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CLAUDIO ULPIANO SANTOS NOGUEIRA ITAGIBA. O PENSAMENTO DE DELEUZE ou A GRANDE AVENTURA DO ESPIRITO Tese de Doutorado —apresentada ao Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciéncias Humanas da Universidade Estadual de Campinas, sob a orientagao do Prof, Dr. Luiz Benedicto Lacerda Orlandi Este exemplar corresponde & redagdo final da tese defendida e aprovada pela comissio julgadoraem ff Banca: Prof. Dr. Luiz Benedicto Lacerda Orlandi Prof, Dr. Luiz Alfredo Garcia Roy Profa, Dra. Sueli Rolnik Prof. Dr. Peter Pal Pelbart Prof.Dr. Luiz Roberto Monzant cM-OOLZLGAR-$ FICHA CATALOGRAFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP a Itagiba, Claudio Ulpiano Santos Nogueira . tip ‘O pensamento de Deleuze ou a grande aventura do espirito / ‘Claudio Ulpiano Santos Nogueira Itagiba. -- Campinas, SP + {san}, 1998, Orientador: Luiz, Benedicto Lacerda Orlandi, ‘Tese ( doutorado ) - Universidade Estadual de Campinas, Institute de Filosofia e Ciéncias Humanas. 1. Deleuze, Gilles, 1925-1995. 2. Filosofia francesa, 3. Pensamento. 4. Ciéncia- Filosofia. §, Filosofia - Histéria. TE. Orlandi, Luiz Benedicto Lacerda. U, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Cigncias Humanas. ADL, Titulo. INDICE: RESUMO 4 ABREVIACOES 5 INTRODUGAD 6 PENSAMENTO DE DELEUZE OU A GRAND! TURA DO ESPIRIT 2 O_EXTRA-SER EA SIMILITUDE 20 ‘&_ZEROWDADE 3 IEERENCA = : co 38 ‘A EUGA DO ARISTOTELISMO 46 DO UNIVERSAL AO SINGULAR 86 CisAO CAUSAL 4 AS _SINGULARIDADES. NOMADES 85 A JMAGEM MORAL EA, LIBERDADE 98 ESTOICOS E PLATONICOS 99 CONCEITO! 196 DE SADE A NIETZSCHE 1s ARTE E FORCAS 1az LITERATURA 148 ECCEIDADE. £ ESPINOZA, © MAIS PODEROSO DOS DELEUZIANOS 448 ‘LEIBNIZ, 169 AION 177 PROUST, 0 PONTO DE VISTA QUA ESSENCIA 388 IBNIZ TE . 192 LINHA RETA DO TEMPO 208 IBLIOGRAFIA 37 COLETANEAS E COLOQUIOS 260 REVISTAS: 263 pal i 265 Silvia Agradecimentos Ao Dr. Luiz Benedicto de Lacerda Orlandi pela sua dignidade, pelo seu talento, pela sua coeréncia deleuziana, os meus agradecimentos ¢ as minhas homenagens. A Dr. Suely Rolnik ¢ ao Dr. Peter Pal Pelbart pela enorme contribuigao na. difusdo do pensamento de Deleuze e de Guattari, Ao Dr. Francisco Carlos da Fonseca Elia ¢ ao prof, Sérgio Ricardo Nery por tudo o que foram ¢ s40, nos estudos ¢ na amizade. E para a minha querida Tatiana Roque, que tanto representa para mim a sua permanente vocagdo para o aprendizado: pela sua importante contribuigtio no meu ‘trabalho. Resumo Destruindo a imagem moral do pensamento, a imagem clissica, Deleuze rompe com as categorias de identidade ¢ de unidade, em favor de signos, forgas ¢ coagbes. Uma nova imagem do pensamento, que abandona absolutamente a forma da doxa. A dia de uma distribuigdio ndmade, de intensidades, ¢ 0 objetivo de mostra deste texto. Do extra-ser estoico, do virtual bergsoniano, ao proprio transcendental deleuziano, revelando a arte, a cigncia e « filosoffa sob planos originais e diferentes. Hi como diz: o proprio Deleuze, todo um nove modo do pensamento, tado um novo regime que emerge, € que este trabalho tenta mostrar. Paradoxos ¢ torgdes; criagdes de novos conceitos: como a linha abstrata das catedrais goticas, As singularidades ndmades, os simulactos. A estética do virtual, os planos, de imanéncia, de consisiéncia e de referéncia, os vazios ¢ as relagdes, sublinham e afirmam desta obra que se projeta no infinito Abreviagdes ‘Os textos de Deleuze so citados pelas seguintes abreviagSes: AE B ce D DR gE ES F HE- QRS iM ir PRCK Ls. FB-LS MP NF Pv OFT SPE SPP Capitalisine ot schizopheenie, «1 : Lanti Cdipe (escrito com Félix Guattari), Minuit, 1972. Le bergsonisme, PUF, 1966. Critique et clinique, Minuit, 1993, Dialogues avec Claire Pamet, Flammarion, 1977 Différence et répétition, PUF, 1968. L’épuisé, in Samuel Beckett, Quad, Minuit, 1992, Empirisme et subjectivité, PUE, 1953. Foucault, Minnit, 1986. A quoi reconnait-on le structuralisme? in Histoire de fa Philosophie - Idées, Doctrines - Le XX* Sidcle ( sob a disegdio de Frangois Chatelet), L. Hachette, 1973, Cinema 1. A Imagem-Movimento, Brasiliense, 1986. ‘Cinema 2. A Imagem-Tempo, Brasiliense, 1990 La philosophie critique de Kant, PUF, 1967. ‘Logique du sens, Minuit, 1969. ‘Francis Bacon. Logique de la sensation, La différence, 1984. Mil Plaids (escrito com Félix Guattari), 5 vol, Ed, 34, 1997. Nietzsche, PUF, 1965, ‘Nietesche e a filosofia, Editora Rio, 1976. Conversagies, Ed. 34, 1992. Proust et les signes, PUF, 1964 (nés citamos 4 edigio aumentada de 1970}. Apresentagio de Sacher-Masoch, Assirio e Alvim, 1973. Périclés et Verdi, La philosophie de Frangois Chatelet, Minuit, 1988. O que ¢ a filosofia? (escrito com Félix Guattari), Ed. 34, 1992, ‘Supexpositions (com Cannelo Bene), Minuit, 1979. Spinoza ef le probléme de Vexpression, Minuit, 1968, Spinoza, Philosophie pratique, Minuit, 1981, Introduce: Para que Deleuze scja fildsofo & precise que cle tenka antecedide todos os seus exemplos, ¢ que esteja para as suas monografias como 0 a priori esté para o fenémeno. O paradoxo do antecedente ¢ do conseqtiente. Tanto os exemplos positives quanto os exemplos negativos siio bons: as definigdes negativas - dizer 0 que uma coisa no é; dizer varias vezes e de modos diferentes o que uma coisa nao é, De tmaneira nenhuma é 0 conteudo que constitui a expressiio em Deleuze; ndo ¢ a idéia de estrutura que 0 faz perambular pelas definig&es negativas: mas so essas definigdes negativas que fazem 0 entendimento renovar-se. © entendimento da estrutura lingitistica: “Os elementos de uma estrutura nfio tém nem designago extrinseca nem significagio intrinseca, O que resta? ... um sentido que é necessariamente unicamente de « posig#o »... Em que consistem enfim esses elementos simbélicos ou unidades de posigdo? Retornemos ao modelo lingtistico. Aquilo que distinto 40 mesmo tempo das partes sonoras ¢ das imagens ¢ conceitos associadas; é chemado de fonema” (HF - QRS, pp. 276-279). Por isto sdio bons exemplos, aumentando nosso poder de compreensiio, Todos os participantes, positives ou negativos, sio participantes de importancia radical em sua obra, embora nada viesse a ser alterado se exemplos e monografias fossem diferentes; fossem outros, Deleuze, como qualquer filésofo, ndio ¢ regulado pela historia dos saberes, ou mesmo pelos seus proprios exemplos. Os exemplos so contingents. Embora tudo seja contingente. Sempre. Quando se trata de exemplos. Mas que no se confunda com a falsa dualidade platénica, esséneia-exemplo do qual resulta a significagio ¢ a designagio, a generalidade e 0 individual: “Plato ria daqueles que se contentavam em dar exemplos, em mostrar, em designar ao invés de atingir as Ess@ncias: Eu nifo te pergunto (dizia ele) quem é justo, mais 0 que € 0 justo, etc.” (LS, p. 160). O PENSAMENTO DE D JZE OU A GRANDE AVENTURA bo ESPIRITO “Reconhecemos as coisas sem jamais as conhecermos” (PS, p. 27). Ha posigdo 60 filésofo, segundo Proust. Induzido pela inteligéncia, o filésofo pressupe nela a boa vontade de pensar, atribuindoslhe, & inteligencia, 0 amor natural do verdadeito ¢ a verdade, a determinagéo explicita daquilo que ¢ naturalmente pensado, Aparece 0 valor de verdade, a verdade-correspondéncia, a verdade-coeréncia, a