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Zaia Brandão*
Cynthia Paes de Carvalho**
* Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ., Brasil. E-mail de contato:
zaiapucrio@gmail.com
** Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Educação, Rio de Janeiro,
RJ., Brasil.
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oderiamos definir como marco da preocupação com a qualidade do
ensino os primeiros esforços de criação de um Sistema de Ensino Público
no Brasil. Ou seja, a extensão da escolaridade para todos os cidadãos
brasileiros, de forma a incorporarem os requisitos mínimos de educação formal,
cada vez mais necessários nas “sociedades modernas” dos séculos XX e XXI.1
As elites sempre resolveram a questão do ensino/educação das novas
gerações com os recursos materiais, sociais, culturais e políticos de que dispu-
nham. Definidas, nas sociedades, como a referência sociocultural legítima, as elites
transmitiam pelo convívio familiar e social seus padrões de linguagem, normas de
comportamento e valores aos filhos. Além disso, sempre que necessário e possível
recorreram a preceptores2, especialmente antes do desenvolvimento do sistema
educacional e da disseminação da oferta da educação para as novas gerações no
formato escolar.
A “norma culta” ensinada nas escolas, a partir daí, fundamenta-se no
código elaborado (BERNSTEIN, 2003) normalmente assimilado pelas classes
dominantes e médias no processo de socialização primária. Desta forma estas
últimas, pelo convívio próximo com os diferentes setores das elites (políticas,
econômicas), sempre tiveram maiores condições de aspirar a manter seu lugar na
sociedade ou ainda alcançar uma mobilidade social ascendente.
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resultados do Enem em 2005, 2006 e 2007 para selecionar quatro escolas priva-
das ainda não investigadas que estivessem entre as 20 primeiras colocadas nessas
três edições do exame. No caso das escolas públicas municipais, selecionamos
quatro unidades que ofertavam ensino fundamental completo9, com pelo menos
800 alunos matriculados10 e que, submetidas às avaliações externas em 2005 e
2007, tivessem resultados acima da média da rede municipal nas duas edições
da Prova Brasil. Ainda no caso das escolas públicas, consideramos também sua
distribuição espacial em diferentes regiões e contextos (Coordenadorias Regionais
de Educação – CREs) da cidade e contemplamos quatro faixas diferentes de nível
socioeconômico médio dos alunos de 9º ano em 2007, a partir das informações
dos questionários contextuais da Prova Brasil. (PAES DE CARVALHO; FELIPE;
MANDELERT, 2011) Desta forma chegamos a um subconjunto formado por
algumas das escolas municipais de melhor desempenho na cidade do Rio de Ja-
neiro, que atendiam públicos diferenciados e se situavam em diferentes contextos
na distribuição geográfica das oportunidades sociais e educacionais da cidade,
cuja relevância tem despertado atenção crescente dos pesquisadores no que toca às
relações entre famílias e escolas. (ALVES, 2010)
Esse programa de pesquisa desenvolveu-se graças ao trabalho integrado
da pesquisa-chave do Soced/PUC-Rio com as dissertações e teses desenvolvidas
pelos pós-graduandos11. Essas investigações ampliaram e aprofundaram aspectos
específicos das instituições investigadas, dos seus agentes e das suas práticas, que
estariam contribuindo para a construção da imagem de qualidade de ensino cor-
roborada em boa medida pelas avaliações sistêmicas. O resultado deste intenso
trabalho em equipe nos permitiu elaborar um conjunto de hipóteses sobre os
contextos sociais, instituições e processos de construção de qualidade de ensino,
dos quais, a seguir, destacamos alguns aspectos.
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Quem escolhe?
A escolha das escolas pelas famílias tem sido tema importante de pesqui-
sas na área da sociologia da educação. As condições sociais e o capital informacional
das famílias são considerados, pela maioria dos estudos, como os principais deter-
minantes das “boas” escolhas. Ou seja, responsáveis pelas condições de opção pelas
escolas (públicas ou privadas) que oferecem ensino de qualidade e encontram-se
bem posicionadas nos rankings das avaliações de desempenho. As camadas médias,
neste sentido, são tradicionalmente reconhecidas como fortemente empenhadas
na escolha das escolas e no monitoramento da escolarização dos filhos que tendem
a garantir bons desempenhos. Diferentemente das elites, que teriam uma posição
mais laxista em relação à escola (BRANDÃO; LELIS, 2003), e das camadas popu-
lares, cujo acompanhamento escolar dos filhos é mais condicionado pela limitação
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A mobilização familiar
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Notas
1. As pesquisas que serão apresentadas contaram com o apoio do CNPq e da Faperj.
2. Ver a respeito: Binzer, I. Os Meus Romanos: Alegrias e tristezas de uma educadora alemã no Brasil.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. Trata-se de interessante depoimento de uma preceptora alemã no
Brasil do século XIX.
