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A Leitura do Espaço Urbano: Interações entre

patrimônio, memória e turismo cultural


Carina Copatti
Doutoranda em Educação nas Ciências pela Universidade do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul (Unijuí, 2016). Mestra em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF, 2014);
Especialista em Metodologias do Ensino de Geografia (Uniasselvi, 2012). Professora da
rede municipal de ensino de Charrua/RS. E-mail: <c.copatti@hotmail.com>.

Tarcísio Dorn de Oliveira


Doutorando em Educação nas Ciências pela Universidade do Noroeste do Estado
do Rio Grande do Sul (Unijuí, 2016). Mestre em Patrimônio cultural pela Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM, 2011). Docente dos Cursos de Engenharia Civil e Arquitetura e
Urbanismo - UNIJUÍ. Coordenador do Curso de Arquitetura e Urbanismo - UNIJUÍ.

Resumo

O presente artigo traz reflexões sobre a leitura do espaço a partir de contribuições de diferentes auto-
res das áreas de Geografia e Arquitetura, que tratam sobre os temas centrais abordados nesse texto, a
saber: patrimônio, memória e turismo cultural. Nesse sentido, apresentam-se implicações e possibili-
dades que convergem para a leitura do espaço no processo de formação dos profissionais dessas áreas,
numa perspectiva do cuidado com o lugar e com a comunidade que nele vive.A leitura do espaço
transformado pelo movimento dos diferentes sujeitos vivendo em sociedade nos permite trazer ao
debate o lugar enquanto possibilidade de interação, em conexão com outras escalas espaciais, tanto re-
gional, nacional ou global. O patrimônio arquitetônico e a memória, tanto no processo de construção
coletiva quanto na subjetividade do sujeito, convergem para a leitura do espaço, enquanto lócus cultu-
ral, que se configura como um espaço em constante transformação/alteração, a partir da evolução das
sociedades que ali constroem diferentes relações. É importante salientar que a metodologia utilizada
parte de uma perspectiva bibliográfica, com o intuito de promover discussões a partir de algumas
ideias de diferentes autores, como Santos (1978, 1988, 2000), Carlos (2007) e Carvalho (2010, 2011),
que contribuem para analisarmos e compreendermos o espaço vivido enquanto meio onde diferentes
relações se estabelecem e se tornam possíveis.
Palavras-chave: Patrimônio. Memória. Espaço Geográfico. Turismo Cultural.

1 Introdução conhecimentos gerados anteriormente, transfor-


mando continuamente o espaço geográfico.
Santos (2000, p. 56) salienta que “o espaço
Ao longo da história, os seres humanos têm
geográfico deve ser considerado como algo que
transformado a natureza com o intuito decons-
participa igualmente da condição do social e do
truir um ambiente que satisfaça suas necessidades.
físico, um misto, um híbrido”. Nesse sentido, ao
A partir desse momento, as diferentes sociedades
tratar sobre o patrimônio e a memória, enquanto
que se formaram tornaram possível a transforma-
espaço de manutenção social, é de extrema im-
ção cada vez mais intensa da natureza por meio
portância considerar que as relações sociais, suas
de novas descobertas, readequações de técnicas e
transformações e as alterações que produzem se

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DOI: 10.18256/2318-1109/arqimed.v5n1p48-58
A Leitura do Espaço Urbano…

dão a partir de um espaço, o qual é ocupado por objetivo refletir sobre o patrimônio cultural e a
determinado grupo social em constante intera- memória na constituição do espaço urbano e, a
ção com o ambiente e com os demais sujeitos que partir das reflexões, considerar as diferentes leitu-
ali vivem, a partir das relações sociais e de traba- ras possíveis na perspectiva do turismo cultural.
lho ali vivenciadas. Santos (2000, p. 61) acrescen-
ta ainda que:
2 Relações entre Patrimônio
A evolução que marca as etapas do processo de
trabalho e das relações sociais marca, também,
Cultural e Memória Urbana na
as mudanças verificadas no espaço geográfico, leitura do espaço geográfico
tanto morfologicamente, quanto do ponto de
vista das funções e dos processos. É assim que as
épocas se distinguem umas das outras.
A construção do espaço, pela interação de
diferentes grupos que dele se utilizam, nos mais
O espaço geográfico é uma produção hu- variados lugares do planeta, se dá de distintas for-
mana, construída e transformada para atender as mas em momentos diversos. Nas últimas décadas,
a intensificação da internacionalização do comér-
necessidades de diferentes grupos, considerando,
cio e da fluidez da informação, tem possibilitado,
nesse processo, os avanços das técnicas em cada
segundo Santos (1988, p. 8) novos conhecimentos
sociedade no decorrer de diferentes épocas e con-
sobre o planeta e sobre o homem. Nesse sentido,
siderando os conhecimentos de cada cultura. O
os conhecimentos atuam sobre os instrumentos
espaço geográfico constrói-se/transforma-se num
de trabalho produzindo males ou benefícios, se-
movimento contínuo que se estabelece pela rela-
gundo as condições de utilização. Por sua vez, as
ção entre diferentes sujeitos na cotidianidade, a
técnicas e instrumentos contribuem nas alterações
partir de determinadas estruturas sociais, natu-
do espaço, produzindo novos rearranjos espaciais
rais e políticas, apresentando diferentes funções e
e sociais.
processos que o constituem.
Os espaços urbanos, amplamente influen-
Santos (1977, p. 92) considera que nenhum
ciados pela dinâmica da interação social, cultural,
dos objetos sociais está tão presente no cotidiano
política e econômica, tem sido palco de inúmeras
das pessoas quanto o espaço, que constitui a ma-
transformações, as quais refletem as relações en-
téria trabalhada por excelência. Para o autor, “a
tre diferentes grupos sociais, no tocante às varia-
casa, o lugar de trabalho, os pontos de encontro,
das expressões sociais (coletivas e subjetivas) que
os caminhos que unem esses pontos, são igual-
ocorrem em determinado lugar. Tais relações ten-
mente elementos passivos que condicionam a ati-
dem a tornar cada vez mais dinâmicas, intensas
vidade dos homens e comandam a prática social”.
e constantes as transformações que nele ocorrem,
Nesse sentido, as contribuições aqui consideradas
produzindo novas configurações espaciais. Em
trazem como pano de fundo o espaço enquanto
seu trabalho Carlos (2007a, p. 20) considera que:
possibilidade de transformação, que permite um
conjunto de relações que ocorrem a partir de ele- A produção espacial realiza-se no plano do co-
mentos diversos que o compõe e que lhe dão sig- tidiano e aparece nas formas de apropriação,
nificados e características distintas. utilização e ocupação de um determinado lu-
O espaço é utilizado e transformado a partir gar, num momento específico e, revela-se pelo
das vivências em determinados lugares, por isso, uso como produto da divisão social e técnica
no decorrer deste texto consideramos pertinente do trabalho que produz uma morfologia espa-
compreender a importância do local na consti- cial fragmentada e hierarquizada. Uma vez que
tuição dos diferentes grupos que habitam deter- cada sujeito se situa num espaço, o lugar permite
pensar o viver, o habitar, o trabalho, o lazer en-
minado espaço. Consideramos que as vivências
quanto situações vividas, revelando, no nível do
cotidianas são carregadas de significados, que cotidiano, os conflitos do mundo moderno [...].
contribuem para a constituição dos sujeitos a par-
tir dos lugares em que vivem e das relações que É no cotidiano, a partir das vivências no co-
neles estabelecem. Tais vivências se transformam letivo e das construções subjetivas que ocorrem
nas relações espaço-temporais e interpessoais, per- as interações com o lugar e as transformações do
mitindo que sejam construídos diferentes olhares espaço. No coletivo diferentes situações acon-
e percepções. Nesse sentido, o artigo tem como tecem e se moldam de acordo com os conheci-