verdade- verificacionista': ou melhor, idéias inadequadas. Que quer dizer? Que em um s6 caso, explicar e implicar, as palavras explicar e implicar ndo s#o correlativas A idéia de expressiio, So desassociada: 0 caso das idéias inexpressivas, logo a importancia para o pensamento do agenciamento do par implicar-explicar, componentes da expressiio, uma espécie de signo, que escapa A representagtio. E a raziio do método formal ¢ reflexivo ¢ a existéncia da idéia inadequada, de um negativo do pensamento que substitu, 0 erro: que desassocia a implicagio e a explicagio ¢ impede o entendimento na formago do conceito. “Ela implica nossa poténcia de compreender, mas néio se explica por ela; envolve a natureza de ama coisa exterior, mas no a explica” (SPP, p. 104), O método esclarece: de modo algum fazer com que conhegamos qualquer coisa, mas nos fazer compreender a propria poténcia de conhecer. Dirige-se 4 poténcia do espirito, ao pensamento, “Trata-se, enttio, de tomar consciéneia dessa poténeia: conhecimento reflexive ou idéia da idéia” (SPP, p. 113). * Granger, Ciles-Casion = ba ebrifcetion - Paris, éd, Odile Jacoh.1991, p. 9 “As palowras everifeagion & sevcrficae petencem & mais corn das Haus, mas com usos vaviedos. Som divide i notéves diferongas care os setides de avecificary em everfew a presenga de alguien saan criear um testemunho», eveificar tuna hipéteses, everifcar wm cjulon...Talvez aqui fosse o lugar apropiado part invocar a novo ‘wttyensteinins da malipicidade dos jogos de inguagem de relacioaar a comunidad da signiicagde esses sos a ua somcthanga, © estodo dos dicionéros, eotretanto, permite, muito plausiveinente, radurt es Uivesidade is dine orcnagBes principas, De acowo com uma, verifies é, exsencialmenis, coafrontar sm femaiado cam of fats; segundo 9 ote, ¢ examina wena coisa upaca vor so ela € tn! qual dove sor, exon © Ltd iz coo bactate elareza. Lima ditinge cemalhanc, wo meu cnlende, eorresponderia into bom a ama divisdo filosofca do problems da veisagd, Assim, refre-e-t 9 primeica sentido a uma questo gnoeeolgica {ral concernant @ relagto de adaiuagio 20 vivko, & expetinci, a0 simbolinao no qual 30 exprins wo Tonbeeineto, © segundo sentda nes remoeria sobretodo aos problemas epistemobgicos especiics, isto 6. a coum da natucza di elagho queso estabeece nite as simbotisns eos objetos constitu én um sistema tosis ou menos explicito.Entendo aqui por « objets » no mais © gue & dado com sous contishos intuitive ee tits experince, mas no que vsa um ponsament submsao Bs regras formas, resto de ura onpanizagiio@ do ‘uma idcalizapia da expecinei, sja quel for v nature desta. No teabalho da erncia, eases dois aspects da resifeado, mais do qoe om qualquer outs ativdac & prodiygao humana, npaceess elaramente emno @stnsides {no enlao conjuos. Do mesite mole, € no pensamento ciontlico que we Hinitret a examina © Lupa, fung8o120 valor ds verificegio™ © anti-cartesianismo da teoria da expresso, em que a categoria de “adequatio” tem a fungde essencial de romper a concepgdo do conhecimento como representagao Conbecer, representar, & reproduzir, repetir. A idgia € um duplo, um objeto mental, que se refere a uma coisa exterior - vinculo da idéia com o mundo, uma imagem da coisa da qual a idéia da a representagio; ilustra, come na pintura, o que existe no exterior da idéia “O figurativo (a representag3o) implica pois a relagdo de uma imagem com um objeto que ela supostamente ilustra; mas implica também a relagio de uma imagem com outras imagens, em um conjunto composto que da precisamente 2 cada uma seu objeto, A narragio ¢ 0 correlato da ilustragto. Entre duas figuras sempre se passa ou tende a se passar uma histéria para animar o conjunto ilustrado” (FB-LS, p. 10}. A coisa existe como conteudo, mas independente da idéia: ¢ as suas relaydes com a ideia sto de representado e representante, A idéia é a representagdo de um objeto para ¢ no sujeito do conhecimento; a idéia o imita, ao objeto, designando-o, ¢ o simula; ¢ 0 indica, ou methor, reflete-o. E © conhecimento consiste na justificativa desta relagdo de conformidade entre a idéia e 0 objeto: tornando-se necessiria a descoberta de uma garantia que confirme a validade da relago extrinseca entre a forma ¢ o contetido do conhecimento, entre 0 signo ¢ a coisa, Confirma-se a afirmagio de que a idéia (0 Signo) ¢ 0 contetido (0 sentido) estiio separados e sua relagio ¢ por analogia: semelhanga ¢ diferenga, “Proust fala frequentemente da necessidade que pesa sobre ele: alguma coisa sempre Ihe lembra ou Ihe faz. imaginar outra coisa. Mas, seja qual for a importancia desse processo de analogia na arte, a arte nfo encontra ai sua formula mais profunda. Enquanto descobrimos o sentido de um signo em outra coisa, um pouco de matéria rebelde ao espirito ainda subsiste. Ao contririo, a Arte nos dé a verdadeira unidade: unidade de um signa imaterial ¢ de um sentido inteiramente espiritual, A Esséncia € precisamente essa unidade do signo da sentido, tal qual ¢ revelada na obra de arte, Esséncias ou Idéias, ¢ 0 que revela cada signo da pequena frase. Eo que da A frase sua existéncia reat, independentemente dos instrumentos ¢ Gos sons que a reproduzem ou que a encarnam, mais de que a compdem. A supetioridade da arte sobre s vida consiste nisso: todos os signos que encontramos na vida ainda sto signos materiais, e seu sentido, estando sempre om outta coisa, nio ¢ inieiramente espiritual” (PS, pp. 40-41). Aqui Espinoza e Proust. se tocam - na i expressiva ¢ no signo da arte. Havendo também outro tratamento para o valor de verdade: onde @ nobre ¢ 9 vil atravessam tanto o verdadeito como o falso, a diferenga: da imagem classica do pensamento: Nietzsche, ao seu modo, diz da mesma maneira. Nietzsche abala a vontade de verdade, Assinala-se: ha muita proximidade entre varios pensadores: entre Proust ¢ © “Nouyeau Roman”, por exemplo, nos caminhos em diregdo ao signo, ao fora do tempo de Cronos, as pontas do presente de Santo Agostinho, - ou como diz o fenomendlogo: retengio e protensi, que nada tém a ver com o passado ¢ 0 futuro relatives de Cronos; porque tém as formas do Aion, sobretudo no que parece exatamente o inverso, a teoria da desorigdo: a desorigdo do objeto, ou como na experiéncia de anamorfose de Kandinsky que revela componentes imperceptiveis, qualidades ¢ poténcias, como se diz na primeiridade de Peirce. Ou com Becket, o sub-representativo: as sinteses passivas - a presenga dos “cus larvares”, ‘S80 os incorporais. “O Ea passivo nao se define simplesmente pela receptividade, isto 6, pela capacidade de ter sensagéies, mas pela contemplagao contraente que constitui 0 proprio organismo antes de constituir-the as sensagdes. Além disso, este eu no tem nenhum cardter de simplicidade; ndo basta nem mesmo relativizar, pluralizar 0 eu, reservando-Ihe cada vez uma forma simples atenuada, Os eus silo sujeitos larvares; 0 mundo das sinteses passivas constitui o sistema do eu em condiges a serem determinadas, mas trata-se do sistema do eu dissolvide” (DR, p. 140). Retomar estas aproximagées para colocar em questo: percepgdo, inteligéncia e afecslio, diante do que forga a pensar, Ea penetrago na aventura do involuntirio, no ‘uso transcendente das faculdades, nos signos da arte, de