Você está na página 1de 301
“.» um dos livros mais instigantes da década...'' Sea eM ies) eet New York Times ie NEGACAO DA elegy? Negacao da Morte De todas as coisas que movem o ser humano, a mais forte e deter- minante ¢ 0 medo da morte. Esse medo, que o acompanha desde que se figuram em sua mente as primeiras nogdes de mundo, ¢a mola mes- tra de quase todas as suas atividades, mas também sua principal fonte de angustia e doenca mental. E nessa proposicdo que Ernest Becker fundamenta A Negagdo da Morte, um livro de grande profundidade e alcance tedrico, essencial a todos os que buscam desvendar os meca- nismos da mente humana. Vencedor do prémio Pulitzer de 1974, este livro ¢ uma valiosa sin- tese do moderno pensamento psicoldgico e filoséfico. Ao fazer um re- sumo das principais correntes da psicandlise pés-Freud, Becker propde uma fusda da psicologia com a perspectiva mitico-religiosa, baseando- se em grande parte na obra de Orto Rank, autor cujo pensamento abran- ge varios campos do conhecimento. Essa perspectiva universalista, sente na obra.de Rank, define bem o espirito deste livro, que classifica o medo da morte como uma proposigao universal que une dados pro- venientes de varias disciplinas das ciéncias humanas e torna cristalinos alguns dos mais complicados compartamentos da homem. Ao abor- dar o conceito de mentira vital — a repressdo, por nds mesmos, da consciéncia de nossa mortalidade —, Becker toca na questao do he- roismo, lembrando a tese freudiana de que o inconsciente no conhece nem a morte nem o tempo, e que, no intimo, o homem se sente imortal. Emest Becker (1924-1974), Ph.D. em Antropologia Cultural, também autor dos livros: The Birth and Death of Meaning, Revolu- tion in Psychiatry, The Structure of Evil, Angel in Armor e Escape from Evil. ERNEST BECKER A Negacao da Morte Tradugao de LUIZ CARLOS DO NASCIMENTO SILVA Revisiio Técnica de JOSE LUIZ MEURER EDITORA RECORD Titulo original norte-americano. THE DENIAL OF DEATH Copyright @ 1973 by The Free Press, uma Divisio da Macmillan, Inc. Todos 08 direitos reservados. Direitos exclusivos de publicago em lingua portuguesa para 0 mundo inteiro adquiridos pela DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIGOS DE IMPRENSA S.A. Rua Argentina 171 — 20921 Rio de Janeiro, RJ — Tel.: 580-3668 que se reserva a propriedade literdria desta waducgdo Impresso no Brasil PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL Caixa Postal 23.052 — Rio de Janeiro, RI — 20922 A memdria de meus adorados pais, que sem o saberem me deram — entre muitas outras coisas — 0 dom mais paradoxal de todos: uma confusdéo quanta ae heroisme, Non ridere, non lugere, neque detestari, sed infelligere. (Nao rir, nao lamentar, nem amaldigoar, mas compreender.) — SPINOZA ‘CAPITULO UM: PARTE I: CAPITULO DOIS: CAPITULO TRES: CAPITULO QUATRO: ‘CAPITULO CINCO: CAPITULO SEIS: PARTE II: CAPITULO SETE: CAPITULO OITO: ‘CAPITULO NOVE: ‘CAPITULO DEZ: Sumério Prefdcio 9 Introdugdo: A Natureza Humana 0 Herdico 15 A PSICOLOGIA PROFUNDA DO HERO[SMO 23 O Terror da Morte 25 A Reformulacdo de Certas Idéias Psicanaliticas Bdsicas 38 © Cardter Humano como Mentira Vital 58 O Psicanalista Kierkegaard 77 O Problema do Cardrer de Freud, Noch Einmal 100 OS FRACASSOS DO HERO[SMO = 129 Feitiga das Pessoas — OQ Nexo da Dependéncia 131 Otto Rank e a Aproximacao Entre @ Psicandlise e Kierkegaard 160 O Efeito Atual da Psicandlise 176 Uma Visio Geral da Doenca Mental 205 PARTE II RETROSPECTO E CONCLUSAO: OS DILEMAS DO HEROISMO 247 CAPITULO ONZE: Psicologia ¢ Religiao: O Que Eo Individuo Herdico? 249 Referéncias 277 Indice Remissivo 295 Prefacio por enquanto, desisti de escrever — jd existe wm ex- cesso de verdade no munda — uma superproducio que aparentemente ndo pote ser cansumidat — OTTO Rank A perspectiva da morte, disse o Dr. Johnsen, concentra maravilhosa- mente a atencdo da mente. A principal tese deste livro é que essa pers- pectiva faz muito mais do que isso: a idéia da morte, o medo que ela inspira, persegue o animal humano como nenhuma outra coisa; é uma das molas mestras da atividade humana — atividade destinada, em sua maior parte, a evitar a fatalidade da morte, a venc6-la mediante a ne- gacdo, de alguma maneira, de que cla s¢ja o destino final do homem. Océlebre antropélogo A. M. Hocart alegou, certa vez, que os primiti- vos nfo eram importunados pelo medo da morte; que uma perspicaz amostragem de provas antropoldgicas iria mostrar que a morte era, com muita freqiéncia, acompanhada de jubilo e festejos; que a morte parecia ser uma ocasido mais para comemoracao do que medo — mui- ‘to semelhante ao veldria irlandes. Hocart queria dissipar a idéia de que (comparados com o homem maderno) os primitives eram infantis assustados pela realidade; os antropéloges ja realizaram, em grande parte, essa reabilitagao dos primitivos, Mas este argumento deixa inal- terado o fata de que 6 medo da morte é, na verdade, uma proposi¢ao universal na condi¢io humana, Nao h4 divida de que os primitivos celebram, com freqiiéncia, a morte — como Hocart e outros demons- iraram — porque acreditam que a morte é a promogdo suprema, a til- tima elewacao ritual para wma forma de vida superior, para o desfrute da elernidade de alguma forma. A maioria dos ocidentais modernes tem dificuldade em acreditar nisso, 0 que faz com que o medo da mor- te tenha um papel muito destacado em nossa configuracao psicoldégica. ‘Nestas paginas, tento mostrar que o medo da morte é uma propo- sigdo universal que une dados provenientes de varias disciplinas das ciéncias humanas ¢ torna maravilhosamente claros ¢ inteligiveis atos 9 humanos que enterramos sob montanhas de fatos ¢ abscurecemos com intermindveis discusses repetitivas sobre as “verdadeiros" motives hu- manos. O intelectual da nossa época esta esmagado sab um fardo que nunca imaginou ter de carregar: a superproducao de verdades que nfo podem scr consumidas, Durante stculos, o homem viveu na crenca de que a verdade cra ténue © enganosa ¢ que, tao logy ele a encontrasse, os problemas da humanidade terminariam. E aqui estamos, nas déca- das finais do século XX, engasgados com tanta verdade. Houve tantos trabalhos brilhantes por escrito, tantas descobertas geniais, uma ex- tensa € um refinamento tao grandes dessas descabertas — ¢ no entan- fo a mente se encontra calada enquanto o mundo gira cm sua antiqitissima carreira demoniaca. Lembro-me de ter lido que, na fa- mosa ExposicSo Mundial de St. Louis, em 19M, o orador na presti- giosa reunido cientifica tivera dificuldade para falar tendo como funda co barulho day novus armas que estayam sendo demonstradas perto da- li, Ele dissera alguma coisa condescendente ¢ tolerante sobre aquela demonstracdo desnecessariamente demolidora, como seo futuro per- teneesse 4 ciéncia ¢ nfo ao militarismo. A Primeira Guerra Mundial mostrou a todo mundo a prioridade das coisas neste planeta e quem estava se Ocupando de atividades ftiteis e quem no se ocupava com elas, Neste ano, a ordem de prioridades voltou a ser demonstrada por um orcamento bélico mundial de 204 bilhGes de délares, numa época em que as condigées de vida hemana no planeta eram piores do que nunca, Por que, enldo, poderd o leitor perguntar, acrescentar mais im outro denso volume a uma Superprodugaa indtil? Bem, € claro que exisy tem razGes pessoais: habito, compulsio, obstinada esperanga. E hd Eros, a ansia pela unificacdo da experiéncia, pela forma, por uma maior expressividade Uma das razdes, creio eu, de o conheciniento estar num estado de superproducdo indtil é estar ele espalhado por toda parte, falado em mil vozes competitivas. Seus fragmentos insignificantes 820 ampliados de maneira desproporcional, enquanto suas compreensdes principais e relativas & histéria do mundo ficam por ai implorando aten- edo. Nao ha um centro vital, pulsante. Norman G. Brown observou que o grande mundo precisa de mais Eros menos antagonismo, o mes- mo acontecendo com o mundo intelectual. E preciso revelar a harmo- nia que une muitas posigdes Uiferentes, a fim de que as “polémicas estéreis © ignorantes™’ possam ser tornadas sem efeito.* Escrevi este livro, fundamentalmente, como uma tentativa de har- monizar a babel de pontos de vista sabre o homem e sobre a eondigdo humana, ra crenga de que chegaw a hora de uma sintese que inclua 0 que ha de melhor em muitos campos do pensamento, das ciEncias humanas 4 religigo. Tentel evitar contrariar © negar qualquer ponto de vista, por mais que ele me s¢ja pessoalmente antipélica, se parecer: conter um niicleo de veracidade. Nos ultimos anos, tenho percebido 10 cada vez mais que o problema do conhecimento do homem nio ¢ ser contrario ¢ demolir pontos de vista opostos, mas inclul-los em uma es- trutura tedrica mais ampla, Uma das ironias do processo criativo esta em que ele se invalida parcialmente para que possa funcionar. Quero dizer que, em geral, para produzir om trabalho o autor tem de exage- rar a énfase que existe nesse trabalho, para que possa contrapé-lo, de uma maneira eficazmente competitiva, a outras versdes da verdade; © ele s¢ deixa levar pelo seu proprio exagero, ja que é sobre ele que se constréi a sua imager caracteristica. Mas tedo pensadar honeste que seja basicamente um empirico (em que ter um certo grau de verdade Gm sa Posicado, A140 importa.a que extremos tenha tido de chegar para. formula-la, O problema esta em encontrar a verdade sob o exagero, desbastar 0 excesso de refinamento ou distorcao ¢ incluir aquela ver- dade onde ela se encaixar. Uma segunda razdo pera cu ler escrito este livra foi o fato de ter tido mais problemas do que devia com esse encaixar de verdades vAli- das nos wltimos doze anos. Tenho tentado chegar a uma conclusao so- bre as idéjas de Freud e seus intérpretes © herdeiros, sobre o que paderia ser um concentrado da psicologia moderna —e agora acho que, fina!- mente, consegui, Nesse sentido, este livro ¢ uma tentativa de obtencao da paz para a minha alma de estudioso, uma oferenda pela absolvicao intelectual; sinto qite ele é a méu primeira trabalho maduro. Uma das principais coisas que tento fazer neste liveo é apresentar um resumo da psicologia depois de Freud, yoltanda a relacionar toda. a evolucao da psicologia ao ainda eminente Kierkegaard. Defenda, pois, uma fusio da psicologia como a perspectiva mitico-religiosa, Baseio essa argumentaca, em grande parte, na obra de Otto Rank, ¢ fiz uma grande tentativa de transcrever a relevancia de sua mugnifica estrutura de pensamento. Esse dominio da obra de Rank jd se mostrava neces rio hd muito tempo; e se eu tiver conseguido, ¢ provavel que isso cons- titua o principal mérito do livre. Rank @ tao destacado nestas paginas, que talvez valesse a pena di- zer, aqui, ulgumas palavras de apresentagao. Frederick Perls observou, certa vez, que livro de Rank, 4rt and Artist, estava “acima dos ¢lo- gios"’,’ Lembro-me de ter ficado t4o impressionado com esse julga- mento, que fui imediatamente procirar a livro: eu ndo conseguia imaginar como qualquer coisa cientifica podia estar *‘acima dos ela- gios", Mesmo a obra do praprio Freud me parecia merecedora de elo~ gios, isto é, uma obra que de algum modo se poderia esperar como produto da mente humana. Mas Perls tinha razao: Rank era — como dizem os jovens — “‘outra eoisa’’. Ndo se pode simplesmente elogiar grande parte de sua obra, porque no seu assombroso brilhantismo ela é, com freqiéncia, fantastica, gratuita, superlativa; as compreensdes: parecem um dom, além do que é necessario. Suponho que uma parte da razio — além de seu génio — estava no Fato de 0 pensamento de Rank sempre abranger varios campos do conhecimento; quando ele fa- lava de, por exemplo, dados antropoldgicos e se esperava uma com- preensiio antropolégica, recebia-se uma outra coisa, algo mais. Vivendo, como Vivernos, numa era de hiperespecializapdo, perdemos a expecta- tiva desse tipo de deleite; os especialistas nos oferecem emogoes con- trolaveis — se é que nos emocionam. ‘Uma coisa que espero da apresentagao que faco de Rank ¢ que cla leve o leitor diretamente ads seus livros, Nao ha nada que substitua, a leitura de Rank, Meus exermplares pessodis de seus livros esto mar- cados com tima abundancia incomum de notas, sublinhados, pontos de exclamacao duplos; cle ¢ uma mina para muitos anos de entendi- mento ¢ reflexao, O que eu pretendo expor de Rank ¢ apenas um esba- go de seu pensamento: os fundamentos desse pensamento, muitas de suas intravisdes basicas, ¢ suas implicagdes globais. Seré um Rank sem brilho, ¢ niio.o assombrosamente rico de seus livros. Além disso, a apre- sentagao e a apreciagdo sumaria que Ira Progoff faz de Rank sao tao correlas, fag bem equilibradas no julgamenta, que dificilmente pode riam Ser methoradas com uma rapida avaliagao.’ Rank é muito difu- 50, Muito dificil de ler, 120 rico cm significados, que ¢ quase inacessivel para o leitor comum, Estava dolorosamente ciente disso, ¢ durante al- gum tempo alimentou a esperanga de que Anais Nin reescrevesse seus. livros para ele, a fim de que pudessem ter uma chance de causarem oefeito que deveriam ter causado. O que oferego nestas paginas a minha vetsdo de Rank, feita 4 minha mancira, uma espécie de curta “traduezia’” de seu sistema, na esperanca de tornd-lo acessivel de mo- de geral. Neste livro, abordo apenas sua psicologia individual; em ou- tro livro irei fazer um esbogo de scu plano para uma psicologia da Historia. ‘Existem varias maneiras de olhar para Rank. Alpuns o véem co- mo brilhante colega de trabalho de Freud, um membro do circulo ini- cial da psicanalise que ajudou a dar aela uma maior aceilagio ao levar para ela'a sua iménsa erudi¢do, que mostrou como a psivandlise podia iluminar a histéria da civilizagdo, 08 mitos ¢ as lendas — como, por exemplo, em seu trabalho inicial sobre The Myth of the Birth of the Hera (Q Mito do Nascimento do Herdi) ¢ The Incest-Morif (O Motivo do Incesto), Alguns diriam mesmo que, como Rank nunca foi analisa- do, suas repressoes foram gradativamente tomando conta dele, ¢ cle se afastou da Vida estavel € crialiva que linha junto a Freud; em seus ultimo anos, sua instabilidade pessoal o foi dominando aos poucos eele morreu prematuramente, frustrado e solitario, Outros véem Rank come um discipulo demasiado entusiasta de Freud, que tentou ser ori- ginal antes. do fempo ¢, ao fazé-lo, chegou ald a exagerar o teducionis~ mo psicanalitico, Essa opinido ¢ baseada quase que unicamente em seu livre publicado em 1924, The Trauma of Birth (0 Trauma do Nasci- menio), €em geral para ai, Outros, sinda, yéem Rank como um mem- 2 bro: brilhante do circule intima de Freud, um impaciente favorito de Freud, cuja educacdo universitaria foi sugerida © financeiramente au- siliada por Freud ¢ que retribuiu 4 psicandlise com compreensoes em: muitos campos: historia da civilizacao, desenvolvimento da infancia, apsicologia da arte, critica literdria, pensamenta primitive e assim por diante, Em sumia, uma espécie de mening-prodigio multifacetado mas nae muito bem organizado ou auitocontrolado — um Theodor Reik. intelectualmente superior, por assim dizer. Mas todas essas maneiras de resumir Rank esto erradas, ¢ sabe~ Mos que elas denvam, em sva maior parte, da mitologia reinante ne circulo dos préprios psicanalistas. Estes nunca perdouram Rank por lér-se afastado de Freud, diminuindo assim 0 simbalo da imortalidade deles (para usar a mancira de Rank de compreender sua amargura ¢ mesquinhez). Reconhecidamente, 0 Trauma of Birth de Rank deu a seus detratores uma arma faci) para atacd-lo, uma razdo justa para diminsir-lhe o valor; foi um livro exagerado € malfadado que envene- nou sua imagem piblica, muito embora ele proprio o reconsiderasse © fosse muito além dele, Nao sendo meramente um colega de trabalho de Freud, um factotum da psicandlise, Rank tinha sew proprio-sistema de idéias, singular ¢ perfeitamente concebido. Sabia por onde queria comecar, que conjunto de dados teria de examinar e para onde tudo aquilo apontava. Conhecia essas coisas especificamente com relagdio a psicandlise propriamente dita, 4 qual ele queria transceder e trans- cendeu; ele a conhecia de maneira imperfeita, no que se referia as im- plicagdes filosdficas de seu proprio sistema de pensamento, may nao teve tempo de resolver isso, porque sua vida foi interrompida cedo. Nao ha diivida de que foi um fazedor de sistemas tao completo quanto Adler e Jung; seu sistema de pensamento é, no minimo, ido brilhante quanta os deles, se no o € mais, em alguns aspectos. Respeitamos Adler pela solidez de julgamento, pela correrao de seu entendimento, pelo humanismo inflexivel; admiramos Jung pela coragem ¢ pela sincerida- de com que abragou tanto a ciéncia como a religido; mas ainda mais do que esses dois, o sistema de Rank tem implicacdes para o mais pro- fundo ¢ mais amplo desenvolvimento das ciencias sociais, implicagdes gue mal comecaram a ser exploradas. Paul Roazen, escrevendo sobre ““A Lenda de Freud'',' observou ‘com propriedade que “‘qualquer autor cujos erros demoraram esse tem- po todo para serem corrigidas é (...) um vulto e tanto da histdria inte- lectual". No entanio, tudo isso é mitilo curios, porque Adler, Jung Rank corrigiram, muito cedo, a majoria dos erros basicos de Freud. A questo pare o historiador &, antes, o que havia na natureza do mo- viento psicanalitica, as proprias idéias, a opiniao pdblica e a yvada- mica que manteve aquelas corregdes to ignoradas ou Wo separadas. do movimento principal do pensamento cientifico cumulativo, Mesmo um livro com um objetivo amplo tem de ser muito seleti- WwW vo quanto as verdades que escolhe na montanha de verdades que nos asfixia, Muitos pensadores de importaneia sio mencionados apenas de mm: @ leitor poderd ter curiosidade de saber, por exemplo, por gue me apoio tanto em Rank € quase ndo menciono Jung em um livro sus Lem come meta principal a aproximagdo entre a psicandlise ¢ a re- Heide, Uma das razdes é que Jung é muito proeminente e tem muitos intérpretes eficientes, encuanto Rank é quase desconhecido ¢ pratica- mente nao tem tide ninguém que o defenda. Outra razfio esté em que mbora © pensamento de Rank seja dificil, esta sempre apontado para os problemas centrais, o de Jung nao, e uma parte dele se perde em um esoterismo despecessirio; © resultado é¢ que, com freqiiéncia, ele opscurece de tim lado agjuilo que revela do outro. Nao consigo enten- der que todas os seus volumes sobre alquimia acrescentem um 56 gra~ ma ao peso de sua compreensio psicanalitics Devo um nimero muito grande de contribuigdes sobre o enten memo da natureza humana e trocas de idéias cam Marie Becker, cuja Sinura € Cujo realisme nesses assuntos sio raros, Quero agradecer (com as costumeiras isencdes de culpa) a Paul Reazen por sua gentileza em passat o Capitulo Seis pelo crive de seu grande conhecimento de Freud. Robert N. Belluh leu todo o original, e me sinto muito grato por suas criticas gerais © suas sigesides espeeificas; aquelas que pude aprovei- tar melhoraram, indiscutivelmente, o livro; quanto as outras, receio que represent maior e mais demorada de mudar a mim mesmo. pass 4 CAPITULO UM Introdugao: A Natureza Humana eo Herdico Em épocas camo a ém que vivemos existe uma grande press para que se apreseniem conceitos que ajudem os homens a compreenderem ‘6 seu dilema; ha uma Ansia por idéias vitais, por uma simplificacdo da desnecessdria complexidade intelectual. As vezes, esse desejo de sim- plificar engendra grandes mentiras que resolvam as tensdes ¢ facilitem que a acdo prossiga exatamente com as racionalizacdes de que as pes- soas precisam. Mas também tende a retardar o descobrimento de ver- dades capazes de ajudar os homens a adquirirem uma certa comprecnsao do que acontece com eles, de Ihes dizer onde realmente esldc os problemas. Uma dessas verdades vitais, conhecida ha muito tempo, ¢ a idéia do heraismo; mas em épocas eruditamente ‘‘normais'’, nunca pensa- mos em considera-la importante, em exibi-la, ou em usd-la como um conceito central. No entanto, a mente popular sempre sabia o quanto ela cra importante: como observou William James — que se interessa- va praticamente por tudo — na virada do século: “o instinto comum da humanidade pela realidade (...) sempre achou que o mundo era, essencialmente, um palea para 0 heroismo.'"' Nao era somente a men- te popular que sabia, mas fildsofos de todas as idades, e na nossa cul- lura cm especial Emerson ¢ Nictzsche — motivo pela qual ainda nos emocionamos com cles: gostamos que nos lembrem que a nossa ten- déncia central, nossa principal tarefa neste planeta, é 0 herdico.