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FULVIO DE MORAES GOMES

DO DESPREZO DAS MASSAS À EMERGÊNCIA DA MULTIDÃO:

interfaces entre o pensamento de Peter Sloterdijk e Antonio Negri

Projeto de pesquisa apresentado como requisito


parcial para a conclusão do Curso de Pós-Graduação
em Filosofia Contemporânea e História da
Universidade Metodista de São Paulo – UMESP.

Orientadora: Profa. Ms. Suze Piza

São Paulo
2013
SUMÁRIO

1 – Introdução ..................................................................................................................... 01
2 – Referencial teórico e posição do problema ................................................................... 03
3 – Justificativa .................................................................................................................. 08
4 – Objetivos ....................................................................................................................... 10
4.1 – Objetivo geral ..................................................................................................... 10
4.2 – Objetivos específicos .......................................................................................... 10
5 – Metodologia .................................................................................................................. 11
6 – Cronograma .................................................................................................................. 13
7 – Referências .................................................................................................................... 14
1. Introdução

O fenômeno das massas humanas parece ter alcançado algum reconhecimento somente
na modernidade. Ainda que, na Grécia antiga, pensadores como Platão e Aristóteles tenham
sido provocados a, em certa medida, abordar o tema, ele seguiu sem maior interesse e
desenvolvimento teórico até o século XIX.
Nesse século, o tema recebeu duas abordagens distintas: uma literária e outra
psicológica. Na primeira, sobressai a figura dos literatos Victor Hugo, Charles Baudelaire,
Émile Zola (na França), e Charles Dickens e Edgar Allan Poe (na Inglaterra). Destacamos
que, apesar de sua validade e interesse, essa abordagem não interessa ao presente trabalho. A
segunda, por sua vez, pretendeu oferecer uma descrição psicológica das massas, reunindo
nomes como Gabriel Tarde, Gustave Le Bon e Sigmund Freud. O interesse de nossa pesquisa
recai sobre esta, pois entendemos que o retorno a esses autores seja indispensável para se
compreender o estado de arte do estudo sobre as massas na passagem do século XIX ao XX.
A questão das massas parece dividir a opinião dos estudiosos das mais diversas áreas
do saber (Psicologia, Ciências Sociais, Ciência Política, o Direito e a Filosofia, por exemplo)
desde que ela se manifestou pretendendo reconhecimento (séc. XIX). Enquanto alguns a
tomam por algo positivo e, até mesmo, por sujeito político privilegiado de transformação da
realidade, muitos outros insistem na desconfiança que parece ter sido o traço predominante
nos dois últimos séculos (basta, para tanto, pensarmos nas experiências totalitárias do século
XX).
O tema das massas não parece ter sido devidamente desenvolvido pela filosofia
política. Desse modo, podemos afirmar se tratar de uma questão que, até o presente, carece de
maior reconhecimento (conforme a opinião de Peter Sloterdijk, a questão do reconhecimento
é, em toda a tradição moderna, um dos principais problemas das massas). Nesse sentido, a
filosofia política contemporânea precisa enfrentar um desafio urgente: elaborar um arcabouço
teórico que possibilite uma melhor compreensão do fenômeno das massas. Especialmente
num momento histórico em que as massas ocupam sistematicamente os espaços públicos,
compreender esse movimento é mister para que se avance numa reflexão que contribua com a
compreensão do cenário político atual.
Apesar da pouca atenção recebida por parte da tradição moderna de reflexão política e
filosófica, não podemos ignorar o esforço ou mesmo a novidade de algumas discussões
realizadas mais contemporaneamente. Um exemplo é Peter Sloterdijk que em seu ensaio O

