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POLEGARZI NHA

Do ALJroR : tv\ICH EL SER RES


D/\ ACADEMl1\ FR 1\ NCES/\
Homim:scê11cias
A guena mundial
O i11candcsce1HC
Variações sobre o corpo
Ramos
Júlio Vt:rnc: a ciência e o homem comcmporârn.:o
Os cinco sentidos
O mal limpo POLEGARZINHA
Notícias cio mundo

7ím/11~ rio
J orgc l3astos

BERTRAND BRAS IL
Rio clc: Janc.:iro 12013
Cif~m~ltt e, Édi1 io11:> l.c P11111111icr. :20 l 2

Tílulo ori~i 11:d: 11-11/t' l1i111d/c·

Cap:i: S~rgio C:1111p:ltllc SUMÁRIO


Imagem de c1p:1: \Vi11frcd Evcrs I Ccll)' l111.13cs
Ediw1~1ç:io: F.-\ Studio

l cxto n:vis:ido scgu11do o 11ovo


1\ rnrdo Onogr:ílico d:1 l.í11b11.1 Prn t11g1u:s:1

20 13
1. POLFG1\RZI N l IA ........ ........ .. ................ ............ 0
Impresso 1111 Br.1sil
/ h111c·d 111 /Jlt(c/Í

Cip·Br:1s1l. Ca1.do:-;.1ç:io 11:1 limtc 2. E. SCOI /\ ..... ... ............................................ ..... . 33


Sindic1to i\:1rn>11al dos Editon:s de Livros. l~J

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Rm1 Hâi·nt',
.ftinnadora do.1)im1rulurt'S da R1lt'garú11/1n,
011vi11lr dw 011vi11lt'.1 dw Polt'gW<'Zi11/w.1.

Rira Jau;111·1. /JtJda


fJllt' Ol jri'z. ((11/Íftr.

b
1. POLEGARZINI IA

bz
Antes d<.: c:11si11nr o que quc:r que sej:-i a alguém, é preciso,
no mínimo, con lil'c<:r <:ssc algw'.'.m. Nos dias de liojc,
quem se ca ndid:ua <i escola, ao ensino básico. à univl'r-
sidadc?
1

NOV IDADES

Essc: novo aluno. c:ssa jo\'(:111 c:stud~ullc num::i viu um


bezerro, uma vac:l , um porco. uma ninhacb. Em EJOO,
a maiori~1 das pesso:is no pbntt:i tr:iball1a,·a na b,·our:i
ou com gado; c:rn 201 J, a Fran ç:i. ::issirn cu1no p:1ísc:s
semelhantes. n:io ltrn 111:1is de: l O/o de c::imponc:sts c:n-
trt os seus h:ibita1llts. Dc:vc-se vc:r nisso uma das mais
fonc:s ruptur:is na históri:i. dc:sdt o nc:olítico. Nossas
culturas, que :rntignrnc:ntc: se rc:mctiam :'Is pr:iticns gc:ór-
gic:is apenas. mudaram de: form:1 rcptntin:i. Emrtl:ltllo,
em todo o pbneta. é aimb gr::iças à tc:rr:i que: comc:mos.
Aquc:lc:s que ::iqui aprc:sc:nto não vivem m:iis 11:1
companhia de :rnim::iis, não habitam m::iis n mc:sma
Terra, n5o têm mais a mc:sma rc:bç:ío com o mundo. Ela
ou ele ::iclmira aptnas :i n:lturc:zn arc:1cli:1na. Jquda do
lazer e cio wrismo.

13
M IC H EL SERRES l'OLEG 1\ RZ 1N HA

Ele mora na cidade. Seus antepassados diretos, mais Há sessenta anos, intervalo único na história OCl-
d:l merade deles, vivia no campo. Ele, porém, prudente, dcntal, não há mais gu erra. Em breve, nem seus gover-
respeitoso e mais sensível com rebcào ao meio c:unbiente n ~unes e professores conhecerão essa experiência.
, '
polui menos do que nós, ad ultos inconscientes e nar- Beneficiários de uma medicina finalmente eficaz e
císicos. de medicarnemos antálg·icos e anestésicos, eles sofreram
A vida física não é mais a mesma nem a população menos do que seus antepassados, do ponto de vista
em número, tendo a demografia saltado bruscamente, es rntístico. Passaram fome·? Para eles, toda moral ,
no decorrer ele tempo de uma vida hum ana , de dois para religiosa ou laica, se res umia a exercícios destinados
sete bilhões de seres humanos. Ele habita um mundo a suportar uma dor inevitável e cotidiana: a doença, a
muito povoado. pcm'1ria, a crueldade cio mundo.
Não têm mais o mesmo co rpo nem o mes mo com-
Agora , sua expectativa de vida beira os 80 anos. No portamento; adulto nenhum soube inspirar-lhes um::i
dia em que se casaram, seus bisavós haviam prometido moral adequada.
fidelidade por apenas uma década. Ele e ela, entretanto,
caso pensem em viver juntos, irão prometer o mesmo Enquarno os pa is foram conceb idos às cegas, seus
por 65 :mos? Os pais herdaram quando cinham cerca nascimentos foram prog·ramados. Como a idade da mãe
ele 30 anos de icbde, eles, porém, tedo que esperar a avançou dez ou quinze anos p::ira gerar o primeiro filho,
velhice para receber o legado. N:1o são mais as mesmas os pais dos alunos mudaram de geraç:io. Mais <la met::ide
idades que elts conhecem, nem o mesmo casamento , deles se divorciou. Acompanham menos os filhos?
nem a mesma transmissão de bens. Ele e ela não lêm mais a mesma ge ncalogi::i.
Ao partir para a guerra, com uma ílor no fuzil , seus
Enquanto as gerações anteriores assis tiam às aul as
pais ofereciam à p<ltria uma expect:uiva ele vicia breve;
em sabs ou auditórios uni versidrios homogêneos cultu-
terão eles a mesma atitud e, tendo pela frente uma
expectativa ele seis déca<las·? r::ilmente, eles estudam em um a colcc iviclade em que
agora convivem várias religiões, língu::is, origens e cos tu-
mes. Para eles e para os professores , o multiculturalismo

14 15

>
M 1 (. 11 [ l S elt 1( I' :>

{;a regr:1. Por qu:rnw tempo ainJ:1 v:lo c:11w:i r, na Fr:1nç::i,


o horrível ··sa11g11c: impuro'· de alg11m cstr:mgciru?•
O mundo global 11:io é m~1is o mesmo, nem 0
mundo humano. Ao redor. filhas <.: lillios de imigrados.
vindos de paísc.:s menos ricos, ti veram cxpc:riêncicis
vit:iis in vc:rsas das t:iue t:ks conlic:ccram.
li
Balanço provisório. Q1a l litcr:uur:i, qu:il liístória
AQU I LO PARA O CORPO.
c.:les irão comprec11dc:r, ldízcs. sem ter co11vi,·ido com a
rustícid:1dc. com os :111im:1is dom(·sticos, com as coJhciL:is I SSO PARA O CONHECIMENTO
cio vc:r:io, com diversos conll iws, com ccmí téríos,
com feridos . com famintos, com p:ítria, com bamlc:ir::i
c:11sangue1Hacb , com mo11u111e11ws :ios monos ... S c: us arncpass:1dos baseavam sua cultura cm um hori·
<: sem ter c:xpcrimen tado, no sofrimc:nw. ::i urgênci::i zo11te tempor:il de alg1111s milhares de anos . asscmada na
vital ck um::i mor:il? Antig11idadc: grt:co· btí11a, na Bíblia judaica. c:m alg1m1as
tabuinhas cunc iíonrn:s <.:cm uma pré-h istória cu na. Mas
a pt:rspc:ctiva temporal passou a ser bit io11;íria e: se: rc:mct<:
à barreira de: Planck, passa pela acreç:io do planeta.
pela c\·oluç:iu das esp~cies, por uma palcoantropologia
milio1dria.
N~o habit~11nos mais o mesmo te mpo: clt:s vi,Tm
outra história.

São formatados pela mídia, propagada por aclulios


que mcticul os:1 mc1Ht: destruíram a faculdade de atcnç:io
•l'f ' ··1 delc:s. reduz.indo ·1 durado das ima<•c:ns a 7 sc1111ndos c
'e: erc:11ci:1 :1 etr:1 J:: \ brsc:ll 1c:s:1. ltinu 11:icio11:tl fr:1111.:2s. (i\: .T) ~ " "
16 17

tnz
MICHEL SER R ES l' O LE G1\RZ I NHA

o tempo de resposta às pcrgi.111tas a 15 - são nt'1 meros pelo poder de sedu ção e pela importância que tem. a
oficiais. A paJm,Ta mais repetida é '·morre" e a imagem mídia há muito tempo assum iu a fun ção cio ensino.
mais represcncada é a de cadáve res. Com 12 a nos, os
Criticados, menosprezados, vilipendiados, já que
adultos já os forçaram a ver mais de 20 mil assass i11at0s .
pobres e discretos, apesar de concen trarem o recorde
mundial dos Prêmios Nobel recentes e elas meda.lhas
São formatado~ pela publicidade : como pode-
Fic:lds, tendo em vista o nü mcro da população, nossos
mos ensinar a eles que a palavra "relais'', em língua
francesa, termina cm "ais", se veem, em LOdas as esta- professores se tornaram os menos ouvidos dentro desse
ções de trem, "ay"?* Como ensinar o sistema métrico sistema instituidor dominante, rico e ruidoso.
quando, da maneira mais idiota do mund o, a SNCF
divulga seus S'Miles ?** Essas crianças, então, habitam o vinu a.1 . As ciên-
cias cog11 itivas mostram que o uso ela internet, a leitura
Nós . aclu lLOs , transformamos nossa sociedade cio ou a escrita de mensage ns com o polegar, a consulta à
espet<ktdo em sociedade pedagógica. cuja concorrência W ikipéd ia ou ao Facebook não ativam os mesmos neu-
esmagadora, orgulhosamente incuha , ofusca a esco la e rônios nem as mesmas zonas cortica is que o uso do
a universidade. Pelo tempo de exposição ele que dispõe, livro, do quadro-negTo ou cio caderno. Essas crianças
podem man ipular várias informações ao mes mo tem-
* Rda1:1 (; p:ilavra corrcmc em francês. mas :i1uiga1rn.:nte <:: r:rn1 as po. Não conhecem, não integralizam nem sintetizam da
etap:is cm que o sc:rviço de correio trocav:1 cavalos cansados por mesma fo rma que nós, seus an tepassados .
c:iv:i los desca nsados. Passou a ter am1)lo leque de sin1 1ificaclos Não têm mais a mesma cabeça.
o '
como .. troca", .. rc:veza me11to"', .. l1ospc:c.l<1 ria"' etc. Rd<~l', no c:1so,
(; um;i enorme rede, com mais ele mil l~jas, de vrncb di.: livros, Por cc:lu lar, têm acesso a todas as pessoas; por GPS,
jornais e revistas, espalhacbs cm estações de trem , de mctrô,
a todos os lugares; pela internet, a codo o saber: circulam,
aeroportos etc. em v:irios p:iíscs. (N.T.)
então, por um espaço topológico ele aproximações, cn-
** Programa de fiddicbdc e contagem dc pontos para obtcnç:io
qua1Ho nós vivíamos cm um espaço métrico, referido
de bônus cornerciais que. aliás. a SNCF (Sociccbdc Nacional
por distâncias .
Francc:sa de f errovias) abando11ou em rnaio de 20 1~. passando
a usa r um sistema próprio. (N.T.) Não habi Lam mais o mesmo espaço.

18 19
1v1 1 e 11 H s r 1t 1i r s I' 0 11(; i\ lt Z 1N H 1\

Sem que nos déssemos conta. um no,·o ser humano na casa das -1 mil, :) mil palavras. E11tre a ültirna publica-
nasceu. no cu rro espaço de tempo que: nos separa dos ç:io e a próxima. ela sení de cerca de 35 miL
anos 1 ~70 .
Nesse ritmo. pode-se: im:1gi11ar que nossos succ:s·
Eles não têm mais o mesmo co1vo. a mesm;:t e:-.1Jec- sorc:s talvez se sintam. ama11h:i. t5.o cl istarncs de nossa
tati,·a de vida, não se comunicam nnis da mc:sma ma- lí11g1.1a quanto nós. I H~jc: . do francês antigo us;:ido por
nei ra, não percebem mais o mesmo mundo. n:io vivem Chrltic:11 de Trorc:s ou .Join,·illc:. Esse g-rad ie11te fo rnc:cc
mais na mesma natureza, n:io habitam mais o mesmo uma indic:iç:io quase fotogT:Hlca das transformações
espaço . que dc:screvo.
Nasc id os com periclural e data program :1d a, não Essa imrnsa dir1.:rc11ça. que afc:ta a maioria elas lí11 -
temem mais , sob cuid ados paliati vos, a mesma 111onc:. g1rns, p:ircialrncnte se deve:\ ruptura entre as profissões
Nüo tendo mais a mesma cabeça que os pa is. é de de ou trora e as de li ~j c. /\ Pol ega rzinha e seu compa-
outra forma que eles conhece m. nheiro não se dirigi r<io mais aos mesmos trabalhos.
É de outra forma que escrev<:m. foi por vê·los, ad- A língua mudou. o trabalho se transformou.
mirado, enviar SMS com os pokga n:s, mais dpidos
do que eu jamais co11sc:g1.1iria com todos os meus
dedos entorpecidos. que os batizei. com toda a ter-
nura que um ª''Ô possa exprimir, a Polegarzinha e
u Pulega rzinho. É o nome cert o, mdhor do que o antigo.
falsame mc: erudiw. de: ··c1:uilógrafo''.

Eles não fribm mais a mes ma lí11g11a. Dc:sdc


Ricliclicu. a Ac:idc:m ia Francesa publica. mais ou rne11os
de \'i1ne <:m vint e :111os. rnmo n:IC: rê11ci:1, o /Jiáo11<irio cb
língua fra ncesa. Nos séculos :11Hcriores, :1 di/C:rc11ça rntre
duas publicaçües se m:111ti11lw de cc: n :1 forma co11st:11nc
'

20 21
I' O l EG t\ R Z 1 N li 1\

O indivíduo não sabe mais viver em casal e se di·


vorcia; não sabe mais se mantc:r cm sala de aula e se
mc:xe e com·crsa : não reza mais na igTeja. No ano pas·
sacio, nossos jogadores de futebol nfo souberam co ns·
tiwir equ ipe;* e: nossos políticos ainda sabe m construir
um partido plausívc:l ou formar um governo c:sdvc:P
li 1 Por todo lugar se: diz sobre o fim das ideologias. mas são
O INDIVÍDUO as filiações que as cria,·am que se dc:sfizeram.

Esse recém-nascido indivíduo acaba sendo, porc'.-in ,


Mais ainda, elc:s se tornaram indivíduos. Invc:utaclo uma boa notícia. Comparando os inco nvenientc:s disso
por São Paulo. no início da nossa era. o i11divíduo que os ,·c:lhos ranzinzas chamam dc: ··c:goísmo·· com os
acaba de nascer nos dias de hoje. De: ou trora até rc:cc:n· crimes comelido.s por ou pda libido de pc.:nencimc:nto
temente:,* vivíamos de.: filiações e: vínculos: fran cc:sc.:s, - cc:mcnas de milhõc:s de mortos-, amo de forma :ipaí·
ca tólicos, judc.:us, protestan tes, mu çulm anos, ateus, gas· xonada esses jovrns.
cões ou picardos, fêmeas ou machos, indige1Hc.:s ou
afonunados ... Pcnrncbmos a regiõc.:s. a rc:ligiõcs. a cultu- Dito isso. resta, então. invcntar novos laços. Prova
ras, ao mundo rural ou urbano. a timc:s, a comun idadc.:s. disso. a força de: atração do Fac<.:book, quase equipo·
a um sexo. um sowquc. um paniclo, uma Pá tria. Ptlas lc:nt<: à população do mundo.
viagens, pelas imagc.:ns, pela i1Hernct e po r guerras abo· Como um átomo sem valência, a Polegarzinha c:stá
min<iveis, quasc todas essas colc.:tivid adc:s, explodiram. desprotegida. Nós. adulros, não inventamos nrnhum
As que restam se.: desintc:gram. novo laço social. A iniciati va gem:rali7ada de suspcitar. de
criticar e de: indig11ar·se mais contribu iu para des truí·los.