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mentos e as possibilidades da população que ali criação de objetos novos ou se realiza sobre obje-
vive e, também, a partir da subjetividade de cada tos preexistentes. Nesse sentido, o espaço urbano,
sujeito que o constrói a partir de suas percepções enquanto conjunto de características e funções
e possibilidades. que se dão nas cidades, compreende a dinâmica,
O lugar constitui-se enquanto espaço das re- a rapidez, as interações constantes que permitem
lações de pertencimento, de afetividade, de sen- a esse espaço permanecer constantemente sendo
timentalidade, onde os sujeitos fazem escolhas, repensado e reconstruído, isso porque nele ocor-
dimensionam novas perspectivas em relação ao rem relações que vão além da dimensão econômi-
lugar ocupado e contribuem para a construção do ca, emergindo em inter-relações entre diferentes
espaço geográfico. O lugar é o espaço próximo, culturas, costumes, tradições.
onde no dia-a-dia se estabelecem novos episódios Nos espaços urbanos percebe-se que as con-
e se constroem novos capítulos da história de uma dições de vida são variadas e permitem pensar
determinada sociedade. Insere-se nessa perspec- cada lugar que o constitui de maneira singular e
tiva a contribuição de Callai (2004, p. 2), conside- dotada de objetos e ações que precisam ser com-
rando o lugar como: preendidas, tanto pelos seus habitantes quanto
pelos profissionais que o planejam. Nesse espa-
[...] um espaço construído como resultado da ço encontram-se representadas as influências de
vida das pessoas, dos grupos que nele vivem, das diferentes sujeitos que ali se fixaram e que nele
formas como trabalham, como produzem, como constroem cotidianamente suas vidas. O lugar
se alimentam e como fazem/usufruem do lazer. constitui-se, assim, um espaço de aproximação,
É, portanto, cheio de história, de marcas que tra-
onde a vida acontece efetivamente.
zem em si um pouco de cada um. É a vida de de-
terminados grupos sociais, ocupando um certo
Nesses lugares inserem-se objetos físicos,
espaço num tempo singularizado. Consideran- que constituem o patrimônio cultural de deter-
do que é no cotidiano da própria vivência que minado espaço. O patrimônio cultural, segundo
as coisas vão acontecendo, vai se configurando o Carvalho (2010, p. 17):
espaço, e dando feição ao lugar. Um lugar que é
um espaço vivido, de experiências sempre reno- Diz respeito à construção física do espaço ur-
vadas, o que permite que se considere o passado bano, constituída pelos prédios, monumentos,
e se vislumbre o futuro. A compreensão disto edificações, acervos arquitetônicos, os quais são
necessariamente resgata os sentimentos de iden- edificados em um determinado tempo e espaço.
tidade e de pertencimento. E diz respeito também à dimensão simbólica das
diversas formas de agir, sentir e viver dos grupos
A constituição do espaço geográfico se dá, sociais enquanto membros de uma comunidade,
em grande medida, pelas interações cotidianas por meio dos ofícios e manifestações populares
tradicionais, da gastronomia, das artes popula-
que ocorrem a partir de necessidades e processos
res, do artesanato, os quais estabelecem proces-
diferenciados; este é um dos motivos que explica a sos de identificação e vinculação comunitária
diversidade de formas e funções que cada porção em relação a uma dada cultura.
do espaço possui, determinando a ação dos sujei-
tos que ali habitam. Para Santos (1978), na con- O patrimônio cultural apresenta caracterís-
cepção de espaço são destacados alguns elemen- ticas que incluem as vivências estabelecidas no
tos: a forma é o aspecto visível de um objeto, ou espaço ocupado, nas interações que se efetivam
ainda ao arranjo deles. Outro elemento é a função, nele e que o moldam e o constituem/reconsti-
que implica o papel desempenhado por um obje- tuem continuamente. Carvalho (2010, p. 17), sa-
to no espaço. Considera também a estrutura, que lienta ainda que:
configura-se como o modo como os objetos estão
organizados e interrelacionados; O processo é um Essa concepção ampla de patrimônio cultural
quarto elemento, que implica tempo e mudança. aproxima-sedo entendimento da construção co-
Segundo esse mesmo autor (2000, p. 39) o letiva, inserido numa rede de relações dinâmicas
espaço encontra a sua dinâmica e se transforma que sofrem constantes processos de transforma-
a partir dos sistemas de objetos e dos sistemas de ção e recriação, seja por meio da criatividade dos
ações que interagem entre si. De um lado, os siste- diversos segmentos sociais, seja pela intensifica-
ção dos contatos culturais, ou pelo advento de
mas de objetos condicionam a forma como se dão
novas tecnologias da comunicação e informação
as ações e, de outro lado, o sistema de ações leva à que caracterizam as sociedades contemporâneas.