acordo com Proust. O alguma coisa que forga a pensar - o além da recognig%o, objeto de um encontro fundamental. Com Proust, a redescoberta do tempo parece ser o grande tema - ¢ a busca da verdade sua via necesséria, através da aventura do involuntirio, que vence o estupor natural do pensamento, fazendo nascer o ato de pensar no pensamento ~ a grande questo da niova imagem do pensamento, O involuntirio opde-se a0 voluntirio, sto dois exercicios na mesma faculdade, no interior da mesma faculdade, como em Kant: a sintese empirica (essa linha reta branca), a forma inferior da faculdade; e a sintese a priori (@ linha reta € 0 caminho mais curte) que define uma forma dada de conhecimento superior € sua qualidade principal & a relagdo com o signo, o que nos forca a pensar: “O signo ¢ 0 objeto de um encontro” (PS, p. 96). © ato de pensar niio decore de uma simples possibilidade natural, parecendo colocar 0 século XVIL (Espinoza e Leibniz) e Proust em radical oposi¢ao, no sentido que se desapegam do sensivel e mesmo do inteligivel, mas ndo chegam a uma solugo comum. E uma nova, imagem do pensamento: um além do sensivel ¢ do inteligivel, que toma os érgios metafisicos. Talvez bastasse repetir com Nietzsche. Mas é preciso um pouco mais, inclusive para chegar-se a Nietzsche. Uma compreensio do signo, A diferenga entre o signo no mito ¢ a coisa que o reveste, como nos celtas, a0 modo da narrativa de Proust, HA um método em Espinoza, a causa formal do pensamento, - aumentar a poténcia de compreender: ¢ 0 objeto do método formal e reflexivo, “o objeto do méiodo ¢ também 0 objetivo finat da filosofia” (SPE, p. 115). O livro V da Etica descreve este fim, nie como conhecimento de qualquer coisa, mas como 0 conhecimento de nossa poténcia de compreender ou de nosso entendimento. Com Proust ¢ a congo, a violéncia do signo que forga a pensar, jamais um método, Nao basta separar o falso do verdadeiro, Novas provas siio requeridas. © pensamento deixa de identificar-se com 0 abstrato de uma faculdade conforme a imagem dogmatica em que © pensamento ama ¢ quer a verdade, Mais explicitamente, emerge com maior precistio a idéia de negativo do pensamento, em rompimento com a idéia milenar de erro, que fiz parte da estrutura do pensamento: de direite, como na exposigie transcendental da estética de Kant, para realizar este objetivo: “Por esse motivo, & questo de fato, sucede uma questdio mais clevada: questiio de direito, quid juris ? Nao basta constatar que, de fato, temos representagdes a priori. E preciso ainda que n expliquemos por gue © como essas representagdies se aplicam necessariamente experiéneia, embora nao derivem dela. Por que ¢ coma o dado que se apresenta na experigncia ¢ necessariamente submetido aos mesmos prineipios que os que regulam a Priori nossas representagdes (submetidos, portanto, as nossas proprias representagdes 4a prioriy? Essa € a questo de direito, - A priori designa as reptesentagdes que nito derivam da experiéncia. Transcendental designa o principio em virtude do qual a experiéncia & necessariamente submissa as nossas representagées a priori. E por isso que, & exposigiio metafisica do espago ¢ do tempo, sucede uma exposigto transcendental. E a dedugiio metafisica das categorias, uma dedugdo transcendental, « ‘Transcendental » qualifica o principio de uma submissio necessiria dos dados da. experiéncia as nossas representagies @ priori, ¢ correlativamente de uma aplicagdo necessiria das representagGes a priori a experiéncia” (PhCK, p, 17-18), Verdades vis ~ ou recognigdies exatas. & © proprio Teeieto a quem cumprimento. E verdades aitas, ligadas aos verdadeiros problemas: com o surgimento das idéias de falso ¢ verdadeiro problema, © involuntario ¢ as forgas so 0 caso de Proust e Nietzsche surgindo uma nova concepgio do objeto filoséfico, ou algo como “Eis a filosofia!”, e nesta linhagem ou nesta dinmica n&o-linear, uma viragem na concepsdo das artes, despojando o mundo da recognigéo de seus poderes. A filosofia deixa de ser prisioneira da alternativa , que pertenceu a Nietzsche também, gerada pela questio “Quem fala em filosofia?” quem é 0 sujeito do discurso filoséfico? F, por conseqiéneia, quem & aquele que cria novos afetos © novos perceptos na obra de arte, ou quem sio Schumman, Cage, Bacon, Robert Bresson, Virginia Woolf: egos individuais, eus pessoais, ou 0 caos sem fundo, informe ¢ terrivel? De fato, sob © regime de um novo valor de verdade, do qual participa a experiéncia do vago ¢ do indecidivel, do miltiplo € do falso, este no regime dos incompossiveis, Nietzsche expde sua nova visio: heterdnimos, blocos de sensagies, singularidades ndmades ¢ selvagens: ou melhor, © dionisiaco, a vontade de poténcia, ligados ao pré-individual. E renova a filosofia ¢ a arte, O singular se libera da posigiio de sinénimo de individual, abandona a errdnea sinonimia ao individual ¢ a equivocada diferenca aos varios. Foge da semidtica de Ockham, € penetra na disparidade do proto-dntive, nos contrastes do pequeno & do grande infinito. E a filosofia, ¢ a arte: ndo & mais a forma do individuo ou do sujeito e de modo nenhum o informe, as trevas sem fundo; entfo, uma especie de fundo sombrio. E © aformal, ¢ 9 novo sujeito da filosotia ¢ das artes atravessa as diversidades disjuntivas, - @ caos -, compondo um plano de consisténcia, conforme Gadel’; uma primeitidade de qualidades e poténcias, como em outra semmiética, a de Peirce. Tolice de quem pensa Nietzsche como uma vor isolada, Seus clardes, seus afetos, seus relevantes: sua voz é uma melodia atravessando as tramas dos harmdnicos imodemos. H4 Nietzsche até mesmo, e sobretudo, em Artaud, por extrait 0 inato @ 0 adquirido do pensamento; do-ato de pensar no pensamento, da pratica da arte ¢ da filosofia: por extrair a representagao do pensamento e promover a concepedo de uma teoria diferencial das faculdades, que supde 0 involuntirio e uma violencia no ato de pensar. Ha Nietzsche em cada linha da filosofia da imanéncia, - wma vida -, de Deleuze. “Ha no mundo alguma coisa que forga a pensar. Este algo ¢ 0 objeto de um encontro fundamental © no de uma recognigao. © que é encontrado pode ser Socrates, 0. templo ou o demdnio. Pode ser apreendido sob tonalidades afetivas diversas, admiragdo, amor, ddio, dor. Mas, em sua primeira caracteristica, ¢ sob qualquer tonalidade, ele s6 pode ser sentido. E a este respeito que ele se opde a recognigdo, pois o sensivel, na recognicdo, nunca ¢ o que 86 pode ser sentido, mas que se relaciona diretamente com os sentidos num objeto que pode ser lembrado, imaginado, concebido. O sensivel nfo é somente referido a um objeto que pode ser outra coisa além de ser sentido, mas pode ser efe priprio visado por outras faculdades Ele pressupde, pois, 0 exercicio dos sentidos ¢ 0 exercicio de outras faculdades num senso comum. O objeto do encontro, ao contririo, faz realmente nascer a sensibilidade: *Nogel, Z , Newmaa, JR. - Prova de Godel SP. Hd, Perspectivacoleto debates, 1973 wo sentido. Ndo_um aioOytov, mas um aioOnreoy Néo é uma qualidade, mas um signo, Nao € um ser sensivel, mas 0 ser do sensivel” (DR, 231) Com 0 méiedo, Espinoza libera a idéia de autémato espiritual, que apaixona Leibniz. Quando o ser formal se opde ao ser objetive ou