* }uli.1 d 11a1:,111in· (.. Ou t ror:-i t: reccntcrnl:11te··) é u rn:-t cob:l nl::t


Eunos:i de wrsos dt: \ b ·l:1Í11l:. Procu rou·Sl:. l:IH:io, 111:1ntn a ex· "' L<.:mbranç:i do fi asco francês - n:io somc.:11tc: pc:los result:tdos -
pn.:ss:io que.: ap:m:Cl:r:1 :tlgurn:-ts \ "C:Z<.:s :10 longo do livro . (N.T) na Copa do Mundo da África do Sul. c.:m 201U. (N.T)

22 23
M 1C H 1 L S E fl ll E S

Raríssirn:1s na históri:1 , essas transformações, que


chamo de "/u111ii11nu·111t'.1","' abrem. no nosso tempo e
nos nossos gru pos, uma rachadura tão larga e evide mc
que: poucos olharc:s a avaliaram devidame1Hc, compa-
d vc:I 5qucbs, visívc:is, do nc:olítico, do tnício da era
cristã. do final da Idade l\lúlia e: do Rcnascimerno.
Na c:x trc:midack cless:i fencb , temos jovens aos quais IV
pn:tendemos ensinar, em cstrutur:-is que datam de uma O QlJ E T RAN SMITIR?
época que eles não recon hecem mais: prédios. pátios de A QlJ EM TRAN Stv\ITI R?
rc:creio, sa las de :wb, :-iuditórios universitários, campus, COMO TR/\NSMITI R?
bibliotecas. labora tórios. os próprios saberes ... Estru turas
que: da1:1rn, dizia eu , de um:1 époc::i e ad:-ipt:1das ::i um
tempo cm que os seres liunnnos e: o mundo eram algo O t/11<' 1mns11111ir! O ,.;11/Ja.'
que n:1o o s:1o mais. Outrora e 1'tce1llemt1lle o saber tinha como suporte
1

o corpo do erudito, do aedu, do contador t.k ltistóri:is.


Em:1o, fa~u três pcrgu111:is. Bibliotc:c:1s vivas: esse era o corpo doce1llt do pedagogo .
Pouco a pouco, o saber se objec i\'ou: primc:iro tm
rolos, em vd inos ou pcrgami11hus, suportes d:i escrita.
Depois, a p:inir do Renascimento, cm livros c..lc: p:1 pcl,
suponcs da imprens:i. E hoje. co11clui11do. n:1 11Hcrner.
suporn: de: mensagens e de: inforn1:i ç~1 0 .
A evuluç:lo históric:i eh dupla suporte-mensagem
é uma bo::i vari:1vel da fu11 ç:10 du ensino. Com cb. a
pedagogia mud:l pelo menos trC:s vezes: cum a escrit:i. os
* Neolo~ismo Cf U<.: JesigK1 :1 emerg,0ncia hon 1inídc:::i (cf.
gregos i11 vc:ntar:rn1 :1 /mitlt:ia; na sequC:nci:i c..la imprensa,
H11m111c11àwia.., fü:1tr:l!JJ !3r:1siJ). (i':.T) abund:lram os tr:ltadus de pedagogi:i. E hoje?

24 25
MI C ll EL SEltl{LS POLE Gi\ lt Z I Nl-I/\

Rcpiw. O q11t' lm11.1111it1i-? O .1abcr? Ele e.rld agora jJor ludo disso, ele é distributi vo. Eu poderia estar falando de
l11gr11~ na intcmd, dújJu11ívd, o0i:tivado. 1Ímw11iti-/u a lodw? casa ou de alhures e vocês me ouviriam em outro lugar
O .iabt-r intt:iru /m.1.1ou a t'1/ar a<t:.1.1ív<!I a ludu 111111ulo. Como ou n:is su::is casas. O qut:, cncão, fazt:mos aqui?
lm11.1111itir? PnJ11lo, t; wúa_fi:ilfl.
Com o ac<:sso às pessoas pelo cc:lular e com o acesso Mas não venham dizer que faltam ao aluno runções
a todos os lugnrc:s pc:lu GPS. o acesso ao saber se abriu. cog11itivas qut: pc:nnicam a assimibção do sabtr assim
De cena marn.:ira. já est:l o tempo t0do e por tudo lugar clisLribuído, uma vez que justamrntc essas fun ções se
transmitido. transformam com o aparato t: por m<:io ddt:. Pda escrita
e pela imprensa. a memória, por c.;xcmplo, sofrrn uma
Ce rtamente objeti,·ado, mns, albn c.liss o, c.listri· mu tação a ponto de Momaig11e p1dc.:rir uma ca beça
buíclu. Não concemrado. Vivíamos cm um csp:lÇO mélri· bem-constituída a uma c:iuc:ça bem cheia.* Essa mesma
co. como já diss<:. que se reÍ<.:ria a centros, a concc: ntraçõcs. c:ibc:ç;1 acaba de passar por outra mutaç5o.
Uma escola. uma sab c.le aula, um campus, um auditó- Da mesma maneira que a pedagogia foi in ventada
rio universitário representam concentrações de pessoas, pelos gregos (Jmidáa). 110 momenLO da invenç5o e da
de estudantes e professores, livros cm bibliotecas, apa· propag:1ç:io d::i escrita, e assim como d a se cransformou
relhagcm nos laboratórios ... Todo esse saber. essas refc· ao emt:rgir a imprensa, no Rc:nascimemo, a pedagogia
rências. esses t<.:xws, esses dicionários se encontram agora muda completamente com as nov:is tecnologias, cujas
distribuídos por todo luga r, na sua própria c:is:i - até novidades são ape nas uma v:iriarnc qualqut:r, dentre as
observatórios! -, eles c:stào por wclos os cspnços por dez ou vinte que já citei ou poderia de talhar.
onde você se desloca. Além disso, é possível comacar
colegas ou al unos onc.le quer que cstcj:11n; eles vão Scmirnos st:r u1ventemcnte necessária essa mud:rnça
-=>
rcspondcr facilmeme decisiva do ensino - mudança qu<: pouco a pouco
O antigo espaço d<.: concencraçõ<.:s - este, inclusive:,
em que falo e cm que m<: ouve m; o que, aliás, fazemos
* Mo1 n:1 i)jnc se rc.:ll:ri:1 :"1s su:is pn.:fcrê11ci:1s pc.:d:igóg-ic:1s (l:./1,111im,
aqui!> - se dilui , se espalha. Vivemos, acabei dt dizer, cap. !). pondo a irndigê11cia acim:t do :in'unulo l.k rn11hcci·
em um esp:iço de proximidades imc:d i:itas, e, além mc:mo. {N.T.)

26 27
MICt l EL St: lut ES
f' O L~GARZ I N ll A

repercute na sociedade mundial e no conjunto de suas


técn icas se tr:rnsformam , o co rpo se mctamorfosc i:i. o
u1stilllições ultrap~1 ss::tdas; mudança que não ab::tla 11:-iscinH.:nto c a mun e mu cbrn , assim corno o sofrirncnw
apenas o ensino, mas também, e muiw, o trabalho, as e a cura, as profissôc:s. o espaço, os h;lbitats. o ser 110
empresas, a saúde, o direiw c a polític:i, isto é, o co 1~u11to mundo.
de nossas institu ições-, m::is est::trnos longe disso ainda.
Prov::tvelmcme por mio terem ainda se aposc:rnado,
os que se arr::ist::im n::i tramiç5.o entre as últimas etapas
são quem decidcm as reform::is, seguindo modelos h:i
muito tempo supc: rJdos.

Professo r durante meio século, cm mu1tos lug:lres


do mundo - nos quais c:ss:l fenda se ::tbre tão ::tmpla·
mente: quanto em meu próprio país - , ti ve: el e aceitar
e ;-itravcssci tais rdurmas . que parecem com cu rativos
fc:itos c:m um:1 perna de pau, apressados e nulfeitos. Só
que os remendos acab:1m piorando o estado d::t tíbia,
mesmo que :i nifi ci:tl, e cnfr::iqueccm o que sc tent:iva
consolidar.

De fato, ld :ilg·urn:is décadas, vejo qlt(: ,rivemos um


período comp:w1vel ao da aurora da /)(ti&ia - depois
que os g;n.:gos ap rc:ncleram :1 escrever e a dcmonstr:lr,
scnH:lliarne à Rcnasccnç:l, que viu surgir :i impre11s:1 e
ter início o reinad o cio livro. Mas tr'1 t:i·sc de um p\.:ríudo
incomp:1dvd , pois, ao mesmo tempo <.:m que essas

28 29
l'OL EG ARZ I NHA

Gostaria de Ler 18 anos, a idade da Polegarzinha e do


Pokgarzinho, pois Ludo tem ele ser rcfeito, tudo tem de
ser invernado.
Espero que a vida ainda me dê tempo suficiente
para continuar trabalhando nisso , na companhia desses
jovens aos quais me dediquei por sempre tê-los amado
V de forma respeitosa.
I NVOCAÇÃO

Diante dessas transform::ições, sem dúvida é 11c:ccssário


invcmar novidades inimagináveis, fora cio âmbito
habitual que ainda molda nossos comportamentos,
nossa míd ia, nossos projetos originados na sociedade cio
espeláculo. Vejo cm nossas instituições o mesmo brilho
das constelações que os astrônomos nos d izem ler
morrido há mu iw tempo.

Por que essas novidades não aconteceram? Eu


acusaria os filósofos, emre os q uais me incluo , ge nte
que tem como vocação amecipar o saber e as pniticas
futuras e que, tenho a impressão, falhou nesse pomo.
Presos cotidianamente à política, eles não perceberam o
comcmporâneo se aproximar.

Se tivesse de traçar um retrato gera l d os aclulLOs, no


qu al me incluo, a descrição seria ainda menos elogiosa.

30 31
2. ESCO LA
A CABEÇA DA PüLEGARZ íN I IA

Em Ú'!!/lula Áurt'a,Jacqucs de Vorag;in e conta um mila-


gre que: ocorreu cm Lutécia, no século das pcrsegi.1içõcs
dccretadas pelo imperador D o miciano . O c:xfrcito ro-
mano prendc:u Oc:nis, bispo clcito pel os primeiros cris-
tãos de: Paris. Encarcerado e depois tonurado na Ilc de
la C ité , foi condenado à ckcapitaç:1o em seguida no alco
da colina qu e depois veio a se chamar Montmanrc.
Por p rcg11iça, os soldriclos n<io quiseram ir :ué o alto
d a colina e executaram a vítima no meio do caminho.
A cabeça d o b ispo rolou pelo cl1:10. H orror ! Sem cab<.:ça,
Denis pegou-a no chão e, com c:l::t nas mãos. continuo u
a subir a ladeira. Milagre.:! Aterrorizada . a leg ião fu giu.
Acrescema o aucorquc Denis deu uma parada para l av~- la
e contim10u seu caminho acé a muaJ Saint-Denis. Foi
canonizado.
A Polegarzinha abre seu computador. :Vksmo sem se
lembrar da lenda , ela considera ter a própria cabeça nas
m ãos e à sua freme, bc:m cheia, haja , ·ista a quamidacle

35
M 1C li f L S E IUU.: S I' O L EG 1\ R Z 1 N H A

enorm e ele in fo rmações d isponíveis, mas também bem- acumubdo, pois a cumu lação . .i<i objetivada , se encon-
constituída,ji qu e os mot0res de: busca trazem, à vontade.:, trava nos livros, nas pra telciras ele sua biblioteca. Antes
textos e imagéns. Acrescenté-se que dez programas de Gutemberg, quem se dedicasse à História precisava
podem tratar inúmeros dados, muito mais rapidamente sa ber de cor Tucídid es e T ácito; qu em sé interessasse por
do qu e c:la sc.:ri a capaz. A Pok garzinha tem, ex ternamente, Física, Aristóteles e os meca nicistas gregos; Dcmóscc:nes
su a cog11iç5o. antiga mente intérn a, como São Ocnis,
e Q1intiJiano , quem almc.:j::isse se sobrcss::iir na arte
que tinha a cabeça fo ra do pescoço. Pude-se irn:-iginar a
oratóri a... ou seja, tinh am ele ter a ca beça chci::i.
Polega rzinha decapitada'? Seria um milag1·c'?
Eco nomia: Jembr::ir-se cio lu gar do volume na cs t::ime da
Como d a, uhimarnence todos nos tornamos S5.o
biblioteca custa menos, cm term os de memória, do que
Denis. Nossa imcligência s::i iu ela cabeça ossud a e 1l<:u-
guarcbr todo o seu conceliclo. Nova economia, radical:
ron aJ. Entre nossas mãos, a c::iixa-comput;:iclor conré:m e
ningué:m pr<:cis::i mais se lembrar do lug::ir, um buscador
põe ele fat o cm fun cionamento o que antigamente cha-
on-lin e cumpre essa tarefa.
mi vamos nossas '·faculdades": urna memória mil vezes
Agora, a cabeça decapitada da Polc:garzinha se dife-
mais poderosa do que a nossa ; uma imaginação equipada
co m milhões de ícones; um raciocíni o, t:lmbé:m , ji qu e rencia das antigas, m::iis bem-constituídas do qu e cheias.
prog1·amas pockm resolver ce m problcmns que n:"io Não tendo mais que.: se csforç::ir tanto para arm ::izenar o
resolveríamos sozinhos. Nossa cabeça fo i lança da à saber, pois ele se éi1co1ma estendid o cli::intc déb, objc: tivo,
nossa fren te, nessa ca ixa cognitiva objetivacb . coletado, co letivo, conectado, wtalmcme acessível, dez
Passada a clecapit::içào, o que resta acim a cios nossos vezes rcvislO e conrrobdo; ela pode voltar sua :1t<:n-
ornb ros? A intuição inovadora e vivaz. De dentro da çào para a ausência que Sé mamérn acima cio pescoço
caixa, o aprendizado nos permite a alegri::i incandescente con aclo. C ircub por ali o ar, o vento ou, m<:lhor aind::i,
el e in ventar. Co rnbust5.o: estamos condrn:-idos à inte- aquel::i luzinha pirnada por Bonn at, o pinwr pumpier,
ligênci::i? ao desenhar o milagre de São Denis n::is pa n:des ci o
~1anclo surgiu a un prensa, Mont::iig11e, co mo eu Panthéon ele Paris. É ond e: reside a nova ge niali da de,
disse, preferiu um::i c:-i beça bem·constituícb a um saber a inteligênci::i inventiva , a ::iutêntic::i subjeti vidade

36 37
MICHH SERRES
l'OLl:GARZ I N H A

cog111t1va. A originalidade de nossa jovem se refug ia sob re as institu ições humanas . As técnicas co11duzcm o u
nesse vazio translúcido, sob a agradável brisa. Conheci- pressupõem as ciências duras; as tecnologias pressupõem
mento de cusw quase zero e, no entan to, difícil de agarrar.
e conduzem as ciências humanas, as assembleias pú-
A Pokgarzinha comemora o fim da era do saber?
blicas, a política e a sociedade. Porventura teríamos, sem
a escrita, nos reunido em cidades, estabelecido o direito,
0 DURO E O SUAVE*
fundado o Estado, conceb ido o monoteísmo e a his-
Como essa transformação humana, tão decisiva, pôde tória, inventado as ciências exatas, instituído a paideia... ?
ocorrer? Com nosso espíriw prático e decisivo, irresisti- Teríamos garantido a cominuidadc disso tudo'2 Sem a
velmente achamos que as revoluções se fazem cm torno imprensa, teríamos, no Renascimento - desig1rnção das
elas coisas duras : importam, para nós, as ferramentas, mais acertadas - , mudado o co1~unt0 daquelas ins ti-
martelos e foices. Inclusive: d amos nomes assim a alg11mas tuições e assembleias? O s uave organiza e federa quem
eras da História: Revolução Industrial recente, Id ades utiliza o duro.
cio Bronze e cio Ferro , da Pedra Polida ou Talhada . Mais Nem sempre percebemos, mas vivemos em coleti-
ou menos cegos e surdos, damos menor atenção aos v id ade, hoje em dia, como filhos do livro e netos da
sinais, suaves, cio que às máquinas ta11gíveis, duras e escrita.
práticas.
Entretanto, as invenções da escrita e, mais tarde,
da imprensa reviraram as culturas e as coletividades 0 ESPAÇO DA PÁGINA
mais intc:nsamence do que as ferramentas_ O duro
D e forma impressa , a escrita se projeta hoje por teclo o
mostra sua eficácia sobre as coisas d o mundo · o suave
' ) espaço, a ponto de invadir e ocultar a paisagem. Car-
tazes de publicidade, sinalizações rodoviári as, ind ica-
ções de ruas e avenidas, horários nas estações, placares
* A oposição duro/suave dc.:ve ser e!llenc.lida como a que opõe,
por exemplo, a$ ciêJ1cias ··duras " (exatas e formai s) e as ciênci35 n os estádios , traduções na Ópera, rolos dos profetas nas
'·moles " (humanas e sociais) ou corno, com ::i gc.:neral izaç:io da sinagogas, evangcl iários nas igwjas, biblimccas nos
inlürm:üica, e11tt:11demos o lwrd e.: o .nji. (N.T) campus, quadros-neg1·os nas salas de aula, Power Point

