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a máquina " , seria necessário


Engenharia Biológica; uma antevisão em 1979
equacionar() lugar que deviam ocupar HANS JONAS
enquanto fracção da classe dirigente.
Desembaraçado pela automação de
grande parte de acções materiais. o INTRODUÇÃO . Aliás, este exercício tem de ser conduzido
homem fica cada vez mais entregue ao
numa base de tentativa e erro. Apenas
peso social da imaginasPo e da criativi- As ciências da vida aproximaram-se através de uma Engenharia Biológica
dade. traduz ido na apreciação corrente recentemente de um ponto em que os que tem necessariamente falhas,
da cultura e na ocupaçc o dos tempos potenciais da Tecnologia e da Engenha- poderíamos aperfeiçoar a teoria para
livres. Tudo isto exige um trabalho de ria, inerentes ao progresso da Ciência praticar uma Engenharia Biológica
integraç io na realidade da língua e da Física, começam a bater à porta do Reino eventualmente sem falhas; isto, só por
cultura e nas capacidades criadas em Biológico e, em particular, da Biologia si, poderia ser suficiente para proibir a
sede científica, técnica e tecnológica. Humana. As possibilidades- práticas aquisição da arte mesmo se a perfor-
Reciprocamente, o testemunho dado oferecidas por tais conhecimentos pode- mance final fosse aceitável.
pelas tradições nacionais deve ser rão vir a tornar-se tão irresistíveis quan- A interferência com a liberdade de
modificado em ordem a reflectir as to a de domínios tecnológicos anteriores. investigação é uma questão ética grave
vertentes relevantes dos processos Sendo assim, devemos considerar as em si própria; e, contudo, é uma brin-
técnicos, implicações deste facto para que, de cadeira de crianças se comparada com a
uma vez por todas, não sejamos gravidade das questões éticas levan-
apanhados desprevenidos pelos nossos tadas pelo eventual êxito da pesquisa
BIBLOGRAFIA próprios poderes, tal como se permitiu biológica nestas áreas. 0 facto de, nestas
que sucedesse em épocas anteriores. O notas preliminares, se sugerir a pos-
As obras seguintes resumem bem controlo biológico do homem, em par- sibilidade de uma paragem da inves-
muitos dos aspectos da recente e emer- ticular- o controlo genético, levanta tigação, visa tão só sugerir a ameaça
gente filosofia do. teca Ma; constituem questões éticas de um tipo absoluta- que a engenharia biológica amadurecida
um ponto cio partida para a reflexão e,
mente novo para as quais nem a prática e sem entraves poderia trazer para o
ao mesmo tempo, contem na
nem o pensamento anterior nos prepa- homem. Pelo menos sejamos precavidos.
bibliografia um panorama quase
rou. Estando em jogo nem mais nem Devemos apelar aos recursos mais pro-
exaustivo de tecla a produção do campo
menos do que a própria natureza e ima- fundos da nossa razão moral para lidar
mencionado, desde o final do séc. XIX gem do homem, a prudência torna-se o com este assunto; e isto suce e^
- o que equivale já a várias centenas de nosso primeiro dever ético e a argumen- infelizmente, numa época em que a
títulos.
tação hipotética a nossa primeira teoria ética se encontra em muito pior
responsabilidade. Atender às conse- estado do que jamais esteve. Dada esta
HOTTOIS Gilbe^i et Ia quências antes de agir, é um ditame da situação e dado o carácter sem
Téchnique. La Plul preu- mais elementar prudência. Neste caso, precedentes do próprio assunto e o seu
ne de la technique„ e, Aubier
a sabedoria exige-nos ir mais longe e estatuto ainda bastante hipotético, os
.1984
examinar os usos dos poderes mesmo meus comentários acerca dos aspectos
HUBNER Kurt,Kritil: derwi ssens-
antes de eles estarem prontos a ser éticos apenas poderão ser exploratórios
chciftichen, Verauaft, Friburgo/Muni- usados, e humildes. Mas a humildade é talvez a
que, Verlag I<arl Alber 1978, 1986(3)
Um resultado previsível deste exame virtude de que mais carecemos como
JONAS Hans, Phìlosoph.ical Es- seria o conselho para impedir que, antes antídoto ao assalto da arrogância
says. Froco. Ancient Creed to Teehno- que tais poderes ficassem prontos, tecnológica.