representative. A idéia em sua forma, independentemente do objeto representado. Enquanto a idéia inexpressiva, inadequada, cncadvia-se na ordem que se imprime cm nds; assuciagdo de idéias a partir do habito: so signos, impressos endo expressos, ¢ Deleuze afirma permanentemente a distingdo entre impressiio ¢ expresso. Signos indicativos, signos imperativos ¢ signos interpretativos. Enquanto a idéia adequada € a idéia que exprime sua propria causa © que se explica por nossa propria poténcia; a idéia inadequada é inexpressiva e nio explicada. © ser pensanie é um automato espiritual ¢ a verdade & interior ao espirito’. “Explicar é um termo «forte em Espinoza. Nao significa uma operagtio do entendimento exterior & coisa, mas uma operagao da coisa interior ao entendimento, Mesmo as demonstragies sio ditas os «olhos» do espirito, isto & percebendo um movimento que esti ma coisa. A explicagdo & sempre uma auto- explicagio, um desenvolvimento, um desenrolamento, um dinamismo: a coisa se explica. A substincia se explica pelos alributos, os atributos explicam a substincia: ¢ eles se explicam do seu lado pelos modos, os modos explicam og atributos. Ba implicagéo no ¢ de modo nenhum 0 contririo da explicagdio; aquilo que explica por isto mesmo implica, o que desenvolve cnvolye. Tudo na natureza é feito pela “Darban, A, - Etudes Spinazistes - Paris, PUR, pp 86-87 La rechorclic do vet eseele dome libre? Ble ne te see pas. ai Fesprit dora se soumetine aux exigenegs d'un elyct préesistant, qi hii sera Gtramyor: i avant de conformer I, «He seprosinire, a fe copier, fe cliher Sa verte prneipite ser alors faite de doce et Tobéissanee. Mais Spinoza Gearte cette coureption vulgsire dz In vérité. La ponsée n'est pas une puissance passive: elle w'est pas desbinée a receveir Peimpreinte des chosox Elle est action es, gout bien ay, elle n'a qu suivte sa propre li, elle prvfit les ides les mex dos tees dans wn rave que hi est pes impose par wo pic differen du sien, mais dans Uosdee de leur parfate incligibilié, ciest-iie de lowe parte convenanee 4. besoias de Mintelligenee ellernsine. EMe n'a qu’ produire de viaice pensées, ce sot Weujonts des penses vines. Dans cet exesciee de Pativits pensuwe, Mame est szaiment, comune fe disat Photon, une chose qi we mit clle-nidme. BB se compte ounune wn aniuninte spailuel [“aolvite pemrante ast une asivle poste, et ia valeur cles frit quele dt, fa valeur do Veale des ies quelle exgonde, me Uspend que de fa perfection Ue sor art ole ne He mess p48 ave apo ele SNE Le esp Send pen joger defo yA, HLA Ke Fit sts een ceonsulter que hurméme, ear ells ast sien aate que la formes achewee de sa ponséc™ cocxisténcia de dois movimentos, A natureza é a ordem comum das explicagies ¢ das implicagdes” (SPP, p. 103). Ha a regito dos signos, sempre corrompidos pela equivocidade e a regido da expressiio cuja regra absoluta ¢ a univocidade. Mas a possibilidade légica de um pensamento que deduziria formalmente suas idéias uma das outras, conforme o migtodo em Espinoza, no define mais o autémato espiritual, 0 pensamento, que se tomna ama insténcia paralisada ¢ petrificada e que documenta a impossibilidade de pensar que € 0 pensamento. Esta nova manaira de pensar o auiémato espiritual insere-se em uma apresentagiio direta do tempo, na ligagio imagem-tempo e imagem pensamento’. As forgas substituem as coisas ¢ os fendmenos - quando Nietzsche formula a quebra da representagio. O valor e 0 sentido em relagio as forgas que se apoderam de alguma coisa: o valor de verdade € percorrido por uma nova maneira de pensar que supde a multiplicidade, que altera o entendimento, Tanto do verdadeiro, quanto do faiso. Deleuze afirma em Nietzsche, também e sobreiudo a questio das singuluridades némades, que formam um terceito, o aformal, além da forma e do informe. E todo uma nova imagem do pensamento (Plano de Imanéncia) que se elabora através de Nietesche, Nietzsche atravessa a terminologia: nfo mais o julgamento, cu julge, e sim © afeto como avaliagio - gostar ou detestar. Tudo relacionado com a vida esgotada e com a vida ascendente, esta 2 que sabe metamorfosear-se de acordo com as forgas que encontra, ¢ que com elas se agencia, O nobre ¢ 0 vil, tomando-se a energia nobre como a que se transforma, enquanto a vil, por esgotamento, estanca. Ha graus, tanto ° Ménil, Alain - Deleuze et le « hergsonisme du cinéma » in Philosophie a? 47, pags 32-33: “Ao ler Béla Balazs ou Epstein hoje em dia, ndo se pode deixar de ficar impressionado pela amplido do projeto que eles doam ao cinema: um projeto didético; uma visada cogritiva, um ponto de vista especulativo Ora, com efvito, €a partir do bencficio retiado dt concepeo besgsoniana da imagem que ees podem claborar um pensamento desses sobre o cinema, © que um «cinema de filosofian, pare retomar @ expresso de Deleuze, tora-se possivel: inventar imagens que estejam & siturn dis exigéncias do pensamento, inventar as imagens-pensamento, ftzer do cinema no simplesmente operacio de Feprodugio e de resttuigo mecanica do teal, mas um aparelho de investigagio que introduza um novo aspecto, urma nova dimensio do real até entdo impensados; um instruments de antlise que ofereyt no ppensamento 9 material sensivel para as novas operagies imfoleetuais, © por exemplo, este. ver de cutee modo, fazer du invengo teenies da imagem mavel © prineiro nivel de urna imagem que deve cefetivamente continuar-se em uma imayen-tempo™ 0 verdadeiro quanto no false, A vontade de poténcia est dos dois lados, “Nietrsche, que JA substituia o julgamento pelo afeto, prevenia seus leitores: para além do bem e do mat pelo menos ndo significa para a/ém do bom © de mau Esse mau é a vida esgotada, degenerescente, ainda mais tervivel, ¢ capacitada a se propagar. Mas o bom & a vide emergente, ascendente, a que sabe se transformar, se metamorfosear de acordo com as forgas que encontra, € que compe com elas uma poténcia sempre maior, aumentando sempre a pottncia de viver, abrindo sempre novas « possibilidades »” (I, p. 172-173), Todo fendmeno se contunde com um signo, que supde uma forga que se apropria do fendmeno, que o domina, que 0 explora. E quando se diz que a historia de uma coisa explica-se pela sucesso de forgas que dela se apodera, é de um pluralismo que se fala, pluralismo que torna & propria percepsdio um regime de forgas que se apropria da natureza, mas que também se altera, dando uma historia & natureza, O signo pressupde pensamento que o interpreta e o avalia, tornando o ato de pensar no pensamente a atividade fundamental. Mas este ato de pensar nilo emerge se nio houver ums violéneia sobre o pensamento. O pensamento aunca atingira a poténeia de pensar se nfo houver ama forga que o force a pensar. On seja, pensar nfo é um exercicio natural no pensamento - mas um acontecimento rato e extraordinario no pensamento. Tal coagio das forgas tanga o pensamento em um devir-ativo, diferenciando-o do exercicio natural de uma faculdade. De outro lado, a erftica ao conceito de erro @ a introdugiio do negativo de direito, no caso, a tolice, compreendida como elemento da estrutura do pensamento, prolonga Espinoza, alterando 0 nosso entendimento do valor de verdade. “A tolice é uma estrutura do pensamento enquanto tal: ola n&io é