38 39
M 1 C H E L S f R 1( t S
l' OLEGi\RZ I NHA

nos audi tórios uni\'crsidrios, rcvist:is cjornais ... : a /1ríg/11a


Jjvro, cmbor:-i implique algo bem diferente desse, bem
nos domina e nos conduz. A tel a a reproduz..
diferente do furmalO erans-histórico da p~igina . Falta
Cadastro rural , m:-ipas de cidacks ou de: u rlxlllisrno, descobris esse algo. A Polcgarúnha vai nos ajudar.
as plantas baixas dos arqu itccos, projc:tos de co11struçào, Para mim foi urn:i surpresa ver se erg11crern, há
desenhos de sa.Jas públicas e de: quartos Ílllirnos ... ruclo alg11ns anos, no campus de Sta11ford - onde sou pro-
imita, pelos quadriculados suaves e: paginados, o jJafi,W fessor h:i tr0s décadas -, nas proxinúdades do antigo
dos nossos ancc:str:-iis; terrenos quadrados semeados ~adrangle e fi11a11ciados pelos vizinhos bilionários do
de forragem ou tc:rras lavradas, na durc:za das quais Vale do Silício, arranha-céus destinados à inform:itica,
os camponeses deixavam o :-isco, a marca da charrua. mais ou menos idêmicos - excew pelo ferro, pelo con-
O sulco, desde e1H:io, escreveu sua linha naquele creto e pelas vidraças - aos outros prc'.:dios de tijolos
espaço recortado. É a unidade: espacial cb pcrctpç:1o, da em que h:i um século já se ensin avam engenharia me-
:-iç5o, do prnjc:to. é o forrn:-ito multimilcn ar, quase tão cânicJ e história medieval. Mesma disposiç;1o no ch5o,
pregnamc para nós homens, pelo menos os ocidc: m:-iis, mesmas salas e corredores: sempre o formalo inspirad o
qu:t1Ho o hcx:igono para as abeU1as. na página. Como se a revoluç:lo recente, no mínimo
tão poderosa quanto a da imprensa e a da escrita, nada
tivesse mudado com relação ao saber, à pedagog·ia e ao
NOV1\S TECNOLOGIAS
próprio espaço universitário, invenc:idos no passado
Esse formaw·p::lgina nos domina ele cal forma, mc:smo pelo livro e para o livro.
Sem SalJc:rrnos, que JS novas ternologias ainc!J não O Não. As novas tecnologias nos obrigam a sa ir do
aban donaram. A tela do compu tador - que se abre fo1mato espacial impirado pelo Evro e pela p:igina.
como um li vro - o imita, e a Polegarzi11h:-i ainda escreve Como?
nele com seus dez dedos ou, no celula r, com os dois
polegares. 1C:rmin:-ido o tr::ib:tlho, ela corre para impri- UM.A H ISTÓRIA BREVE
mir. Os novicbdeiros de todo tipo procur::im o novo
livro eletrôn ico e a eletrônica ainda n:1o se via livre do Primeiramente: as ferr:imemas usuais excen onzar:-im
nossas forças - duras. Saindo do corpo, os múscu los e
40
41
M 1 C H El SE IUl E S l' OLEGARZ INHA

art iculações aparelh:ir:im m:íquinas simples, ab vanc:is Se Montaig11e tivesse de explicar as manc:iras que
e talh as qu~ imitavam o se u fun cionam<.:mo. Nossa uma cabeça Lern de se consciLu ir pc:rlC:irnmcntc. ek: clc:se·
t<.:mpermura alt::t, fome de energia, emanac.b pelo orga· nJ1aria um espaço dclimit:ido a se preenchc:r e a cabeça
nismo, abastece em sc:g·uida as m:íquinas motoras. J\s bem cl1c:ia estaria de volta. Essa cabc.·ç::i vazia, dc:senhada
novas Lecnologias, enfim, externaram mensagens t: opt:· hoje. cairia fora ele: novo 110 computador. Não. isso não
raçõt:s que circu lam no sisrem:i nt:uromJ , informaçôt:s sig11 ifica con á-la para substituir por outra. Não é preciso
e códigos - suaves. A cog11ição, em pane, apareUia essa se ang11sriar com o vazio. Vamos, coragem ... O saber e
nova fcrramcnLa. seus formatos. o co11hecimc11LO e sc:us méLodos. dc:talhc
O que rcsLa, enc:lo. acima elos pescoços con:i.dos dt: infi11i t0 e símesc:s admiráveis que mc:us anLigos alunos
São Denis de: P:iris e das crian ças de: hoje? juncam co mo couraças em notas de: pé de p<1t;ina e cm
densas bibliografias de lin·os qu e eles me acusam de
esquecer, sob o golpe de espada dos algozes de São
A POLEG1\RZINHA MED ITA
Denis, cai na ca i~ a eletrônica. Estranho. quase arisco.
Cu!!,Úu: meu pc:nsamen Lo se distingue do sabc:r, dos pro· o ego se rerira ele tudo. inclus ive disso. e foge: para o
cessos de conhccirnenlO - memória , im:igin:iç:lo, raôo vazio. cm sua branca e când ida nulidade. A inLc:ligência
dc:dutiva , suLilc:za e geometria ... extc:rnados, por sin:ipst:s invenLiva se mede: pc:la disLância com relação ao saber.
e nc:urônios, no compuLac.lor. Melhor dizrnc.lo: pen:;o e O tc:ma cio pc.:nsamenw acaba de mudar. Os neu·
invc:mo qu:i.11do me cli:>tancio e.lesse saber e c.lc:sse conhc:· rônios ativados pela inca mlc:scência branca cio pescoço
cim t:nto , quando me afasto. Convc:no-rnc: nesse vazio cortado são dikre11tcs daqueles a que se remc:ciam :i
'
nessa brisa, rn.:ssa alma , cuja expn.:ssào tr:icluz esse \TIH O. escrita e a leitura. na cabeça cios antepassados, e: emitem
Penso de form:i aind:i mais suave do que c:sse suave seu chiado 110 com putador.
objetivaJ o; in velllo quanc.lo consigo chegar llt:'SS<: vazio. Donde a autonomia nova cios e1Hcndimemos, a que
N:io me reconhc:çam mais pela mi11ha cabc:ç:i. por st:u correspondem 1110\·imenws co1vorais descontraídos e
drnso recheio ou por seu pc:rfil cogniti\·o singl.1br, mas um tumullo de vozes.
sim por sua :iusê11ci::i im aterial , pt:b lu z Lransp::irc nu:.:
que <:mana d:i decapit:-iç:lo. Por esse nada.

42 43
MI C l l LL SfRRI S l' OLI t;ARZ.INl l 1\

VOZES
produzir cm coro um b:lrulho dl'. fundo que abafa u
Até :1 nunhà ele hqjc. inclusive. um prokssor. cm sala de puna-voz do c:scrito.
aula ou no auditório uni,-crsidrio. transmiti:l um saber Por Cjlll'. cb taga rcb tanto. em meio ao tumulto de
que, cm pane. j:l clcscans:wa nos li\'l·os. Ele vcrbaliz:1va colegas tagarelas ~ Porque wdos têm o t:ll sabe r que se
:llHlllCia. Irnciro. À disposição. Na mão. Acessi,·cl pela
o escrito. uma p:ígina·matriz.. Q1:111du ele im·enta, u que
internet, \'\'ikipédia, n :lul::ir, cm inúmeros sites. Expli-
é raro . escreve cm seguida uma pügina-compilaçàu. Sua
cado, docume1H:tclo, ilustrado, sem maior número de
d tc:dra fazia com que se desse ouvidos a esse pona·voz.*
erros cio que nas melhores enciclopédias. Ninguém mais
Para essa fala, ped ia-se silêncio. Mas ele: não o consegue
precisa dos porta-vozes de a1Higamente, a não se r que
mais.
um deles, orig-i11 al e raro, inw rHc.
Form:111do·se bem cedo, na c:clucaçào infant il, a onda É o fim da l'r:t do saber.
do que se chama tagarelice vira tsu 11ami clura11te o ensino
funcbmemal e: acaba akançamlo o c:11si110 superior, com
A OH P. T;\ F /\ DEM1\N ut\
as salas de aula submergindo, se c:ncl1<.:mlo p<.:L1 prirneir:i
vc:l na história de um burburinho permanente que torna Esse no,·o caos. primitivo co mo toda balbúrdiCI. anuncia
difícil ouvir o que quer que sc.:j:l. ou que: torna inaudível uma nova rn·ir:lvolta. :lllll'.S de rndo da pedagogia. m:ls
a antiga ,·oz. do livro. É um fcnôrnc:no tão gc:neralizado também cb política cm todos os seus aspect0s. Outrora
que não se presta atenção nele. !\ Polcgarz.in ha não lê e reccmemc.:11tc.:. c:11sinar era uma ol<:na. ExclusivCI. scmi-
nem quer ouvir o escrito recitado. O cachorrinho dcse· conduwra, ela jamais se: prc:ocupou em ouvir a opinião
11hado dC1quela an tiga publicicbdc não d:1 mais ouvidos ou a voz da dl'.manda. Dizia o pona·\·oz.: este é o saber
à voz do dono. Deixados cm silêncio h;i três milênios, estocado nas p<íginas dos livros. Livros estes que ele
mostrava, lia. recitava. Ouçam e dc:pois lei:lm. se assim
a Polegarzinha. su::is irmãs e: scus irmãos passar:lrn a
quiserem. Em todo c::iso, porém, silêncio!
Por duas vczcs a okna diz.ia: cale-se.
* No c:tsu. e sempn: m;1is ;1di:1 1He 110 texto, -'porta -voz'' apen:is Isso acabou. Com a sua onc.Ja, a tagarelice rc_:iena
110 srn1idu tle ··ml·galüm:··. (N.T.) essa ofcna e anuncia. im·c 1H~1. aprescma nov:l clcm:lnda.

4-t 45
M IC llEL Sl:RRrS

provavelmente de um novo s::ibc.: r. Reviravolta ! Ou ça- Bem-comportados como f1g11rinhas, desde a mais lema
mos também - nós. professores falantes - o rumor idade, começávamos uma longa carreira sentad inhos.
confuso e caólico dessa demanda tagarela. viuda cios alu- imóveis, em silêncio e aljnhaclos em filas. ossa desig-
nos que, arn iga mc nte , nin guém co nsultava para saber naç:io de enl:io era a seguinte: crianças transidas. De
se realmenu..: demandavam tal ofCrta. b olsos vazios, obc:decíamos. não sorneme submjssos
Po r que a Polcgarzinha se interessa cada vez 1m:nos aos profc:ssores. mas sobretudo ao saber, a que: os pró-
pel o que diz o pona-voz? Porque , diante da crescente prios professores h um ildemcme se submetiam. Todos
ofena de saber, num imenso fluxo, por todo lugar e o considerávamos sobcr:rno e magistral. Ninguém
constantemellle disponível. a oferta pontual e singu- se atrC\'eria a escrever um trat::ldo d a obed iência
lar se to rna dcrrisória. A q u est~1o se colocava de fo r- volu ntária ao saber. M ui los se sentiriam inclusive ater-
ma cruel quando era preciso se deslocar para o uvir um rorizados, impc:didos. com isso. de aprender. Não bur-
saber raro e sccrem . Agora acessível, esse saber sobeja, ros, mas apavorados. É prc:ciso perccber esse paradoxo:
próximo, inclus ive cm objc:ws de pequenas d imensôcs, para n:lo compreender o saber e recusá-lo - c:lc que se
que a Polegarzinha ca rrega no bolso. julllO ao lc:nço. pressupu nha transmitido e: compreendido - , era preciso
A o nda d e acesso aos saberes sobe t:io alw quanto a da que ele: aterrorizasse.
tagarelice. Com letras maiúsculas. a filoso ria inclusive falava
A oferta sem demanda mo rreu nessa manhã . de Saber Absolulo. Exigia inclinação submissa, como
A enorme oferta que vem atrás dela e toma seu lugar a dos anceslrais, curvados di<ulle do poder absoluw
reflu i d iante da demand a. Isso é verdade com relação dos reis por direito d ivino. J amais cxisliu democracia
à escola e. posso dizer, também com relaç:io à política. do saber. Não que alguns, detendo saber. clelivc:ssem
Será o fim da c:ra dos especialistas'~ poder, mas sim porque o saber propriJn1c:rne ex igia
corpos humilhados, im:lusive dos que o detinham .
O mais apagado dos corpos, o c01vo letivo. dava aula
CRIANÇAS TRANSIDAS
fazendo sinais para aquele absoluto ausente:, para
De o relhas e foc inho atentos ao pon::i-voz, o cachor· aquela lOlalidack inacessível. Fascinados. os corpos nem
rinho, senlado e fascinado pt:lo som. n:lo se mexe. se mexiam.

46 47
J\\I C Hl'L SE RR ES l' O LE Gt\RZ I N Ht\

Já formatado pela pigina, o espaço das escolas, letra. Ali se situava a clcns1dade pesada do sab er, quase
dos colégios, dos campus se refo rm atava scg;uindo essa nula ao redor. Agora distribuído por todo lu gar, o saber
hierarquia in scrita 11a atitude co rpora l. Silêncio e pros- se espalha em um espaço homogêneo, descelllrado, de
traç:i.o. O foco de wdos na direção do estrado em que 0 movimentação li vre. A sa la de antigamente morreu,
porta-voz exige silêncio e imobilidade reproduz, na mesmo que ainda a vejamos tarno, mesmo que só sa i-
pedagogia, o mesmo do tribun al com relação ao juiz, do bamos construir outras igu ais, mesmo que a sociedade
tea tro com relação ao palco, da co ne reaJ com relação do espe táculo aiHela procure se impor.
ao trono, da ig-reja com relação ao altar. da habitaç:lü Os co rpos, e1H<io, se mobilizam , circulam, ges ti-
com relação ao lar.. . da multiplicidade com relação ao cu lam, chamam, conversam, faciJmernc trocam entre si
um . Bancos apen ados, em fila, para os corpos imó veis o que têm junco aos lenços. Ao silêncio se sucede a taga-
dessas insti tuições-cavernas. Foi esse o tribunal que relice e à baJblirclia, a imobil id:1dc? Não, antigamente
conde nou S?10 Denis. Serü o fim da era dos ;:itores·? prisioneiros, os Polegarczinhos se livram elas correrncs
da Caverna multimilenar que os prcneliarn, imóveis e
silenciosos, no lugar, bico calado, rabo sentado.
A Ll l)E RTAÇAO DO con.i>o
Novidade. A facilidade de acesso dá :! Polega rzinha, MOBILIDADE: MOTORISTA E P/\ SSAG EIRO
como a todo mundo, bolsos cheios de saber, jun to aos
lenços. Os corpos podem sair ela Caverna err1 que a O espaço centrado ou fo cado ela sala de aula ou do au-
atenç;io, o silêncio e o arquea merno das costas os pren- ditório pode também se esboça r como o de um veículo:
diam às cadeiras como se fossem correntes. f orçados trem, auwmóvel, avião cm que os passage iros, se ntados
a voltar, não param mais nos seus luga res. AJgnarra, em fileiras no vagão, 110 banco ou na fuselagem, se dei-
como dizem. xam dirigir por quem os pilota rumo ao s:1ber. Olhem
N:io. O espaço do aud itório uni vcrsidrio se esbo- ~~ra o corpo do pass:1geiro: esparramado ele qualquer
çava, a1H i0 amcrne, como um ca mpo de forças , cujo Jeito, de barriga para cinu e olh::ir vago e passivo. Ativo
e atento , pc Jo co ntran
, · o, o motorista
· · ::is costas e
arqueia
centro orquestr::il de gi-aviclac!e se encornrava 110 estra-
do, no ponto focal ela cátedra, um Power Poi1ll ao pé ela estica os braços no volante.