1
desprezo das massas propõe uma original discussão acerca das massas. Valendo-se do
clássico Massa e Poder de Elias Canetti, Sloterdijk realiza uma análise do fenômeno das
massas no século XX, demonstrando como tal fenômeno se modifica, passando (a massa) de
uma realidade negra, física e molar (Canetti) para uma realidade colorida, gasosa e molecular
(Sloterdijk).
Outra discussão relevante é aquela proposta por Antonio Negri. Filósofo e ativista
político italiano, Negri propõe uma leitura original sobre o capitalismo tardio, valendo-se do
arsenal teórico oferecido por autores como Spinoza, Marx e Foucault. Em sua Trilogia da
Resistência1, escrita em conjunto com Michael Hardt, apresenta a emergência de uma nova
figura política: a multidão. A proposição dessa nova figura origina-se do entendimento do
autor de que seja necessário romper com a tradição moderna do pensamento político que,
centrado na figura da soberania, engendrou conceitos como os de plebe, povo e massa. A
multidão, como afirma Negri, é o sujeito privilegiado da realização do sonho da democracia:
“(…) o desafio da multidão é o desafio da democracia. A multidão é o único sujeito social
capaz de realizar a democracia, ou seja, o governo de todos por todos.” (HARDT; NEGRI,
2012b, p. 141).
Desse modo, e com vistas a contribuir para a atual discussão da filosofia política,
nossa pesquisa pretende delimitar os conceitos de massa e multidão conforme apresentados,
respectivamente, por Sloterdijk e Negri. Com isso, pretende-se descobrir as interfaces
existentes e/ou possíveis entre tais pensamentos, o que certamente contribuiria para o avanço
da discussão política contemporânea, além de oferecer ferramentas conceituais aptas a
compreender os fenômenos que sistematicamente vêm ocorrendo em diversas partes do
mundo (ocupações do espaço público, manifestações de massa, organização em rede etc.).

1
Compõe-se dos volumes Império, Multidão e Commonwealth (este último ainda sem edição/tradução
brasileira), respectivamente.
2
2. Referencial teórico e posição do problema

A presente pesquisa pretende analisar, do ponto de vista da filosofia política


contemporânea, o fenômeno biopolítico (social, econômico, cultural e político, portanto) das
massas humanas e das multidões. Seu advento parece remontar aos idos do século XIX;
contudo, sua presença se fez notar mais fortemente no século XX. Ainda agora, no início do
século XXI, esse fenômeno parece não dar mostras de arrefecimento. Nesse sentido,
pretendemos apresentar as interfaces existentes e/ou possíveis entre os conceitos de massa e
multidão, conforme apresentados por Peter Sloterdijk e Antonio Negri respectivamente.
A perspectiva teórica desta pesquisa será embasada, principalmente, pelas obras desses
dois autores. De Sloterdijk tomaremos principalmente o ensaio O desprezo das massas
(2000); valer-nos-emos também do pensamento de Elias Canetti, extensivamente citado no
ensaio de Sloterdijk. Tal autor parece-nos indispensável na delimitação do conceito de massa.
Tomaremos De Antonio Negri a Trilogia da Resistência, especialmente o volume Multidão
(2004). Além desses autores, julgamos ser necessário o exame de autores aos quais eles fazem
referência. Nesse sentido, tomaremos a questão da psicologia das massas a partir de Gustave
Le Bon, Gabriel Tarde e Sigmund Freud. Doravante passamos a apresentar mais detidamente
os direcionamentos teóricos propostos para nossa pesquisa.
O itinerário que nos propomos traçar nesta investigação inicia-se na definição dos
antecedentes históricos da questão das massas humanas. Para tanto, recorreremos a alguns
autores como Gustave Le Bon (1895), Gabriel Tarde (s/d) e Sigmund Freud (1921) que, na
passagem de século entre o XIX e o XX, propuseram uma abordagem psicológica dessa
questão. Aqui, nossa escolha dos autores e obras não é imotivada; antes, nossa opção segue as
referências feitas tanto por Sloterdijk (2002, p. 17), quanto por Negri (HARDT; NEGRI,
2012b, p. 327). Ao término dessa etapa, pretendemos ter descortinado o panorama que a
questão das massas possuía até o início do século XX, o que possibilitará a passagem para a
etapa seguinte, a saber, a apresentação do conceito de massa conforme proposto por
Sloterdijk.
Na sequência, tomaremos o ensaio O desprezo das massas (2000) de Sloterdijk. Nessa
obra encontramos uma provocação do autor acerca das massas: “a mais poderosa máxima
política da época que parece ainda ser a nossa – desdobrar a massa como sujeito”
(SLOTERDIJK, 2002, p. 17). A partir dela pretendemos delimitar esse conceito (um de
nossos objetivos com esta pesquisa). Contudo, pela constante referência feita por Sloterdijk,

