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RECUPERAÇÃO DE ECOSSISTEMAS DEGRADADOS

Ao longo da história brasileira, proprietários rurais sempre fizeram uso intensivo

da terra disponível em suas propriedades e, se de um lado isto resultou em

desenvolvimento sócio-econômico, do outro resultou muitas vezes em danos ambientais

graves e um elevado “passivo ambiental” por parte de grande parte destes proprietários.

Do ponto de vista legal, a recuperação ambiental deve ocorrer sempre que a vegetação

natural que deveria cobrir as Áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva

Legal estiver ausente. Do ponto de vista produtivo, a recuperação de ecossistemas

degradados também deve ocorrer, pois, o mau gerenciamento dos recursos naturais pode

resultar em perdas consideráveis. A Federação das Associações dos Engenheiros

Agrônomos do Brasil relatou que, no início da década de 90, perdia-se, anualmente,

cerca de 600 milhões de toneladas de solo em função de processos erosivos, resultantes

do mau uso.

Um ecossistema natural pode ser decomposto em dois componentes básicos: i)

sua estrutura e ii) sua função (Carpanezzi 2005). A estrutura de um ecossistema pode

ser definida como os elementos que o compõem e, portanto, refere-se principalmente à

diversidade de espécies. A função, por sua vez, pode ser definida como todos os

processos que ocorrem em um ecossistema, tais como, a ciclagem da água, de nutrientes

e o fluxo de energia. Estes processos são mantidos em um ambiente natural em função

das interações entre espécies presentes e em função das interações destas espécies com

o ambiente físico. Assim, o processo de degradação de uma região resulta na perda de

espécies e, conseqüentemente, das funções mantidas por elas (Figura 1)


Figura 1: Relação entre a degradação e a perda de espécies e de processos mantidos em
um ecossistema natural ou perda da integridade do sistema.

A distinção entre função e estrutura de um ecossistema pode parecer

excessivamente teórica, mas, ela apresenta aspectos práticos importantes associados à

noção de “serviços do ecossistema”. Os serviços são funções mantidas naturalmente

pelo ecossistema que geram algum tipo de benefício econômico para as atividades

antrópicas (De Groot et al. 2002). Para entendermos melhor este conceito, podemos

considerar o controle biológico e a polinização como exemplos de serviços do

ecossistema.

A presença de remanescentes florestais próximos a áreas de cultivo de eucalipto

reduz consideravelmente a ocorrência de surtos populacionais de herbívoros (pragas),

reduzindo também as perdas financeiras. Estes remanescentes florestais são

importantes, pois, aumentam a diversidade de espécies presentes nas monoculturas de

eucalipto, favorecendo a ocorrência do controle biológico natural (Altieri 1999). De

forma similar, a presença da reserva legal aumentou a produção de grãos em cafezais,

em propriedades rurais na região da Zona da Mata Mineira, o que ocorreu em função do


aumento da diversidade de insetos polinizadores mantidos pelas áreas de floresta. A

presença de remanescentes florestais, neste caso, resultou em um aumento de 14,6% na

produtividade do cafezal, o que representou um aumento de US$1628,14 por hectare

(De Marco & Coelho 2004).

A ocorrência de distúrbios em uma determinada área pode resultar em um

ecossistema perturbado – que sofreu distúrbios, mas, mantém a resiliência ou a

capacidade de auto-regeneração com certa rapidez – ou em um ecossistema degradado

– que não apresenta resiliência e, portanto, depende de ações humanas para sua

recuperação (Carpanezzi 2005). Desta forma, a Recuperação de Ecossistemas

Degradados (RED) visa, em sua essência, propor uma série de ações e atividades que

possibilitem a um ecossistema degradado possuir novamente condições de

biodiversidade renovável, onde as espécies tenham condições de ser auto-sustentáveis,

com reprodução garantida e variabilidade genética (Kageyama & Gandara 2006).

Ao propor um programa de RED, poderíamos ter como objetivo das ações de

recuperação, restaurar exatamente o ecossistema existente antes, garantindo assim a

restauração de todas as espécies e serviços prestados por ele. Este objetivo, entretanto,

na maioria das vezes, não é viável do ponto de vista prático. Sendo assim, restam três

possíveis alternativas (Figura 2):

- Reabilitação: onde as ações de manejo visam formar um ecossistema apenas


similar ao original. Para medir a eficiência das ações propostas, podemos usar
como estimativa de similaridade, a diversidade de espécies, mas, é possível que
o novo ecossistema seja também bastante diverso, não fornecendo, entretanto,
todas as funções presentes originalmente. Em contrapartida, as ações de
recuperação podem privilegiar o restabelecimento de determinadas espécies,
cujas flores atraiem muitos insetos polinizadores e cujos frutos, por exemplo,
atraiem uma grande diversidade de pássaros (Reis et al. 1999), garantindo, assim
uma disponibilidade de funções satisfatória.