48 49
MICHFL SFR l{ ES
1' 0 l [ <._; 1\ R Z 1 N H A

Qyando a Polcgarzinha usa o computador ou o ce- até recentemente. fragm en tado, recortado, dividido.
lula r. amb os ex ige m o corpo ele uma motorista na tens5o
P:ígina após p:igina. classificações estudiosas distri·
da at ividade, e não o de um p:.1ssageiro na pass ividade:
bub rn. p:-ira c:1c!a disciplina. sua parte. sua seção. seus
do rtlaxa111u1w : d<:rnancl:t e: 1!50 ok na. Ela a rqueia as
costas e n:\o fica de barrig:1 para cima. Empurre.: <:ssa Joc::iis. se us la boratórios, sua prateleira n:-i biblioteca,
pesso inl 1a p:ira U ff'.:1 s:1b de aula : habituado para diri- seus créd iws . seus porta-vozes e se u corpora ti vismo.
gir. seu corpo 11:10 suporta por muito tempo a poltrona O rio. por exemplo. desa parecia por baixo das ba·
do passageiro pass ivo. J\ Polcgarzinha. elll:'io. se: ativa, ci:1s espalh:1das ela geografia , da geologia, ela georísic:-i ,
nH.:smo sem aparelho para dirigir. Algnarra. Ponha cm da hidrudinfü11ica, ela cristalograli:-i. cios aluviões. ela
suas ndos um co111put:1dor e ela recupera os gesws cio biologi:-i dos pei.xcs. da lwliêlllica. cb cli matologia, sem
corpo·pilow.
con tar a :-igronomia das plan ícies por esse mesmo rio
Temos agora apcn:ts motoris t~1s, apenas motrici- irrigadas. as cidades por ele al irnrntaclas, as rivali dades
dack; 11:10 m;1is c..:spc..:ct~tdun.:s . o cspa~o do teatro se enche
entre ribeirinhos, sem passa rcbs, barc:-irnlas e Puni
de atores, móv<:is; n<lo mais ju ízcs no trilrn nal, apcn:-is
lvlimhmu .. .* iVlisturanclo, int<:granclo, fusionand o esses
oradores, ativos; não m:1is sace rdotes no s:-intu:1rio , o
templo se enclic de pregadores; n;\o m:-iis prokssorcs 110 fraomcntos
v ' wrnando esses membros soltos o corpo
qu:1d ro-11cgro, eles est:lo por toda a sab ele aula ... E. ha- vivo da corrc1HCZ:.1, o faci l acesso ao saber pode pcrmilir
veremos de dizer, não mais poderosos n:1 an.:na política, que. finalmente e ele mud o pleno. se habite o rio.
que cstad ocupada por quem recebia as c.kcisõt.:s. !vlas como fusionar as cb ssi licaçõcs, fundir as frun·
Fim da era elos que decidiam. teiras, rc unir as p;íginas j <í recortadas no forrnaw, su-
perpor os traçados da uni \·t rsicbcle, unifior as salas
A TERCEIR1\ INSTRU ÇAO* de aula, cmpilhar vinte departamentos, fazer com que
seus especialistas de alw nÍ\'t:l - cada qual ach:-indo ter
A Polc:garzinha procura e encontr:1 o saber na sua má·
a clc:finiç5o exclusiva da inteligência - se emendam·?
qu ina. De acesso raríss imo, esse s:iber só se c:ncornrava,
Como transform:1r o espaço do campus, que se mol-
da pelo do ac1mparnento miliur elo exé-rcito romano,
* Rd<.:rê1u.:i:1 :10 livrl) de 1~J!)1 de: Miclrd Serres, l.c ?Íir1-/11.1/m1i.
fi\':i c:dic,;:iu ponug11es:1, O kru·iro lwtruúlo. LisLo:l: l11stitllt0
Pi:r~et, l 9~J .q (N.T) ·ou sc:p.
. sem pucsi:i. (N .T)
50
51
M 1C 11 E L H lllt E S l'OLEG,\ l\ZI N HA

ambos compani mrn tados por vias retas e distribuídos no do prazer da aprendizagem, agn1pava tudo o que a
como coones ou jardins justaposws"? clicncela podia so11har: alimentação, roup::is, cosmét icos.
Rtspostas: ouvindo o barulho de fundo que vem cb O sucesso nüo demorou e Boucicaut ficou riquíssimo .
demanda, do mundo e das populaçõ<:s. s<:guindo os no· O romance: que Émile Zola escreveu base:ido nesse in-
vos movimentos dos corpos, t<:1Ha11do explicitar o futuro
ventor íaJa de seu des<:spc:ro, nos dias em qu<: as vendas,
que as nov::is tecnologias implicam. Como, ck novo·?
ainda que :ilt:is, p<:rman<:cem constantes.
Cena manhã, tomado por súbita intuição, ele
DESORDEM CONTRA CLASS I FI CAÇAO desarruma. ent:io, aq uela classific:içào r::icional, trans-
fo rmando os corredores da loja em um labirin to e as se-
Nesse sentido, paradoxalm<:ntc, como desenhar movi·
ções em um caos. Vindo comprar alho·poró p:-ira a sopa
mentos brownianos·? Podemos, pelo menos , facilil:-ir ::i
e sendo obrigada, pelo acaso progranrndo de fo rma
tarefa com a sercnd ipidack de Boucica rn .
vigoros:i, a arravessm a seçào de sedas e rend:is, a clicrne,
Como fun cbdo r da loja de dcpan:-imc ntos Bvn
avó da Polc:garzinha , acabou comprando frivolidades,
Jvl(//d1é, ek primeiro classificou os produtos a scrun ven·
além dos legumes ... As vendas, en tào, voltaram 3 subir
didos por prateleiras, em seções organizadas. Cada pa·
ainda mais.
cot<: bem tranquilo no seu lug:-i r, classificado, ordenado
como alunos nas lllcir:-is ou como legio1d ri os rom:-inos A desordem tem r:-izões que a própria raz:io desco-

no acampament0. O term o classe"* significa , origi n::il·


11 nhece. Pdtic:i e r:ípida, a ordem ::icaba, frequc:ntcmenre,
mente, aquele exé rcit o em fileiras r<:g·ularc.:s. Como cb aprisionando. Favo rece o movimerno, mas, no fim , o
primeira vez, su::i grande loja, tão universal no sentido congela. Indispc:ns:íve l para a ação, a d11:ddút pode este·
elo Paraíso cbs clamas** qu:-into a uni versidac.le rilizar a descoberta criativ::i . A deso rdem , pelo cornrá-
rio, areja, como em un1 apa relho que aprcsrn t::i f'o lga.
E essa folga possibilita a invcnç5o , a mesma que ::ipare-
* No ciso. sube11ten<l<:·s<.: :i .. cl:1sse tscobr", s:tb Je aula. (N .T)
ceu entre o pescoço e a cabeç:1 co n:-icla íora.
** ;J11 ú111 i11t•1tr dc'.1 du1110 (J~m1/Ju <Ífl.1 t!a111a.1) é um ru m:uice ele
Vamos segu ir a Polc:g:-irzinha em suas fo lg::is, ouvir
Émile Zob e t:1mué111 o nome d:1 loja clt dcp:mam<.:1HOS
a intuição ·'serendipitin::i" de Boucicaut, que todas as
ficc io11:11. c1lc1J:1 11:1 precursora loj:t / I li B(/11 k!urcftc:, 11;1 Paris J o
lojas de dep:wcame1Hos seguem desde ent5o, rev iremos :i
Segundo linpfrio. (J .T.)

52 53
M 1 e 1-1 l L S[ ll IU: s l'l)l[(.;At~i' I Nll A

classific:1ç:io das ciê11cias, coloquemos. na uni versid:tde, labirinto dos chips clctrô11icos. "\'i va íloucic:-i ut <.: ,.i,·a a
a física ao belo da lilosofia. a linguística com a iriatem~í ­ minha :1\'Ó! ... <:xclama a Polc.:gari'.inha.
tica. a química com a eco logia. E vamos detalhar ain-
da mais. pic:llldo css<.:s co1Hcúdos de fonn:-i ainda mais 0 CONCE ITO 1\l3STRATO
miúcb. para que lk·tcrmin:-tdo pesquisador e11co11tre
outro, dian te cb sal:t, vindo de unn espeàtl id:1dc dife- E o que prnsar cios conceitos. cm gera l tào dificil-
rente e falando otHr:l líng;u:1. Estariam uem lo11gc um do nH..·rne f'orrnubdos·? Diga- me o que foi kiw da Beleza.
outro, s<.:m se incomodar. Ao C{l.l/rt1111 racional do c~0rc it o A Polc.:g:irzin ha rc:spo11dc:: uma bela mullier. uma bela
romano . esqu:mcbdo em perpendiculares t separado égua. uma bela aurora ... Pode parar: esLou pedindo
um concei to e: vou: cita mil cx<:mplos, sempre: nwç;is
c:rn cooncs quadradas, sucederia, cnt:io. um mosaico
bonitas e potr;1ncasl
com as diversas peças, em unu esp0cie de caleidoscópio,
A ideia abst rata, com isso. \'Olta a uma grand iosa
resultado da ane cb marcl1c:t:iri:1, um pot·pourri.
econom ia ele pc:nsa mc:1Ho : a 13clc.:za ttm na ni:lo 1.001
O 1<rcáru !11slruídu j:1 imagi nava uma uni,·ersid:1dc
bc:lclades. co mo o círculo cio geômet ra co mprc:c:ncle mi-
com seus espaços misturados, sa rapint:1dos, rn:uiz:tdus,
ríades infinitas de aros . I\u11ca poderíamos ter escrito
cl<.:sarru madus, mc:scbdos, constcbdus... real como
nem lid o p~í gina s e liHos se: tivC:·sscmos que citar css:1s
uma p:1i sagc: m~ ED preciso, antiga nH.:nte. ir longe: p:1r:i bcldack s e: esses aros. cm <:normc: nú mero. sem fim .
chcg:tr :ité onde: estava o outro, ou ficar c:m casa par:t 1150 M;iis ;1imla: n;-10 posso delimitar a p:ígina sc:m apela r
ouvi·lo, mas agora tropeç:1rnos 11c:le o tempo tudo. sc:m para a ideia que \Tela as saídas dessa cnumeraç\o
que ncm seja preciso se movimentar. ü1finita. 1\ abstraç\o sc:n·c ele rolha.
r\qudes ct~as obras desaliam as cbssifioçôes e Aind a precisamos dela·? I\ossas m;1quinas correm
senu:i:rn1 c:rn wdas as direções kcundam a in vemividade; tão rápida!' qu<: podem contar in clc.:finiclamcrnc: o par-
j:1 os métodos pscudorracion:1is nunc:i stn·irarn parJ ticubr c parar na originalicbdt. Se a im:1gc:m da luz ser-
grandes coisls. Como rcdesrnli:1r a p:íg1i1a? Esquecendo vir aincb para ilustr:1r. por ass im dii'.cr. o conhecimt1Ho.
a ordern das razôcs - ordem, t ve rdade, mas des:u-ra- nossos :l1Hepass:1clos ficavam com a cl:tridad<:. enquanto
z.o:1lb. É preciso mudar de raz:lo. O único :uu i1 llclc.:ctu:il optamos pc:la ,·docidade. O molür de busca pode. t\·e11-
aulê ntico é: l invcnç\o. V:11nos lbr prckrê11cia, c1Hào, :io tualmc1 nc. subslitu ir a abstração.

54 55
MICHEL Sl'ltRFS l'U l H; 1\ ft Z 1N11 t\

Corno o terna. mais ac ima. o objeto da cog111çau r:1tacb s. sne11dipid:1dc da i11vu1Çio. ,·cJocitbdc d:1 luz.
acaba de mudar. N:'io ternos obrig:itória 11cccss idade 110\·icbdc dus tem:1s tarllo quarn o dos ol~jcws. busc1 tk
de cu11cciw. i\s vezes sim. podl.' ser. 111;1s 11ern scrnpre. oulr:t 1«11.:io ... : a dil'us:lo do s:iber 11:10 pmk mais ocorrer
PodL"mos pass;ir o CL'rnpo que for prL"ciso com 11arr:ll Í- cm ca mpus 11c11hurn do mundo. eles próprios ordena-
\':i S . cxernplus e sing-ubricbdes. corn :1s próprias cois:1s. dos. l'orrnat:1dus p:i~in:1 ;1 p~gi11:1, racionais ;'i 111;111cira
Pdtici e teórica. css:1 11ovidadc devolve dignidade aos antiga. imita11do os ;1c11np:1mL·1Hos do exército roma-
sabc:rcs da descrição e da i11dividualizaçào. Ao mesmo no. l:~ esse o espaço de pc11sa111c11lu cm que habila.
tempo. u saber o!crccc sua dig11id:1dc às modillidadcs de corpo e ::1111:1. desde :1 manhã de liujc. a ju\·cmudc
do possín:I, cio co11t ingentc, das si11gl1bricladcs. Urna da Polcg:1rzi11ha.
vez mais_ tal hierarquia desaba. Agor;1 peri to crn caos. S:"10 Du1is pacific:1 ;1 kgi5o.
11c111 o rn:uem:ít ico pode mais menosprezar as SVT*
que:, desde: j ~. pr:llicam uma mistura ú b Bouciciut e
têm de c11si11ar de mam:ira int<:grada. pois. se rcconar-
mos a rcalicbdc vi\·a de ma11L"Íra a11alít ica. ela morre.
Uma vc1. mais , a ordem das r:izües - sem dL1 vicb ai11da
útil. rnas ;\s vez.cs obsoleta - ccck vc:z. a uma 110v:1 raz.ào.
que acolhe u co11creto si11gubr, 11:1luralme1ll<.: Lihirí11-
tico ... acolhe a narr:1tiva.
O arquitclO revira as di\·isücs do carnpus.

Esp:1ço de circulação, oralidade dil'us:1, mm·imcntos


li\Tcs, fim das s:d:1s cbssi!icad:1s, distribui çücs dispa-

* Sii1·1111·1 1k Íll Jlic t'I i/1· /(/ ·1i:m. (Ciê 11ci:1s da Vida L' tb 'll:rr:1).
discipli11:1 l'.scol:1r d u curso médio. que. tksdc '.WlJ~l. s ul>slituiu
as "ciê11ci:1s 11:Hur:1is". (r\ .T.)

56 57
3. SOCIEDJ\DE
ELOG IO DAS NOTAS ru: cll'ROC1\S

A Polcgarzinlia vai dar nota a seus professores'?* Essa


discussão boba teve, recen tc.:mcn te, urn a repcrcuss:io
enorme na Fr:rnça. De longe, cu me espan tava : h:í
quarenta anos, os es tu cbntcs me dão nota cm outras
universidades e isso não me abab muito. Por quê? Por·
que, inckpc:ndente da lei, quem assiste <'is aulas se mpre
avalia o proksso r. H~1via mu ita gente.: na sala e. hoje de
manhã , só três ou qu::Hro estudantes? É a sanção pelo
nümero. Ou pcb escuta: atent a ou tumul tu osa. Causa
s11i, a eloquê ncia tem sua íonce no silêncio dos ouvi ntes,
silêncio este que nasce cb eloq uência.

•Na Fr:111ç:-1 e. m:i.is :i.i11J:1. 11:i Alemanlia. os :i lunos potkrn ··J:i r


notas" :i.os professores, as qu:1is. cveniu:i.lme11t<.:, o diretor tk
cada colégio ou 1iceu lc:va c:rn considn:iç:lo 110 mo mc:11tu em que
"d
á sua not:i.". em pr:í tic:1 ainda rccc1H<:. aus dilC:re11tes pru ll:s-
sores. Sendo públ ico o e11si110, 1ais I HJ t:is valem p :1r;1 <.:VL"1Hu:iis
aumentos s:i.briais, lJô11us <.:outras v:11 H:1grns. (N.T.)