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O espaço urbano constitui-se como um es- do capital e dos fluxos de informação e tecnologia
paço de construção social, no qual a dinâmica e permitiram novas proporções nas relações que se
as trocas ocorrem com maior fluidez em um es- estabelecem no espaço, tornando dinâmicas as
paço construído por sujeitos diversos que convi- novas configurações do espaço geográfico.
vem cotidianamente num espaço físico pensado Carvalho (2010, p. 18) afirma que a cidade
para todos: a cidade. constitui-se também por um sentido emocio-
É importante, inicialmente, levar em consi- nal, visto que os sujeitos sentem-se integrados ao
deração o conceito de cidade. De acordo com Car- meio onde vivem, estabelecem relações de reco-
los (2007b, p. 12) a cidade permitiria pensar o pla- nhecimento e de troca, posto que os lugares de
no do lugar revelando o vivido e a vida cotidiana memória também delimitam fronteiras culturais,
através dos espaços-tempo da realização da vida. relacionando-se à guarda de marcos históricos
E define o urbano enquanto reprodução da vida significativos para os membros de uma socieda-
em todas as suas dimensões – enquanto articula- de. Nesse sentido, a cidade também constitui-se
ção indissociável dos planos local/mundial - o que como espaço de memória, guardando em si as
incluiria, necessariamente, as possibilidades de marcas do tempo e dos sujeitos que nela construí-
transformação da realidade (a dimensão virtual). ram sua cotidianidade.
As cidades constituem-se da materialida- A cidade pode ser considerada como espa-
de, da distribuição dos objetos materiais sobre o ço de memória, onde as construções do passado
espaço em que uma sociedade se instala. Nesse mesclam-se às inovações que, por vezes, agem
sentido, compreende-se que, pela dinâmica de avassaladoras na transformação do espaço urba-
interação e transformação dos espaços urbanos, no, modificando a estrutura física, os hábitos, as
a cidade também se modifica e é constantemente tradições do lugar e as interações sociais viven-
repensada. Em sua interpretação, Carvalho (2010, ciadas nele. Carvalho (2010, p. 18) considera que:
p. 15) salienta que, em termos de materialidade,
a cidade é representada pelos prédios, casarões, Além de constructos tangíveis – conjunto de
ruas, igrejas, esculturas, monumentos. Mas apre- edificações, monumentos, objetos e coleções, in-
senta também aspectos imateriais. Segundo ela cluem-se na categoria lugar de memória os sabe-
(2010, p. 15), a imaterialidade cultural “é mani- res e fazeres populares, as lendas, simbologias,
festada nas tradições populares, destacadamente imaginários e valores, ou seja, todos os elemen-
tos que representam a trajetória de uma comu-
as danças, folguedos, a culinária, a musicalidade,
nidade, suas rupturas e permanências, nos quais
dentre outros elementos que integram o patrimô- se descortinam vozes, silêncios, experiências,
nio cultural de uma determinada coletividade”. conflitos, sensações, cores, que eternizaram ge-
Além dos elementos materiais evidenciam-se rações e permanecem vivos nas subjetividades e
as relações histórico-culturais que se estabelecem nas práticas cotidianas dos seus habitantes e que
nas cidades e que contribuem para pensar o pa- os (re)constroem permanentemente.
trimônio cultural de determinado grupo a partir
dos aspectos que o caracterizam, dentre eles sua A materialidade constitui a cidade, mas não
história e as memórias que dele se originam. Me- somente isso. Sua estrutura social comporta as
neses (2006, p. 86) considera a cidade vista como aproximações humanas, enquanto atores do pro-
construção histórico-cultural, como patrimônio cesso de construção do espaço, tanto individual,
de seus moradores, e como espaço de memória. quanto coletivamente. Cavalcanti (2001, p. 15)
Nessa concepção, a cidade é compreendida como considera que a cidade é um espaço geográfico,
monumento, como documento e “lócus conti- é um conjunto de objetos e de ações, mas esse es-
nuum de cultura”, onde natureza, construção ma- paço pode ser compreendido como lugar de exis-
terial, símbolos e significados e representações se tência das pessoas, não apenas como um arranjo
constroem em diversidade e em harmonia, indo de objetos orientados tecnicamente.
além da mera distribuição de elementos. Para Carlos (2007b, p. 11) a cidade, enquan-
Entretanto, consideramos que tal harmonia to construção humana, é um produto histórico-
não se efetiva de modo contínuo, visto que a ci- social e aparece como trabalho materializado,
dade representa também espaço de disputa, de acumulado ao longo do processo construído por
relações de poder, que por si constituem relações uma série de gerações. Sendo assim, a cidade con-
conflituosas e tensas, em dados momentos. Os tém e revela ações passadas, ao mesmo tempo em
avanços possíveis a partir da internacionalização que o futuro, que se constrói nas tramas do pre-