uma maneira de se enganar, cla exprime de direito @ ndo-senso do pensamento” (NF, p. 86). Deleuze coloca Nietzsche em “Logique du Sens” nas paginas dedicadas a Simondon, junta Nietzsche ¢ Simondon na décima quinta série, acentuando a singularidade livre, anénima e némade. “Singularidades ndmades que nko sio mais aprisionadas na individualidade fixa do ser infinito {a famosa imutabilidade de Deus) nem nos limites sedentérios do sujeito finito (os famesos Yimites do conhecimento}, Alguma coisa que rio & nem individual nem pessoal e, no entanto, que é singular, nfo abismo indiferenciado, mas saltando de uma singularidade pata outra, sempre emitindo um lance de dado que faz patie de um mesmo langar sempre fragmentado e reformado em cada lance” (LS, p. 110). Em Proust, hd sujeito € objeto, Mas o sentido, que habita 0 sujeito, nto se confunde com ele; nem o signe, que habita 0 objeto, se confunde com ele. Signo € sentido nao se reduzem ao objeto e a0 sujeito. Mas o signo ainda esté parcialmente contida no objeto, como 0 sentido depende parcialmente do sujeito, A esséncia & 0 terceiro termo: assemelha-se @ esséncia platdnica pela razio de nto se reduzir a0 sujeito e ao objeto, Difere dela, da esséncia platdnica, porque retine o signo e o sentido - complica os dois, a esséncia complica 9 signo e 0 sentido, pBe um no outro. “Cada sujeito exprime o mundo de um certo ponto de vista, Mas 0 ponto de vista, é a propria iferenga, a diferenga interna absoluta, Cada sujcito exprime, pois, um mundo absolutamente diferente, E sem divida, o mundo expresso nie existe fora do sujeito que 0 esprime (0 que chamamos de mundo exterior & somente a projegdo ihuséria, 0 limite uniformizante de todos esses mundos expresses). Mas 0 mundo expresso nfo se confunde com o sujeito: dele se distingue exatamente como a esséncia se distingue da existéncia ¢ inclusive da sua propria existéncia, Ele nfo existe fora do sujeito que 0 exprime, mas ¢ expresso como a esséncia, no do proprio sujeito, mas do Ser, ou da regitio do Ser que se revela ao sujeito, Raztio pela qual cada esséncia ¢ uma patria, um pais; ela nfo se reduz.a um estado psicolégice, nem a uma subjetividade psicoldgica, nem mesmo a uma forma qualquer de subjetividade superior. A esséneia & a qualidade iiltima do amago do sujeito, mas esta qualidade é mais profumda do que o sujeito, é de outra ordem: “Qualidade desconhecida de um mundo ‘inico.” Nao € 0 sujeito que explica a esséncia, é, antes, a esséneia que se implica, se envolve, se enrola no sujeito” ( PS, p. 43), Ha uma faculdade das esséncias, o pensamente ¢ a faculdade da complicatio, da ¢ternidade - diantc do nascimemto do tempo. Assinala-se que 0 pensamento ¢ involunirio, forgado pelo signo a tiberar 0 ato de pensar, O involuntario, como descoberta de Proust, toma as faculdades disjuntas, dando a cada tama 0 seu proprio objeto, sem que este possa reproduir-se em outta faculdade. O involuntirio, ainda na memiria ontoldgica, tem seu proprio objeto e nao far acorda com as outras faculdades. No pensamento, o involuntirio 9 toma a faculdade das esséncias, enquanto a esséncia em Proust ¢ aquilo que conjuga o signo e 0 sentido. O sere o pensamento, Senso comum nfo ¢ uma faculdade, uma facukinde empirica qualquer. E 0 acorde entre as faculdades que define 0 senso comum, Fonte de comunicagéo, condigdo subjetiva de comunicagiio, Pertence 4 doxa como 0 bom’ senso ¢ a iecogniigtio. “Subjetivamente, o senso comum subsume faculdades diversas da alma, ou dos érgtios diferenciados do corpo, ¢ os refere a uma unidade capaz de dizer Ew: ¢ um $6 € mesmo eu que percebe, imagina, lembra-se, sabe, ete.; € que respira, que domme, que anda, que come... A linguagem nfo parece possivel fora de um sujeito desses que se exprime ou se manifesta nels, e€ que diz o que ele faz. Objetivamente, o senso comum subsume a diversidade dada e a refere A unidade de uma forma particular de objeto ou de uma forma individualizada de mundo: & 0 mesmo objeto que eu vejo,, cheiro, suboreio, toco, © mesmo que percebo, imagino ¢ do qual me lembro... e &no mesmo mundo que tespiro, anda, fico em vigilia ou durmo, indo de um objeto para o outro segundo as leis de um sistema determinado” (LS, p, 80). Por exemplo, na “Analitica Transcendental", onde 0 entendimento governa, aparece 0 senso comum ldgico: “Entretanto, consideremos mais atentamente o senso comum sob sua forma especulativa (sensus communis logicus). Ele exprime a harmonia das faculdades no interesse especulativo da raziio, isto é, sob a presidéncia do entendimento. O acordo das faculdades é aqui determinado pelo entendimento, ou, 0 que vem a dar no mesmo, faz-se sob os conceitos determinados do entendimento” (PhCK, p. 37). Com o sublime, a imaginagéo é condenada a enfrentar seu limite proprio - 0 informe ou o disforme na natureza, “B ela transmite sua coergao a0 pentsamento, por sua vez forgado a pensar o supra-sensivel como fundamento da natureza ¢ da faculdade de pensar: © pensamento ¢ a imaginagao entram aqui numa discordancia essencial, numa violéncia reciproca que condiciona um novo tipo de acordo. Deste modo, o modelo da recogni¢io ou a forma do senso comum encontram-se cm deficiéncia no sublime, em proveito de uma concepeao do pensamento totalmente diferente” (DR, 237n). Compreende-se a importincia de Proust para o pensamento de Deleuze Quando Cezanne e Paul Kice afirmam querer tornar visivel o invisivel, em vez de representar o visivel, ou quando Fernando Pessoa merguiha nas micro-sensagdes, extraindo afetos de espumas ¢ de Aguas, j4 se trata das faculdades em seu exercicio ‘transcendente: do transcendental, Quando um neoplatonico retme a implicago e a explicagao, jd se trata da emanago em provesso de renovagiio - que atinge seu ponto mais elevado com a teoria da expresstio de Espinoza, Quando o pensamento é forgado peles sensagdes a pensar, trata-se do genital no pensamento que tanto apaixonow Artaud - que 0 fez compreender que 0 pensamento supde uma forga que vem de fora, coagindo ¢ violentando uma faculdade abstrata ¢ inerte. “Ha no mundo alguma coisa que forga a pensar. Bste algo ¢ o objeto de um encontro fundamental e nfo de uma recognic&o. O que € encontrado pode ser Sécrates, 0 templo ou o deménio. Pode ser apreendido sob tonalidades afetivas diversas, admirago, amor, édio, dor. Mas, em sua primeira caracteristica, ¢ sob qualquer tonalidade, ete s6 pode ser sentido. Ea este respeito que ele se opie a recognigfo” (DR, 231). Pensar, a forma transcendental de urna faculdade, implica a violencia do que o forga a exercer-se, a violéncia do que € forgado a apreender ¢ a violéncia do que sé 0 pensamento tem o poder de pensar. Citando Michaux: “Outras vezes, ao conirario, desfago sucessivamente as dobras de consciéncia que passam por todos os meus limiares, as «vinte e duas dobrasy que me rodeiam e me separam do fimdo, para descobrir de siibito esse fando inumerdvel das pequenas dobras méveis que me artastam a velocidades excessivas na operago da vertigem, como «a correia do chicote de um cocheiro em fiiria...»” (A Dobra, p. 140- 141). Enquanto Maldiney, utilizando uma linguagem de Husserl, dos dados hyléticos, matéria que antecede a nogtica © a noemética, explicita os dados da conscigucia, distinguindo