3
não poderíamos ignorar a obra de Elias Canetti, por julgá-la indispensável à construção
conceitual efetuada por Sloterdijk2.
Apesar de transitar prioritariamente no campo literário, Canetti foi capaz de realizar
importante contribuição para uma abordagem filosófica do tema das massas e multidões. É
desse modo que tomaremos o clássico Massa e Poder (1960), no qual ele esboça uma
fisionomia das massas:

Um fenômeno tão enigmático quanto universal é o da massa que repentinamente se


forma onde, antes, nada havia. Umas poucas pessoas se juntam – cinco, dez ou doze,
no máximo. Nada foi anunciado; nada é aguardado. De repente, o local preteja de
gente. As pessoas afluem, provindas de todos os lados, e é como se as ruas tivessem
uma única direção. Muitos não sabem o que aconteceu e, se perguntados, nada têm a
responder; no entanto, têm pressa de estar onde a maioria está. Em seu movimento,
há uma determinação que difere inteiramente da expressão da curiosidade habitual.
O movimento de uns – pode-se pensar –comunica-se aos outros; mas não é só isso:
as pessoas têm uma meta. E ela está lá antes mesmo que se encontrem palavras para
descrevê-la: a meta é o ponto mais negro – o local onde a maioria encontra-se
reunida. (CANETTI, 1995, p 14-25).

A novidade e pertinência da elaboração de Canetti residem, quiçá, no fato de que ele


tenha sido testemunha das atrocidades das duas Guerras Mundiais, e também do totalitarismo.
Sua abordagem do fenômeno das massas trouxe inovação para o debate filosófico, até então
restrito ao âmbito de uma psicologia das massas.
Valendo-se das análises de Canetti (referentes à primeira metade do séc. XX),
Sloterdijk propõe-se a atualizá-las, de modo que melhor auxiliem na tarefa de compreender o
fenômeno das massas na segunda metade do século XX. Indispensável, nesse sentido, é
atentar para o papel dos mass media que atuaram na modificação do caráter das massas.

As massas atuais pararam essencialmente de ser massas de reuniões e ajuntamentos;


elas entraram num regime no qual o caráter de massa não se expressa mais na
reunião física, mas na participação em programas de meios de comunicação de
massa. (SLOTERDIJK, 2002, p 20-21).

Desse modo, e por meio da passagem do princípio do líder3 ao princípio do


programa4, a massa clássico-moderna (preta, reunida, molar) deu lugar à massa pós-moderna

2
Cabe aqui ressaltar que a construção do conceito de massa conforme realizada por Sloterdijk é profundamente
tributária da construção anteriormente realizada por Canetti. Podemos afirmar, desse modo, que o proposto por
aquele é uma brilhante atualização da proposta deste.
3
“(…) o princípio do líder faz parte das características constitutivas da direção social fascista. Fascismo é um
estágio relativamente provável, mesmo que não inevitável, na execução do programa de desenvolver a massa
como sujeito – pela razão tão complicada quanto plausível de que as massas ativadas e em busca de descarga
podem fantasiar em seus líderes sua própria subjetividade inacabada como sendo acabada.” (SLOTERDIJK,
2002, pp. 24-25).
4
“Em ressonâncias horizontais do tipo citado fundamenta-se a continuidade funcional entre o culto ao líder pelas
massas em descarga da primeira metade do século XX e o culto ao estrelismo pelas massas do entretenimento na
4
midiatizada (colorida, gaseiforme, molecular). Essa passagem acarreta algumas outras
mudanças: a disposição afetiva da massa passa da descarga política (Canetti) ao
entretenimento não-político (Sloterdijk).
Ora, se o projeto político moderno de desenvolver a massa como sujeito parece ter
fracassado, como então propor, a essa altura, uma reflexão, do ponto de vista político, sobre
esse fenômeno?
A fim de elucidar essa aporia, utilizaremos o conceito de multidão conforme proposto
por Antonio Negri, intelectual e ativista italiano, reconhecido pela proposição de uma leitura
original sobre o capitalismo globalizado, na qual realiza uma apropriação do pensamento de
Spinoza, Marx, Foucault entre outros.
Na tarefa de delimitar o conceito de multidão, interessa primeiramente diferenciá-la de
outros conceitos comumente utilizados na tradição política. Nesse sentido, importa precisar
que ele não se confunde com os tradicionais conceitos políticos de povo, massa e população
como se pode verificar no trecho a seguir:

Numa primeira abordagem, devemos distinguir a multidão, em termos conceituais,


de outras noções de sujeitos sociais, como o povo, as massas e a classe operária. O
povo tem sido tradicionalmente uma concepção unitária. A população, como se
sabe, é caracterizada pelas mais amplas diferenças, mas o povo reduz esta
diversidade a uma unidade, transformando a população numa identidade única: o
“povo” é uno. A multidão, em contrapartida, é múltipla. A multidão é composta de
inúmeras diferenças internas que nunca poderão ser reduzidas a uma unidade ou
identidade única – diferentes culturas, raças, etnias, gêneros e orientações sexuais;
diferentes visões de mundo; e diferentes desejos. A multidão é uma multiplicidade
de todas essas diferenças singulares. As massas também se diferenciam do povo,
pois tampouco elas podem ser reduzidas a uma unidade ou identidade. (HARDT;
NEGRI, 2012b, p. 12-13, grifo nosso).

Todavia, a construção do conceito de multidão não pode estar dissociada da figura do


Império, o qual “pode ser definido como um aparelho de descentralização e
desterritorialização do geral que incorpora gradualmente o mundo inteiro dentro de suas
fronteiras abertas e em expansão, (…) é a forma de soberania que se configura na realização
universal do mercado.” (ANDREOTTI, 2005, p. 371).
No contexto do Império, o surgimento da multidão é possibilitado pela transformação
do modo de produção, que passa do modo industrial para o modo pós-industrial. Este modo
de produção é caracterizado pela hegemonia do modo de trabalho imaterial5, que atua no

segunda metade. O segredo do Führer de antes e dos astros de hoje consiste no fato de que são tão semelhantes
aos seus mais apáticos admiradores como não o ousaria supor qualquer envolvido.” (SLOTERDIJK, 2002, p.
30).
5
“Devemos enfatizar que o trabalho envolvido em toda produção imaterial continua sendo material – mobiliza
nossos corpos e nossos cérebros, como qualquer trabalho. O que é imaterial é o seu produto. Reconhecemos que
5
sentido de transformar as formas de trabalho e a sociedade como um todo. Isso se depreende
de suas duas características principais, que segundo Hardt e Negri (2012b, p. 101) podem ser
assim descritas: primeiro, “tende a sair do mundo limitado do terreno estritamente econômico,
envolvendo-se na produção e na reprodução geral da sociedade como um todo”; segundo,
“tende a assumir a forma social de redes baseadas na comunicação, na colaboração e nas
relações afetivas”. Desse modo,

O trabalho imaterial é biopolítico na medida em que se orienta para a criação de


formas de vida social; já não tende, portanto, a limitar-se ao econômico, tornando-se
também imediatamente uma força social, cultural e política. Em última análise, em
termos filosóficos, a produção envolvida aqui é a produção de subjetividade, a
criação e a reprodução de novas subjetividades na sociedade. (HARDT; NEGRI,
2012b, p. 101).