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sente – o que nos coloca diante da impossibilida- constroem vínculos de identidade e pertencimen-
de de pensar a cidade separada da sociedade e do to. A memória interage com os sujeitos na medida
momento histórico analisado. em que lhes permite resgatá-la e utilizar-se dela
A cidade é uma construção coletiva e pre- na continuação de suas vidas, do cotidiano e das
cisa ser compreendida como patrimônio cultural interações que promovem.
dos grupos ali estabelecidos. Nesse sentido, a me- Referindo-se à memória, Tedesco (2001,
mória constitui-se como continuidade e espaço p. 59) afirma que:
de construção de sentidos e identidade do grupo
que convive em determinado espaço. Carvalho Memória é sempre uma reconstrução psíqui-
(2010, p. 17) corrobora afirmando “que o patri- ca e intelectual, porém, seletiva do passado, de
mônio cultural se vincula à memória e à iden- um indivíduo inserido num contexto familiar,
social, nacional. Portanto, toda memória é, por
tidade dos grupos sociais, os quais estabelecem,
definição, “coletiva”. Seu atributo mais imediato
através do repasse ou da transmissão de saberes é garantir a continuidade do tempo e permitir
e fazeres, importantes elos de continuidade espa- à alteridade, ao “tempo que muda”, às rupturas
ço-temporal, além de mecanismos de afirmação e que são o destino de toda vida humana [...].
reposição identitárias”.
A continuidade de um grupo se efetiva atra- Ao agir sobre o espaço com a percepção do
vés de seus objetos materiais e imateriais, além cuidado e da afetividade, os diferentes sujeitos
das memórias coletivas. Para Gastal (2002, p. 77): comportam-se como parte do grupo e integram-
se a ele com a finalidade de mantê-lo em harmo-
As diferentes memórias estão presentes no teci- nia. Porém, conforme mencionado anteriormen-
do urbano, transformando espaços em lugares te, tal harmonia nem sempre se evidencia nas
únicos e com forte apelo afetivo para quem ne-
relações estabelecidas pelos diferentes sujeitos.
les vive ou para quem os visitam. Lugares que
As relações vivenciadas no lugar podem ser ca-
não apenas têm memória, mas que para grupos
significativos da sociedade, transformam-se em racterizadas por sentimentos de acolhimento ou
verdadeiros lugares de memória. repulsa, dependendo das interações e perspecti-
vas que cada sujeito constrói com o mesmo.
Carvalho (2011, p. 26) explica e analisa que a Carlos (2007b, p. 17) considera que, em pa-
apropriação e a coletivização do patrimônio cul- pel central se encontra a reprodução das relações
tural produzem nos ambientes urbanos lugares sociais que se realiza e se desenvolve em cada ati-
significantes, com os quais a comunidade local vidade social, e até em cada gesto, na vida cotidia-
se afeiçoa e se identifica, pois cristalizam fatos ou na através dos atos do habitar e dos usos dos lu-
acontecimentos pessoais, podendo vincular-se à gares da cidade. Uma prática social de conjunto,
infância, às atividades corriqueiras, aos encontros espacializada, na qual o uso se revela enquanto
sociais e familiares e, consequentemente, fazem- modo de reprodução da vida através dos modos
se presentes na memória de indivíduos e grupos de apropriação do espaço realizado como ativi-
sociais específicos. Nesse contexto, os lugares de dade dos habitantes no seio do cotidiano que age,
memória apresentam elementos culturais e sim- significativamente, na construção da identidade.
bólicos, e representam ligação com o passado, As interações que se dão em diferentes épocas
constituindo aspectos da identidade de diferentes no espaço ocupado pelos diferentes grupos encon-
grupos sociais, a partir de suas tradições, e cos- tram-se impregnadas de intencionalidade, visto
tumes, que constituem aspectos de sua evolução que a própria transformação de cada sujeito, a
num espaço vivido. partir de suas concepções e necessidades, também
A memória urbana evoca jeitos, costumes, contribui para as transformações deste espaço, da
tradições e uma mescla de diversidade social e sociedade e da cultura que o envolvem, e origi-
cultural que dão aporte à dinâmica que efervesce nando assim, novas memórias e identidades. Dito
isso, consideramos que, ao analisar o espaço ur-
e a torna, ao mesmo tempo, espaço de construção
bano, onde se dão as relações sociais, a percepção
e de reestruturação constante. Tal memória é, ao
dos elementos que constituem a cidade e o urbano
mesmo tempo, subjetiva e coletiva, e caracteriza-
convergem para que estes sejam interpretados de
se pela apreensão que se faz do real, dos objetos
maneira crítica pelos cidadãos.
materiais e também dos registros sensoriais e
Na formação de novos profissionais, a partir
emocionais obtidos no lugar de vivência, aonde se
do processo educativo, tanto na área da Geogra-