3. Durante o Império desenvolveram-se intensas discussões sobre a necessidade de escolarização pú-
blica as quais geraram, entre outras iniciativas, o Ato Adicional de 1834. A partir de 1860, algumas
províncias tentaram criar seus sistemas de ensino, embora bastante diversos em suas preocupações,
com a substituição das “escolas de primeiras letras” por “grupos escolares” Ver a respeito: Nóbrega,
2000.
4. Entre os quais o mais conhecido foi Head Start, criado em 1965 nos Estados Unidos para atender
crianças de baixa renda e suas famílias e que no Brasil teve uma versão televisiva, o “Vila Sésamo”,
muito popular entre as crianças com acesso à televisão nas décadas 1970 e 1980.
5. Chamamos de elites escolares os alunos que frequentavam as escolas de maior prestígio na cidade,
pois o simples nome dessas escolas confere um capital simbólico ao processo de escolarização dos
jovens que as frequentam.
6. Por exemplo, no caso dos alunos: trajetórias de escolarização, contexto e clima escolar, envolvi-
mento ou monitoramento dos pais durante a escolarização dos filhos, caracterização socioeconômica
familiar, práticas culturais das famílias.
7. Algumas dessas escolas questionam essa adjetivação que, no entanto, era bastante utilizada pelo
senso comum pedagógico.
8. Salas de aula, recreios, bibliotecas, corredores, entrada e saída dos alunos etc.
9. Cabe lembrar que a rede municipal da cidade do Rio de Janeiro não oferta o Ensino Médio. Por
esta razão selecionamos escolas que tinham o Ensino Fundamental completo para que sua comple-
xidade não fosse muito diferente das escolas privadas selecionadas, que ofereciam tanto o Ensino
Fundamental como o Médio.
10. Estes critérios foram definidos para que as instituições apresentassem porte equivalente às outras
já investigadas.
11. Ver a respeito: Xavier, Canedo e Brandão, 2013.
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12. O senso comum sobre o ensino tende a supor que o setor privado tem qualidade superior a do
setor público. Essa crença advém também da hipótese de que o que se paga diretamente vale mais
e da pouca consciência dos cidadãos do financiamento dos serviços públicos pelos impostos obri-
gatórios. Isabel Lelis, da PUC-Rio, desenvolve atualmente uma interessante pesquisa sobre escolas
privadas que atendem às camadas médias baixas e populares.
13. Nas escolas privadas havia, em média, entre 15 e 20 profissionais ocupados em funções direta
ou indiretamente vinculadas à gestão pedagógica, além dos responsáveis diretos pela direção, e de
toda a estrutura de pessoal de apoio disciplinar e operacional (portaria, inspetores distribuídos pe-
los diversos espaços da escola, coordenadores de turno, pessoal de limpeza e manutenção etc.). Já
nos estabelecimentos públicos municipais, as equipes de gestão eram compostas por um diretor e
seu adjunto, com o apoio um coordenador pedagógico apenas (e por vezes nem isso), um a quatro
funcionários na área administrativa e mais seis ou sete funcionários responsáveis pela limpeza (nesse
caso terceirizados) e alimentação.
14. Alguns autores vêm dando atenção à dinâmica do mercado (setor privado) e “quase mercado“
escolar (setor público). Ver a respeito: Costa; Koslinski, 2012. Muitas escolas alegam falta de vagas
às famílias que não têm o perfil adequado às expectativas das escolas de bons desempenhos nas
avaliações.
15. A experiência no setor público do ensino (redes estaduais e municipais) – onde geralmente as
condições materiais e sociais são menos favoráveis do que as encontradas nas escolas privadas que
estudamos – exige o desenvolvimento, pelos professores, de uma pluralidade de estratégias didáticas
para obter bons resultados com clientelas mais heterogêneas e recursos materiais mais escassos.
16. Ver a respeito: Galvão (2009).
17. No caso das escolas privadas e federais que estudamos, a gestão é muito mais partilhada e menos
centralizada.
18. BROWN (1990) The third wave: education and the ideology of parentocracy. British Journal of
Sociology of Education, v. 11, n. 1, 1990, apud Nogueira, M. A. (2010).
Referências
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Zaia Brandão e Cynthia Paes de Carvalho
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Recebido em 24 de março de 2015.
Aprovado em 26 de maio de 2015.
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/ES0101-73302015147625
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