logiecil Mau, Chicago, Univ. of Chi- fossem interrompidos os projectos de in-
cago Press 1974
vestigação que se lhes referem, consi- 1. CARACTERÍSTICAS GERAIS DA
MENNE Albert, Philosophische
derando a extrema sedutibilidade do ENGENHARIA BIOLÓGICA
Problenae . ucn. Arbeit und Tccheik,
homem por qualquer dos poderes que
I)armstadt. Wissenschaftliche possui. E mais do que simples conselho, Examinemos, antes de mais, o que
Buchgesellschaft 1987
estaria indicado recomendar a proibição normalmente se entende por Enge-
1^ APP Friedrich, "Phflbsophy of
se, neste caso de aprontamento dos po- nharia. O sentido corrente significa o
Technology", in U. Flçtistad (iorg. ), Con -
deres de Engenharia Biológica, o decurso projecto e a-construção de artefactos
temporam Philosophv. A. Ncw Suri ev. da investigação já implicasse, sob a materiais complexos destinados a
vol.2: Philosophy ot Scic nce, Haia, M.
forma de experiência, as próprias acções utilização humana. Isto inclui a modi-
Nijhof'E' 1982, 361-412
que tal exame consideraria ser neces- ficação para adaptar ou melhorar apa-
STORK Heinrich, Einfhhrung in
sário proibir; por outras palavras, se os relhos já existentes, ou seja, o desen-
die Philosophie der, Tech.n.ili,
poderes apenas pudessem ser adquiridos volvimento do que as artes já criaram. A
Darmstadt, Wissenschaftliche
através do exercício efectivo sobre os - justificação da Engenharia é sempre a
Buchgesellschaft 1977. ^y1
próprios materiais de experimentação.
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> com uma determinação feita por que a Engenharia convencional pode
utilização para benefício de um intervenções e não por construções. sempre corrigir os seus erros, e não só
determinado utilizador, ou seja para (3) Tudo isto afecta ainda a impor- nos estádios de planeamento e teste.
um suposto bem humano, mesmo que tante questão da previsibilidade. Na Mesmo os produtos acabados, por
sejaamorte de alguns homens por outros Engenharia de hardware, o número de exemplo os automóveis, podem ser
ou de muitos homens por poucos. Até ao situações desconhecidas é praticamente reconduzidos à fábrica para a correcção
presente, toda a tecnologia ocupou-se nulo e o engenheiro pode prever com de defeitos. Isto não sucede na Enge-
de materiais sem vida, sobretudo metais, exactidão as propriedades do seu nharia Biológica cujas acções são
transformando artefactos não-humanos produto. Mas o engenheiro biológico que irrevogáveis. Quando surgem os resul-
para uso humano. A divisão parece clara: tem de gerir às cegas uma complexidade tados já é muito tarde para os modificar.
o homem era o sujeito, a natureza o incontável de determinantes já exis- 0 que está feito, feito está. Não é possível
objecto do domínio tecnológico, o que tentes, cada qual com a sua dinâmica, voltar a fazer uma pessoa nem uma
excluia que o homem se tornasse de confronta-se no seu design com um população. Assim, que fazer com os
forma imediata o objecto da sua enorme número de elementos désconhe- inevitáveis falhanços das intervenções
aplicação. 0 aparecimento da Engenha- cidos. Se o engenheiro biológico tem de genéticas, com os lapsos, as monstruo-
ria Biológica assinala uma ruptura radi- atribuir a parcela que lhes cabe na tota- sidades? Dever-se-ia introduzir o termo
cal nesta divisão e, de facto, uma ruptura lidade das causas, a previsão do "posto de parte" na equação humana se
com importância metafísica. O homem resultado final reduz-se auma adivinha, forem adoptadas algumas formas de
torna-se um objecto directo, ao mesmo um planeamento cego, um jogo. 0 re- Engenharia Genética actualmente
tempo que o sujeito da arte da Enge- design, modificação ou melhoria pre- planeadas? Tudo isto são questões éticas
nharia. tendidas são de facto üma experiência, que podem ser enfrentadas e respon-
Outras diferenças concomitantes uma experiência de tamanha duração didas, mesmo antes de se dar o primeiro
ajudam a qualificar a analogia de en- no campo da genética que o seu resultado passo nessa direcção.
genharia biológica com a engenharia está para além da capacidade de previsão (6)0 facto de a Engenharia Biológica
convencional. do experimentador. até aqui referida significar sobretudo
(1)Em primeiro lugar, a intenção do (4)Tudo isto modifica completamente Engenharia Genética, introduz outra
"fazer" que está em jogo. Na Engenharia a relação convencional entre experiência diferença significativa face à Enge-
de hardware que opera com matéria pura e acção real. Na Engenharia nor- nharia da matéria inorgânica. Não existe
inerte, a construção e a produção vão mal, tal como decorre da aplicação das analogia entre as máquinas e os
desde os primeiros elementos até ao Ciências Naturais, as experiências não fenómenos de geração e hereditariedade.