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fia, quanto na área de Arquitetura, é preciso que produto da experiência humana, cuja prática
se estabeleçam condições paraa leitura e a análise aproxima e fortalece as relações sociais e o pro-
do espaço geográfico enquanto palco de trocas, cesso de interação entre os indivíduos e seus gru-
interações e intencionalidades, sempre constituí- pos sociais, sejam de uma mesma cultura, ou de
das pelas relações sociais que se caracterizam pela culturas diferentes”. As concepções trazidas por
diversidade cultural, social, econômica e política. Carvalho (2010, p. 19) consideram que:
O patrimônio cultural constitui determina-
do grupo e o caracteriza, mas é importante que No campo de abrangência do turismo cultural,
se leve em consideração a memória e a cultura do insere-se o turismo étnico, o gastronômico, o re-
lugar na constituição de um grupo e de sua iden- ligioso, além de uma diversidade de experiências
tidade. Nesse sentido, as relações que se estabele- passíveis de serem realizadas pelos visitantes du-
rante a sua estadia em um dado destino. Dessa
cem neste espaço precisam ser consideradas no
forma, ampliam-se as oportunidades de arregi-
seu planejamento, tendo em vista que constituem mentação do legado cultural para o turismo, sob
lugar de interação e de pertencimento. a forma de atrações, roteiros, eventos e produtos.
É importante considerar que as interações
se dão no espaço sempre a partir de perspectivas Ao trabalharmos este conceito, pensamos
e necessidades diversas, contribuindo para a di- ser pertinente definir a concepção de cultura, que,
versidade que emerge das relações sociais. Nessa conforme McDowell (1966, p. 161) pode ser com-
perspectiva, a educação encontra-se imbuída da preendida como um conjunto de ideias, hábitos e
tarefa de propor condições de interlocução entre crenças que dá forma às ações das pessoas e à sua
os acadêmicos em formação no sentido de repen- produção de artefatos materiais, incluindo a paisa-
sar o espaço enquanto lócus de socialização, bus- gem e o ambiente constituído. A cultura, segundo
cando promover uma aprendizagem que conside- a autora, é socialmente definida e socialmente de-
re a realidade das diferentes comunidades e suas terminada. Ideias culturais são expressas nas vidas
singularidades como alternativas de compreensão de grupos sociais que articulam, expressam e con-
do uso do espaço. testam esses conjuntos de ideias e valores, que são
eles próprios específicos no tempo e no espaço.
Considerando a perspectiva cultural na com-
3 Leituras do Espaço: Possibi- preensão do espaço do turismo, é possível pensar
lidades a partir do turismo o turismo cultural tanto na perspectivados sujeitos
que se constroem cotidianamente nestes espaços
cultural e daqueles que inserem-se nele para conhecer sua
diversidade.
A leitura do espaço geográfico tende a favo- O turismo cultural é possível a partir do
recer a compreensão que se efetiva durante a rea- deslocamento turístico para lugares que detém
lização do turismo cultural, a partir de enfoques elementos culturais e/ou históricos. Geralmente
e procedimentos metodológicos que permitam nesses lugares visitados, diversos monumentos,
aos estudantes coletar dados e informações que complexos arquitetônicos e qualquer outro sím-
posteriormente poderão ser analisados e conver- bolo de natureza histórica são preservados. Sua
tidos em produção científica e ampliação de seu importância se dá pela interação com o grupo que
aparato de conhecimentos, visto que essa leitura habita a localidade turística, procurando aproxi-
permite aproximações e interpretações que não mar-se com a realidade e dela extrair elementos
seriam possíveis sem o contato com determina- que possibilitem a compreensão em relação à cons-
do espaço em estudo. Assim, o turismo cultural trução do espaço visitado.
torna possível, em grande medida, promover a No contexto da educação essa atividade
compreensão empírica das noções e conceitos pode ser compreendida como um importante mo-
abordados a partir das considerações teóricas mento que possibilita a análise do espaço, e tende
trabalhadas em sala de aula. a ser realizada através de um caráter investigati-
De início é pertinente definir o conceito de vo, analítico e problematizador da realidade em
turismo cultural. Na perspectiva de Goulart e estudo, visto que, essa leitura compreende as ex-
Santos (1998, p. 19), o turismo cultural pode ser pressões da subjetividade local, as marcas sociais
compreendido como “[...] um fenômeno social, e culturais, as percepções a partir do patrimônio

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cultural material e imaterial que são expressos no tribuem para o aumento da competitividade de
espaço analisado. Assim, há intrínseca uma série um destino no mercado. Carvalho (2010, p. 28)
de relações que contribuíram para sua efetivação considera que:
enquanto espaço de atividade turística e educati-
va, na perspectiva de utilização deste como im- Diante da estruturação de produtos, roteiros e
portante possibilidade de aprendizagem, debates atrações tematizados com a anuência da comu-
e interpretações. nidade, integradas aos seus espaços de vida e de
A partir do processo de maior integração lazer, definem-se as estratégias de valoração do
produto no mercado, envolvendo todos os agen-
de diferentes sociedades, por meio dos fluxos de
tes do setor de forma próativa e inovativa, basea-
informação e tecnologia, foi possível ao turismo da na sinergia das ações e no esforço coletivo, de-
cultural assumir novos contornos, pois tende cada finindo medidas de acompanhamento, controle e
vez mais a incentivar um maior contato dos visi- avaliação dos processos urbanos e turísticos.
tantes, de diferentes lugares do mundo, com a he-
rança cultural de comunidades específicas. Para A valorização do espaço pelas atividades tu-
tanto, os espaços de turismo são reorganizados a rísticas, em muitas situações, apresenta a interfe-
partir da lógica de intencionalidades que se pre- rência do capital na apropriação do espaço como
tende nele implementar, assim, passam a oferecer mercadoria. Harvey explica que (2012, p. 81):
cada vez mais condições de estadia e atrativos,
alterando a identidade local e suas configurações. [...] a expansão mais recente do processo urbano
Para Carvalho (2010, p. 19): trouxe com ela incríveis transformações no esti-
lo de vida. A qualidade de vida urbana tornou-se
O turismo implica rearranjos espaciais, adaptação uma mercadoria, assim como a própria cidade,
de elementos e reconfigurações da paisagem, por num mundo onde o consumismo, o turismo e a
meio da revitalização de prédios e casarões, do de- indústria da cultura e do conhecimento se tor-
senvolvimento de atividades culturais, melhorias naram os principais aspectos da economia polí-
na infraestrutura urbana e de serviços, e da for- tica urbana. A tendência pós-moderna de enco-
matação de roteiros e atrações que geram oportu- rajar a formação de nichos de mercado – tanto
nidades efetivas de valorização do legado cultural. hábitos de consumo quanto formas culturais
– envolve a experiência urbana contemporânea
Nos espaços urbanos o turismo cultural se com uma aura de liberdade de escolha, desde
efetiva em determinadas realidades, sendo, cons- que se tenha dinheiro.
tantemente elitizada e acessível a uma determi-
nada camada social, que apresenta as condições Esse processo se evidencia também no turis-
econômicas que determinam o acesso à cultura, mo cultural, quando as condições de acesso são
ao lazer, dentre outros aspectos. Nesse viés, ao possíveis a uma pequena parcela de população, e
realizar o estudo do espaço por meio do turismo seus recursos se vinculam às intencionalidades
cultural, é imprescindível um processo de “des- de determinados grupos que estabelecem relações
pir-se” de compreensões superficiais e adentrar de poder nesses espaços a partir do seu uso. Tal
aos ambientes obscuros da racionalidade econô- interação carrega em si relações econômicas, que
mica, com o objetivo de compreender o espaço envolvem as atividades turísticas e que, muitas ve-
urbano enquanto lócus de disputa e de conflitos. zes, moldam-na conforme seus anseios.
Mas, também, de compreendê-lo enquanto espa- O uso do espaço pode ser diferenciado a
ço das minorias, das reivindicações sociais, das partir da perspectiva do grupo que o utiliza. Nes-
interações cotidianas. se sentido, Carvalho (2010, p. 19) considera que:
A percepção do espaço de turismo como lu-
Se por um lado a mobilidade de turistas e o usu-
gar de interação permite que pensemos nas pos-
fruto da infraestrutura urbana e cultural tende
sibilidades que ali devem ser gestadas para que
a se refletir no aumento da percepção dos mo-
ocorra uma interação verdadeira entre turistas e radores em relação ao significado do patrimô-
a comunidade local, que possui vivências e tra- nio enquanto lugar de memória e de experiência
dições singulares, próprias desse lugar. Nas áreas cotidiana, por outro, o turismo cultural sem o
relacionadas direta e indiretamente à atividade devido planejamento pode contribuir para a
turística, a busca pela excelência na prestação dos privatização de áreas urbanas, para a segregação
serviços figura como um dos elementos que con- geográfica entre os turistas e a comunidade re-

