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EPI: NÃO BASTA FORNECER, TEM DE CUMPRIR A

LEGISLAÇÃO.
(uma discussão mais profunda)

Antonio Carlos Vendrame


Antes de qualquer outra colocação, cumpre esclarecer que os EPI's (equipamentos de proteção individual) foram
concebidos única e exclusivamente para serem adotados apenas em situações bem específicas e legalmente
previstas, como o caso em que medidas de proteção coletiva são inviáveis - casos de emergência - ou enquanto as
medidas de proteção coletiva estiverem sendo implementadas. O empregador brasileiro, contrariando a própria
essência do EPI, faz uso deste como primeira opção, quando na verdade deveria ser a última, partindo, inclusive, do
pressuposto que o EPI é remédio para todos os males em matéria de segurança do trabalho.
Erroneamente, muitas empresas acreditam que o simples ato de fornecimento dos EPI's está isentando total e
irrestritamente as responsabilidades advindas do acidente de trabalho ou doença profissional 1. Aliás, em caso de
acidente de trabalho, onde a empresa negligenciou ou não forneceu o EPI, esta, através de seu representantes,
responde civil e criminalmente pela omissão.
Nos dias de hoje, deparamos com empresas e mais empresas que sequer fornecem os EPI's adequados, e ainda
assim, acreditam estar protegendo os trabalhadores; EPI's são adquiridos e especificados pelo setor de suprimentos,
cujo único critério de seleção é o menor preço.
A NR-6 elenca as condições para que um EPI possa ser considerado instrumento neutralizador da insalubridade e o
primeiro destes é exatamente o fator adequabilidade ao risco; o equipamento deve ser especificado por profissional
competente2, não se permitindo que o mero "achismo" faça a escolha; deparamos com trabalhadores expostos a
vapores orgânicos usando máscaras para poeira, da mesma forma que trabalhadores usam protetores auriculares cuja
atenuação não é suficiente para fazer com que a exposição fique abaixo da dose; ou ainda, o uso de luvas de raspa
para o manuseio de solventes.
Também não é recomendável o superdimensionamento, especialmente no caso dos protetores auriculares; temos
notícia de processos nos Estados Unidos envolvendo vultosas indenizações, porque o trabalhador foi vítima de
acidente que poderia ter sido evitado por aviso sonoro - se o protetor que estivesse usando não interferisse na
comunicação - evitando que o acidentado ouvisse o sinal. O EPI, quando mal dimensionado ou inadequado ao risco,
passa a ter caráter inverso do que foi inicialmente proposto, facilitando, em muitos casos, a ocorrência de acidentes.
Ainda, só concebemos o uso do EPI para neutralização dos agentes insalubres, pois ao contrário do que parece, os
mesmos raramente exercem quaisquer efeitos sobre as hipóteses de periculosidade, especialmente por eletricidade,
inflamáveis e explosivos. O EPI não é suficiente para neutralizar o risco advindo do contato com eletricidade ou de
eventual explosão provocada por explosivos ou inflamáveis.
A aquisição do EPI tem de ser feita de forma criteriosa; a empresa vendedora tem por obrigação a apresentação do
C.A. - Certificado de Aprovação - que consiste em documento emitido pelo DNSST - Departamento de Segurança e
Saúde do Trabalhador, o qual atesta que o equipamento reúne condições de servir ao fim a que se presta. Além do
C.A., o fabricante deverá apresentar o C.R.F. - Certificado de Registro de Fabricante, e o importador, o C.R.I. -
Certificado de Registro de Importador, ambos também emitidos pelo DNSST.
Detalhe importe é que, legalmente, o EPI tem de ser fornecido gratuitamente, e na realidade algumas empresas
obrigam os empregados a assinarem vales para desconto em folha de pagamento, a exemplo de botinas e uniformes,
o que contraria frontalmente a Lei.
Dispensável alertar as empresas que os EPI's devem ser fornecidos mediante recibo firmado pelo trabalhador,
constituindo-se em única prova a ser produzida em juízo da entrega de tais equipamentos; todos os equipamentos
têm de estar relacionados analiticamente na ficha de entrega de EPI's, mesmo aqueles cujo fornecimento seja
constante, a exemplo de luvas de látex e protetores descartáveis; no entanto, para facilitar a operacionalidade do
registro, os lançamentos podem ser feitos semanal ou quinzenalmente, ou, ainda, por lote.