61
M 1C 11 ~ L S C1( ll [ S

Na verdade. t0do mu11do scmprc.: rccc:b<.: nota: o sobre elc:s uma chll\·a brnigna. É provável que, de fato.
n;1morado. da namorada calada: o f"orn<.:ccdor. pdas tenha ha\·ido esse tempo. mas ele: termina a olhos \'iscos
rcclamacões, dos clil'.ntcs: a mídia, pdo ibopc.:: o médico, no trabalh o. no hospital. na c:sLrada, nos gn1pos. na pra·
pc.:b quantidade de pacic.:ntes: o c.:lc.:ito, pc.:la sa11ção dos ça pública. cm todo lug:11·.
clcitorc.:s. Isso coloca si111plc.:smc:11tc.: a questão da govc:r- Livre: dos semicondutores - quero dizer. cbquelas
11a11ça. relações assimétricas -. a nova circulação dei..\'.a que: se
Estimulada pc.:la quc:ixa das m:ks e pda ps icologia, ouçam :is notas, quase: music:1is, de: sua voz.
a kbrc.: da aplicação d<.: notas não se: lim ita ú escola e
invad iu a sociedade civil, que ador;1 puul icar listas cbs
ELOGIO DE 11 . POTTER
mel hores vendas, distribu i Pr~mios Nubc.:1 , ósc:Hc.:s, taças
de falso mc.: Lal, classifica uni vers idades, bancos, cm· Simples garoto ele Birmingham , diz.cm que H umphrey
presas e :ué Es tados, an tigamente soberanos. Viran do a Pottc:r ligo u, com o llo ele: um pião, o braço da máqu i-
p:igina. o lci wr jü c.:sd me.: avali:111 do. na a vapor a válvulas que: dc.Tiam ser acionadas com a
Uma espécie.: de dc.:mônio de dupla face: nos kva a mão. Esc:1pandu cio trabalho aborrecido para ir bri.n-
julgar as <lik:rc:ntc:s coisas como boas ou m<is. bc.:nig11::is car. ele inventou - abolindo a c:scravid:lo - uma espé-
ou nocivas. A lucidez discrimina sobrc:tudo o que morre cie de feedback. Invc:n~ão falsa ou vc:rdadc:ira. o conto,
do mundo arnigo e o que: emerge do novo. I\ascc.:. no di:i em wclo caso, faz o clogio ela prccocicladc de um gênio.
de hoje. uma re\·ira\·oha que: f;l\·orccc a circulação simé- Para mim. ele mostra a frequente competência, fina e
trica entre quem aplica notas e qucm as n.:ccbc. crnrc os bem-adaptada , do operário (mesmo menor) nos pontos
poderosos e os subordinados. uma rc.:ciprocidade. 1odo em que: quem dccitk, à dist~ncia, ordena a ação sem
mundo, de faw. par<.:cia ach::ir qu<.: tudo se pass:1 de: cima nada pcrg11ntar ao opc:nírio, vist0 como incompetc:mc.
para bai.xo, da dtc:dra aos b;mcos, cios clc.:itos aos clcit0· H. Ponc:r é: um cios nomes de g11crra da Polc:garzinha.
n.:s : que:, lá cm cima. a ok·na sc apr<.:s<.:11ta e:, embaixo, a A palavra usada exprime: essa presunção de: incom-
demanda engole tudo . Grandes k~j;1s, grandes bibl iote· petência: trata-se:, de: fato, de dobrá-la à vontade p;:ira
c1s, grandes c:mprc.:sürios, ministros , homens de: Eswdo meU1or explod-la. Assim como o doente se reduz a um
etc .. pressupondo a incompeLência dos pequenos, dc.:itaJ11 Órgão a se tratar, o <.:stuclam<.:, a um ouvido a se preencher

62 63
(\\ 1e 11 r L sr it 1t ~ s I' l) 1 F t; A ll I 1 N t 1t\

ou a urna boca silc11ciusa a e11lupir. o upcdrio se.: limita :1 A Pulcgarz.i11ha st t 1lled ia 110 trabalho. Se u vizillho
uma m<1quina :1 ser dirigitb , um pu uco lln is cornp li cad:1 marce11ciro :i1itig:1111c.:11tt rc:ccbia t:ibu;-is brutas ela sc:rr:1-
do que ;1queb c111 que ele tr:1balha. 1\ntis:1rnc.: 1llc . 110 ç:10. situadas c:m rneio ú llorestJ . Depois de Jc:ix:i-las por
alLo. L>oc1s sc.:rn ou ,·idus, embaixo, orelhas sem vo1.. mu ito tcrnpu s<.:c:1 r, c.:lc ti r:tv<1 dcssc tc:souro, ele: acordo
Elog io do cu11trulc recíproco. De vulvc.:mll) ki çt>Cs con1 as <.: 1H.:omcmbs, bancos, mc:sas ou portas. Ti·i1Ha
co1nplctas ;\s d u:1s comliçüc.:s. as melhores empresas co - anos depois. ele p:1sso u a receber ele uma fabrica jane-
locam o opcdrio no ce11tro da lkcis:io pr:ltica. Em Vt."1. las j:1 prontas . p:1ra inst;-il:tr <.:lll gr:11H.ks oür:1s com v:lus
ele o rg:u1iza r de m:111cir;1 pir:unid:d :1logíst ic1. co n1 c nfo- formata dos. É um tédio. P:ira ela t:1m bém. O illtcressc
que 11 os !luxos e 11:1 rcg1tlaç:io da complexidade - o que cb obra se: cipitaliza nos escrit órios de pn~ctos. l:í no
:1 nwlliplic 1 prn· c1111ad:1s ele n:g11hç5o - , cl:1s clcix:1rn alto . O cap ital 11:10 sig·nifica aprnas a COJ1ce1maç:iu de
que a Polc~;1rzi11k1 cu11trol<.:. cm lcrnpo re:d , su:1 própria d in hc:iro. mas também igua 11as rc:prc:s:is , mi11cr~ll nu
ativid:1d<.: - pa11cs 111;1 is foci lrn<.: 1ll<: reco11liecid:1s ou rcp:1· subsolo. illtcl igê11cia cm um b:i 11 co ele e11grnh:1ri:i. :tf:is-
r;1cLts. so lu~ücs téc11ic:1s mais rapid:1me1Hc: c11co1ll1·:Hbs, t:ido ele quc:m executa. O tédio geral vem dess:i conce11-
prudutivid:1d<.: 1nclltuL1d :1 - . mas L:t111b<'.-m que cxan 1i11c tr:iç:1o. dcss;1 capt: tç:lo. desse: roubo do i11tcrcss<:.
os m:111d:1drius . que pmlt.-111 ser o p:Hr::w. o médico, o A prudutivicl:iJe - que: aume11tou v<:-nic:dmcntc
pol ítico. desde 1970 -, acrc:sccntad:1 ao crcscimc1llo dc:mogr:í lico
muml ia1 - igualm<.:1lle vcnic:il - , wrna cada vez mais
raro o trabalho. Sc:r:í que um:1 ariswcrac ia c:rn brc:\'l· se
TlJM LJ LO DO T l~i\1) 1\L H O
beneficia rá sozinha disso '? Nascid o com a rc vl)lu~·:io in-
A Pulcg:1 rzi11 h:1 prucu ra tr:iu:dhu. E, qua mlu e11co11cra, dustrial e copi:1do do ofício divino dos monastérios. es·
co11ti11ua ;1 procurar. de t:11 llo que sabe poder. de um lará o trab~1ll 1u , l1oje tm dia, pouco a pouco morrrndo ?
dia par:1 ouLru. perder o qu<: :1Ct1J:t ele co11scg;uir. Além A Poleg::i rzinki j:í viu d imin uir o 11L1mtro de cubri11hos·
disso, 110 tr:1b;dho. eb respo nde ~1 q uc111 bl:1 com c:b azu is, e :is novas lccnologias vão fazer diminuir o de
11:10 de.: acordo com a pcr~u1H:1 kiu , rn~1s de rn:111eira cobrilllios-br:lllcus. O tr:1b:1 ll 10 n:lo ;1c1l>:1d des:ip:irc·
que: 11:\u perc1 u c:rnprego . Turn:lllJo-sc.: corrcrnc. essa cendo, lamlJém. por seus produws. i11u11d~1nJo u 111t: 1·c:1-
m<:1llira prcjud ic:1 :1 tudos. do' por rrtquc1llc111emt prc.:_iu
· J.1c:lrtm o meio· amb1c11l<.:.
·

64 65
MICll[L SERIUS 1'01.1 G 1\RZINHA

- contam inado pela aç:lo cbs m:lquinas. pt:b fabricaçào ELOGIO DO HOSPIT1\L

e.: tra11spon<.: das mc:rcad urias'? Afinal. tlt deprndc: de Eb se lc:mbra tamblm de: uma vc:z c:m que precisou se
l'unt<.:S dt: cnc:rgia cuja expluraç:lo destrói as resc:rvas e internar cm um gr:i11dc hospic:u. Entr:1nJo no qu:1no
polui. sc:m batc:r, segu ido <lc f'Cmc::is subrniss:1s, como macho
A Polc1Yarzinkt sonha c0111 uma obra cuja finalidac.k clo111i11arne - o rnoddo animalesco se impunkt -, o chdl.:
cst:tria na "
rc:p:iração clcss<.:s pn:juíws, srn<lo bt:nllica - brindou o slq uito co m palavras ele alw nkel, de: cos L::ts
não cm termos ck sal:írio (senão tc:ria dit0 "se bt:11efi- para a Polcg:1rzinha, que estava dcit:1cla <.: c:xpc:rimentou
ci:u1do''). mas em termos também dt frlicida<l<: - aos a pn.:sunç:lo c.lc incompt:tência. Como na faculdade,
que a opc.:ram. E traç:1, n:sumindo. a lista das açô1.:s que como no tr:1balho. Conforme se diz mais popubrmrntc:
11 50 produztm essas duas poluiçõc:s: cio planeta <.: cios s<:mlo \·ista como irnbc:cil.
humanos. DesprL"Z:l<los como sonhadores. os utopist:ts Para se susternar, falta ao imbec il - fraco, cm lín311a
rr:1nces<.:S Jo século XIX organiz:wam as pdticas SL" - latin:i - um b:tstüo, esse: haàlluj de onde: vêm os nossos
gui11do dirc:<;ê>es concdrias 3qucbs qu<.: nos lc,·ar:un a b:1cilos . .J:í de: pl, curada, a Pokg:1rz.inha ::tnuncia um::i
ess<: duplo impasse. no tíci~ :1 m:111c:ira cio enigma de Édipo: qu:uit0 mais o
Ha,·t:ndo agora somen te indidcluos e a socit:dade tc.:mpo 3,·:111ç:1. mt:nos o hominídeo precisa dessa benga-
se or~aniz.:rndo apc:n:is cm torno do tr:1b:dho, faLe1H.lo la. i\bntlm·sc de pé sozinho.
tudo girar a s<.:u rt:dor, inclusive os e11coucros, inclusive Ouç:1111. Os hospic:tis plilJlicos das cidades gr~111des
as J\Tll turas particubrc:s que inda têm a \'Cr com ele. dispuc:m ele cstacionam<:nto par::i cadeir::is e: cam:ts com
a Pulcg:trzinha. ern:io, c.:spc:ra se completar 110 tralJ:dho . rodas : nas emergências; a11tc:s e depois da rcsso11:l1H.:ia
No entanto, 1i:io o consc:g11e; no t.:1H:111to, st e1Ht.:di:t. magrn.'. ti c1 e: de: outras tonwgr:tfias; a11t<.:s da sal:t de opt:·
Procura também imaginar uma socicd:1dc que n:1u ma is raç:io. p:1ra a :111cstcsia , ou depois, para a rc:111im:tç:io ...
se cstnnurc: so ment<: nele. ~las cm que.·. cnt:lu·~ Pude-se esperar de l a 10 horas. Estudiosos. 1-icos e pode-
. ·- )
E quando , afinal , lhe: pc:dem a opm1ao. rosos do mundo. n:io cvitc:m esses lug:trcs cm que Sé
ouvem o sol'rimenw, a piedade:, a raiva, a afliÇ10. gritos
e choro. :'ts \ 'Clt:s orações, c:xaspeDç:lo, súplica ele: quem

66 67
M 1 e H r L s t R I{ I· s I' t)L t C A R Z 1 N 11A

ch:1nu :1 quc: m nào cham::i ou bstinn quc:rn nào rcspomlc:, linica rcun i;io clc adultos ern que 11~·10 se ouça o mesmo
silêncio tenso de uns, p:1vur de outros, rc:.:sig11açào da vo1.erio descuicbdo .
maioria, gr:uid~10 t::imbém... Qycm nunc1 precisou Saturada de mu siquinhas ele fun do. a ba lbt.'inl ia da
rniswra r sua voz a esse co11cen o dissona nte, pruvavcl- mídia e a agi taÇ10 comercial c:nsurde(élll e anestesiam
mentc. s:1bc que so!'re, mas v::li sc:mprc ig11orar o que sig- aquelas ,·01.cs reais. com so m dcplor;Í\·cl e dro~as c1lcu -
nifica o "so rrcmos", v::li ig110rar o t:itil>it::ltc.: coletivo que bd:1s. a lém dos blugs e: elas redes socia is cujo núme ro,
múltiplo. chega :1 totais co rnp;1d\'eis ú popuLiç:io cio
vem da :ullc:drn:tra da mune e da inquictaç:io. purgató·
pl:rnua. Pcl:t primc:ira ,-u. 11:1 his tó ria. as vozes de todos
riu intcnnc.:d i:írio c:rn que todos Lemc:rn e.: :tguard:un uma
podem ser o u,·icbs. A palavr:t hurnan:1 balburdia 11 0
decisào do dest ino. Se: ,·ucê for :dgt.1ém que: se pcrg111ll:i:
espaço e 110 tempo. À calma dos vib rc.:jos silrnc iosos.
o q ue é o hurnern?, você dad, o u,·ir:i c: dcscul>1·id :1E
onde soa\·:1111. 11:10 frcquentemuHc. a sirene e o sino. o
a rc:spost:1 para isso, n:1quelc murmuri11ho. An tes dcss:i
direitu e a rcligiào. filho c: filh:1 ela escrita. brusc1mrntc:
esc uta, :1té um filósofo é lcvia110.
sucede a exp::ins:io das redes. Fenôm eno ge11c:ra lizaclo
É :1 c:sse b:1rullw de ru11do - :1 \ 'ül. hum:ln:l - que o
dc: mais par:1 que chamc: a :1tenç;'10. esse.: novo barulho
nosso l":tb tório e: t:1g:m:lice encobrern. ele ru11do. C011!'us:iO de cJ:irnores e.· ele \'OZCS p:1rticubrt:S,
públicas, pcrrna nc11 tcs . re:1 is cn1 ,·inuais. caos encobcno
pelos mo to res e sintonizadores ela sociedade do espu<i-
t LOG 10 L)1\S VOZES 1-1 UM1\N1\S
cul u irrcdu ti vclmcnte cnvcl hccid:1, reproduz em f.ir;lllde
Esse oos nào rur:10rc.:j:1 ::ipcn:1s n::is tscobs e nos lwspi- escd:1 u pequeno tsu n:11ni cbs salas de aub c dos audi-
wis. nào vc: rn :1penas dos Polcg:1n:zinh os cm saL1 de aula tórios u11i\·crsi t;írios. N:iu, n:1 \'erdadc, este último é que
e dos suluços em espera p:tcic1lle. Os 1)1'('>prios proli.:s· é o modelo reduzido daquele .
sorcs t:1g:rn.:L1rn qu:111do o direwr b b com eles. Ü:; i!l· Esses l'al:uc'> rios polcg:ll':.:s. essa l>albúrd ia ele gente.
te rnos co11vcrs:1111 enqu:1nt0 o rnédicu-chcre pcrnr:1. O.s eles anwiciam uma época cm que sc:r;io miswraclos um
sukhdus falam enqu:1nto o gc11cr:d coma nda. N:1 pr:i- sc:g1111clo período ora l aos tais escritos \'inuais ? Ess:i
ç:1 do merc:tdo , os cid:1J~1us f:.1zern b:dblirdi:1 empn lllo 11ovidaclc Etd submergir a icbdc d;1 p:ígina que nos
o prefeito, o deputado ou o ministt'l> despcj:1 seu f:1b - ronnawu ·:i H:í muito tc: mpo ouço esse novo período o ra.!
tó rio v:1Ziu. Cite, JiL a Pulcg:t rzi11ha com 1rrnua, unn que o ,·inual e111a11:1.