produto final que é montado a partir de exigem um empenhamento; podem ser Na perspectiva do produtor, isto significa
partes independentes. A Engenharia realizadas com modelos de substituição que há uma diferença entre a solução
Biológica propõe-se modificar estruturas eventualmente alteráveis ou destruí- causal directa e indirecta para o resul-
dadas anteriormente e cuja realidade e veis, testáveis e retestáveis antes que o tado final. A produção na Engenharia
tipo são o dado primário; não são inven- modelo finalmente aprovado atinja a Biológica é indirecta, através da injecção
tadas nem produzidas de novo, mas linha de produção. Só então se exige um de novos determinantes na sequência
tornam-se objecto de melhorias inven- real empenhamento. Ora na Engenharia genética na qual os efeitos manifestar-
tivas tal como são encontradas. : Assim, Biológica especialmente humana, não é se-ão na próxima geração e depois se
estamos perante um fabrico parcial (e possível uma substituição do caso real auto-propagam através das gerações.
não completo), uma alteração do design pelo caso "como se". Para a experiência Por consequência, o fluxo de trans-
e não propriamente de um novo design, ser válida tem de operar no próprio formações iniciado acabará por apanhar
não sendo o resultado propriamente um original, como coisa real no seu sentido o próprio produtor.
artefacto; estamos a lidar com uma mais profundo. E o que aqui está em (7) Surge ainda a questão do poder,
fracção de uma modificação. jogo entre o início e a conclusão da expe- tão intimamente relacionada com a da
(2)Tudo isto implica uma importante riência são as vidas actuais das pessoas tecnologia. De acordo'com a fórmula de
diferença face aos procedimentos da e mesmo de populações inteiras. Isto é: Francis Bacon "a Ciência e a Tecnologia
Engenharia de hardware, onde o pro- entre a experiência pura e a acção defi- aumentam o poder do homem sobre a
dutor é o único agente perante o mate- nidora desapareceu a separação e assim, natureza". Claro que também aumen-
rial passivo. Com organismos, a modi- a inocência da experiência pura. A tam os poderes dos homens sobre os
ficação é um co-agente com um material experiência é o facto real e o facto real é outros homens e, por consequência, a
já activo ou seja, um determinado uma experiência. submissão, para não falar da submissão
sistema biológico de cuja afito-actividade (5) Surge ainda a questão da rever- às necessidades e dependências criadas
ele infere a nova determinação parcial a sibilidade versas irreversibilidade. pela tecnologia. De um ponto de vista
ser integrada na totalidade dos seus Qualquer construção mecânica é comunitário, é razoável afirmar que o
determinantes autónomos através de reversível; mas é propriedade peculiar poder cumulativo ou total da espécie
um trabalho. 0 efeito modificador do orgânico que as suas acções sejam humana aumentou em relação à natu-
resulta do trabalho da entidade auto- irreversíveis. Trata-se de um assunto reza extra-humana. Mas o controle
activa. A autonomia é aproveitada como demasiado complexo para aqui ser eminente que o homem poderá vir a ter
principal dinamismo. Confrontamo-nos resumido. Mas pelo menos fique claro
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cego ou dotado de vista, hesitante ou Engenharia hiologicaaaplicadaaplant as


sobre a sua evolução, devera ser saudado competente, Levanta-se a questão des- e animais. Mas utilidade signifca"pa-
como o triunfo final dease poder sobre a conhecida na Engenharia com mat éria ra-uso-do-lwmemn " e, a menos que
natureza para agora incluir ei preiprin inorgjnica, da direito de seja quem. fiar próprios homens se crnwençam de que
homem, retirado do isolamento ter poder para determinar homene eão seree utilizáveis por outros homens
magnífico ou orgulhoso? Trota-se de um futuros. Mesmo cones lendo hipoteti- e planeadoe de acordo coruta( cuncepçao,
poder de quem e sobre quem? Em termos camente esse direito, que sabedoria tem a luslificaçao utilitarla de todas as ou-
muito simples, dos vivos sobre a pos- e que sabedoria o intitula para exercer tras ti'cnolegias nau serve no caso da
teridade; reais correctamente, dos o poder competente? Estamos perante Engenharia Iluminam Quais então os
homens presentes sobre o,s homens dois direitos diferentes: o segundo objectivos desta'? Certamente que não
futuras que são os objectos indefesos de exercita um direito abstracto, relacio- se trata de criar o homem: ele ja existe
escolhas antecedentes. 0 reverso do nado com a posse da sabedoria como a Será criar hi meus melhores? Mas qual o
poder dos planeadores de hoje se'rii a necessária condição da aceso a qual, crittirie_, de `'me'lhnv';' Rumens niélhur
servida() futura dos vivos .eia m01los, O contudo, tamhc'in pode resultar no adaptadas? Vias melhor adaptados a que?