1 Atualmente a legislação não faz distinção entre acidente do trabalho típico e doença
ocupacional, denominando-os de acidente do trabalho.
2 Segundo a NR-6 o EPI tem de ser recomendado pelo SEESMT ou pela CIPA na falta
daquele.
Sob a responsabilidade do empregador estão também a manutenção e higienização do EPI; cabe ao empregador
promover a limpeza dos mesmos, a exemplo das máscaras não descartáveis, óculos e protetores tipo plug (estes
devem ser lavados para se evitar infecção do canal auditivo). Alternativamente, o próprio empregado pode ser
treinado para higienizar seu EPI, como por exemplo, os protetores tipo plug, que carecem de limpeza diária.
Alguns EPI's são passíveis de conserto e de terem suas partes substituídas, prolongando sua vida útil - como por
exemplo, o protetor tipo concha, que possui peças de reposição no mercado. Para o protetor tipo concha existe uma
máxima que diz: o conforto é inversamente proporcional à proteção; assim, a partir do momento em que o protetor
tipo concha estiver confortável, é exatamente por que não está exercendo a pressão adequada, permitindo
vazamento, não cumprindo sua função de atenuar ruídos.
Observamos verdadeiros absurdos de trabalhadores que usam protetores auriculares descartáveis por várias semanas,
contrariando totalmente a finalidade para a qual foram concebidos; em visita a empresas no primeiro mundo,
notamos que os EPI's estão disponíveis na fábrica para que sejam trocados diariamente pelo trabalhador. A
durabilidade do EPI está diretamente ligada ao tipo de atividade e condições ambientais a que este está sendo
submetido, somente existindo, com algumas exceções, métodos empíricos para se determinar se o EPI está
imprestável.
No caso de máscaras, é bem nítido o instante em que o equipamento não produz mais o efeito desejado, pois o
trabalhador passa a sentir o cheiro do contaminante ou dificuldade de respirar, pela obstrução dos poros do filtro.
Outro detalhe ao qual as empresas não estão atentas é que de nada adianta fornecer o EPI cercado de todos os
cuidados, se o trabalhador não recebeu treinamento para usá-lo; a eficiência do equipamento, particularmente os
protetores auriculares e máscaras, depende essencialmente do modo como são usados, sob risco de não promoverem
a atenuação especificada. Assim, é igualmente importante que a empresa treine o trabalhador com recursos próprios,
ou por meio dos fabricantes de EPI's que já fazem este trabalho gratuitamente, através de palestras ou mini cursos.
Mais uma vez, deve a empresa documentar que treinou o trabalhador ao uso do EPI, seja por meio de termo na
própria ficha de entrega, seja por meio de emissão de certificado.
Uma vez que o EPI foi extraviado ou encontra-se sem condições de uso, cabe à empresa promover imediatamente a
sua substituição; legalmente, o empregado está sujeito a responsabilizar-se por sua guarda, e se assim não agir,
sujeitar-se-á a indenizar a empresa o valor do EPI perdido, e, ainda, tem por obrigação comunicar ao empregador
quando seu EPI não tiver mais condições de uso.
Algumas empresas, com a finalidade de promover uma política mais arrojada quanto ao uso dos EPI's, permite que o
trabalhador leve o equipamento e o use fora do local de trabalho, por exemplo, permitindo que o usuário utilize sua
máscara quando este for executar atividades de pintura em sua residência.
Finalmente, de nada adianta o cumprimento de todos os requisitos anteriores, se não for cumprida a principal
exigência que é a obrigatoriedade do uso do EPI; a empresa tem, legalmente, que obrigar o uso do equipamento,
inclusive recorrendo-se da rescisão do contrato de trabalho por justa causa pelo empregado (art. 482 da C.L.T.) nos
casos de comprovada resistência ao uso. Conforme item 1.8.b. da NR-1, constitui ato faltoso pelo empregado a
recusa injustificada do uso do EPI. A adoção de comportamento paternalista, deixando o empregado à vontade no
uso do EPI, traz sérias conseqüências à empresa, inclusive descaracterizando o fornecimento por força do Enunciado
289; assim, deve a empresa iniciar um trabalho de conscientização de todos os trabalhadores, através de palestras,
cursos e vídeos, além da SIPAT, para o uso do equipamento, ao invés de criar um clima policialesco, em que o
departamento de segurança gasta grande parte de seu tempo monitorando o uso do equipamento pelos trabalhadores.
Para as empresas que terceirizam atividades, com o advento do instituto jurídico da terceirização, tinha-se em mente
a transferência da responsabilidade trabalhista e cível para uma outra empresa, a qual estaria sendo devidamente
remunerada para tal finalidade; entretanto, não foi o que aconteceu; para nossa surpresa, deparamos com vários
processos onde figuram como rés tanto a terceirizada, como a terceirizadora; aliás, de acordo com a Súmula 341 do
S.T.F., a qual preconiza que sempre estarão envolvidas a empresa contratante e contratada para a prestação de
serviços, quer na qualidade de empreiteira ou de subempreiteira.
Em não raras situações, contemplamos situações onde o Magistrado sentencia penalizando, tanto a terceirizada,
como também a terceirizadora, conjuntamente ambas respondendo solidárias.
A terceirizadora que escolhe mal a terceirizada ocorre em culpa in eligendo, podendo, contudo, exercer o direito
regressivo; entretanto, segundo o item 1.7.a, da NR-1, cabe ao empregador, cumprir e fazer cumprir as disposições
legais e regulamentares sobre segurança e medicina do trabalho.
Por outro lado, temos noção de que o EPI interfere no rendimento do trabalho e no conforto do trabalhador; a
empresa deve tentar a substituição do EPI quando o usuário se queixa de que o mesmo é incômodo; preconizamos
que o EPI deve ter aceitação pelo trabalhador, pois caso contrário, a resistência será natural. Especialmente no caso
dos protetores auriculares tipo plug ou concha, cabe ao usuário a opção, levando-se em conta o fator de adaptação e
conforto, exceto nos casos de elevada exposição, quando é necessário o uso conjunto dos dois tipos, a fim de obter
atenuação suficiente para restringir a exposição ao nível do limite de tolerância.
Estudos mostram que a atenuação total promovida pelo equipamento depende fundamentalmente do tempo que o
mesmo é usado, não sendo proporcional a este; por exemplo:
C um respirador com nível de proteção 100, quando não usado por apenas 10 minutos, faz seu nível de
proteção cair abaixo de 40; e quando não usado por 20 minutos, o nível cai para 20;
C um protetor auricular com atenuação de 25 d(B), se não usado por apenas 10 minutos, tem sua atenuação
oferecida reduzida para 18 d(B); e se o tempo de não uso for de 50%, passa a oferecer atenuação de
somente 5 d(B).