plano de referencia ¢ sensagdes", pondo a mostra o momento “pathique” E Deleuze insiste que ¢ este aspecto da sensagiio que a fenomenologia de Hepet recalea, ¢ que eniretanto seria a base de toda a estética possivel, E de uma maneira definitiva, afirma: “A ligto de Cézanne a frente dos impressionistas: nfo esta no jogo “livre” ou desencamado da luz e da cor {impressdes) que é a Sensagéio, a0 contririo esta no corpo, seja ele o corpo de uma maga. A cor esti no corpo, a sensagfio est no corpo, @ nao no ar. E a sensagio que é pintada. O que esta pintado no quadro é 0 corpo, ndo enquanto representado como objeto, mas enquanto vivido experimentando essa sensago (0 que Lawrence, falando de Cézanne, chamava de «o ser magdnesco da magi»)” (FB-LS, p, 27). E todo o reino do involuntirio, das forgas, da expresso, que emerge no exercicio transcendente das faculdades, o trabalho da Sintese assimétrica do sensivel. © _Extra-SER EA SIMILITUDE Delenze descobriu 0 campo transcendental do mesmo modo que os légicos descobriram estrelas: estretas [dgicas. Que niio existem - inefetuadas em um estado de coisas: entre 0 referente (0 denotado) ¢ 0 sentido da-se algo como a oposigio entre a efetuagdo ¢ a conira-efetuagao, as duas linhas essenciais da cisto causal, que a distingdo Vénus ou estrela da manhi ou da tarde, de Frege, exemplifica’. Quando “Maidiney, H. - Regard Parole Espace, Lausunne, Evlitions L."Age d’ Homme, 1973, pp. 136-137 ; “Erwin Stems desomine memento pitico (moment pathique) essa dimensio do sentir segundo a qual nos eornunicemos com 06 dados lytic, antes de qualquer referénein ¢ fora de qualquer referéncia um objeto pereebido, «Se ligéssemos ‘0 momento pati aos objelos, estamos reintroduzindo-0s no dominio vonecitnal ca distineo gnéssicae patica {se enconiratia dissolviden, O que chamarnos de scnsibildade ae cores, is formas, sox sons, & iteiramente ‘eonsttuldo por esse momento ption. Assim, Cézanne fala da corde onde surgiu xa velha com 0 tergon com de ‘um stom a Flaubert, como de cum grande azal arroveado que the exis na slaw». Nao eo teats ai de ume ‘bjetividede que se vise a distineia Nessa cor, Cézanne se comuniea ccm um mundo ainda soterrado, que s6 sus ante extmuaré, colocande-o ar us obra". “ngel, P.- Lan aotme du vrai - Paria, Gallimard, 1989, p. 7 :“Urna hoo parte da ertodosin modema em Mlosofia da Jépicn deriva das douirinas de Prope, ou pelo snenos de doutrinas atribuidas A Frege. Frege distingus a frase (air). do. pensomenta (Gedanke) que cla exprime. O segundo & 0 sentida (Sin) da frase. Ale de win sentido, ne > Hume diz que as relagdes so exteriores a seus termos, ¢ opde impressties e idéias de termes a impressbes ou iddias de relagées, € também de referente e de sentido ou de visio causal gue esta falando, ou melhor, é 0 “e” como extra-ser, conttritio ao “é” do Julgamento de atribuigao e do julgamento de existéncia. Para dizer a mesma coisa, os estoicos se reportam a duas acepgdes do tempo: 0 presente vivo, em que o deus & Cronos ¢ 0 presente ¢ 0 circulo inteiro - 0 presente eterno, que 0s homens, por ‘exemple, captam como passado ou futuro’. De modo nenhum um homem pode substituir 0 deus - mundos ariginarios pulsées elementares nio se explicam por espostas a desafios langados pelo meio. “Toynbee desenvolven uma filosofia pragmética da histéria segundo a qual as civilizagdes foram respostas a desafios langados pelo meio” (IM, p. 181). 0 realismo e o naturalismo esto proximos e tém uma diferenga fundamental. £ que o natusalismo em sua busca do tempo e em stia pristio as idéias fixas e as pulsdes, acentua os tragos do realismo, levando-o a um estado de degradagio. “No entanto, a diferenga entre Strohcim ¢ Butuel seria que em Bufuel a degradagio ¢ concebida nao tanto como entropia acelerada, mas mais como repeti¢dio precipitadora, etemo retorno. Q mundo originério impde, portanto, aos fia tm (como toda expressd) una feferZacia (Bedeutung), que & seu valor de verdad st 8,0 verdadero ot © falso (nfo temos necessidade de nos deternas aqui na doutsina do Frege segundo a qual esses limon ef os objets), Segundo Frege, nfo ¢ a fase, mas o peneamento que ela exprime, que ¢ suscetvel de rceber uma valor verdad”, Na inirodupdo aos Kerits logiques et philosophiques de Gottlob Frege, és. de Seal, 1971, p. 13, siz Claude Imbert: "A treducto deri levar em conta 0 fas de que os termas alemdes dignans par de ropes soldivis. Para a primeira, « troducto por sentide era evidntc. Para a segunda, oats tndalores propuseram signficagao. Mas o por semidosignficepao parec-aos incapaz de sutertst, no uso francés, 2 isting Sinn Bedeutung. Por outro lado, reservou-se Designaedo para tous Beseichnurg, © Frege empresa ‘ezeichmen como um dup de bedewen, Poder-seria sma, numa incicag de E. Benveniste (la Forme ee Sens dans ie langoge, 1966), ¢ egulandorse na escotba dos traduteres de Vingux ingles, wads Redewrung pot referencia: mas 0 regime indo do verbo refers a teria, seguramte intoduzido formas rwito pesades, Ponanto seguimos A. Churoh (introduction o meatiemattcal Logie, p. 4) e uiisames um torma quo j6 pertenee 10 vorabultsio da ogia, o de denoiordo". Pasquino,P.- Le stafut entologique des incorporels dans V'ancien storeisme in: Les stafciens et leur iogigue, Paris, Vin, 197%, p. 380. "Os pensanteatoss - dir Pgs nto so lolutamente tess, nas so realidade€ de ume noueza diferente da metreen ds coisas” *Goldschmih, V. - Le systeme stoieien et Sidée de temps, Paris, Vrin,1985, p. 42 : “Em aposigo dircta & tese platdnico-aristotdica da elemidadc do mando, os estoicos easinam acerca do nascimento da coilagrago do. ‘undo, as polinginesiae poriddicas. A etemidade, esse « tempo infinto », ao eurso do qual o Primeiro Morac suseita ¢ mantém um « movimento eterno », etemidade ndo Simiteda, no informada pelos periodos,- estd ai o tempo de que 6s estoieas acaitaram dizer, segundo a foremils de Proclas, que € umito prSxinio do no-sers. Qs estoions admiters uma cleridade desses: inconsistent, inarticnlada; alribuem n cfa fata da motrin receber sua realidade do pacuma divino, que a peneta ¢ faz dela um corpo, do mesma modo ques a tempo infinite, pre exis, ‘wm necessidade da via da mundo que o determina « 0 escan. de acondo com seu rites peridiog” eins que nele se sucedem, no exatamente uma inetinagio, © sim uma curvatura ow um ciclo” UM, pp. 160- 161). A proximidade de Buftwel com pédocles, na verdade ‘bem mais do que isto, a proximidade do naturatismo com a filosofia, é feita através do pensamento da pré-socratica. A relagdo do naturalismo com o Amor e com 0 Odio - com a filosofia das profundidades’, ¢ marcante. E a diferenga entre o naturalismo que se liga ao tempo como imagem direta ¢ © realismo em que 0 tempo esté subordinado a0 movimento, é mostrado nos capitulo VII, IX ¢ X de “LImage-Mouvernent”, Todos watam de meios e de ciclos, Mas hi também, de outro lado, 0 infinitamente subdivisivel, o ilimitado, 0 aidnico, de natureza diferente dos corpos que pertencem a Cronos - a terceira hipétese do Parménides, 0 instante, que os estoicos retomam pela estratura dupla do acontecimento - 0 ator e a personagem. O acontecimento. “Talvez a influgneia se tenha investido no ultimo periodo de Buftuel, quando ele adapta a seus proprios fins uma inspiragilo que Ihe veio de Robbe-Grillet..Dirse-ia que a cosmologia naturalista de Bufluel, fundada no ciclo e na sucesso dos ciclos, da lugar & uma pluralidade de mundos simulténeos, a uma simultancidade de presentes em diferentes mundos” (iT, pp. 134-135), Nao importa se sensivel ou inteligivel, ou se substincia, acidente e faculdades, a filosofia do ser mio di conta de uma entidade varia ¢ inexistente. A filosofia estoica afirma que o real € constituido por corps, pelas faculdades, representagdes sensiveis ¢ representagdes racionais, as agées ¢ as paixdes, as tensbes fisicas e os estados de coisas cocrespondentes. © mundo dos corpos esgota “Ramnour, C. - Les Présocratiques in Histoire de la Philosophie I, éd. Gallimard, Paris, 1969, 9. 