* Uma maneira de olhar para todo 0 desenvolvimento da ciéncia so~ cial desde Marx e da psicalogia desde Freud é achar que ele representa um macico detalhamento ¢ esclarecimento do problema do heroismo humano. Essa perspectiva da o tom para a seriedade de nossa discus- sfio: tomas, agora, a base cientifica para uma verdadeira compresnsao da natureza do heroismo e¢ de seu lugar na vida humana. Se o ‘‘instin- “Na discussdo que se segue, sou obrlgado a repetir e resumir coisas que escrevi em outro trabalho (The Biri anc Death of Mecning, segunda cdi¢o, Nava York: Free Press, 1971) pasa ardar a éstrutura para o8 Outros eapilulos 15 to comum da humanidade pela realidade" estiver certo, leremos con- seguido o notavel feito de expor essa realidade de uma muneira cien- tifica, Um dos conceitos-chave para compreendcr a ansia do homem pe~ lo heroismo é a idéia de *‘nareisismo"’. Como Erich Fromm nos lem- brou tio bem, essa id¢ia é uma das grandes ¢ duradouras contribuigdes de Freud. Freud descabriu que cada um de nds repete a tragédia do Narciso da mitologia grega: estamos perdidamente absorios em nds mes- mos, Se nos preocupamos com alguém, em geral € conosco, antes de qualquer outra coisa. Como disse Aristoteles cm algum lugar: sorte quando o sujcito ao seu lado é que é atingido pela flecha, Dois mil e quinhentos anos de Historia nao alteraram o narcisismo basico do homem; na maior parte do tempo, para a maioria de nds, esta ainda ¢ uma definigao exequivel de sorte. Um dos aspectas mais mesquinhos do narcisismo € acharmas que praticamente todos sao sacrificdveis, ex ceta nds mesmos, Deveriamos estar preparados, como disse Emerson certa vez, para recriar o mundo todo como extensdo de nds mesmos, mesmo que nao existisse ninguem mais. A idéia nos amedronta; ndo sabemos como poderiamos fazer isso sem outras pessoas — € no en- tanto, no fundo 0 recurso basico ali esta; poderiamos ser suficientes sozinhos, se houvesse nécessidade, se pudéssemos confiar em nds mes mos como queria Emerson, E se nao sentimos emocionalmente essa confianca, ainda assim a maioria de nds iria lutar para sobreviver com todas as nossas forcas, nao importa quantos a nossa volta morressem, Nosso organismo estd pronto para encher o mundo sozinha, ainda que Nossa mente se acovarde com a idéia. E esse narcisismo que faz com que, nas guerras, homens continuem marchando até poderem ser atin- gidos por titos a queima-roupa: no [undo do coragaa, 0 individue nao acha que ele vai morrer. apenas sente pena daquele que esta ao seu la- do. A explicagaio de Freud para isso era de que o inconsciente nao co. nhece a morte on o tempo: nos seus recessas orgdnicos fisiaquimicos mais intimes, o homem se sente imortal. Nentiima deshas observagdes implica perfidia humana. Q homem AAO pareve ser capaz de “evitar"’ © seu egoismo; este pareve vir de sua natureza animal, Atrayés de indmeras eras de evolugdo, © organismo tem precisado proteger a sua integridade; teve a sua identidade fisio- quimica e dedicou-se a preserva-la, Este é um dos principais proble- mas do Lransplante de érgdos: o organismo se protege contra a materia estranha, mesmo Que sé Lrale de um novo coragad qué vA manté-lo vi- vo, O préprio protoplasma abripa a i mesmo, adestra a si mesmo contra ‘0 mundo, contra invasées de sua imtegridade, Parece deleilar-se com suas proprias pulsagdes, expandindo-se no mundo e ingerindo parte dele. Se tomassémos um organismo ¢ego e muda é Ihe déssemas uma consciéncia de si mesmo ¢ um nome, se fizéssemox com que cle se di tacasse da natureza ¢ soubesse que era inigualavel, terlamos o narcisis~ 16 mo. No homem, a identidade fisioquimica ¢ a sensacda de poder ¢ ati- Vidade tornaram-se conscientes. No homem, um nivel pratico de narcisismo é inseparavel da auto- estima, de um sentimento basico de valorizagda de si mesmo. Apren- demos, na maior parte comi Alfred Adler, que aquila de que o homem mais precisa ¢ Sentir-se segura em seu amor-préprio, Mas o homem nao é apenas uma gota cega de protoplasma errante, mas uma criatura com um nome e que vive em um mundo de simbolas e sonhos, nao é apenas matéria, Seu sentido de amor-prdprio se constitui mediante simbolos, seu tao prezado narcisismo se alimenta de simbolas, de uma ‘idéia abstrata de seu proprio valor, uma idéia composta de sons, pal vras¢ imagens, perceptivel no ar, na mente, por escrito. E isso signi! cague a 4nsia natural do homem pela atividade de seu organisma, seu prazer em incorporar e expandir-se podem ser alimentados ilimitada- mente no terreno dos simbolos e, com isso, passar & imortalidade, O organismo solitario pode expandir-se em dimensdes de mundos e épo- cas sem mover um so membro fisico; pode incorporar a ciernidade em. sj mesmo, ainda que morra ofegante. Na infancia, vemos a luta pelo amor-préprio na sua fase menos disfargada. A crianga nao tem vergonha daquilo de que mais precisa que mais quer. Toda 0 seu organismo proclama em voz alta as exi- géncias de seu narcisismo, E essas cxigéncias podem tornar a infancia um inferno para os adultos envolvidos, em especial quando ha varias criangas competindo ao mesmo tempo pelas prerrogativas da ilimitada auto-extensao, aquilo que poderiamos chamar de “‘signitiédncia eds- mica’, Esta expressdo nao deve ser olhada com pouco caso, porque & para esse ponto que a nossa discuss esta se encaminhando, Prefe~ rimos minimizar a importancia da “‘rivalidade entre irmaos", como se fosse alguma espécie de subprodyte do crescimento, um pouco de competitividade ¢ egoismo de criangas que foram mimadas, que ainda nao eresceram a ponto de adquirirem uma gencrosa natureza social Mas ela é demasiado absotvente eincessante para ser apenas uma ins cOmoda aberragdo, cla expressa o dmago do ser: o desejo de se desta~ car, de sero sa? na criagio. Quando se combina o narcisismo natural com a necessidade basica de amor-proprio, cria-se uma criatura que tem de se sentir um objeto de valor fundamental: a primeira no uni- verso, répresentanda em si mesma_a vida loda. E esia a razao pata a luia didriae, em geral, alormentadora entre irmaos: a crianga nao ad~ mite ficar em segundo lugar ou ser desvalorizada, muito menos exclul~ da. "Voc? deu a cleo doce maior!"* Voce dew a cle mais sucol" “Tome um pouquinho mais, emao," “Agora el € que ganhou mais suco do: que eu!" “Voce deixou ela acender a lareira, e ndo ew." “Esta bem, acenda um pedaco de papel."