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ENCONTROS – ANO 13 – Número 24 – 1º semestre de 2015

CONVERSAS COM UM JOVEM PROFESSOR

Raquel Balmant Emerique1

Resenha do livro de KARNAL, Leandro; KARNAL, Rose. Conversas com


um jovem professor. São Paulo: Contexto, 2014, 143 p.

1Professora adjunta do Departamento de Sociologia do Instituto de Ciências Sociais da


Universidade do Estado do Rio de Janeiro (ICS-UERJ).

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Marinheiros de primeira viagem

O magistério vive hoje um paradoxo: nunca se falou tanto em

profissionalização do professor e nem na crise da profissão docente.

Cresce a expectativa de que profissional seja formado adequadamente

para o exercício de um trabalho complexo que mobiliza uma

multiplicidade de saberes e ao mesmo tempo cresce a percepção de que

as condições laborais docentes estão cada vez mais precárias. Não é

coincidência esses dois polos convergirem. A aposta para a superação da

crise educacional no século XXI é o professor. Alguns atores já percebem

que sem a valorização da profissão docente o salto de qualidade esperado

para a educação não virá.

Há ainda um dado agravante: o magistério está minguando.

Algumas disciplinas sofrem carências permanentes de professores, as

licenciaturas sentem a ausência de estudantes e muitas escolas públicas

não têm seus quadros completos. A profissão, embora se mostre atraente

para alguns setores da população que na última década passaram a ter

acesso ao ensino superior e que carregam grande expectativa de

mobilidade social, não atrai como antes. Além disso, para o jovem

universitário a docência nem sempre é percebida como uma carreira, mas

como uma opção segura na falta de emprego nas ocupações tidas como

mais nobres e recompensadoras. Em suma, temos um quadro que aponta

para uma carreira pouco atraente em termos salariais, que exige muita

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dedicação, permanente formação dos praticantes e enfrentamento de

desafios cada vez mais complexos no que tange à sala de aula e à escola.

Como, então, estimular a escolha pela carreira docente? Como não

dizer aos marinheiros de primeira viagem os desafios que a profissão lhes

reserva? Como garantir às futuras gerações o privilégio de terem mestres?

O livro Conversas com um jovem professor do historiador e

professor Leandro Karnal, com a colaboração da professora Rose Karnal,

oferece um ponto de partida para a reflexão e encorajamento dos novatos.

Com linguagem direta e sem roupagem acadêmica os autores sugerem

que as razões para a prática dessa profissão devem ser buscadas

permanentemente pelos próprios docentes através da reflexão. A dúvida

que atormenta alguns em relação à permanência ou ao abandono da sala

de aula mostra que há o que ponderar: se tudo fosse ruim não haveria

dúvida. Uma das razões para o questionamento é que apesar da

repetição, dos desafios, da implacável burocracia escolar, das

atordoantes mudanças de paradigmas etc., a docência é um campo de

criação, de sensibilidade e também de política, isto é, um campo para os

profissionais vivenciarem a cidadania e construírem suas identidades. As

ações singelas e rotineiras de um professor, quando bem pensadas e

executadas tem impacto real na construção de sociedades mais

democráticas. Esses aspectos são desenvolvidos no último capítulo do

livro, à guisa de conclusão. Antes, porém, os leitores são convidados a

refletir sobre os fatores que produzem uma boa aula, as questões

interpessoais que perpassam a convivência do docente com seus alunos,

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pais de alunos, colegas, coordenadores e diretores, a tensão entre rotina

e criatividade, a prova de fogo que é a avaliação, o modismo das

tecnologias e as reais possibilidades que elas carregam para a produção

de boas aulas e projetos de ensino e, por fim, uma conversa franca sobre

a questão da disciplina e autoridade.

A marca do livro é a fala dos autores a partir das suas experiências

concretas em salas de aulas e escolas – experiências contadas em

décadas de ensino - sem resvalarem para o tecnicismo. Não estão

preocupados em dar receitas ou apresentar metodologias de ensino e

aprendizagem previamente testadas. Compartilham o que descobriram e

sugerem o tempo todo que o leitor reflita sobre o que está lendo. Cada

experiência é singular, mas a experiência do outro pode ser o ponto de

partida para pensar a própria experiência e práticas profissionais, que

contribuem para a tomada de decisões.