As noções de Império e trabalho imaterial são os pressupostos que permitem avançar


na proposição do conceito de multidão. Dessa forma, e primeiramente, podemos afirmar que a
multidão é imanência, um conjunto de singularidades que não pode ser reduzido
transcendentalmente a conceitos tais como o de povo (multiplicidade unificada) ou de massa
(singularidades dissolvidas). Nesse sentido,

A multidão designa um sujeito social ativo, que age com base naquilo que as
singularidades têm em comum. A multidão é um sujeito social internamente
diferente e múltiplo cuja constituição e ação não se baseiam na identidade ou na
unidade (nem muitos menos na indiferença), mas naquilo que tem em comum.
(HARDT; NEGRI, 2012b, p. 140).

Em segundo lugar, a multidão é um conceito de classe que já não pode ser entendida
como classe trabalhadora (dado ser este um conceito limitado que exclui de seu bojo a
multidão dos subempregados, trabalhadores informais e miseráveis, para citar alguns
exemplos). A esse respeito, tem-se que:

A multidão pós-moderna é um conjunto de singularidades cuja ferramenta de vida é


o cérebro e cuja força produtiva consiste na cooperação. Quer dizer: se as
singularidades que constituem a multidão são múltiplas, o modo no qual elas se
conectam é cooperativo. (NEGRI, 2003, p. 171).

A multidão deve ser entendida, portanto, como classe incomensurável e sob o aspecto
da cooperação. Isto redefine a ideia de exploração que se dá agora no nível da

a este respeito a expressão trabalho imaterial é muito ambígua. Talvez fosse melhor entender a nova forma
hegemônica como “trabalho biopolítico”, ou seja, trabalho que cria não apenas bens materiais mas também
relações e, em ultima análise, a própria vida social. O adjetivo biopolítico indica, assim, que as distinções
tradicionais entre o econômico, o político, o social e o cultural tornam-se cada vem menos claras. Mas a
biopolítica apresenta numerosas outras complexidades conceituais, de modo que a nosso ver o conceito de
imaterialidade, apesar de suas ambiguidades, parece inicialmente mais fácil de apreender e mais capaz de indicar
a tendência geral da transformação econômica.” (HARDT; NEGRI, 2012b, p. 150).
6
incomensurabilidade de cooperação da nova classe, ou seja, adquire a feição de “exploração
do conjunto de singularidades, das redes que compõem o conjunto e do conjunto que abarca
estas redes e assim por diante.” (NEGRI, 2004, p. 16), num processo que se estende por toda a
vida social.
Por fim, a partir da ideia de cooperação (fundada no trabalho imaterial que torna a
produção incomensurável), a multidão deve ser entendida como potência. Trata-se de uma
potência que se orienta, a partir de sua carne, na direção de tomar corpo no General Intellect6,
ou seja, na passagem de um modelo de trabalho industrial para um modelo cada vez mais
imaterial e intelectual (passagem do Fordismo ao Pós-Fordismo).
O termo deste percurso será a apresentação das interfaces existentes e/ou possíveis
entre os pensamentos de Peter Sloterdijk e Antonio Negri. Ressaltamos que, em nossas
leituras preliminares, não encontramos referências diretas de um autor ao outro. Daí nossa
iniciativa de empreender essa investigação a fim de demonstrar os pontos de contato (e
também suas impossibilidades) entre tais propostas. Nesse sentido, podemos afirmar que as
propostas desses autores não são contraditórias ou autoexcludentes; antes, parecem
complementares. Nossa tarefa consistirá, portanto, em apresentar tais interfaces, de modo a
reunir ferramentas conceituais que auxiliem na urgente tarefa de pensar o fenômeno das
massas no horizonte político contemporâneo.