* “Mas esse pedago de papel ¢ menor do que 0 que cla acendeu,” E assim por diante. Um animal que adquire seu sentimento de valor mediante simbolos tem que se comparar, em 17 todos os minimos detalhes, com aqueles que o ceream, para ter certeza. de que no vai ficar em segundo lugar, A rivalidade entre irmaos € um problema erftica que reflete a condicfo humana basica: ndo é que as erianeas sejam maldosas, egoistas, ou dominadoras. E o fato delas ex- pressarem muito abertamente o tragico destina do homem: elé tem que sé justificar desesperadamente como Um objeto de valor primordial no wrliverso; Lom que se destacar, ser um herdi, dar a maior contribuigao possivel para a vida no mundo, mostrar que vale mais do que qualquer outra coisa ou pessoa. Quando nos apercebemos de como é natural o homem lutar para ser um herdi, como é profunda a penetracao disso em sua constituigao evolutiva e organismica, com que franquéza ele o demonstra quando erianga, fica ainda mais curioso o grau de ignorancia que a maioria de nds tem, conscientemente, daquilo que realmente queremos e de que precisamos. Na nossa civilizacdo, em todo caso, em especial na era mo- derna, o herdico parece grande demais para nés, ou nds parecemos pe- quenos demmais para ele. Diga a um joven que ele tem o direito de ser herdi, ¢ ele ficara ruborizado, Disfargamos a nossa luta acumulando nimeros numa conta bancaria para refletir em purticular 0 nosso sen- so de valor herdico. Ou tendo apenas uma casa um pouco melhor no bairro, um carro maior, filhos mais inteligentes. Mas por baixo disso pulxa a nsia pela excepcionalidade cosmica, por mais que a disfarce- mos em empreendimentos de menor amplitude, De vez em quando, al- guem admite que leva o sea heroism a serio, 0 que provoca um calafrio na maioria de nds, como fez © congressista norte-americano Mendel Rivers, que den & maquina militar dotagdes orgamentarias especiais e disse ser o hamem mais poderoso desde Jiilio César. Podemas nes hor- rorizar com a estupidez do heroismo dos seres terrestres, tanto de Cé- sar-como de seus imitadores, mas a culpa nao é deles, ela esté na maneira como a sociedade arma o seu sistema de herdis ¢ na maneira como dei- Na as pessoas preencherem os lugares, A ansia pelo heroismo € naw ral, ¢ adimiti-la & um gesto de honestidade. Se todo mundo a sdmitisse, ar gue isso liberasse uma forga tdo represada que seria devas- dora para as sociedades tal como existem no momento. O fate € que a sociedade ¢ assim e sempre foi: um sistema de apao alravés de simbolos, uma estrutura de condigdes sociais ¢ de papéis, de costumes ¢ regras de comportamento, destinado a servir de veiculo pata o heroisma dos seres terrestres. Cada roteira é, de certo modo, tinico, singular, cada culiura tem um sistema de heroismo diferente © que os antropélogos chamam de “‘relatividade cultural” & assim, na verdade a relatividade dos sistemas de herdis em todo o mundo. Mas cada sistema cultural ¢ uma dramatizagao de seres herdicos sobre a terra; cada sistema cria papéis para a realizacdo de varios graus dé heroism: do “alto” heroismo de um Churchill, um Mao, ou um Buda, ao" bai- xo" heraismo do trabalhador das minas de carvao, do camponés, do 1B simples sacerdote: o simples, habitual, terrend heroisma desempenha- do pelo jraballiador de maos calejadas que susienta uma familia mes- mo na fome ¢ na doenga. Nao importa se o sistema de heroismo de uma cultura é franca- mente magico, religioso & primitive, ou secular, cientifico e eivilizado. mesmo assim, um sistema de herdis mitica, no qual as pessoas se Brien por ddyuirir um sentiment basic de valor, de serem espe- cialis no cosio, de uibdade masimia pare 4 criagdo, de significado ima- balkivel, Elas adquiren) csse sentimento escayando um lugar na natureza, consiruindo uma edificayio que reflita o valor do homem: um templo, uma Catedral, um totem, tim arranha-ceu, tina familia que se estenda por trés peragoes. A esperaripa ea Fé estado em que as coisas que o ho- mem eri em soviedade tenhaim um valor e um significado duradou- ros, que sobrevivam ou Se sabreponham A morte e a decadéncia, que © bomem e seus produtos tenlam importincia. Quanda Norman O, Brown disse que a Sociedade vidental, mesmo a partir de Newton, por mais cientifica ou secular que alegue ser, ainda é 10 “‘religiosa" quan- to qualquer outra, dis o que cle queria diver: a sociedade 'civilizada’’ é uma esperangosa crenga € protesto de que a ciéncia, o dinheiro ¢ os bens facanr com que o homem valha mais do que qualquer outro ani- nial. Nesse sentido, indo aquilé que 0 honiem faz ételigiosa e herdica ¢, nO enianto, corre o periva de ser fieticio @ falivel. A perguilta que s¢ Loria, enlao, a mais importante das que a ho- mem pode fazer a si mesmo ¢ simplesmente a seguinte: até que ponto ele esta cdnscio daquila que faz para canseguir a seu semtimento de heroismo? Sugeri que, se todos admilissem honestamente sua dnsia por serem heros, isso seria uria arrasadora liberagao da verdade, Furia com que os homers exigissem que a cultura lhes desée o que Ihes ¢ devide — lm sentiment basico de valor humane como contribuintes ser igual para a yide cosmica, De que modo conseguiriam as nossas sociedades modernas salisfazer uma exivencia assim tao honesta, sem serem aba- ladas em suas Tundagoes? So as snciedades que haje chamamOs de “’pri- mitivas’* proporcionayam esse sentiment a scus membros, Os grupos minoritirios ua sociedade industrial de hoje que clamam por liherdade e por dignidade humana esti, na realidade, pedindo que thes séja da- do um senimento basico de heroismo, que historicamenre Ihes foi sur- ripiado. E per isso que suas insistentes reivindicagdes causam Lantos problemas ¢ perturbaydes: como ¢ que fazemos uma coisa “absurda” dessas dentro dos recursos que fundamentam a sociedade hoje em dia? “les esto pedindo o impossivel'’, ¢ camo expressamos nosso desejo de nos livrar da ineomoda questao. oO Masa yerdade cm relagdo O vevessiddde de heroismo nao € facil de ser admitida por niveucm, sem mesmo pelos proprios individuos que querem ter reconhecidas suas reivindicagees. Aié que esta a dificulda- de. Como iremos ver com base em nossa argumeniagao subseqiente, 19 tormar-se conscio daquilo que se esta fazendo para conseguir o seu sen- timento de heroismo ¢ a principal problema auto-analitico da vida. Tu- do o que for doloroso e moderador naquila que o genio psicanaliHeo ¢ 0 génia religioso 12m descoberta a respeito do homem gira em torno de terror de adimitir o que se esta fazendo para obter-se a auto-estima. E por i850 Que OS alos herdicos humanas sao uma impulsividade cega que con- SOME aS pessoas; nas pessoas apaixonadss, um eyito a procura da gla- ria, tao isenio de critica ¢ 140 reflexo come o pive de um cachorro. Nas massas mais passivas de homens medioeres, éla fica disfarcada, enquanto les desempenham, humildes e queixosos, os papéis que a sociedade de- SIDNS para seus atOs