440 “Essa cosmologia de estrotura aritmética ¢ acompanhada de uma histéria da estrutura ciclica. No comeso reina a fnica Aftodite: 08 quatro fimdidos em um, Inteiremente de forma estérica, e Neikos expulso para fora. A imupglo de Neikos rompe hrutalmente a homogeneiade da Esfera. Airodite, recalcada, se seuniria sobre si propria no centro, engwanto que os outros se dividiriens, parece, semundo ciraulos coneéatricos. Nese momenta instaura-se a histéria do mundo, com a lente revonquista de Affodite sobre Neikos, deusa reune os pedagos, misturando 05 quatro uns com os eulros, segundo ‘proposgdes muméricas definidas. Para que se orgtnize o vivo, € necessario 0 casumento de Afrodite € ‘Neikos: Affodite reinando 36, tudo se fundiria em um, Neikos reinando s6, a dispersto interditaria as ‘misturas, nenhuma ordem poderia mesmo ser pensada entre os grandes divididos, Sob a agdo temiperada de ema ¢ do Outro, os membros separados se reinem, de modo a formar ox corpes, que sfrodisiacn ominante torna harmioniosos, Pela alternincia, e sexundlo um ritaso comparivel ao ritmo das estagdes, um levaria @ methor sobre © outro, mas jariais totelmente na durago de um ciclo cosmico, Tudo se © ser, Mas hé algo mais - 0 extra-ser, a superficie metafisiea - o campo transcendental, © sentido, 0 acontecimento, Em tudo se difere de Aristételes como de Platdo, Conftonta-se com o epicurismo e talvez descenda dos cinicos ¢ dos megiricos, Prolonga-se no medieval, no século XIX ¢ faz parte até mesmo do cinema no século XX. So os inventores da cisdo causal - ¢ através dela de uma subversio na filosofia. E 0 extra-ser niio é definitivamente um existente individual ou um. possivel légico; sobretudo porque pertence a uma zona pré-individual, extra-mental e niio empirica. As representagGes, sensiveis ou racionais, tanto o designado como o significado também stio corpos, nfo lidam com o sentido, com a cesura ilimitada do instante, nem com as relages exteriores a seus termos nem com a série dos efeitos, independentes das causas. Eas faculdades do. sujeito em seu uso comum apenas reptoduzem as representagies: so clas. E seu procedimento, das representaces, tem sempre 0 seconhecimento como fim. Mas ¢ 0 que n&o pertence a representugdo? “O x de que sentimos que isto acaba de se passar, é 0 objeto da “novela”; ¢ © x que sempre vai se passat ¢ © objeto do “conto”. O acontecimento puro € conto ¢ novela, jamais atualidade. E neste sentido que os acontecimentos sio signos” (LS, p. 66). Ho extra- ser, irredutiyel a fenémeno ou coisa. Imedutivel aos corpos ¢ as leis destes, reguladas pelo presente no tempo, pois uma das faces do acontecimento nunca se atualiza, por pertenicer & série vazia com sua estrutura dupla, Passado ¢ futuro, diferentes do passado ¢ futuro relativos, por exemplo, do romance. Mais & frente, este tema sera abordado, em sua distingie do conto ¢ da novela, de mode nenkum se equivaiende as questdes do estranho, do maravithoso e do fantéstico. Lidar com Aion & literalmente constituir uma nova imagem do pensamento - com signos substituinds fendmenos, forgas no lugar de esséncias, exterioridades no de interioridades. Para dar conta dos signos, 05 da arte, aos quais Deleuze mostra como diferentes dos signos mundanos, amorosos e sensiveis, seguindo Proust, supSe-se © pensamento ‘passa no interior da esfera de Affodite e a histéria inteira ¢ a reconstituigto da uvidede rorapida. (Ao estabelecer esse paragrafo, respeitamos esquema reconatituide pot J. ollack cm scu Empédocte)” P: rep a puro como faculdade das esséncias, que se efetua em um encontro, supde 0 encontro, © que nfo se confunde com uma faculdade abstrata, psicolégica, que se porde nas significagdes estabelecidas ¢ no néo-senso. Na arte, o Signo toma-se espititual: & 0 caso da novela ¢ do conto. Deleuze diz: “Somente na arte é que o signo se toma material, ao mesmo tempo que seu sentido se torna espiritual” (PS, pag. 84), A. filosofia estoica ¢ uma linha de fuga em favor do tempo, do novo, em telagiio As filosofias da ctemidade, que se constituem pela representagiio, esséncias e significagdes, como om Plato ¢ Aristételes onde tudo pertence ao ser, mesmo a regidio do transcendental, as formas inteligiveis. © Mesmo e 0 Semelhante so 0 motivo de o set se manifestar de duas maneiras, do modo sensivel, as cépias ¢ os simulactos; do modo inteligivel, o modelo: a teoria das Jdgias, que parece reinar sobre a filosofia, Classicamente o sentido da teoria das Idéias & colocar-se em oposi¢io & opinifie € A sensagio qué estiio em variagiio continua , para a construgdo do saber imutivel do ser imutivel. Ir além do fluxo heraclitico, admitindo a existéncia de coisas nio sensiveis que avaliem 0 que é necessariamente mutante, sendo ao mesmo tempo 0 que ¢ e 0 que no é, gerando uma teoria do julgamento, que coloca o fenémeno em relago de semelhanca com um determinado tipo-modelo”, Nao basta sobrepor a teoria das Idéias ao fluxo heraclitico, mas sim mostré-la como 0 motivo de uma vontade de selecionar, em vez de simplesmente em oposigdo a opinidio ou a sensagiio", Na verdade, a presenga da teoria das Iddias, das formas inteligiveis, forga a diferenga: forga a vontade de selecionar, de filtrar, Distingue. & faz aparecer as duas * Descombes, V. - Le Platonisme, Paris, PUF, 1971p. 18-19: “Toda avaliagita, por sua ver, supe uma norma. Para podet srbuir 9 que vej um eto gra de gualdade, de circular, da ters, devo de antemta str ‘qu alo in si-mesmos 0 gs, 0 Gireuo, a Relea. O Igual, que jamais vi, 60 que me permis far dele @ tropbste do que eu veo. A teoia das forms €, pecan, de acordo cam a expasi¢d else, una ieoria do Jlgamonco. As formas sio ese idesis que prcsoupdem of julzamontos sobre o ret O plgtsento sendo ume tvatsglo, as fons a0 portant valores e & porque, dee, efor dag que mai Yale a forma da Ber, tamer forme siren)” anibenque, P.