6
“A Natureza não constrói máquinas, nem locomotivas, ferrovias, telégrafos, máquinas de fiar automáticas etc.
Elas são produtos da indústria humana; material natural transformado em órgãos da vontade humana sobre
a natureza ou de sua atividade na natureza. Elas são órgãos do cérebro humano criadas pela mão humana; força
do saber objetivada. O desenvolvimento do capital fixo indica até que ponto o saber social geral, conhecimento,
deveio (sic) força produtiva imediata, e, em consequência, até que ponto as próprias condições do processo vital
da sociedade ficaram sob controle do intelecto geral e foram reorganizadas em conformidade com ele. Até que
ponto as forças produtivas da sociedade são produzidas, não só na forma do saber, mas como órgãos imediatos
da práxis social; do processo da real da vida.” (MARX, 2011, p. 589).
7
3. Justificativa

Nas duas últimas décadas, ocorreram movimentos e manifestações de massa capazes


de movimentar a reflexão política contemporânea. Seattle (1999), Praga (2000), Gênova e o
Fórum Social Mundial de Porto Alegre (2001), Grécia, Espanha (los Indignados), os diversos
Occupy, a Primavera Árabe (2011) e o Brasil (2013) entre outros, colocaram nas ruas um
novo sujeito político: as massas ou multidões. Obviamente, esses fenômenos impeliram
diversos pensadores à tarefa de tentar compreendê-los. Um sem-número de entendimentos
emergiu, muitos dos quais apressados e se valendo de aparatos conceituais e fórmulas
consagradas, enquanto poucos se mostraram capazes de se deixar interpelar pela novidade de
tais fenômenos.
Em face disso, essa pesquisa se justifica por ser uma tentativa de avançar na
compreensão dos fenômenos de massa e sua importância política na contemporaneidade. Essa
tarefa se reveste de indubitável relevância, pois que, primeiramente, contribui para o avanço
do saber filosófico, seja por apresentar o pensamento de autores ainda pouco conhecidos do
público acadêmico brasileiro (Sloterdijk e Negri, principalmente), seja por buscar delimitar as
interfaces entre o pensamento de tais autores; em segundo lugar, pretende contribuir na
realização do trabalho universitário de oferecer ferramentas conceituais propícias a auxiliar na
compreensão e transformação da realidade social de seu lugar e tempo.
A importância dessa pesquisa pode ser dividida em duas realidades principais: a
realidade estudada e o campo de saber específico. No que se refere à realidade estudada, o
avanço na compreensão e sistematização do saber sobre as massas humanas auxilia a
compreender um dos modos de organização política na contemporaneidade, ou mesmo
apresentar um dos caminhos que pode ser traçado na atuação política de nosso tempo. A
importância para o campo de saber específico (filosofia política) pode ser traduzida no fato de
que a melhor compreensão dos fenômenos de massa possui uma implicação direta na reflexão
de temas capitais como a democracia, para ficar num exemplo apenas.
De nenhuma maneira pretendemos esgotar o tema aqui proposto. Nosso objetivo é,
antes, o de que essa contribuição possa servir como ponto de partida para pesquisas futuras
que tratem de pensar os caminhos possíveis para temas como a organização política, a
democracia, a representatividade política, a configuração do Estado moderno, a tradição
moderna de soberania, o papel político dos mass media, o paradigma jurídico e sua relação
com os movimentos políticos na contemporaneidade etc.

8
Não é demais ressaltar que, apesar de não pretender a última palavra sobre o tema,
essa pesquisa se propõe a colaborar na expansão do savoir faire político de nosso tempo, o
que deve ser alcançado pela apresentação das interfaces de pensamentos, a priori, dispares.
Pretende também consolidar esse saber, em alguma medida, pela apresentação do pensamento
de autores que seguem produzindo e, portanto, podem ser interpelados num diálogo fecundo e
construtivo.

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4. Objetivos
4.1 Objetivo Geral

 Contribuir para a compreensão do fenômeno político contemporâneo das massas e


multidões por meio das reflexões de Peter Sloterdijk e Antonio Negri, verificando-se as
interfaces existentes e/ou possíveis entre o pensamento de tais autores.