herdicos € tentam conseguir slias promogoes dentra do sisleria: usando os uniformes padrdes — permitindo quesobressaiam, mas ber poueo & com fod a sezuranga, apenas com uma pequena lita ou uma kowronniére yermelha, mas ndo.com a cabega ¢ os ombros. Se fdssemos retirar esse disfarce macigo, os blocos de repressao que pesam sobre as técnicas humanas de abter a gloria, chegariamos 2 questao poiencialmente mais liberiadora de todas, o principal pro- blema da vida humana: até que ponta o sistema cultural de herdis que sustenta ¢ stimula os homens é empiricurmente verdadeiro? Mencia- namos 0 lado mais mesquinho da ansia do homem pelo heroismo cés- mico, mas também existe, ¢ Gbyio, o lado nobre. O homem dard a vida pela sua patria, sua sociedade, sua familia. Tomard a decisie de atirar-se sobre uma granada para salvar seus camaradas; ele € capaz da mais alta generosidade e do mais elevado auto-sacrificio. Mas rem que sen- tire crer que aguilo que esta fazendo é verdedeiramente herdico, trans- cendente ao tenipo ¢ supremamente significativo, A crise da sociedade moderna esta precisamente no fava de que os jovens ja nda se sentem seres herdicos no plano de apdo que asua culiura preparou. Eles no acredifam que seja empiricamente verdadeiro para os problemas de suas vidas ¢ de sua épora. Estamos vivendo uma crise de heroismo que alinge todos os aspectos de nossa vida social: aqueles que abandonam o he- roismo da universidade, 6 heroismo da atividade econdmica e de uma carreira, o heroismo da atividade politica; o surgimento de anti-herdis, aqueles que seriam individuos herdicos 4 sua maneira, ou como Char- les Manson com a sua “familia” especial, aqueles cujos alormentados alos dé herdisma atacam o sistema que deixou de representar o herois- mo estabetecido’em consenso. A grande perplesidade de riossa épaca, @ agitagao de nossa époea, é que as jovens perceberam — sejam quais forem as consequéncias — uma grande verdade socio-histérica: assim como hii auro-saerificios initeis em guerras injustas, rambém existe uma igndbil atividade herdica de sociedades inteiras: pode ser a perversa- mente destruidora atividade herdica da Alemanha de Hitler ou o sim- ples, degradamte ¢ tole alo herdico da aquisigada e exibicdo de bens de consumo, no acimnlo de dinheiro de privilégios que agora caractere- riza sistemas de vida inteiras, tanto capitalisias como soviéticos. 20 Eacrise da sociedade também ¢, claro, a crise da religiao organizaca: areligiao jd nao é valida como um sistema de herdis, ¢ por isso a juventu- dea despreza. Sea cultura tradicional fica desacreditada como atividade herdica, a igreja que apoia essa cultura se desmerece automaticamente. Se a igteja, por outro lado, preferir insistir na Sua propria atividade he- réiea, podera yerificar que, em pontos cruciais, tera que agir contea a cul- Tura, recrutar jovens para serem anti-herdisem relagdo as farmasde viver da sociedadé em que vivem. Este é-o dilema da religido na nossa era. Conclusio ‘O que tenter fazer nesta breve intradugao foi sugerir que o proble- ma da atividade herdica é 0 problema central da vida humana, que ele penetra mais na natureza humana do que qualquer owtra coisa, por- que € baseado no narcisismo organismico e na necessidade que a crian- ya tem de amor-proprio como a condigao mesma de sua vida, A propria soci¢dade ¢ um sistema codificado de herdis, o que significa que a so ciedade, em toda parte, € um mito vivo do significado da vida huma- na, uma criacdo que desatia signiticados. Toda sociedade é, assim, uma “religifio’', quer pense assim, quer nao: a “‘religido" savistica e a “‘re- ligido"” maoista sia to verdadeiramente religiasas quanto a “‘religidio’* cientifica © a do consumisma, nao mporta 6 quanto possam lentar disfargar-se mediante a ormixsdu de idéias religiosas ¢ espirituais de suas vidas. Como iremos yer mais adiante, foi Oto Rank quem mostrou psicologicamente essa natureza religiosa de toda a criagdo cultural hu- mana; €, mais recentemente, a ideia foi reavivada por Norman O- Brown no seu livro Life Against Death (A Vida Contra a Morte) ¢ por Robert Jay Lifton, em seu livro Revolutionary Immortality (mortali- dade Revoluciondria). Se aceitarmos cssa5 propostas, teremos de ad- mitir que estamos lidando com o problema humano verdadeiramente universal; e deveremas estar preparados para investigé-lo com toda a honestidade possivel, para ficarmos to chocados pela auto-revelagao do homem quanto permita o melhor dos pensamentos. Apamhemos esse pensamento com Kierkegaard ¢ fagamo-lo passar por Freud, para ver onde este desnudar dos tiltimos 150 anos ird nos levar, Se a penetrante honestidade de alguns livros pudesse alterar imediatamente o mundo, 08 cinco autores que acabamos de citar ja teriam abalado ag nagdes até seus alicerces. Coma, porém, todos esto seguindo em frente como seas Verdades Vilais sobre o homem ainda nao enistissem, ¢ tecessdrio acrescentar mais um outro peso na balanca de auta-exposi¢ao huma- na. Ha 2,500 anos que vimos esperando @ acreditando que, se a huma- nidade pudesse revelar-se a si mesma, pudesse vir a ter um conhecimento amplo de suas motiyagdes prdprias tao acalentadas, poderia de algum modo fazer com que a balanga das coisas pendesse a seu favor. 21 PARTE I A PSICOLOGIA PROFUNDA DO HEROISMO Eu bebo, no por simplesmente gostar do vinho nem pa- ra zombar da fé — nilo; é apenas para esquecer de mim mesmo por uin instante. E sd isso que desejo da embria- guez, apenas isso. — Omar KHayyYAM CAPITULO DOIS O Terror da Morte Serd que nao cabe a nds confessar que em nossa atitude civitizada em relapdo 4 morte estamos, wma vez mais, vi- vendo psicalogicamente além de nossos recursos, e de- vermos nos reformar ¢ dar @ verdade o valor que ela merece? Nao seria melhor dar @ morte o lugar na realt- dade em nossos pensartentas que Ihe pertence, € dar wet pouco mais de destaque dquela inconsciente atitude pa- racom a morte que até aqui temas suprimido com tanto cuidado? Isso nem parece, realmente, uma realizagdo de maior vulto, mais sim um passo atrds... mas tem o méri- to de levar um tanto mais em consideragao a verdadeira situagdo. ¢...) — SIGMUND FReub’ A primeira coisa que temas de fazer com o heroismo é pr & mostra © seu avesso, mostrar o que da a alividade herdica humana a sua natu- reza e seu impeto especificos. Apresentamos aqui, de imediato, uma das grandes redescobertas do pensamento moderna: a de que, de to- das as coisas que movem o homem, uma das principais ¢ 0 seu terror da morte. Depois de Darwin, 0 problema da morte como problema evoluciondrio ficou em destaque ¢ muitos pensadores viram de ime- diato que se tratava de um grande problema psicolégico para 0 ho- mem.’ Viram, também com muita rapidez, o que era o verdadeiro heroismo, como escreveu Shaler bem na virada do século;* herois- mo €, antes de qualquer coisa, um reflexo do terror da morte. O que mais admiramos é a coragem de enfrentar a morte; damos a esse valor a nossa mais alta e mais constante adoracao; ele nos toca fundo em nossos coragdes, porque temos dilvida sobre até que ponto nés mes- mos seriamos valentes. Quando vemos um homem enfrentando brava- 25 mente a sua propria extingdo, ensaiamios a maior viléria que podémos imaginar. E assim, o heroi tem sido o centra da honra ¢ da aclamacdo humanas desde, provavelmente, o inicio da evolucao especificamente humana. Mas, mesmo antes disso, nossos ancestrais primatas acata- vam aqueles que eram extrapaderosos e corajosos e ignoravam os que fossem covardes. O homem elevou a coragem animal ao nivel de um culto. A pesquisa antropologica ¢ historica também comegau, no século XIX, a montar um retrato do herdico desde as eras primitivas e anti- gas, O herdi era o homem que podia entrar no mundo espiritual, no mundo dos mortos, ¢ valtar vivo. Tinha seus descendentes nos cultos misteriosos do Mediterraneo Oriental, que eram cultos de morte e res- surreigdo, O heréi divino de cada um desses cultos era alguém que ti- nha voliado dos mortos. E como sabemos, hoje, com base na pesquisa de mitos ¢ rituals antizos, o proprio eristianismo era um concorrente dogs cultos misteriosos ¢ sai: vencedor — entre olttras razGes — por- que também tinha em destaque um homem que curava e tinha poderes sobrenaturais, e que hayia ressuscitado. O grande triunfo da Pascoa € 0 grito de alegria “Cristo ressuscitou!"', um eco da mesma alegria que os devotos de cultos misteriosos representavam em suas cerima- nias da vitéria sobre a morte. Esses cultas, como diz G. Stanley Hall com tanta propriedade, eram uma tentativa de alcancar “um banho de imunidade"’ em relacio ao maior dos males: a morte € 0 terror de- la* Todas as religides histéricas se dedicavam a este mesmo proble- ma de como suportar o fim da vida. Religides como 0 hinduismo eo budismo realizavam o truque engenhoso de fingir ndo querer renascer, que € uma espécie de magica negativa; alegar que nao quer aquilo que mais se quer.’ Quando a filosofia assumiu o lugar da religido, tam- bém assumiu o problema central da religido, ¢ a morte se tornow a ver- dadcira ‘‘musa da filosofia’', desde seus primdrdios na Grécia, até Heidegger e o existencialismo moderno.° 44 temos grande quantidade de trabalhos e pensamentos sobre 0 assunto, da religiao ¢ da filosofia e — de Darwin para cd — da propria ciéncia. O problema é como extrair disso alguma coisa que faga senti- do; 0 acumulo de pesquisas € opinides sobre o medo da morte ja é de- masiado para ser abordado ¢ resumido com simplicidade. Sa a Fenavagao do interesse pela morte, nas iitimas décadas, jA criow uma a enorme de trabalhos, ¢ esta literatura nao aponta para uma dire- Go unica. O Argumento da ‘‘Mente Sadia’ Ha pessoas ‘de mente sadia” que afirmam que o medo da morte nao € uma coisa natural para o homem, que ndo nascemos com ele. 26 Um mimero crescente de estudas cuidadosos sobre como o medo da morte se desenvolve na crianea’ esta razoavelmente de acordo em que acrianga no tem conhecimenta algum da morte até por volta dos ies a cinco anos de idade. E como poderia té-1o? E uma idéia demasiado abstrata, demasiado afastada de sua experiéncia. A crianga Vive em um mundo que esta cheio de coisas vivas, que se mexem, respendendo & ela, distraindo-a, alimentando-a. Ela nao sabe o que significa a vida desaparever para sempre, nem leoriza para onde deveria ir. Sé aos pou- cos reconhece que ha uma coisa chamada morte, que leva algumas pes- soas cmbora para sempre; com muita relut@ncia, passa a admitir que mais cedo ou mais tarde ela leva todo mundo embora, mas essa per- cepedo gradativa de inevitabilidade da morte pode Vir a ocorrer sd pe- 0 nono ou décima ano de vida. Embota a crianga nao tenha conhecimento de uma idéia abstrata como a negacao absoluta, tem suas ansiedades proprias. E absaluta- mente dependente da mae, sente solidao quando cla esta ausente, frus- tracdo quando se vé privada de agraclos, irritacao com a fome ea falta de conforto, ¢ assim por diante. Se a crianga fosse abandonada a pré- pria sorte, seu mundo iria despencar, ¢ seu Grganismo deve pereeber isso’ em determinado nivel; chamamos isso de ansiedade pela perda do objeto. Nao sera essa ansiedade, entao, um medo natural, organica, de aniquilamento? Ora, hA muitos que consideram isso como uma ques- (Jo muito relativa. Acceditam eles que, s¢ a mae tiver cumprida sua tarefa de maneira carinhosa, que inspire confianga, as ansiedades ¢ cul- pas naturais da crianea irao desenvolver-se de forma moderada, ec & erianga conseguira colocd-las firmeniente sob o controle de sua petso- nalidade em desenvolvimento." A crianga que tver boas experiéncias no Contato com a mae ird adguirir um sentimento basico de seguranga € ndo estard sujeira a temores mdrbidos de perder o apoio, de ser ani- quilada, ou coisa semethante-’ A medida que ela crescer e passar a compreender a morte de forma racional, por volta da idade de nove ‘ou dez anos, ird aceité-Ja como parte da sua visdo do mundo, mas essa idéia ndo ira envenenar sta atitude autoconfiante para com a vida, O psiquiatra Rheingold diz categoricamente que a angustia de aniquila- pao nao faz parte da experiéncia natural da crianca, mas é formada nela por experiéncias adversas com uma mae que Ihe causou prive- goes," Essa teoria coloca todo a 6nus da.ansiedade na educacdo da erianga, e ndo na natureza da erianca. Outro psiquiatra, numa linha menos radical, vé 0 medo da snorte muito aumentado pelas experién- cias da crianga com os pais, pela megagdo, por parte destes, de seus impulsos vitais e, de modo mais geral, pelo antagonismo da sociedade & liberdade ¢ 2 espontancidade do homem." Como iremés ver mais adiante, esse panto de vista € muito popu~ lar, hoje, no difundida movimento em favor da vida sem repressao, @ asia de uma nova liberdade para os |mpulsos biologicos naturais, 27 ‘uma nova atitude de yalorizacdo ¢ prazer em relagao ao corpo, o aban- dono da vergonha, da culpa e do ddio a si mesmo. Segundo esse ponto de vista, o medo da morte é algo que a sociedade cria e, ao mesmo tempo, usa contra a pessoa para manté-la submissa; o psiquiatra Mo- Toney falava nele como um *‘mecanismo da cultura”, ¢ Marcuse como. Uma “‘ideologia’’."