68 69
/\\ILllll ~[RRES P O l 1: C 1\ R l 1 N 11t\

É uma ckrnancla 1•·cr;1l


u de l)alavrn, :rn:1lue:a :\ dernamb
~~
político e fa ze r com que dure? \ \ j:1111 a manc:ira co mo
singular que os Polc.:t-:,:H"ci'inhos c.:xpri1rn:m nas escolas e eles se dcsma11tclam ... Constituir um grnpo ministerial
universicbclc:s e if;1tal ~1qucb da espera dos docrnc:~ nos que perma11cça bastante tempo solid:írio"? Participar de
hospitais e dos c:rnprcg:1 dus no trabalho. 'Tiido mundo um esporte colc:ti\·o c:m que:. p:1r:1 h:wc.:r cspet:kulo. con-
quer ralar, todo 111lllldO COllllllliCa com todo 111UtlclO. por tratam seus pcrso11:1gc11s cm países disw11tcs . nos qu:-i is
redes inurnc:rávc:is. Esse tecido ele vo7.cs se comb ina com as pessoas aind a sabe m agir e: vi,·cr cm grupo:) 1\ s ,·e-
o d:1 internet: os dois soam cm fase. J\ 110,·a democracia lhas filiações ago11izam: irm:los cm armas. p:-iróquias.
do saber. j:1 pn:sc11te nos locais c:rn que se: csgota a \-e lha pátrias. sindicatos. famíli;1s recompostas. Sobram apenas
pc:cbgugia e se busca a nova . com wnta sincc:ricbde os grupos de press5.o. obst:iculos \'ergunhosos para a
qu:1nw elificulcbck, corrc:spon dc, pc:la pulític:1 gcr:-il, democracia.
uma dcrnocracia c:m formação que. am:u1hà. ha\"t.:d. ck Deb ocham das nossas redes soc iais e cio 11 0\'0 uso
se impor. Concernrada na mídia. a oferta política morre que: fa7.e mos da palavra "amigo". Algllma \'CZ consc-
e. mesmo que não saiba n1.:m possa ainda se exprim ir. a g11iram juntar grupos tão co11sidc.:r:hTis. cm qua11tidadc
demanda polític:-i. c.:nonnc.:. se erg11c.: e: pr1.:ssiona. A ,.07. que: se a\·izi11ha ao número tota l de: seres hum:uios '?
marcava seu \ 'OlO cm uma cédula escrita, c.:s trcit:1 e rc:- Não acha m prudc.:11te se aproximJr dos outrus de
conacb. local e sc.:cn.:ta: com sua cxte11sào ruidosa. c:la ma11eira virtual p:1ra. jü de in ício. machud -los mrnos?
ocup:1 hoje a totalidade do espaço. A ,·oz. ,·ma em pc.:r- Prt)\':\\Tlmetllt temem que. a p:1rtir dessas te1itati\·as.
manê:ncia. su1jam 110\·as ftmnas políticas que.: afastem as anteriores,
obsoletas.
Obsoletas. sem dúvida. e t~o virtu:1is qu:1nto as mi -
ELOGIO D1\S IUDFS 11has. insiste a Polcgarzinha. se a11ima11do brusca mente:
?\esse ponto preciso. a Polegarzinha n.:cl:una elos pais: exército, naç:io. ign.:ja, pon>. classe. proletariado. famí-
criticam mc:u q~oísmo. mas qul'm mostrou o caminho? lia, mercado ... s:io abstrações. pair:tndo acima das c.1-
Criticam meu individualismo , m:1s quem o c.:nsinou '? bcças como fetiches dcscan~h'l'is. Encarnadas. é o que
E você:s mc:smos. soul>eram estar juntos'? Incapaz.cs ele: diz.<.: m? Pode Sl'l', ela responde. excc.:to quc c:ss:1 carn<.:
viver como casal. di\'orciam -sc. Sabem criar um partido humana. cm vez de VJ\'CT. tc,·e que sofrer e morrer.

70 71
,\\ 1C H E L S E IUt !' S

Sang11in<írias . aquelas filiações ex1gpm que cada qual Europa . 11:10 pede: a mo n e de 11i11g11érn. :lo queremos
sacrificasse a vida : mártires supliciaJus, mulheres lapi- mais C0<1g11lar com sa11g11e nossas assemblc:ias. () vinual,
dadas, heréticos queirnados vivos, "fei ticeiras" irnobcbs pelo menos, <:vita esse cipo ele carn ilicina. N;io mais
cm rog11ciras. isto 110 que se rercre ;\s rdigiôes e ao di- conslruir o cokti,·o a partir do mass:.lcre de alg11én1 e do
reito . Soldados desco11 hccidos enfile irados aos milhares nosso próprio: esse é o nosso fu turo . l"rc11te <i ltistória de
nos cem itérios militares, aonde v~10 às vezes se debruçar vocês e :is su :1s políticas de mon e.
co1nritas. alg11rnas auwridaclcs, e longas liscas de nomes É corno b iava a Polc:<o1 arzi11k1.. ele ma11c:in• c11é 1·,.-
o1 ·c·•1.
nos monumentos aos mortos - cm 1914--1918 vinham
quase todos cio campcsinaco -, isto no que se refere à
Pátria. Campos de extermínio e g11/ag1, no que se refere ELOG IO IJAS ESTt\ÇÓES Ê DOS J\tROPO lffOS
à louca teoria das '"raças" e da luta de classes.já a bmí- Ouça m também, diz ela, como soa m as multid ôc:s sua-
lia , cst:1 abrig<l a metade dos crimes, com uma mulher ves que pass:1m. De acordo co m J c1ç:1. os fru1os e as
morrendo d iariamente por causa das bruta lidades do
variaçôcs do clima, !to111u saj1ir·11.r 1H111rn parou de se mu-
m:wido ou do arn:u1te. No que se rcf"ere ao mercado:
dar de um lado p:.1r:.1 o ou tro. tornando-se !tomo 11ial11r há
mais de urn terço dos seres humanos passa fome - um
mu ito, e isso até bem 1-cccn tementc .. quando o pb net:.1
Polcgarzinho morre a c:.lda minuto - enqu:.lnto ou-
dei:rnu ele ol"erecer terras desco11hccicbs. Desde u clesc11-
tros E1zem di<.:ta . Inclusive o assiste11ci:.1lismo só cresce,
volvime11to de dez ti pos direren tcs de motor. as vi:1gc11s
nessa sociedade do cspet:lculo de vocês, com o número
se mul tiplicarnm a po1110 de transform:.lr a pcrct:pç:io
de cad:i\'nes exil>idos; suas narrativ:.ls, com os cri1ncs
do ambic.·1Hc cm que se vive. Um país co mo a fra11ça
rdatados . um:.1 vez que, para vocês, um:1 notícia bo:.1
rap idamcrne se tornou uma só cid:1de que o trem ele
não co11sti tui boa notícia. H<i cem anos , co11tamus esses
rnorws de tudo tipo por ce1H<.:nas de rnilhôes . al t:.1 vc:locid:1c.k atravess~1. como o metrc) e: como as auto-
A ess:1s flli açôcs. des ig11:1cbs por virtualidades abs- estradas que cruz:1m ruas. Desde 20()(), as companhias
tratas. das quais os livros d<: história festejam a glóri~1 aéreas passar:1111 a tra11spon:1r 1/3 da humanidade. Pas-
sangrc nt:.1, a <.:SS<.:s falsos deuses devoradores de víti mas sa t:1l mass:.1 de gc11te por :.leropo n os e est:1çõc:s que m:.lis
i11r111itas. prdiro nosso virtu al irna11<.:1HC que , como a p:irecem hotéis provisórios.

72 73
I' O 1 [ G 1\ Ri' 1N H A
i\\ 1 C 111' 1 S 1 lllU'. S

Calcubndo o tempo de: suas v1::1gc:ns a p::1rtir de essas dc:zc.:nas de dc:pcm!ent<.:s. A Polc:garzi11ha h::i.bita
cas::1, será que a Polc:garzinha sabe c:m qual cidade c:la um a malha mesclada. pavim<.:llta seu c.:spaço com uma
mor:-i e trab:ilha. ú qual comunidade pertence? Vive cm marchetaria dispanu:-ida. Sua vista se maravilha co m esse
um subúrbio da capital. a uma distância equi\'alcnte. do caleidoscópio. seus Ou\'idos repercutem o caos con fuso
centro e do aeroporto. cn1 tc:mpo gasto, a um décimo do ck \'OZc:s e s<:ntidos que anunci:im outras reviravoltas.
que gastaria para ir além das fronteiras. Reside. então.
cm uma conurbaç5o que se estende: para fora de sua REVIRAVOLTt\ OI\ PRESUNÇÃO DE
cidade t de: sua nação. Pc.:rg"l.rnta: onde t:la morn·? Rc:du · I N COMPCT l' NCIA
zido e e:-;pand ido . ao mesmo tempo, esse lugar coloca
Utiliza ndo a ,·c:lha presunção de incompc:tência, gTancks
urna questão política. pois a palavra política se rercre :\
máquillas públicas ou privadas. a burocracia, a mídin ,
cicbde. De qual lugar da pode se clizc.:r cidadã? Oucra
filiaç~to Autuante! Q1c.:m - e vindo de onde? - a repn.:·
a publicidadt:. a tecnocracia. as empresas, a polític:i. as
univ<.:rsidadcs, as estrut uras administrativas, ús vezes
sernad. uma \'CZ estão colocadas essas questões quanto
até a ciê11cia ... impõc.:m srn poderio gigan tesco. se: diri·
ao local ele moradia?
Omh:':) Na escola, no hosp ital, com pessoas ele roda gindo a supostos imbecis, clen omin:icl os gn11dc públ ico
proveniência: nu trab~ho, n:i estr:Hla com <.:stranhos; e dcspr<:zados pelos mc.:ios de comun icaç5o de: massa.
l\a co mpanhi:l de: semelhantes que eles supõem co mpe-
em reunião co m tradutores; passando n:i rua cm que
mora. onde s<.: ou,-cm Yárias lí11g11as. c.:b o t<.:mpo wdu tentes, mas n<:m tão scg11ros, Pulc:garczinhos, anôn imos,
anunciam. com sua voz difusa. que aquc:les dinoss:iuros,
esbarra com tfü-c.:rsas mestiçagc.:11s humanas que ma·
que cn.:scc:m quando cm vias de extinç5o, ig11oram a
ra,·ilhosamentt rc.:prucluzem as mistur:1s de culLUraS e
c:mc.:rgência de novas competências . E as aprc:sc:rnam.
de saberc.:s cncontrad:ls no dc.:corrcr de sua fo rmaç5o.
Se tiver cons ultado amc.:riormente um bom site n:i
Pois :1s rcvira\'oltas descritas têm a v<.:r também com a
internet, a Polcgarí'.inha. nome código para: a cs tudan·
drnsidadc demogr:ífica dos p:iísc:s do mundo. c:m que: o
te, o paciernc, o opedrio, a funcionária, o :idministra-
Ocidc11te se: retrai di:111lc tb rnxurr:ub vinda da África
do, o vi;~jarne. a eleit ora, o sê11ior ou o aclolcsce11tc,
e d:i Asia. 1\ s misturas hunian:is corn:m como rios aos
o que.: digo ?. da criança. do consumidor, resumindo
quais s<: dão !lomes próprios, mas cuj:1s ág"l.t:lS misturam '

7 -t 75
MICllEL SERIHS l'OLEG/\RZI N H/\

do anônimo da praça pública, aquele que era chamado sobre energia nuclear, sobre barrigas de aluguel, sobre
de cidadã ou cidadão, pode saber tanto ou mais sobre transgênico, sobre quimica, sobre ecologia. Hoje, que
0 assunto tratado, sobre a decisão a se tomar, sobre a in- não me filio mais àquela disciplina, todo mundo se torna
formação anunciada, ~obre o cuidado consigo mesmo ... epistemólogo. Há jJres1111çào de co111/Jdê11cia. Não riam, diz a
que um professor, um diretor, um jornalista, um respon- Polcgarzinha: quando a chamada democracia deu di-
sável, um chefão, um eleito ou aré um presidente, todos reito de voto a todo mundo, precisou fazer isso con-
conduzidos ao pin~culo do espetáculo e preocupados [ra quem gritava ser um escândalo tal direito ser dado
com a glória. Qyan tos oncologistas não confessam ter ele maneira equivalel1le aos ajuizados e aos doidos, aos
aprendido mais cm blogs de mulheres com câncer ele ig110ranles e aos ins truídos. É o mesmo ar0umento
v
mama do que nos anos de faculdade? EspeciaJistas em que retorna .
hjstória natural não podem mais ig11orar o que dizem As grandes inslituiçõcs que acabo de citar, cujo vo·
on·line fazendeiros austraJianos sobre os hábitos dos lume ocupa ainda todo o palco até a cortina cio que
escorpiões; nem os guias de áreas protegidas dos Montes ainda chamamos nossa sociedade, mesmo se reduzindo
Pireneus, sobre o que se diz da mignçào das camurças. a algo que d iariameme perde um pouco de densidade
O companiJhamcnro simetriza o ensino, os cuidados, pl:rnsível, sem nem sequer se dar ao trabalho de renovar
0 trabalho; a escuta acompanha o discurso; o revira- o espetáculo e esmagando ele mediocridade a popula-
mento do velho iceberg facilita a circulação nas duas ção esperta, essas grandes instituições, gosto de repetir,
vias do entendimento. O coletivo, cuja característica vir- se parecem com as estrelas de que recebemos luz, mas
tual se escondia, arisco, sob a mon e mo numentaJ, cede que a astrofísica caJcula Lerem morrido há muiro tempo.
vez ao amectivo, realmente vinuaJ. Provavelmente, pela primeira vez na história, o públi-
No fin:-il da faculdade, aos 20 e poucos anos, me co, os indi vícluos, as pessoas, o passante arnigamel1le
wrnei epistemólogo, palavra pomposa para dizer que chamado vulgar, resumindo, a Polegarzinha, podem
estudava os méwdos e os resu ltados da ciência, t<:n- ter à disposição, no mínimo, tanta sabedoria, ciência,
cando, às vezes, julgá-los. Àquela época, éramos pou- informação, capacidade de decisão quamo os dinossau-
cos no mundo inteiro e nos correspondíamos. Me io ros em questão, de cuja voracidade por energia e cobiça
século depois, qualquer Polegarzinho da rua decide por produção ainda servimos como escravos submissos.

76 77
M 1e li t: l ~ l IUt r s l'OL[G1\RZINllA

Assim como a maionese s<: comknsa sem desa1H.br. rn:iis. 110 ciso. a f'or~a . m:is sim a drog:'l. Exemplo 1ir:1do
essas mô11:1d:1s solidri::ls sc organiz::tm km:11ncnle. uma do c<Hid i:1110: as cois:ts perdem sc: us nomes comu11s. p:ts-
de cida n.:z. p:1ra formar um 110,·o corpo. sem rdado sando :1 str chamadas pelos noml's próprios das marcts.
algum:1 com :1quebs i11sLiwiçüc.:s solc11cs c perdidas. O nH..:srno acontece com toda i11!0rrn:1ç:1o, inclusi\'<. : po-
Ou::inclo essa lenta consLiwiçào , ele rc.:pc11tc, se rcvirar. líti c.::1. c1H.:en:ub cm p:dcos iluminados cm qu<: parl'cern
........,
is"1.1al ao ic<:bcrg de.: ainda 1d pouco. ainda ,·:'ío dizc.:r que colllbatcr sombras scm rclaç:io alguma com a r<::tlid:tde.
n:lo vir:1111 o acontecimc.:1uo se anunciar. A sociedade do espedculo transforma. e11L~to, a lut:1 -
O cit:1do revirarncnto acontece.: t:unbé:m no quc se: dura: :11nig:1mc11te e em outros lug:1rcs. com b:irricadas
rc:fnc.: aos sc.:xos. pois :is últimas cléc:idas assistiram à L'. c:td:ívcrcs - c:m dcs in toxicaç:fo licroic:i que nos pur~:t ­
vitória elas rnulhc.:res, mais esl"urçad:1s <.:sérias 11a c.:scob , ri :i dos soníferos oll:rc:cidos pelos muilüs dist ribuidurcs
no hospital. na unprc.:sa ... do que os machos clomi11:m- de imbecilidade ...
tcs. arrogantes e fr:icot<.:S. Por isso o título desse.: lin·o:
1N<'ow-:..i11 /w. Isso acontece L:11nbém 110 qut: se rdcre :1s EI UGIO DA MAl~CH ET1\RIJ\
~

culwr:is, pois a i11 tcrnct favorece a multiplici dade das


cxprc.:ssôcs c. cm brc\'e, a tradução auwm:í1ic:1 p:na nós ... :1qucks qu e, p:1r'1 consc.:rv:ir o :111ti;;o es tado de.: coi-
que.: mal saímos da era cm que a do1ni11:1~:10 t;i~:1111cs­ sas. utilizam o aq;urnc1Ho da simplicidade: corno :1clmi-
ca de uma só líng;ua h:1Via unific1do n:1 mediocridade nis1r:1r. peb de:;ordcrn. '1 complt:xid:1dc: que se :111unci:1
diicres e pc.:nsamentos, estc.:riliz~mdo a inuv:1ç:10. Em pela balbúrdia dc vozes, disparatacb e hc:t<:rugbH.::1 ·~ Eis
su1na. 0 rc.:vir:urn:nlO acontece no que.: sc n..:h:rc a todas as como. Preso C:lll uma rede: dt pesca, um dour:1do tctll:\
conccntr:1çües, inclusive.: produtoras e· 111dustriais . e se: :>ult:1r, rn:is se prende.: c:1d:1 vez mais :1mcdicb que.: se
mc.:smo ling11ageir:1~ e cu lturais. par:1 f:i,·oreccr distri- agita: vil>r:rntcs, as nwsc:is se aprisiu11:1111 n:is tei:is dt..:
buiç(H.:s arnpbs . múltipbs t sing11bn..:s. ar:111ha: os c:sc:iladores ele mont:111ha que se cruz:1111 c:m
~frmos, cnt:lo. a aplic:1ç:1u de not:is gc11cr:1lizada. um p:ired:io. d i:rntl' du perigo. confumlcm ainda m:iis :is
temos o vow ge11erali7.ado para um:1 dcmocr:ici:1 gcnc- su:ts cord:is quando te1nam sol d -bs. Os administradurl's
ralii::ida. RL'.úncm-sc as condições para un1~1 prinnvcra ús vezc:s rcdigc:tn diretivas p:1r:1 reduzir a complcxid:1de
oci<lcntal... só qm: os poden.:s que se: opücm n:io usam administrativ:i e.:, como o:; alpinist:is, ::i rnultiplic::ttn. Scr:1