4.2 Objetivos Específicos


 Delimitar o conceito de massa conforme apresentado por Elias Canetti;
 Delimitar o conceito de massa conforme apresentado por Peter Sloterdijk;
 Delimitar o conceito de multidão conforme apresentado por Antonio Negri;
 Demarcar as diferenças conceituais entre e massa e multidão conforme a proposta de Peter
Sloterdijk e Antonio Negri, respectivamente;
 Investigar as interfaces existentes e/ou possíveis entre o pensamento de tais autores;

10
5. Metodologia

A presente pesquisa será desenvolvida sob uma perspectiva heurística, ou seja, por
meio de pesquisa documental centrada na produção bibliográfica pertinente à área, e também
pelo levantamento e revisão de bibliografia relacionada ao tema que se propõe investigar.
Desse modo, objetiva-se a construção de um referencial teórico por meio do qual seja possível
alcançar os objetivos propostos e, desse modo, obter a elucidação do problema levantado.
Passando ao universo teórico desta pesquisa, ele ficará restrito à filosofia política
contemporânea, relacionando-se, portanto, ao campo da história da filosofia. O percurso
investigativo passará por autores dos séculos XIX e XX que ofereceram valiosa contribuição
na proposição da questão política acerca do papel das massas.
As etapas que pretendemos desenvolver nesta pesquisa são principalmente três e
coincidem no fato de serem compostas pela leitura de material bibliográfico reunido, pela
análise cuidadosa desse material e, por fim, pela descrição dos elementos teóricos daí
auferidos. Ao termo desse processo teremos reunido um referencial teórico suficiente para o
encaminhamento do problema investigado.
A primeira etapa será dedicada ao exame de bibliografia relacionada à questão da
psicologia das massas desenvolvida no ambiente da passagem do Oitocentos ao Novecentos, e
que pode ser tomada, conforme nosso entendimento, por antecedente histórico da abordagem
que será destinada às massas no século XX. Essa abordagem do último século – aqui
representada pelo pensamento de Elias Canetti e Peter Sloterdijk –, configura-se mais
filosófica e, portanto, num claro afastamento daquela abordagem mais psicológica; desse
modo, será o objeto privilegiado da segunda etapa de nossa pesquisa. Por fim, a terceira etapa
será destinada ao conceito de multidão – e sua marcada diferença quanto ao conceito de massa
– conforme proposto por Antonio Negri. Ao fim dessas etapas, esperamos estar aptos a
apresentar as interfaces existentes e/ou possíveis entre o pensamento de Sloterdijk e o
pensamento de Negri.
As etapas acima descritas ensejarão a produção dos capítulos do trabalho, conforme
descrito abaixo.
Primeiramente, e tendo por base teórica autores como Gustave Le Bon, Gabriel Tarde
e Sigmund Freud, ocupar-nos-íamos de apresentar a abordagem psicológica das massas
conforme realizada no século XIX, a qual pode ser compreendida como o antecedente
histórico do encaminhamento que tal fenômeno alcançou no século XX.

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Em seguida, deter-nos-íamos em elucidar o caminho tomado por essa questão no
século XX, passando de uma massa física, negra e molar (primeira metade do século) a uma
massa gasosa, colorida e molecular (segunda metade do século). A base teórica seria o ensaio
O desprezo das massas (2000) de Sloterdijk, no qual se faz abundante referência a Canetti e
seu Massa e poder (1960), e demais bibliografia relacionada. Ao fim desse capítulo,
pretendemos que esteja mais bem delimitado o conceito de massa.
Mais adiante, trataríamos de delimitar o conceito de multidão conforme desenvolvido
por Antonio Negri em sua trajetória intelectual, e que se deixa vislumbrar mais
particularmente em sua obra Multidão (2004), publicada em parceria com Michael Hardt.
Para se alcançar êxito na tarefa proposta, faz-se necessário compreender a novidade que
representa tal proposta, bem como aquilo que a difere do que fora anteriormente proposto por
Canetti e Sloterdijk.
Ao fim desse trajeto investigativo, nossa pretensão é ter reunido referencial teórico
suficiente para melhor compreender a urgente questão política das massas na
contemporaneidade. Desse modo, o último capítulo se prestaria à realização da tarefa de
deslindar as interfaces existentes e/ou possíveis entre os pensamentos de Sloterdijk e Negri.
Importa ressaltar que não encontramos explicitadas quaisquer interfaces em nossas leituras
preliminares de tais autores, de maneira que essa tarefa parece encontrar-se ainda por ser
realizada.