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A Leitura do Espaço Urbano…

ceptora, para a formação de espaços descontex- A leitura do espaço, o qual é constituído por
tualizados da dinâmica social, bem como para diferentes sujeitos e grupos sociais, requer que se-
a perda do significado simbólico do patrimônio jam analisadas as características que constituem
cultural por parte dos residentes. o espaço urbano enquanto ambiente da coletivi-
dade, da interação, da diversidade, consideran-
Nessa ótica, o espaço urbano e a infraestrutu- do a perspectiva de diminuição das desigualda-
ra da cidade tornam-se restritivos e segregadores, des sociais e de acesso a estes espaços. Carvalho
na medida em que o capital passa a interferir nas (2010, p. 23) defende que:
interações que se realizam no espaço, a partir do
desenvolvimento de atividades de turismo cultu- O planejamento adequado do turismo, tendo
ral. O espaço, dominado por instituições privadas, em vista que a utilização do patrimônio cultural
em muitas situações, é transformado, tornando o como recurso ou atração turística explicita a ne-
turismo cultural objeto de especulação e negócio, cessidade de integração ao planejamento urbano
introduzindo novos elementos no espaço que des- e territorial. O objetivo dessa articulação con-
caracterizam sua identidade, tornando-o tenden- siste em promover o desenvolvimento do espa-
ço urbano, em suas dimensões infraestruturais,
ciado ao desaparecimento de suas singularidades.
sociais, econômicas, turísticas e culturais, man-
Por outro lado, o espaço destinado ao turis- tendo-se a harmonia e a funcionalidade de seus
mo cultural pode ser concebido como uma pos- elementos integrantes, e elevando o bem-estar e
sibilidade de continuidade, na medida em que a qualidade de vida dos residentes. Tal processo
aspectos do patrimônio cultural são conservados demanda um planejamento sustentável, articu-
e a memória local atua como meio de sustentação lando diferentes esferas que constituem parte do
da história ali construída. pensar dos projetos em desenvolvimento, con-
Os lugares de memória, de acordo com Car- forme citamos: gestores públicos, empresariado,
valho (2010, p. 25), tendem a enriquecer a expe- operadores e agentes de receptivo, comunidade
direta e indiretamente envolvida.
riência turística, estreitando as relações entre
turistas e residentes, e permitindo a democrati-
Assim, torna desafiador o pensar e o agir dos
zação do acesso e o direito à memória de grupos
profissionais, neste caso destacando Arquitetos
sociais distintos. Ao mesmo tempo em que po-
e Geógrafos, na leitura/releitura/compreensão/
dem se traduzir na criação de cenários e ambien-
reestruturação do espaço como unidade de téc-
tes inovadores, onde a criatividade e a interação
nicas, significados e possibilidades. Sua atuação
com a comunidade transformam os visitantes em
precisa ir ao encontro das populações locais, con-
protagonistas da experiência turística, gerando
siderando suas características, sua cultura, as tra-
benefícios sociais e econômicos. Paralelamente,
dições e potencialidades que pretendem desenvol-
conforme a autora explica, tendem a reforçar o
ver nesse espaço a partir do desenvolvimento do
sentido de pertença da comunidade em relação à
turismo cultural. Carvalho (2010, p. 23) observa
cultura local, possibilitam a preservação do meio
que a gestão sustentável do patrimônio cultural
ambiente e o desenvolvimento sustentável da ati-
pressupõe a utilização equilibrada e racional dos
vidade turística. Assim, verifica-se que a adoção
espaços urbanos, por intermédio de um planeja-
de um novo modelo de planejamento e gestão no
mento participativo no qual a comunidade local
turismo cultural, conforme considera Carvalho
possa integrar-se aos benefícios sociais, econômi-
(2010, p. 20) “sinaliza uma nova perspectiva vi-
cos e culturais inerentes às propostas de desenvol-
sando o aproveitamento sustentável do patrimô-
vimento turístico.
nio cultural”.
Murta (2002, p. 10) corrobora afirmando que
O planejamento sustentável do turismo cul-
o turismo como prática econômica precisa encon-
tural precisa levar em conta o atendimento das
trar formas mais respeitosas de se inserir no coti-
expectativas da população local. Conforme Beni
diano das comunidades receptivas. É fundamental
(2007, p. 138), todas as políticas de desenvolvi-
que os investimentos sejam adequados à vocação
mento regional no turismo, seja cultural ou não
do lugar, possibilitando à população participar e
precisam contemplar e beneficiar democratica- usufruir de seus resultados. Para Murta e Goodey
mente os sujeitos desse lugar, no intuito de possi- (2005, p. 13) a interpretação do patrimônio, em sua
bilitar sua participação em projetos integrados de melhor versão, cumpre uma dupla função de va-
revigoramento da cultura local. lorização. De um lado, valoriza a experiência do