A proposta dos autores é socializar suas descobertas. Isso remete

aos aspectos sociais da profissão, muitas vezes idealizada como um

empreendimento de indivíduos solitários e vocacionados ao sacerdócio.

Esse compartilhar, que em alguns momentos aparece como

“aconselhamento flexível”, visa contribuir para quebrar o gelo e a solidão

dos fazeres docentes: professores enfrentam as mesmas dificuldades com

saídas diversas. A partir das sugestões apresentadas pelos autores o

leitor pode refletir e fazer as suas escolhas ou tirar proveito dos conselhos

oferecidos largamente no livro.

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Alguns estudiosos que se debruçam com o tema da

profissionalização docente, como os canadenses Maurice Tardif e

Clermond Gauthier, identificam que um dos saberes que constitui o

profissional professor é o saber da experiência. Aquele saber que é

produzido pela prática, que não será trabalhado em um curso teórico

sobre aprendizagem ou sobre a epistemologia da disciplina acadêmica

que lecionará. O conteúdo do livro versa sobre esses saberes que são

desenvolvidos no cotidiano do trabalho docente. São saberes muito

valorizados pelos próprios professores, pois, a formação inicial deficiente

e a formação em serviço aligeirada sugerem ao professor que tudo

depende de sua experiência, se deseja realizar um bom trabalho.

O cotidiano escolar convida o professor a mostrar habilidades

específicas, capacidades de improvisação, de definição rápida de

estratégias para enfrentar as situações que aparecem. Como alguém já

disse: “ensinar é agir na urgência e decidir na incerteza”. Ainda que as

circunstâncias sejam particulares e que sejam particulares as escolhas

que cada docente faz para enfrentá-las, o exercício do magistério permite

que algumas práticas se transformem em alternativas prévias para a

solução de episódios semelhantes. A experiência possibilita a

incorporação ou desenvolvimento do habitus específico da profissão.

O modo de integração dessas experiências à prática profissional e

constituição do habitus ocorre via socialização, por mais que pareça que

o professor age sozinho. O livro em foco contribui para a percepção da

dimensão social da formação do professor: a troca de experiências,

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passando pela tradução pessoal da estratégia e, finalmente, a produção

de uma nova experiência.

Uma das contribuições mais fortes do livro é mostrar que para ser

um bom professor é necessário algo mais do que o controle do conteúdo

da disciplina, muito embora não se possa prescindir dele e nem dos

conhecimentos produzidos sobre a escola. A confluência ou o amalgama

dos vários saberes acionados pelo professor (disciplinar, pedagógico,

curricular, de experiência) produz aquilo que há de mais específico na

profissão docente e que a distingue das demais profissões.

Muito embora o livro não verse sobre pesquisas que comprovem

cientificamente a eficácia dos conhecimentos produzidos pela experiência

profissional, é importante frisar que a ação pedagógica baseada na

tradição e no bom senso necessita de fundamentação que possibilite a

construção de uma teoria pedagógica. Enquanto esse tipo de saber que

se produz com a experiência não for explicitado, a profissionalização fica

inviabilizada, visto que são esses saberes que conferem identidade

profissional ao docente. A prática e a teoria precisam caminhar juntas,

pois as duas dimensões se retroalimentam. Nesse sentido, o que o livro

defende é que os professores são produzidos por seu trabalho e que o

trabalho docente é produzido pelas ações práticas dos professores.

Os irmãos Karnal revelam suas pretensões logo no início da obra:

que o livro seja uma espécie de companheiro de viagem aos iniciados e

não um livro didático dos cursos de formação de professores. Levando em

conta esse desejo e orientação, a leitura é recomendada com a expectativa

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de que o que foi destacado aqui provoque boas reflexões sobre as

possibilidades individuais e coletivas de aprimoramento e

profissionalização da profissão docente no contexto brasileiro.

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CONVERSATIONS WITH A YOUNG TEACHER

Review of the book by KARNAL, Leandro; KARNAL, Rose. Conversas com


um jovem professor. São Paulo: Contexto, 2014, 143 p.

Recebido em: 29/05/2015.


Aprovado em: 30/06/2015.

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