- Substituição: onde as ações de manejo visam formar um novo ecossistema,


distinto do primeiro. O ideal, mais uma vez, é que este novo ecossistema seja
planejado para fornecer um número mínimo de funções e serviços do
ecossistema.

- Abandono: onde, a única ação tomada é a cessação dos impactos responsáveis


pela degradação da área. Esta alternativa assume que a sucessão natural poderia,
gradativamente, aumentar a diversidade de espécies e, conseqüentemente, levar
a um aumento no número de funções do ecossistema. Entretanto, é sempre
importante considerar que o abandono poderia gerar resultados contrários ao
esperado e reduzir ainda mais a diversidade e as funções do ecossistema
disponíveis.

Figura 2: Possibilidades de desenvolvimento do ecossistema degradado, após as ações


de recuperação do ecossistema. Adaptado de Bradshaw (1984) apud Carpanezzi (2005).

E, para não ser necessário assumir o risco associado ao abandono de uma área

degradada, as técnicas de recuperação de ecossistemas se desenvolveram bastante, nos

últimos anos, principalmente, em função do aumento do conhecimento sobre a dinâmica

florestal, sobretudo, sobre o processo de sucessão ecológica.


A sucessão ecológica é um processo de substituição natural de espécies em uma

área, desde o ponto inicial quando não ocorrem espécies no sistema até um ponto

clímax, onde a composição e estrutura do sistema sofrem poucas alterações e

apresentam diversidade muito elevada. A substituição de espécies, ao longo deste

processo, ocorre porque a presença de algumas espécies muda as condições do

ambiente, como por exemplo, alterando a disponibilidade de nutrientes no solo, a

umidade relativa, a luminosidade, permitindo o estabelecimento de novas espécies, que

por sua vez eliminam as primeiras em função da competição por luz ou nutrientes

(Figura 3).

Figura 3: Esquema geral ilustrando a sucessão ecológica, mostrando a substituição de


grupos de espécies (Colonizadoras, Pioneiras, Secundárias iniciais e tardias e
Climácicas) ao longo do tempo.

Assim, ao longo da sucessão ecológica, é possível classificar as espécies em:

colonizadoras – que são normalmente plantas herbáceas, que toleram condições


ambientais bastante adversas, como solos rasos ou inexistentes, baixos níveis de

umidade e elevada incidência luminosa. Essas espécies são muito importantes no

processo de sucessão primária. O estabelecimento das espécies colonizadoras causa

alterações nas condições locais, permitindo o estabelecimento das chamadas espécies

pioneiras – que são arbustos ou árvores de crescimento rápido, ciclo de vida curto e que

toleram elevados níveis de luminosidade (o que é importante, pois, nesta fase inicial

ainda há pouco recobrimento do solo pelas plantas). Uma característica marcante destas

espécies é o fato delas apresentarem dormência de sementes, pois, as mesmas não são

capazes de germinar em ambiente sombreado, ou seja, dentro de uma floresta

estabelecida.

Após esta etapa, ocorre o estabelecimento das espécies secundárias, que por sua

vez, podem ser divididas em secundárias iniciais – espécies arbóreas, com ciclo de

vida mais longo e cujas sementes podem apresentar ou não dormência, mas, as plântulas

ainda precisam de certo nível de luminosidade para se desenvolverem e secundárias

tardias - árvores de maior porte, geralmente de dossel, com ciclo de vida longo, cujas

sementes podem germinar à sombra, mas, as plântulas ainda precisam de alguma

luminosidade para se desenvolver. E, por último na sucessão ecológica, se estabelecem

as espécies climácicas – espécies arbóreas de sub-bosque ou dossel, de ciclo de vida de

médio a longo prazo, e, cuja principal característica é o fato das sementes e plântulas

serem capazes de se desenvolver com baixos índices de luminosidade e, portanto, serem

capazes de crescer e atingir o dossel, mesmo debaixo de uma floresta bastante densa.

Dois processos norteam a sucessão ecológica: a facilitação, ou o fato do

estabelecimento das espécies iniciais ser primordial para o estabelecimento das espécies

mais tardias e a competição – que é o fato das espécies tardias substituírem parte das

espécies iniciais. As técnicas de RED foram propostas de modo a maximizar o processo


de facilitação exercido entre as espécies, o que permite a aceleração do processo de

sucessão, maximizando a eficiência. Um breve panorama histórico sobre os modelos de

RED já propostos mostra como a teoria de sucessão ecológica foi sendo incorporada, de

modo a aumentar a eficiência e o sucesso do resultado final (Kageyama & Gandara

2006). O primeiro modelo de RED proposto sugeria o plantio de um coquetel de

plantas, sem qualquer discriminação de grupos ecológicos e, inclusive, com espécies

exóticas, desde que fossem bem adaptadas silviculturalmente. Em um segundo modelo

proposto, foi sugerido o plantio, ainda sem a discriminação de grupos ecológicos, de

espécies que seriam escolhidas através de um levantamento fitossociológico em áreas

florestais adjacentes. Neste primeiro momento já houve um avanço, pois, o resultado

final seria capaz de fornecer um sistema mais próximo do original, restabelecendo parte

da diversidade de espécies e interações ecológicas originais (Kageyama & Gandara

2005) e garantindo a possibilidade de retorno dos serviços do ecossistema. Entretanto, o

sucesso da restauração ainda era baixo, em função de não se considerar os grupos

ecológicos ao longo do processo.