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C. Copatti, T. D. Oliveira

visitante, levando-o a uma melhor compreensão e são fatores importantes esse processo. Um lugar
apreciação do lugar visitado; de outro, valoriza o contém sempre o global é específico e mundial,
próprio patrimônio, incorporando-o como atra- articula-se a uma rede de lugares. Apoia-se numa
ção turística. Nesse contexto, a noção de lugar de rede de difusão — de fluxos de informação, bens
e serviços processo que tem como pano de fundo
memória pode se constituir importante elemento
a mundialização da sociedade, da economia, da
mantenedor da identidade e personalidade do des- cultura e do espaço que se constitui cada vezmais
tino turístico, aumentando seu potencial de com- num espaço mundial articulado e conectado o
petitividade no mercado, ao passo que constitui-se que implica num novo olhar sobre o local.
como espaço diferenciado no qual determinadas
relações se estabelecem e são provocadas a partir Callai (1999, p. 17) salienta que é necessário
da memória ali evidenciada. formar cidadãos que saibam reconhecer no coti-
Os aspectos identitários de uma comuni- diano do lugar em que cada um vive, expressões
dade podem ser verificados nesse processo, per- locais e regionais de uma realidade que é global.
mitindo que utilizem-se de sua realidade para Para tanto, é preciso também superar o senso co-
estabelecer um planejamento que efetivamente mum, o que exige que se dê oportunidade de ter
leve em consideração o cotidiano da vida local, conhecimentos que considerem as referências teó-
os aspectos histórico-culturais e a valorização do ricas e as informações relativas ao mundo geral.
espaço enquanto ambiente de construção de uma A partir do conhecimento e compreensão
cultura que tem, no lugar de vivência, a possibi- do próprio lugar pode-se desenvolver políticas
lidade de continuidade e ressignificação. Nessa preservacionistas mais eficazes, além de diferen-
perspectiva, conforme defende Gastal (2002), a ciar e melhor aproveitar o patrimônio enquan-
incorporação da noção de lugar de memória no to atração turística. Aos estudantes em processo
planejamento e na gestão do turismo cultural de formação, a partir das vivências empíricas na
surge como fator capaz de promover uma maior relação com o espaço vivido/construído/transfor-
integração entre o espaço urbano e a sociedade, mado, tendem a propor reflexões junto à popula-
enaltecendo, assim, a experiência turística, ao ção local no sentido de torná-la consciente de sua
mesmo tempo em que fortalece laços entre a co- ação como agente na produção do patrimônio e
munidade e o seu patrimônio. na conservação da memória urbana. A partir dis-
Tais considerações precisam ser analisadas so, como explica Carvalho (2010, p. 28):
no sentido de promover, a partir do conhecimen-
to empírico da realidade em que esse turismo se Pode-se buscar o desenvolvimento de programas
desenvolve, quais são as possibilidades e limita- de educação patrimonial em caráter de transver-
ções, a abrangência de público, as representações salidade nos espaços de aprendizagem formal
sociais que ali se efetivam, com o intuito de, se- e informal, por meio de técnicas diversas, tais
gundo Vinuesa (2004) manter e fortalecer as par- como city-tours dramatizados, oficinas de fo-
ticularidades locais e inserir as comunidades no tografia, desenvolve a percepção do lugar pelos
moradores, estimulando a busca pelo sentido
desenvolvimento do turismo. Nesse processo, a
afetivo e emocional das áreas urbanas e do lega-
criação de modelos turísticos integrados à econo- do cultural.
mia e à sociedade local, respeitando o patrimônio
arquitetônico e o meio ambiente e preocupada Tais propostas tendem a despertar a comu-
com as novas demandas de acessibilidade e mo- nidade local para que aproprie-se de sua condição
bilidade que o turismo são propostas importantes de agentes de ação, constituídos por relações e frag-
para transformar em maior integração e valori- mentos de memórias que dão sentido ao turismo
zação destes espaços. Para Carlos (2007a, p. 31): cultural nesse ambiente.O lugar, nesse viés, torna-
se espaço de planejamento que consiste em inte-
[...] O processo de valorização-desvalorização dos
grar a comunidade ao planejamento do espaço de
lugares depende de sua situação enquanto ponto
estratégico dentro do sistema de reprodução am- turismo, procurando promover e fortalecer os la-
pliada das relações sociais enquanto lugares es- ços afetivos, a identidade local e as relações de per-
tratégicos controlados por estruturas que permi- tencimento de um grupo ao espaço onde habita.
tem ao sistema mundial se manter e reproduzir.A Nesse contexto, cabe incentivar os acadêmi-
sociedade urbana caminha de forma inexorável cos em formação, tanto da área de Arquitetura,
à sua realização global e a informação e as redes quanto da Geografia, a experienciar em situações