NRR EM FUNÇÃO DO TEMPO DE


ABSTENÇÃO AO USO DO
PROTETOR AURICULAR
NRR do tempo de não de uso durante a
produto jornada
5 min 10 min 15 min 30 min

16 15 14 14 12
17 16 15 14 12
18 17 15 15 13
19 17 16 15 13
20 18 16 15 13
21 18 17 16 13
22 19 17 16 13
23 19 17 16 14
24 20 18 16 14
25 20 18 16 14
26 20 18 17 14
27 21 18 17 14
28 21 18 17 14
29 21 18 17 14
30 21 19 17 14
31 21 19 17 14
32 21 19 17 14
33 22 19 17 14
34 22 19 17 14
35 22 19 17 14

Os exemplos apresentados são para jornadas de 8 horas, mas o importante é a conclusão de que o tempo de não uso
não é proporcional ao decréscimo da atenuação.
Os EPI's revestem-se de tal importância que atualmente já existem ações voltadas a riscos específicos, cujos
programas tratam em grande parte da especificação correta dos equipamentos, a exemplo dos P.C.A. - programa de
conservação auditiva e P.P.R. - programa de proteção respiratória.
Ainda se não fossem poucos os problemas abordados anteriormente, mesmo que cumpridas todas as obrigações
legais, corre-se o risco de estar fornecendo um EPI, cujo desempenho foi avaliado em laboratório, mas quando
colocado em condições reais de trabalho, não reproduz o desempenho obtido nos testes. Vários trabalhos,
especialmente para protetores auriculares, demonstram que os resultados reais ficam de 50 a 60% abaixo da
atenuação obtida em laboratório; daí porque um monitoramento constante dos trabalhadores deve ser promovido,
especialmente com vistas a detectar prematuramente problemas deste tipo.
No caso concreto da perícia judicial, não somente o cotejo de todos os requisitos da NR-6 irá caracterizar o
fornecimento dos EPI's, mas, ainda, deverão ser observados detalhes tais como:
C através da oitiva de testemunhas, verificar se o empregador torna obrigatório o uso dos equipamentos nas
áreas demarcadas como insalubres;
C se a ficha de entrega dos EPI's está firmada pelo trabalhador, e se este reconhece a assinatura como
legítima;
C se os trabalhadores receberam ou recebem treinamento acerca do uso dos equipamentos, usando inclusive
testes práticos, como, por exemplo, teste de verificação de pressão positiva ou negativa para máscaras;
C numa perícia sem prévio aviso na fábrica, determinar se todos os trabalhadores estão portando e usando
corretamente os EPI's;
C se os C.A.'s apresentados pela empresa correspondem aos modelos que os trabalhadores estão usando;
C como está o estado de conservação dos EPI's, tanto no aspecto limpeza, como manutenção; cuidado se
todos os EPI's parecerem novos, pois a empresa pode ter distribuído o equipamento minutos antes do início
dos trabalhos periciais;
C se a empresa possui implantados programas como o P.P.R.A., P.C.A., P.P.R. e outros que comprovem de
forma objetiva o comprometimento com a segurança e saúde dos trabalhadores.

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