podei age aqui de modo completamente afastamento da hipótese no primeiro Superhomen?'Mas coma, sais aios nos u
unilateral, entregue lis moas do um direito. que e' "super"?...
escassa ntímero e sem que haja recurso [ w 11.,eto conduz-me aumültimo ponto Acabai-noa por chegar ,a que'st.oes
para urna resistdncia par parte dos ne,stti panuraia ca das diferenças de derradeiras ti medida que nos propomos
pacie nte,s: estrie são o resultado e os ob^e^ctis os entre Engenharia Conven- interferir cum a craca() do homem. E
executante.., de uma lei imposta ao seu cional e Biológica. E para (-,si il,elecer tudo converge para urna questão: criará
ser pélo poc^ee que files determinou essa diferença que, em primeiro lugar, imagem de que ou de. e meu ?...
nascimento. Já uma voz fiz notar que, precisamos de sabedoria. Os objectivos
uma vez exercido ei despachado para o da tecnologia convencional que ria por si i O dc iyn e fabrico de organismos
jogo da vida complexa e vasta. o poder só, são por vezes questionáveis. podem de novo na() estão excluídos cari teoria
sai do controle do agente inicial e desafia pelo menos ser sempre definidos, senao mas não estam previstes actualmente
previsões e análises completa.. Nesse mesmo defendidos, em termos de uti- na pratica. fui começopre-isivel seria
sentido, o poder e cego. Mas quer seja lidade. Este argumento estende-se a o fabrico d( uni virus Siütëtico.

certamente, uma das caracterís-


ticas mais estranhas da nossa
estranha civilização que, a par
Uma mitologia da razão
de tanta auto-disciplina escrupulo-
DAVID WALSH
samente racional, se tolere tanta Professor da Catholic University of America .
irracionalidade. Somos uma civilização
que tenta ser científica e, contudo, os selectiva permite-lhes falar enganado- examinar as fontes históricas com mais
critérios da ciência apenas parecem ramente da objectividade. Este paradoxo detalhe. A dificuldade é que demasiadas
aplicar-se a um segmento muito pequeno reconhece-se melhor, talvez, na contra- vezes aceitamos as pretensões da auto-
da vida contemporânea. dição entre a proeminência indiscutível ridade científica no seu valor imediato
Uma vez que ultrapassamos os con- da autoridade científica e a escassez de sem submeter as respectivas afirmações
fins da ciência profissional, as regras da ocasiões em que a sua influência é so- ao escrutínio da verificação crítica e em-
evidência e da lógica deixam de se cialmente decisiva. Ser uma sociedade pírica. Tornaram-se parâmetros consi-
aplicar. Por vezes os prejuízos não científica não significa que a análise derados óbvios do nosso mundo e a desco-
racionais chegam mesmo a infestar os científica vença sempre. 0 que significa berta da sua falta de substância é sempre
debates entre os próprios cientistas. é que todo o discurso público deve assu- um acontecimento espectacular.
Todos os participantes, obviamente, mir a linguagem da ciência, deve tornar- 0 acontecimento mais espectacular
continuam a evocar a autoridade do -se « pseudo - ciência ». de todos foi a liquidação dos movimentos
método científico, mas a aplicação A persistência da « pseudo - ciência » ideológicos, especialmente a desin-
neste sentido não é supreendente, em- tegração do comunismo. 0 que é supreen-
bora dadas as nossas aptidões cientí- dente neste caso não é que o comunismo
ficas, não admitamos habitualmente tenha entrado em colapso mas que tenha
esta situação. De facto, há frequen- sobrevivido tanto tempo. Eis-nos aqui
temente uma tendência para negar, ou perante um movimento que dominou a
In McKNIGHT, Stephen A. (ed,), , Science, para diminuir, o aspecto pseudo- política do século XX. Representava,
Pseudo;Science, and Utopianisrn in Early científico, de tal modo que seria bom exteriormente, uma teoria científica e
Modern Thought, University of Missotu-i
apresentar alguns exemplos antes de
Press, Columbia, 1992, pp. 141-166.

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