A partir da década de 1990, foram propostos modelos utilizando a definição de

grupos ecológicos, com base na sucessão ecológica. Em 1992 e 1996, foram propostos

dois modelos de RED que consideravam grupos ecológicos: i) no primeiro, foram

implantados módulos de 3x3 plantas, tendo as climácicas ao centro e as demais

categorias nas extremidades (Figura 4A); ii) no segundo modelo, as climácicas foram

plantadas na sombra de espécies pioneiras, enquanto, as secundárias tardias foram

plantadas na sombra de secundárias iniciais (Figura 4B). Estes sistemas de plantio já

apresentavam um maior sucesso na recuperação de sistemas florestais tropicais, mas,

ainda representavam um sistema difícil e caro de ser implantado em grande escala

(Kageyama & Gandara 2006).


Assim, um novo sistema foi proposto, através do cultivo de uma linha de plantas

pioneiras intercaladas com secundárias iniciais e uma segunda linha com secundárias

tardias intercaladas com climácicas (Figura 4C). Este sistema foi bastante vantajoso,

pois, facilitou o processo operacional do plantio em grande escala, mas, apresenta uma

falha que é o plantio de quantidades homogêneas de espécies de diferentes categorias, o

que não é real em uma vegetação natural. Um avanço deste sistema foi o plantio de uma

linha de plantas pioneiras intercaladas com uma linha de plantas secundárias iniciais e

uma segunda linha com menor densidade de plantas secundárias tardias e climácicas

(Figura 4D), se aproximando, assim, das densidades das populações naturais, o que

também é um fator importante na RED, pois pode reduzir problemas futuros associados

a doenças ou pragas (Kageyama & Gandara 2005).

E, por fim, um último modelo de RED foi proposto, sendo semelhante ao

anterior, com uma linha de pioneiras e secundárias iniciais intercaladas e outra linha de

secundárias tardias e climácicas, em apenas 20% da área a ser recuperada. Nos 80%

restantes da área, são plantadas apenas linhas de pioneiras e secundárias iniciais,

assumindo que a regeneração das demais espécies e categorias ocorre naturalmente

(Figura 4E).

É importante destacar ainda a importância do uso de alta diversidade de

espécies, similarmente ao que ocorre nas florestas tropicais, o que diminui problemas

associados a plantios muito homogêneos, como o ataque de pragas (Kageyama &

Gandara 2005). Além disso, a elevada diversidade poderá fornecer espécies de plantas

suficientes para envolver distintas síndromes de polinização e dispersão de sementes e

diferentes fenofases (floração e frutificação em diferentes épocas do ano), garantindo o

retorno de uma maior diversidade de animais (Reis et al. 1999) e de possibilidades de

serviços. Essa alta diversidade pode ser obtida através da coleta de sementes, em
ambiente natural e com populações com o mínimo de perturbação, que deve ser feito de

maneira aleatória, sem qualquer padrão de seleção artificial e, preferencialmente,

respeitando as densidades naturais das espécies (sementes) encontradas. Outro fator

importante durante a coleta é a necessidade de amostrar sementes em pelo menos 12

indivíduos/espécie em populações naturais, o que deve maximizar a diversidade

genética dos indivíduos coletados, minimizando problemas de endogamia futuros

(Kageyama & Gandara 2005).

A) B)

C) D)

E)
Pioneiras
Secundárias iniciais
Secundárias tardias
Climácicas

Figura 4: Ilustração de modelos de recuperação de ecossistemas degradados que grupos


ecológicos de espécies baseados na sucessão ecológica.
Desta forma, pode-se perceber claramente, através destes métodos, que os

avanços em conhecimentos teóricos permitiram avanços práticos nas técnicas aplicáveis

ao manejo de RED, resultando, não apenas na recuperação da biodiversidade nativa nas

áreas recuperadas, mas também, em diminuição dos custos associados a ele. A

Companhia Energética de São Paulo (CESP), por exemplo, que tem por obrigação

recompor grandes áreas de florestas nativas em função da necessidade de supressão das

mesmas em suas atividades corriqueiras, estima que o custo associado à recuperação

destas áreas tenha caído de US$4 mil/ha para US$1,5 mil/ha (Kageyama & Gandara

2006). Além disso, deve-se salientar que o plantio misto de espécies nativas, com

diversidade suficiente e seguindo os princípios da sucessão natural, pode ser feito com

espécies arbóreas de valor econômico elevado. Assim, o plantio de árvores no meio

rural ajuda a conectividade e a permeabilidade na paisagem natural para espécies

florestais, assim como pode oferecer alternativas econômicas ao proprietário

(Kageyama & Gandara 2005).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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