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A Leitura do Espaço Urbano…

de interação nesses espaços urbanos em que o tu- mento de atividades em locais possíveis ao turis-
rismo cultural se efetiva, ou em espaços em que po- mo cultural pode promover maior interação en-
deria ser incentivado, tendo em vista a leitura desse tre as populações do lugar onde essa atividade se
espaço enquanto meio pelo qual uma população realiza e os turistas que neste espaço encontram
mantém suas memórias e as condições de perma- características singulares e uma diversidade pró-
nência e continuidade de sua cultura. Esse processo pria das interações estabelecidas em diferentes
tornaria possível agregar cultura e desenvolvimen- épocas nesse espaço.
to de modo sustentável, permitindo a revalorização Nesse sentido, os acadêmicos em formação
do patrimônio cultural enquanto espaço de memó- precisam estar atentos ao desenvolvimento de pro-
ria do grupo que nele se insere e onde estabelece jetos que levem em consideração o que a popula-
relações e transformações contínuas. ção local tem a dizer, na efetivação de propostas
que de fato promovam o desenvolvimento do tu-
rismo cultural sustentável e adequado à realida-
4 Considerações finais de, comprometido com a comunidade que faz de
seu lugar de vivência o espaço de interação com o
O espaço Geográfico é construído e transfor- outro e com o mundo.
mado constantemente, com a finalidade de aten-
der as necessidades humanas, a partir do desen-
volvimento de cada sociedade. Tendo como centro Referências
das discussões propostas o espaço geográfico veri-
fica-se que, enquanto possibilidade de transforma- BENI, M. C. O conceito de sustentabilidade na
ção, apresenta relações e interações que ocorrem a política de turismo e meio ambiente.In: Revista
partir de elementos diversos que o compõe. de Administração, v. 33, n. 4, p. 53-55, out./ dez.
As vivências cotidianas nos lugares são car- São Paulo, 1998. Disponível em: <http://www.
rausp.usp.br/download.asp?file=3304053.pdf>.
regadas de significados, que contribuem para a
Acessado em: 15 mar. 2009.
constituição dos sujeitos e das relações sociais.
Tais vivências se transformam nas relações espa- CALLAI, Helena. A formação do profissional da Geo-
grafia. Editora Unijuí: Ijuí, 1999.
ço-temporais e interpessoais, permitindo que se-
jam construídos diferentes olhares e percepções CARVALHO, Karoliny Diniz. Lugar de memória e
sobre o lugar. O lugar é o espaço em que as cons- sustentabilidade dos espaços urbanos: reflexões
truções culturais se efetivam e de onde se iniciam para o planejamento do turismo cultural. In:
SIMÕES, Maria de Lourdes Netto; VOISIN, Jane
as transformações e percepções do mundo. Nesse
(org.). Expressões culturais, literatura e turismo:
sentido, ao realizar a leitura do espaço não pode- estudos sobre memória, identidade e patrimônio
mos deixar à margem da análise as diversas esca- cultural. Ilhéus: Editus, 2011.
las que compõe o espaço e o explicam, isso por-
CARVALHO, Karoliny Diniz. Lugar de memória e
que todos os lugares, de algum modo, interagem.
turismo cultural: Apontamentos teóricos para
Nos espaços urbanos as dinâmicas ocorrem o planejamento urbano sustentável.Revista de
com maior fluidez e permitem transformações Cultura e Turismo. Santa Catarina, 2010.
ainda mais intensas. O espaço, dotado de objetos
CARLOS, Ana Fani Alessandri. O lugar no/do mun-
materiais e imateriais apresenta-se como campo do. São Paulo: Ed. Labur, 2007a.
de interação, de disputas e alterações, e precisa ser
CARLOS, Ana Fani Alessandri. O espaço urbano:
profundamente analisado, compreendido e lido
novos escritos sobre a cidade. São Paulo:
pelos profissionais em formação, tanto na área de
Geografia quanto de Arquitetura, no sentido de GASTAL, Susana. Lugar de memória: por uma apro-
promover, a partir da realidade local, as propostas ximação teórica ao patrimônio local.São Paulo,
2002.
necessárias para contribuir com sua melhoria.
No decorrer do artigo salientou-se que o GOULART, M.; SANTOS, R. I. C. dos. Uma abor-
patrimônio cultural constitui elemento impor- dagem histórico-cultural do turismo. Revista
tante das diferentes sociedades e que por meio da Turismo-Visão e Ação. v. 1. n. 1. p. 19-28, jan./
jun., 1998.
memória pode-se atuar no sentido de promover
a valorização e a retomada de aspectos que dão HARVEY, David. O direito à cidade. Lutas Sociais:
identidade ao espaço. Desse modo, o desenvolvi- São Paulo. n.29. p.73-89. jul./dez, 2012.

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C. Copatti, T. D. Oliveira

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Reading the urban space: interactions between heritage,


memory and cultural tourism

Abstract

The present article brings reflections on reading the space from contributions of different authors
from the fields of geography and architecture, which treat about the central themes addressed in this
text, namely: heritage, memory and cultural tourism. In this sense, implications and possibilities that
converge to the reading of the space in the process of training of professionals of these areas, in a per-
spective of care with the place and the community it lives. Reading the space transformed by different
subject movement living in society allows us to bring to the debate the place while possibility of in-
teraction, in connection with other spatial scales, both regional, national or global. The architectonic
patrimony and memory, both in the process of collective construction and subjectivity of the subject,
converge to the reading of the space, while cultural locus, which is configured as a space in constant
transformation/modification, from the evolution of societies that build different relationships. It is
important to note that the methodology used part of a literature perspective, in order to promote
discussions from some ideas of different authors, as Saints (1978, 1988, 2000), Carlos (2007) and Oak
(2010, 2011), which contribute to analyze and understand the lived space as a means where different
relationships are established and become possible.
Keywords: Estate. Memory. Geographical Space. Cultural Tourism.

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