarto e bate na porta suavemente, a porta estava fechada.
- Venha menino, está pronto o café.

Edgar se levanta e coloca os calçados que estão nos pés da cama.


Eles andam juntos pelo corredor do segundo andar, descendo as escadas lado a lado, até que
chegam na cozinha, que cheira deliciosamente bem.

Na escola o menino tem os olhos na professora. Em seu chapéu escuro de viúva. Edgar recorda
a cena de alguns dias atrás: a porta da sala de aula é invadida pela porta que se abre, os alunos
vem a diretora, que se aproxima da professora e fala em seus ouvidos. Em seguida um gemido
de dor ou espanto ou de qualquer coisa que não se descreve salta pelos ares. Ela ajoelha ao
chão imediatamente em prantos. Quando se dá conta tem a atenção dos alunos, e da diretora
que a olha de cima. Ela se levanta, estalando os olhos. Em seguida, com a voz balbuciante pede
desculpas. A professora se retira da sala de aula. Fica a diretora que é encarada por todos os
alunos. Um silêncio atrapalhado somente pelo barulho das outras salas fica no ar. Nenhum dos
alunos se mexe, tampouco a diretora. Ela arranha a garganta e se prepara para falar. Edgar
retorna para a sala de aula, a professora desenha triângulos no quadro. Ele copia em seu
pequeno caderno, apertando o lapis com a mão esquerda. "Agora tracem aqui", e a professora
risca no quadro. Edgar acompanha. Em seguida uma voz vinda do fundo o traz para perto.
"Hey Eddie, vamos para uma volta? Tenho de ir ao banheiro". Edgar reconhece a voz de sua
amiga. Ela se levanta, pedindo licensa para a professora. Edgar dobra à esquerda, e sobe as
escadas. Em seguida dobra a direita, para o espaço maior. Edgar se dirige até o bebedor de
água e finge beber, enquanto espera por Wendy.

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