78 79
/\\ 1C 11 E L S E ll R E S 1· 0 u: c ,\" z 1N 1111

que da j:i se n.:duziu a L:-tl po11LO que qu:1lqu er tcnt:Hiva peso admi11is tr:1li\·o. ruas cl1cias. dificuldade: de itll<.:r-
de sirnplifioç:lü co111plic:1·? prctar leis sofisticadas ct~j:1 densid ade. convc11h:11110s.
Coino analis~i-h? Pel o crcscirnenlO do nú rnero dc di111im1i a liberdade. Paga-se sempre na mcsma moed a
dcrncrnos, por sua dili.:rcnci:-iç:io imlividu:il. pcb mu1Li- cm que se g:1 nk1.
plicaç:1u e.las rch çõcs entre eks e pehs intcrseçôcs e11tn: Esse custo p:iss:1. além disso. por uma das fontes
essas possibilidades. A ccori:1 dos gr:1ros e a in!"unn:íti ca do poder. E. por isso. os cid:1d:i os dcscon!-iam dos seus
tr~1 ta111 dessas !igu ras cm rede cruz.ad:1 que a topologia rcprc:se1H:t1Hes n:io qucrcrc:m reduzir a rckricb compli -
denomi11a sirnplexo . Na históri:1 das ciê11cias, essa co111- caç:'lo. :tcumtilanclo as dirct i,·Js lxw:1 darem a imprcssüo
de querer reduzi-la. mas multip licando-a. como 0 dou-
plcxicbdc :1parec<.: coino si11:1I de que 11:-io se util iw u um
rado na rede.
bom rnúodo <.:de.: que é preciso mudar o paradigma.
Mul tiplicidades co11cxas dessa ordcrn car:.1cteriz.:un
nossas sociedades un que o indi,·id ualismo, :1s cxigên- ELOGIO DO TERCE I RO SLJ i>O iffE
ci:1s cbs pessoas ou dos gTupos <: :i mobilid:1de J:is p:1is:i-
Repito. porém. que a história elas ciências conhece o que
gc11s se crnz.:rnL Tudo mundo, hoje , cruz.:1 se us próprios
se segue a esse tipo de dcsu1vokin1u1to . Q1:u1do o antigo
simplcxos e se move por outros. J\incb 11:1 pouco, :i
modelo de Pwlumcu acumulou dezenas de cpiciclos
Polc:g:1 rz.i11h:1 se 1novi:1 por um csp:1ço mistur:1do, m:Hi-
que rnrn:1\·:1m ikgí,·cl e complicada a movimc11t:1ç:1u
z:tdo ... , em u1n Ltbirinto, dia11te de u1n 111os:1ico ck cures
dos ;1stros. roi preciso 11Hllbr de figura: dcslocou-se o sol
do c:dcidcscópio. Coino a liberd ade se n.:ftre a tudus p:1ra o ce!llro do sislcnn e ll!do licou mais nítido. Sem
e exige: que cada um a :1proveitc de m:los liu·es e com t1L'1vida. o cód igo cscrito de Hamurabi ac:1bou com as
ce rto esp:1ço vital, 11:-io se vê por que si1n pl ilic:1r css:t dilirnldacks soci(~j urídi cas que vinham do dircito oral.
exigê 11cia da dcmocraci:l. As socicc.l:tdcs simples nos Nossas complcxicbdes vtm de urna crise d:1 escrit:l. As
rcnH:tun , de L1to, :\ hic:r:11·quia :111i1n:1l, sol.J a le i do nnis leis se multiplic;un. inllam o Ditiri11 ((íicial. J\ p:1gin~1 esd
fo n e: unn urg:u1i1.:1ç:io piramicbl. cm fim de linli:i. f: preciso mud:1r. J\ infornt:ltic: permite
Q1c a complcxid:1de prnlikrc, tudo l.Jl·m~ iVbs eb essa mudança. As pcsso;1s cspera m e se irritam n;is filas
tein um custo : mtdtiplicaç:iu cbs filas e lo11~:1s cspcr:1s, diante dos ~uich ês ; nos l'11g:uTafa111c11tos inttrmin:ivcis
'

80 81
l' O Ll' l;t\R Z 1 N Ht\

a ge nte pode acab:w 1T1atanclo o próprio p:lÍ cm um cru- político. moral e jurídico, nuas soluções transformam
zamento, sem saber. por uma discussão sob re quem nossas pc:rspcct ivas históricas e cu lturais. l~ possível que
tinha a prioridade . ·o ernanto. a velocidade ela tec nolo- <laí resulte um rcagrupamc:11to das distribui ções socio-
rria c\·irn a lunid:io do tr:rnsporle real e a cransparê:ncia políticas e o advento ele um qu illlo pudc:r. o poder dos
t:>
do vinual anula os choques nas irncrscçéks. ou scj:1, as dados, independente dos outros quatro. que são o lc~ i s­
b tivo, o c:xecutivo, o judiciário e o midi<itico.
violências que elas implicam.
Q1c a complexidade não dcsaparcç:1 ! Ela cresce e Ü_Jte nome a Pok garzinha vai imprimir cm seu
continu:1rá crescendo. pois todos se aproveitam do co11- passaporte?
fono e da liberdade: que vem embutid a: c:la caracteriza
a democracia. Para reduzir os custos. basta querer. Uns ELOGIO DO NOME DE GUERRA
poucos engenheiros pode m reso lver o problema. p:1ssa n-
clo ao paradigm:1 ink>rmático. cuja capacidade: conserva O nome de minha heroína não indica "'alg11ém de sua
e até mc:smo dc:ixa crc:sccr o simplexo. cmbor:1 percor- geração", "um adolescente de hoje", que são cxpressc">cs
rendo -o dpido. suprima, rc:pito, fdas e c:ngarrafamentos. de menosprezo. l\ão. l\;io se trat:i de tirar urn elemen-
apag:rnclo os choques. O :üustc de um pro~ram:1 icl ônc:o to x ele um conjun to A, como se diz cm teoria. Ú nic:i ,

para um passaporte virtual e: v:il iclo. com todos os dados a Polegarzinlia existe como indi,·ícluo, co mo pessoa e
pc:ssoais publ id\'(.:is, rc:quc:r apenas uns meses. 115.0 mais n5o como abstr:iç:lo. Isso merece expl icaÇw.
do que: isso. Scd preciso. um dia. colocar cm um no,·o Q1cm se lembra da antiga di,·is5o cio ensino supc-
e único suporte: o conjunto desses dados . Por enquanto, rior, na f rança e em ou tros países, entre quatro faculda-
ele se divide cm muitos cartões. cuj:1 propriecbde o indi- des: letras, ciências, direito e mc:cli c in:i/fo rm6cia ·~ letras
vídu o divide com diversas inst ituiçê><.:S. pri,·acbs ou cclc:brava o l'g,!J, o cu pessoal. o humano de ivlo11taig-
públicas. A Polc~:trzi11ha - indivíduo. cliuHc. cid:id:io 11e, ass im como o 11ú.1 dos h istoriadores. cios ling·uistas
- dc:ixarj. inddinidamc:ntc:. que o Estado. os bancos, as e dos sociólogos. Dc:scrcvenclo. explicand o. calculando
grandc:s loj:is ... se: apropric:m de seus próprios cbclos'? o 1:1.10, as faculcbdcs de ciênci:1s enunciavam lc:is gerais
Ainda m:iis tendo cm vista que isso. hoje cm dia. se ou mesmo uni,·crs:IÍs: Newton para a cquaç:1o dos as-
tornou uma fonte clc: riquo.a. Trata-se de um problema tros , Lavoisicr para o batismo dos corpos. Deixando

82 83
l' l >1 l t; A IU 1 N fl ,\
M 1C 11 l' L '> l lt 1\ t ~

como um 110 füupc. 11e111 t:111to urna quamid:idc. m:is


:1111bas de l:1du. a medicin:1 e o din:iw cinham ju11ws
sim u111:1 qu :tlidadc, u111 :1 existênci:1. Como 0 so ld:ido
acesso. Lah·a sem comprcemkr. a urna m::111cira dl' co-
d~·sconhccido de :111tig:11ne1lle. cujo corpo re:tlnicille j:iz
11liecc:r que cil'·11ci:1s l' kLras ig11or:1,·am . U 11i11do o geral
ali<: quc a an:íl isc de DN1\ i11di ,·idu:iliz:1. esse :rntmimo
e o p:1nicul:tr. nascl'u. 11aquel:ts E1culdaLks jurídiCls e
é u herúi do 11ussu tempo.
médicas. um Lercl'iro sujciw ... um dos antep:1ssados d:1
O Poltgarzi11ltu codific;1 esse a11011imato.
l >o lega !'7. i 11! 1:1.
Primeiro. seu corpo. ;\u.'.· pouco tcmpo :nds. uma
~r:1\'l 1r:1 ck :111aw111ia i11dicava um csq ul'ma: da bacia , A l.GO IÜTM ICO. Pl~OCE [)LJ l~t\ L
tb aona . d:1 urctr:1 .... cksl'11l10 ai>s tr:ll o, qu:1sc geomé-
trico. gn:1l. 1\ gor:1. reprodui'. sc a resso11:111ci:1 rnag11(·tic~ Observem. agora , a Pok g:1rzi11ha us:111tlo 0 telcfo 11 e
cclul:tr e co1llrob11do. com os pokg:1res. Lccl:ts. jogos
d:1 b:1cia dl' dl'ter111i11:1do \'1..: llto dc 8() :111os. a aona lk
um:1:1dokscc1Hc de l ()a nos ... Apcs:ir de individuais. es· ou motores de l.rnsc1: eb utiliz:1 sem l1esiudo um cam-

s:1s i111:1gc11s u:m alc:111ce gené rico <: qu:dit:ll i\'o. C:1suís- po cog nitivo que uma pane da cul tura :1 ntnior. tbs
ciências e das letras. por muiw te111po deixou :idorme-
Las. cstudamlu :1lp 1rn c iso. os j urisco11sulws ro111:111os,
cidu e Cjlll' sc pode dellomin:1r ··prncnlur:tl ... Esse ma·
d:1 mcsrn:1 ma11eir:1. tinham o cuswrnc de desi 011:ll' o su·
11usuo, esses :;cstos só 1ws s<:1'\'Í:1111. a11Ligairn.: rlle, 110
jeito L"itado em urn:1 c1us:l tr:1tada pelo 11orne t.le Caius,
ou C:issius: m11111 '.1 nídi~,r1, mm1<'.1 tÍ« g11c·1rr1 1111 lit1 níri11. j1.11'/l(l1i- ellSÍllO rumb111c1ll:l l. p:ll':I colocar dl· m:111eir:t correta

11i11111.1. ú11i1111 L'l11 du:1s pcsso:1s: i11dii'iiÍ11<Ú1 e g1·11c=ritm. Esscs as upe Ll~tJ cs simples d:1 aritmC:· tic1 e. C\'e1llu:drnci1t e.
org:111 ií'.:1r :inil'ícios ru óricos ou ~r:1m:1tic1is . Em ,-i: 1s dl'
11omes se b:111c:1m. de 111:1m·ir:1 gcr:d e panicul:ir. Duplos,
concorrer L"om u abstrato da geometria. t:11no quanto
se assi 111 prekrirnws. v:1lc111 por um<: pelo outro.
cu111 o dcscrit1,·o d:ts ciê11l"i:1s 11;iu rn:uern:itic1s. esses
E1ne11d:un por Pulc:;:117.i11li:1 um nome L"údigo p:1r:1
procnli111 e11tos i11v:1denL hoje. o saber e :1s técnicas. Fur-
dt'lc·mti11(/(/u esttH.l:rn te. p:1cie11le. oper:í riu. c 1mpo 11ês,
elciwr. tr:111seutlll', cid:1d:i o ... ami11i11111, 111111 11·1k-:..a. 111fl.1 i11- m:1m o pellsamento u(t;urít1111i11. Este come<s·:1 a cornprecll -
J cr a orde m das coisas <.: a se n ·ir :'ts 11oss:1s pr:ític:is.
dil1icl11nli:flll11. i\cm t:11llo um eleitor C<HH:rndo L"omo um
Allug:unc mc fazia p:1n<:. rncs1no que :'is ccg:is. do
nas pcsquis:1s. 11c111 t:\lllO un1 telespectado r co11t:u1do

85
M 1C 11 t L S 1 ll lt [ S

exercício jurídico e da arn: mc'.:dica. Ambos eram c:nsilla·


cios c:m bculdacks separadas das de ciências e de lclras Ess;i no,·iclade não é nm·a. O pe!lsamento algorítm ico,
porque, j ustamente, u t il iz.av~11 n rórrnubs, sequências de: a111crior ú invc:nç:io, na Cn'.-cia, da geo metria. reemergiu
gestos. sc'.:ries de forma lidades. de maneiras de: procc:der; na Europa com Pascal c Lcil)lliZ, que inventaram duas
isso mesmo. procedimentos. m;íqui11as de calcular e:. corno a Polc:garzink1, usa ram
A~ora. a :nerrissag;cm de aeronaves cm pistas muiLO pseudônimos. Formidável. mas discreta. tal revoluç:io
frcquc:lltadas: as ligaçõc:s ac'.:re::ts. fcrro\·iári:1s. roclovi:i· passou despercebida pdos filc'>solOs. ali mentados :1 base
rias. 111;1rílimas. cm dclc:rminado colllillttHc; uma longa ele ciências c letras. Emrc a fünnalicbdc geométrica - as
intc:rvenção cirúr~ica cio rim ou cio coração; a fus5.o de ciências - e a realidade pessoal - as letras -, accmte·
duas sociecbclc:s illclustriais; a solu ção ele um problcm:-t eia. dc:sde aquela C:poc:-t. uma nm·a cog11iç:io dos ho·
abslrnlO dentre: os que: pc:dem uma clc:rnonstração de· mrns e das coisas. j:1 prevista llO exercício da mcclici na
s<.:11\·olvida cm cenlc!las de p;íginas; o desig11 ele um e do direito. ambos pn..:ocupados cm rc:unir jurisdiç;io e
chip. a progTamaçãu: a uliliLação do GPS ... exigem do jurisprudência. doeme e doença. uní,·crsal e p:-inicul:tr.
"côtnclra maneiras dikre11lcs de clc:dução ou de imlu· Emergi:1 ali ;:i llossa llovidade.
"ç;-10 c:xpc:rimernal. O objetivo. o coklivu, o tecnológico, ~líl métodos dicazcs utilizam agor:-i. é verdade. pro·
cedimrnws ou algoritmos. Herdcír:1 direta cio Cn:scclll<.:
0 or(»allii'.acional.
;:>
.. s<: subrnc:tcm, hoje cm dia, mais a
c:sse mi;/11"tivo rd~'}1rít111iw ou /nmnluml do que às abstraçõc:s fútil. :llltcrior à G récia, de AI Kwarismi, sáb io pc:rs:i que
dedamtiva.1 que, alirnent:1das pc:b s ciências e pc:las escrevia cm árabe, de: Le ilm iz c de Pascal, cssa cult ur:-t,
letras. a filosofia há m~1is de dois milên ios consagra. :ttu:-il1rn:11tc. in\'ade o campo d:1 abstração e elo collcrc:to.
Simplc:smcntc analític:-i. a filosofia ido vê: esse cog11itivo ktr:1s e ciências perdem a vclkt bac:-ilha que c:u alltcs
tinha diw ter começado cm .\ [<'111111. d d logo ele Pbt:io
se: instaurar e falha no que se rcferc ao pensamento. n;io
cm que o geô metra Sócratcs mcnospr<:za um reles es·
só por seus meios. m;1s por scus objetos ou até por seu
cr:1vo que. cm vez. de demonstrar, usa procedimentos.
tema. folha com n.:lação ao llosso tcmpo.
É esse scn·içal anônimo que ckuno hoje Polcgarzi11ho:
ele dcrrot:1 Sócra tes! Rcvir:1volt:1 m:1is do que mikn:-ir
m presunç:io de compc:tê11cia!