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6. Cronograma
CRONOGRAMA DE ATIVIDADES DE PESQUISA

ATIVIDADES 2014 2015

1° 2° 3º 4º 1° 2° 3º 4º
Ano/trimestre trim. trim. trim. trim. trim. trim. trim. trim.

CUMPRIMENTO DE DISCIPLINAS X X X X

LEVANTAMENTO/REVISÃO DE BIBLIOGRAFIA X X X X X X X

ETAPA 1: ESTUDO DOS ANTECEDENTES


X X
HISTÓRICOS DA QUESTÃO DA MASSA

ETAPA 2: ESTUDO DA QUESTÃO DA MASSA EM


X X X
CANETTI E SLOTERDIJK
ETAPA 3: ESTUDO DA QUESTÃO DA MULTIDÃO EM
X X X
NEGRI

EXAME DE QUALIFICAÇÃO X

MODIFICAÇÕES ORIENTADAS X X

REDAÇÃO DA DISSERTAÇÃO X X X X X X X X

ANÁLISE DE BIBLIOGRAFIA EXTRA X X X

FECHAMENTO DA PESQUISA X X X

REVISÃO E APERFEIÇOAMENTO X X X X X X X

DEFESA DE DISSERTAÇÃO X

NOTA: O período de execução poderá variar de acordo com as exigências do


Programa, disponibilidade e propostas do Professor Orientador.

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7. Referências

ANDREOTTI, B. L. R. A desmaterialização do imperialismo: o conceito de Império de


Antonio Negri. Projeto História. São Paulo, v. 30, pp. 369-375, jun. 2005

CANETTI, E. Massa e poder. Tradução de Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995. 487 p.

ELDEN, S. Sloterdijk now. Cambridge: Polity Press, 2011. 212 p.

FREUD, S. Psicologia das massas e análise do eu e outros textos (1920-1923). Tradução de


Paulo César Lopes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011

HARDT, M.; NEGRI, A. Commonwealth. Cambridge: Belknap Press, 2011. 434 p.

__________________. Declaration. New York: [s. n.], 2012. 111p.

__________________. Império. Tradução de Berilo Vargas. 10. ed. Rio de Janeiro: Record,
2012a. pp. 417-437.

__________________. Multidão. Tradução de Clóvis Marques. 2. ed. Rio de Janeiro:


Record, 2012b. 530 p.

LE BON, G. Psicologia das multidões. São Paulo: Martins Fontes, 2008. 224 p.

MARQUES, J. O. A. Sobre as Regras para o parque humano de Peter Sloterdijk. Natureza


Humana. São Paulo, Vol. IV, n. 2, p. 363-381, 2002. Disponível em:
<http://www.unicamp.br/~jmarques/pesq/Sobre_as_regras_para_o_parque_humano.pdf>.
Acesso em: 26 set. 2013

MARTINS, L. R. Massa e humanização: de Canetti a Sloterdijk. 2009. 114 f. Dissertação


(Mestrado em Filosofia) - UNICAMP, Campinas.

MARX, K. Grundisse: manuscritos econômicos de 1857-1858 – esboços da crítica


econômica política. Tradução de Mario Duayer e Nelio Schneider. São Paulo: Boitempo,
2011. 788 p.

14
MURPHY, T.S. Antonio Negri. Cambridge: Polity Press, 2012. 224 p.

____________. The philosophy of Antonio Negri: resistance in practice (v. 1). London:
Pluto Press, 2005. 272 p.

____________. The philosophy of Antonio Negri: revolution in theory (v. 2). London: Pluto
Press, 2007. 248 p.

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