~ La prudence cher Aristote, Paris, PUR, 1986, p. 7: fim diversas pestagane de sua obra Axistiteles, fick a0 uso ploténico, emprega a paiavea phronésis pare designar, por oposigdio a opinilo ow @ sensigto quc ao mulantes como seus objetns. saber imatavel do ser imuléve. Assi, tembra-seefe a0 Livro M dds Metnfsica, que & para salvar um saber dossex quo Plat admitin a teorn das Iiins, pois, die ef, uma vec ecothecido com Herkclto que o sasivel esta em pexpéto movimento, & preciso admitr a existncia de cuttos coisas aiém das coisas sensives, se quisermos que exista cinco, em con 0 saber de alguma eis” 2a similitudes que govemam “. todo 0 dominio que a filosofia reconhecerd como seu” (LS, p. 264): a similitude exemplar ea similitude imitativa. O Mesime © 0 Semethante. As Idéias so modelo e fundamento de todo 0 devir, porque sto cternamente o que so - sempre idénticas a si mesmas, de acordo com a similitude exemplar: 0 Mesmo. E um tipo de imagem que corresponde a similitude imitativa, a imagem dotada de semelhanga, fimdade_ nas proporces da propria Idéia, assegurando a razo da existéncia da dualidade manifesta'’, Entre a Idéia ¢ a imagem com a qual maantém uma relagdo de semelhanga - do Mesmo, ou da identidade superior, a Idéia ou a unidade do miiltiplo; ¢ a imagem efetuando-se como ebpia-icone, imagem que se ‘constitui pelas relagdes com a Idéia, subordinada a Idéia. De outro lado, afismando a Gualidade latente, aparece algo muito parecido a um fora da lei - a imagem sem semelhanga, 0 ilimitado, Uma Idéia que deveria ser apenas para um s6 tipo de ‘imagem, colocando esta imagem em estado permanente de subordinago, perde seu poder de modelo para tods uma linhagem de imagens insubordinadas. E enquanto imagens insubordinadas, fora da lei: € aquila que ndo obedece a um principio superior, A lei, sendo em termos de imagem, a tepresentagdo da Idéia: tendo a subordinagdo como esséncia: o seu melhor & representar, 6 obedecer, A moral tmerguiha no mundo do conhecimento “Ha uma imagem classica da lei. Plato deu dela uma expressto perfeita, que se impds no mundo cristio. Essa imagem determina uum duplo estado da lei, do ponto de vista de seu princfpio ¢ do ponto de vista de suas consequéncias, Quanto ao principio, a lei no é primeira, A lei € apenas um poder segundo ¢ delegado; ela depende de um prinefpio mais alto que € 6 Bem. Se os homens soubessem 0 que ¢ o Bem, ou se soubessem conformar-se a ele, ndo teriam Goldachmiat, V. - Les dialogues de Platon, Paris, PUP, 1963, p. 15:“A bondode de toda imagem depende de duns causes” 1) do modelo. E boa a imitacdo que se regula sobre a Forma, iéntica w si-mesma ¢ imutével. Ea panir de um modeto dasses que 0 demiurgo do Timeu opera. Os artesdos mors, sida que nfo tenham a ciéncin da Forma-Moxcio, adquirem dela pelo menos a opine verdadeira, Ao eonirério, se oimitador “se sera de ut ‘modo susfo ae nascimcato, 0 produlo de sev iabalio ndo seria bel: 2) do modo de fitapto, E preciso slstinguir a imitago matemation que torpa as proposigéos exntns do medslo, om “comprimento, largura profundideds, e, por outro lado, a imitagio atstca que “deswabilirando a verdd, repred elo ws proposicies ‘ais, mas as qu paveccmsbelas Chamens a primeira de arte da cpio; «cutra, dart do simuloero™ 6 necessidade da Ici, A Ici é apenas o representante do Bem num mundo do qual ele quase se ausentou, Se bem que, do ponto de vista das consequéncias, obedecer as Jeis representa o «methor», sendo o melhor a imagem do Bem. O justo se submete as leis, no pals em que nasceu, no pafs onde vive. Assim faz pelo melhor, mesmo que guarde sua liberdade de pensar ~ de pensar o Bem e pelo Bem” (ASM, p. 88). E uma das grandes questdes da Etica de Espinoza, romper o vinculo entre a liberdade © a vontade, concebida como poder de uma vontade escolher ou mesmo criar - a liberdade de indiferenca; e como o poder de regular-se por um modelo ¢ efetué-lo, a liberdade esclarecida, onde 0 Bem e o Melhor so dominantes, coma emi Platdo: este o grande tema de Kafka, de Sade, de Masoch. A fuga da lei, mas uma Lei que jé nfo se deixa subordinar pelo Bem! a pura forma vazia da Lei, que toma a ventade livre quando subordinada a ela, & Lei, J4 no se trata do mundo cldssico mais do mundo modemo. A similitude exemplar & uma causalidade que se expande pelos seus miiltiplos, que 0 imitam, a0 modo da similitude imitativa - a Semelhanga “Ser-lhe-A necessério erigit um novo tipo de transcendéncia, diferente da transcendéncia imperial ou mitica (ainda que Platdo se sirva do mito dando-lhe uma fungdio bastante especial), capaz de se exercer em um campo de imanéncia: tal é 0 sentido da teoria das Idéias” (Remarques in: Nos Grecs et leurs modemes, p. 250), Na composigio da imagem ¢ da Idéia, da Semethanga com o Mesmo, passa-se do devir para o Ser, da opinido para a ciéncia, aparentemente realizando o programa da filosofia: passagem da doxa para a episteme. O bom senso apareceria como guardido, porquanta forgado pelas contradigbes da senstvel, elevando-se em busca da esséncia, ou da identidade, do Mesino, que Ihe retomaria um mundo novamente apaziguado em que a forma da doxa imperaria mesmo no momento em que deveria desaparecer, exatamente por causa da presenga da unidade superior. Mais exatamente, 0 bom senso ¢ 0 senso comum tém a forma da doxa , ¢ de outro modo, a quebra do bom senso seria a impossibitidade de encontrar uma unidade, a unidade superior, e pela exclustio do bom senso, a conseqiiente experiéncia da diferenga que se expande, fuzindo da identidade. fugindo do igual, do limite, do Mesmo e do Semelhante Ha um modo proprio da filosotia platOnica abordar o vinculo entre a Iddia e as coisas sensiveis, Da mesma maneira, hé um modo proprio da fitosofia estoiea fazer sua abordagem, constituindo um vinculo entre o limite ¢ os seres. Este vinculo configura « nogdo de limite como essencial des seres, distinguindo se incorporat ou corporal nos estoicos, jd que para estes s6 os corpos, as esséncias particulares afirmativas, tém limites. E ja a organizagdo de um plano de referéncia. Limites que no sfo fixos, mas méveis, como se a geometria cuclidiana fosse abandonada e se fizesse presente uma topologia associada mais com a biclogia e singularidades do que com idéias gerais; mais com a diferenga dos seres do que com sua classificagiio. Em Plato, so 0s limites do provisori © os limites do permanente - distinguindo 0 fendmeno € 0 eterno; enquanto nos estoicos os limites e as forgas causais se singularizam, privilegiando a diferenga em vez da semelhanga. H4 um devir ilimitado tanto platénico quanto estoico, s6 que, em Plato, este devir ilimitado pertence as imagens insubordinadas; enquanto nos estoicos, o devir ilimitado ¢ 0 tempo liberado do movimento, as idéias sem fungdes causais ou paradigmaticas, A quebra da presenga de um modelo ideal, que os seres se esforgam para assemelhar-se, para imitar"?, ¢ a liberagdo de um dovir ilimitado. FE se este devir esté em Platiio, também estd nos estoicos. No primeiro tudo se dé na distingdo entre sensivel ¢ inteligivel, ¢ a distingdo ne interior do sensivel, Nos segundos, a disting%o é entre o ser ¢ 0 extra-ser, tendo a nuptura causal como fundamento. O devir apresentando ndo uma insubordinagio mas uma natureza que esti em Bergson também: sfo as duas multiplicidades, de justaposigfo na matéria ¢ de interpenetragio no espirito. Deleuze mostra 0s dois tipos de multiplicidades - métricas ¢ ndo-méiricas, extensivas ¢ © Brier, E = La thtorie des incosporets dans ancien stoteisme, Paris, Vr, 1989, p. 3: “Uma definigdo ‘matemitca € capac de cogendrar por si s6 ume mwtphcidade inden de sess, todos aqucles que obedecem & Jot express na defnigto. Hii ene ossesseres e sew movclo wm espicic de rolago de cansafidede, 9 do case particala lei, daimitag3o a0 modelo” ”

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