86 87
M 1LI 1 F 1 S f IUU )

J\ nova vitó ria daqueles \'cllws proccdirnu1tos acon · O código . ern:i o. i.: o ser vivo si11gubr. O código é
tece porque o algo ríllnico e o prucedur:1I se :1poi:11n cm corno o l1omem. Q1cm sou cu. c nt ~o, C111ico. indi víduo
códi<"US ... Volt:unos :1os nunH.:s . e t:1mbém ge11C:·ricu ? UI// ({lgun:\11/U il/(fdinidu, dn:ifi'rívi'I,
o
inr/((:ifiúwl) :1bl-rto e kchado. social e pudico, acessívd-
inacessível. pC1 ulico e privado. ínt imo e secreto. ús ,·czes
ELOG IU DO C<)DIGU Jcscunhecido de mim mesmo é, :10 mesmo tempo. exi -
bido. Existo. los-o sou um cód igo, calculá\'(:L i11 cdcuLí-
J\qui Lemos, justa mullc: , u1n termo (mtÍ<'.\) que s.e1.11pn;
vc:I como a af:;1dha de ouru 110 p:11l1ciro o nde, esco ndida ,
foi comum ao direiLO e ~ jurisprudê11ci:1, :i med1c111a e
t b diss im ula seu bri lho. Meu D NA, por e:xcmplo. simul-
:\ Lrnn;íci:1. Hujc. 110 cnt:11llo, :1 bioquímica. :1 teori:1 da
t:111c1nK11te aberto e kchado, cuj o código carn a!mellle
inl"unn:1ç5o, as 11uvas tec11ologi:1s se :1podcr:1m dele e,
me construiu. íntimo e púb lico corno as C/l/_1/i1.1<i1'.1 de
com isso, o gc11eL1fo.:1111 para o saber e p:1ra :1 a<.;:1o. em
s~\JHO Agost i11l1ü : q uantos caracte res º? A .7(J(IJl/dt1 . qua11tos
geral. Outrur:1 e recernemerne. o leigo 11:'10 entemli:1 :1bs~­ /11\d1'.l O J?,:q11in11 de EwrC:·, quantos bits'?
lu tarnc 11tc 11:1cb dos códigos j uríd icos nem dos medi· i\frdi cina e direito ld muilü tempo já :1l i111rnt:1vam
c:t mentosos: aben;1 e kcli:1d:1, suas escrit:1s, e11trc:t:1nl0 essa ideia do homem co mo cód igo . O s~1 bcr e as pr:ít icas
e:xpost:is. eram lq;íveis ape11:1s :10s cspcci:1 list:1s. Um có- hoje a conlirmarn. com mi.:wdus que utilir.:1111 /Humlill/cn-
diso era co mo urn:1 rnocd:1 de du::is hces, car:1 e: coroa, lw e ({/gi1,.ilnw.1 . O código foz com qul· 11asç1 um 110\·o c:!.!;u.
contr:idit óri:1s: :iccssívcl e secreto. De pouco tempo 1x 1r:i Pessoal. írnimo, secrct0? Sim. Crnc'.·rico, púb lico. publ i-
ci . . . ·1·-
11:1 Cl\'I
V IVCJ11(JS iza<.;.10 ! ··.IL·.....·sS')
..- lo 1
. ' . () COri'CS[)Ollllclltt:
. c:h·cl ? Sim. f\fr ll 1or ainda. as du:ls cuis:1s: duplo. como
liiwuístico e ccwn itivo dcss:1 cultura é o códi t;o, que a j:i disse do pseudtmirnu.
b V . . .
:1bre ou 11:"'1 0. ivb s corno. just:11nc1ite. o cód i~o i11sutu1
u rn co11ju 11t0 de corn.:spo11d(·11cias e11t rc dois sistem.as a ELOG 10 DO [>t\SSAPORTE
serem tr:1d u1.id os um 110 uutro , de possu i :is du:1s !:ices
de que precisa nws pa1·:1 ::i li vre circu l:1(w d.o.s !luxos, O s l·~ípc i os :1n tigos. pelo q ue se diz. disti11g11iarn o rn1·po
hum:rno da alma . co rno 11 ó~, nns :lcresce11t:1,·arn a
cuj:1 iHJvid:lde :ic:üw de dt:scrn·er. Ihst:1 codd 1c:1r p:1 ra
ess:1 du:tlid:1ck um duplo, K:t. É \"l:rd:1dc que sabe mos
gu:rn.l:tr 0 a11oni111atu. d:111do livre acesso.
reprodu1.ir o cuq >u. po r lúr::i. pcb cié'. nci:i , pur telas, por

88 89
,.,, 1e11 r L s 1 1t tt 1s 1'01 t· t; ,\ ll Z l N li A

fórmul::is: e.: dc.:sdc.:wr ::t ::tlrna íntima. co1110 Roussc:n1 ltv\ 1\ GEtv\ DJ\ SOCIEDADE DE 1IOJE

cm (.,111_11,ri.ii1Jc'.1
· (qu:111tos· c·t1
. ··1, '-·Lc1·'-·s)·.>
· Sc.:d' c1ue posso.
1 1
, d:1 Em LC:mpos inesquccívc:is, alguns 11c:róis quise ram jun·
mesma maneira, reproduz.ir rnc.:u duplo, accss1vcl e tos co11struir urna torre: :llt:t. Vindos d<: tc:rras dí.sp:1rcs,
publich·d, assim como i11cldi11ido e.: sc.:crc.:t~'? ~a~ta.codi· Etbndo idiomzis intraduz.ín:is. 1150 co11sc:guiram. Sem
fid·lo. Cc.: 11 er:iliza11do todos us dados possJ\"CtS. unimos, comprc.:c:ns5o. n:io há equipe: possín:I e, sem colc:tivi-
pesso:us·
e soc1a1s.· ·
como 110 c·11·t;10
· ' tio plano
' <lc.: saúdc.•.
cbdc. nfo h:i edifício. A 1orr<.: dc: Babel nu! s:liu do
por cxcrnplo. in,·entc:mos um K a. um p.1. . SS'lj)OrtC
·· , Ulll·
. cli:'lu . i\ Iilharc:s de: anos se p::issaram.
t ._, . ~bC:rtO
versa1col.l"f't'"ltio· "' C: fechado · dupbme11te publico Assim que. em Israd. 11:1 Babilônia ou para os bdos
e: secr<.:to sc:m cornracliç5o. O que.: pode sc:r me11os c.: stra· da J\lc:x:u1dria, profet:lS ou c.:scribzis pudcr:lm c.:scn.:\'cr,
nho":> !\pesar de tentar pensar por conta própria. falo c.:rn c:quipc:s se torn:trarn possíveis e: a pir{\rnide se crguc:u,
uma língu:t comum. :is.s im corno o templo e o z.ig11r:1tc:. Furam concluídos.
Essc.: t'''º pude:. de corpo <.: alm:t. su:nTrncntc.: se.: cun· i'vlilh:1res de a11os se passaram.
~ l' . 1
fc.:ssar. m:1s i3;ualmc:nre sc:r gu:wcbdo. c.:m p asucu ( uro, Unu bc.:la m:lllld., c:rn Paris. um:l mo\·irnc:11tac50 hu·
'
. SllJ'-
110 b O1SO. ·,:1to , sim·' obicw sim: duplo. c:nt:io. uma
J ' m:rn:1 ch:11nacb Exposiç5o Univcrs:tl gerou uma LC:nt:llÍ·
vez rn:us.. . Dtq)lo como um 1ncic:11 · Lc:. sing11bnrn:11lt:
. v:1 p:m:cida. Em uma p:lgina, umn cabeça espc:ci:tlizad:i
doc11tc. mas abc:no ao olhar médico como uma p:us::t· dc:sc11huu um proj<:t0 e, tendo c:scoUiiclo os ni::itcriais,
gc: m. Duplo, compctc1nc, i11compc:Le11Lc ... duplo con~o calculou a rc:sistê11cia e entrelaçou vigas de ::iço :1 até 300
um cidad:io. público e privado ... muros de: altura. Dc:sde ent:lo, ::t Torre.: Eiffel domi11a ::t
nnrgern esquc:rda do Sc:n::t.
Das pir5111idcs do Egiw :ué c:b. as primc:ir::ts cm pe·
dr:l e: a t'thima em ferro. a conflg11raç5o global se mante.:·
vc cst:h·c.:I. Est:lvd em se u es tad o, csdvel como o Estado
- :ts duas p:tl:1vras s:io um:1 só. O equilíbrio e.st:írico
se ju 11La :10 rnodclo do podc:r, invari:lv<::I :m :wés de dc:z
,.. 1''
l "' OO l"l. •'ll\
. 1 ( Ufc/ ·
: l. 1' 1./11'te,· c·11·t··10
• ' fn11c0s
• do st:~uro
~
de s:1údt:. qut: v:1ri :1~ücs ~1p:1runcs : n.:ligios::is, mil it:1res, econômicas,
{; pú\,Jiw". ti\.T.)

90 91
l' U 1 1 l o1\ i( L 1 N t 11\
MICHl:L St:KHrS

~Iichcl i\utl1icr. gc11i:d criado r. e cu. como ;1ssislc111c ,


(i11:u1Ceir:1s. espccializ:tdas ... , pot.!t:r sempre 111a111iclo .
projct:1mos acender um feixe ou ulll:l ün·orc de !ui cm
por al31111s. no :11Lo, es1rei1:11rn..:1m: unidos pelo di11hciro,
frrntc ô 'lt11Tc Eiffel. 11a m:1rgc 111 dircil:t do Sena. Em
pebs forç 1s ann:1tbs ou por outros apardlius prúprios
C O llljJLtt:1 dur~s .
dispersos por outros lug:1i-cs ou aqui ,
p:ira o domínio de u111:1 base ampb e b:iixa. E111rc o
~ad:1 um ,·a1 poder introduzir seu p:1ssaponc.:. seu Ka,
mo11s1ru ck rocha e: o di11oss:1uro de k:rro. 11c11lium::i
1m:1gc111 :111 ô11irn:1 e i11di\·idu:diz:1d:1. sua idernidadc co-
111ud:111ç:1 noi:h·cl. a mesma ronna se mustr:111do mais
dilicad:1. de rurrn:1 que um r:1iu b scr broic colorido du
arej:ttb. 1ransp:irc:ntc: e c:leg:rnic: C:ll) Paris. comp:ic1:1 e
clt:io. reprudui'.i11do :t SUllla i11u111cd\'c:i dc:sscs canocs,
:11:1 rr:1c:1tb no desc: n o. Em todo c:iso, po1HÍ:1g11da 110
mostr:1ndu :1 i111i1gt·111 t.:lll llm:o d:t colc.:t ivid:idc assim
:dtu e brg:1 n:1 b:1st. virc u:dinc111e l"urn1:1d:1. Por conta própria, c:id:1 u m
A decis:lo dernucr:i tic::t nada ~d1 u:1 11cssc csquclll::t. lt:1~·er:í_ dt.: u11r:1r nessa 4l\'L'1llur;1 ,·irw:d e.: au tê11tic:i que
Se111:1dus c..:111 círculo 110 cldu, c:st:unos todos cn1 p0 de ,·a i u111r. c.:111 uma imagc.:m L111ic:1 e: mültipl:i, iodos os
i~u:tld:1de, diziam os gregos antigos. C:tpcios:t, c..:ss::i i11di\·íduus pc:nn1ce111cs ao coll'li\'lJ disseminado. com
mc111ira ll11gc n:w '-c..:r. na p:1nc..: <lc IJ:lixo d:1 pir:lrnide ou suas qu:did:1dcs co1H.:re1as <.: codilicadas. c:sse ícone.:
d:1 rforrc..:. O llLtClcü cl::t :1SSCI11Uki:1. m:1rc111du llU cl1:"1U a allt:. l:°io alto qu:11110 :1 ' fo1Tc. as carac1c:rís lic:1s comuns
pr~jcç:iu do wpo pir:lmid:d. u local cm que :Hcrriss:t u se JU11l:tr:lo un urna espécie de 1ronco e as nnis raras
cimo sublime:. Cc11tr:dismo dcmocr:íiico. conHJ dizi:1 nos ga lhus . com as excepcio nais 11:1s f'olh:ige11s ciu bro·
u p:1nido comu11ist:1 de ::t111ig:11nc11u.:. n.:w111:111do essa tos. ~ l:ts como esse som:11óriu 11:10 \':ti p:trar de mudar.
vclh:1 ilus:1o cênic:t. tcllllo. nu et.:nm.1. :di pc1 w. S1:din pois c:td:1 um com c:1tl:t um e cada um dc:pois de och
c bn.íticos que <lcpon:l\·:un, wnur:1,·:1m, m:H:1,·:1m. um di ari:1111c11tc se tr:111sf'orm:1111. :1:írnire assim eJ'l•1iid:1
• v
;\ !':til:i de.: rc:il tllUd:111ç:1. prekrinHJS - !IÚS d:1 pc1·i1i..:ri:t cs1:1ra sL·mpre vilJr:111tlo i11tL·11s:1me11te. agi tada por clu-
- um puder dis1:ull<: . hem no alw do ei.xo, cm \'ci'. dcs~e 111:1s d:111c.; :1111cs.
viii11 l1u :1ssust:idor. Os :i111cp:1ss:1dus rr:111cesc.:s lii'.c.:r:u11 a Di:111te d:t rilJITC im<'l\·cl. krrosa e OStt·11ta11du, orgu-
RL·vulu~:iu m ·in t:ttllü co111 r:1 o rei. que u:1 :Hi· pupubr, ll 1os:1 111c1lle, o 1101rn.: de seu :wwr (esqueccllll o-se dos
111:1s p:lr:t suprimir u b:1r:lo cru c.: 1 das p rn~imid:1dcs. mill1:1res que :1 erg11t·r:1111, 1e11tlu :1lgu11s morric.lo 113 sua
C.,h1éups. Eiffc.:l : <i inc.:s1nu Es t:ido. cxecuÇ10), di:11Hc d:1 Ti.li rc tiuc CllTL"'''l
• o' · 110 "•' lt o, Ll l11 t 1us·

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M iCH EL SE RRES

emissores da voz do dono , estará dançando - nova, va-


riável, móvel , flutuante, colorida, matizada, turbulenta,
marchetada, mosaica, musical, caleidoscópica - uma
li
torre volúvel, [eira de pequenas chamas de luz cromáti-
ca, representando o coletivo conectado, ainda mais real,
pelos dados de cada um, ela se apresenta virtual e parti-
cipativa - decisiva, quando assim se quiser. Volátil, viva
e suave, a sociedade de hoje mostra mil línguas de fogo
ao monstro de ontem e de antigamente, duro , piramidal
e gelado. Morto.
Babel, estágio oral, sem torre. Das pirâmides a
Eiffel, estágio escrito , Estado estável. Árvore em
chamas, novidade vivaz.

Encantada, mas crítica, diz a Polegarúnha: perma-


necendo apenas em Paris, acho vocês dois bem antigos.
Façam também arder essa árvore volátil às margens
do Reno, para que igualmente dancem em imagem
minhas amigas alemãs; no alto do colo del!Ag11ello, para
cantar com minhas colegas italianas; ao longo do belo
Danúbio azul, nas margens do Báltico... Verdades
para cá do Mediterrâneo, do Arlânlico e dos Pirencus;
verdades para 1{1, na direção dos turcos , dos ibéricos,
dos magrebinos, dos congoleses, dos brasileiros ...

Janeiro de 2012

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Mas não apenas na aquisição do
saber a Polegarzinha se diferencia dos
antepassados. Antigas virtualidades
abstratas - mas sanguinárias: fa mília,
pátria, raças, religião, proletariado etc.
- foram varridas nessa época do saber
virtual. Graças aos meios de transporte
info rmatizados, as distâncias mudaram,
e Polegar.'.inha vive num meio urbano
que extrapola a cidade e a nação; de qual
cidade ela é cidadã?

Aliás, por que Polegarzinha, no feminino?


Para salientar que a reviravolta se deu
também no que se refere aos sexos, e que
as últimas décadas assistiram à vitória
das mulheres, mais esforçadas e sérias no
estudo e no trabalho... E Michel Serres quer
mostrar à Polegarzinha que uma nova era
se abre, em que ela tudo precisa reinventar,
da vida social à política.
JO RGE BASTOS

Professor da Stanford e membro da


Academia Francesa de Letras, M1c11HL
SERRES é autor de v;1rios ensaios filosóficos
e de história das ciências. É um cios raros
filósofos contemporâneos a propor uma
visão aberta e otimista do mundo, fu ndada
no conhecimento humanístico e cientifico,
buscando sempre aproximar ciência e
cultura. Publicou, pela Bertrand Brasil,
Homi11escé11cias. Os ci11co se11ticlos, }11/io
Verne: a ciê11cia e o liomem co11tcmporá11eo,
lmpn.:sso no Brasil p.:lo
Sistema Carm:ron da Drvrsnn Gr:ific:i d:i
Notícias do 1111111do, O i11ca11desce11te, Ramos,
DISTRIOUIDORA RECORO DE SERVIÇOS DE 11' !PRENSAS.A. Variações sobre o corpo, A guerra 1111111dial e
Rua Argcnuna 171 - Rio de fancrro. RJ - 20921 -380 - To.:l.: 2585-2000
O mal limpo: poluir para se apropriar?

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