* Norman QO. Brown, cm im fivro muitissimo in- fluente que iremos comentar com algum detalhe, chegou mesino a di- Zer que poderia haver um nascimento € desenvolvimento da crianga ‘numa “‘segunda inocéncia" que estaria live do medo da morte porque ‘nao iria negar a vitalidade natural ¢ deixaria a crianca inteiramente aber- ta A vida Fisica.” E facil perceber que, com base nesse ponta de vista, aqueles que tiverem experiéncias adversas no inicio da vida sero os mais morbida- mente fixados na ansiedade da morte; ¢ se, por acaso, quando cresce- tem, forem filésofos, ¢ provavel que facam da idéia da morte uma maxima central de sew pensamento — como fez Schopenhauer, que odiava a mae e declarou ser a morte “‘a musa da filosofia’’. Se vocé tem uma estrutura de carater ‘amarga’” ou teve experiéncias especial- mente Irdgicas, devera vir a ser um pessimista. Um psicéloge comen- tou comigo que toda a idéia do wmor da morte era uma importagao dos existencialistas ¢ dos tedlogos protestantes que Linham ficado mar- cados pelas suas experiéncias européias ¢ que levavam com eles. peso extra de heranca calvinista e luierana de negagao da vida. Até o desta- cado psicdlogo Gardner Murphy parece pender para essa escola e in- siste conosco para que estudemos @ pessog que manifesta o temor da morte, que coloca a ansiedade no centro de seu pensamento; ¢e Murphy pergunta por que viver a vida no amor € na alegria também ndo pode ser considerado real e basico,"* O Argumento da ‘‘Mentalidade Mérbida'"’ 0 argumento da “mente sadia” que acabamos de examinar € um lado do quadro das pesquisas ¢ das opiniSes acumuladas sobre o pro- blema do temor dg morte, mas hd outro lado, Um grande niimero de pessoas concordaria com essas observagGes sobre as experiéncias vivi- das no inicio da vida e admitiria que as experiéncias podem aumentar as ansiedades naturais eos (emores que vem mais tarde, mas essas pes- sous também iriam argumentar, com muita énfase, que, apesar de tu- do, o temor da morte ¢ natural ¢ esta presente em todos os indiyiduos, que ele ¢ 0 temor basico que influencia todos 05 outros, um temor ao qual ninguém estd imune, por mais disfar¢ado que possa estar, Wil- liam James falou muito cedo em defesa dessa escola ec, com o seu pito- resco realismo de sempre, chamou a morte de “‘o yverme que estava no 4mago" das pretensdes do homem 4 felicidade.* Um estudioso da ma- 28 tureza humana como Max Scheler, nada mais nada menos, achava que todos os homens deveriam ter algum tipo de uma certa intuigao desse “verme no dmago™, quer admitissem, quer ndo," Inimeras outras au= toridades — algumas das quais iremos citar nas paginas seguintes — pertencem a essa escola: estudiosos da estatura de Freud, muitos de seu circulo intima, e pesquisadores sérios que nao so psicanalistas. Como podemos entender uma discussdo na qual existem dois campos distintos, ambos repletos de eminentes awtoridades? Jacques Choron chega mesmo a dizer que é discutivel se alguma vez serd possivel con- cluir se 0 medo da morte é ou nao é a ansiedade basica” Em assun- tos como este, ent@o, o maximo que se pode fazer € apoiar um dos lados, dar uma opiniao baseada nos autores que Ihe parecam mais con- vincentes € apresentat alguns dos argumentos convincentes. Com toda frangueza, eu me coloco ao lado dessa segunda escola — na verdade, todo este livro ¢ uma rede de argumentos baseados na universalidade do temor da morte, o “terror”, como prefiro chamé- lo, a fim de transmitir o quanto ele é exaustivo quando ficamos cara a cara com ele. O primeiro documento que desejo apresentar e sobre © qual quero me alongar é um trabalho escrito pelo célebre psicanalis- ta Gregory Zilboorg; é um ensaio especialmente penctrante que — de- vido ao seu poder de sintese ¢ ao seu alcanoe — nao recebeu acréscimos que o melhorassem, muito embora tenha aparecido ha varias déca- das." Zilboorg diz que a maioria das pessoas pensa que o temor da morte esta ausente porque esse lemor raramenie mostra a sua verda- deita face; mas sustenta que, por baixo de todas as aparéncias, a medo da morte esté universalmente presente: Porque por tris da sensagao de inseguranga diante da perigo, por tis do sentimento de desanimo e depressao, sempre se esconde o medo basi- co da morie, um medo que sofre claboragées muit{ssime complexas e se manifesta de muitas manciras indiretas. Ninguém esta livre do medo da marte. (...) AS neuroses de angiistia, os diferentes cstados f6- bicos, até mesmo um nimere considerdvel de estados depressivos suici- das. € muitas esquizofrenias demonstram amplamente o sempre presente medo da morte, que se entrelaca cam os principais conflites das condi- gies psicopatoldgicas dadas. (_..) Podemos considerar como ponte pa- cifiea que © medo da morte sempre est presente em nosso funcionamento ‘mental. Sera que James nao disse a mesma coisa antes, & sua mancira? ‘Que as otimistas mentalidades sauddveis aproveitem ao.-maximo 9 seu estranho poder de viver 0 momento ¢ ignorar e esquecer, mas ainda ias- sim o pane de fundo maligno estd ali para ser lembrado, ¢ 3 caveira ir aparécer com um iso. cscamminho darante o banguete.” 2 A diferenga empe essas duas opiniées esta ndo tanta no uso das ima- gens eno esjls quanto no fara de que a de Zilboorg é feita quase meio secule depose ¢ baxeuda em todo um trabatho clinico muito mais real, nae apenas na yspevalhiie filecefica Ou .na intuicd pessoal. Mas ela continu a ink rent de desenvelvimento a partir de James € dos pose danwinuinas gue vine @ medo da merte come um problema bioldgico eevolteiondrio. Aqui, ucha que ele pisa um solo muito firme, e em especii! doste di mangira como ele expoe-o argumento, Zilboorg sa- Highia que usse femor & na Vurddde, uma expresso do instinte de auta- prese 1, Que funciona” come um constante impulso de manter a vide © domingr os perigos que emeacam a vida: Esc vaste consninte dh ocica. na tareta de preservar a vida Seri nposkiy el ace HeMMAE lh Gore mG Fosse [aD Constante, O propria terino “anupresen aeio” 4 a.entender um es!prgo contra alguma for- ¢a de G aancete afetive disso é o temor, © temor da more, ras. 0 tonior da morte deve estar presente por tras de todo 6 nosy tuncionamento normal, a fim de que o organismo possa estar armada em prol da aulopreservaciia, Mas o remor da morte nao pode estar presente de forma constante ne funcionamento mental do individue, caso contrario 0 organisma nao poderia funcionar, Zilboorg, continua: Em outras pa Se esse temo wbnives Constanitementé no plane cansciente néo terfa- mes cowiigiics de fureionar normalnente. Fle deveser reprimide de for- ma adrquiida, pitta nc Tranter vivendd com um pouce de confarte que hon que Yeprimir sicnifiea mais de que guardar Ni cnay dado 0 Jugdr onde o evardamon, Significa peculigica constame no sentido de manter a tam- cai felunar nossa vigilancia ee rij aro qh famesm im este po (echada e, no Nim, bi E assim podemrs compror arece bin paradoxo impossivel oO Suunpre preseric Weiror Us Mere no furionamenta psicoldgico nor- maf denoss lor yiyie, hem coma o nosso total es- nun dese: tumiey um qossa vida conscivnte: i> witdaisios Ue Um jada para outro sem acre- 1) pa Nossa iGFte, COMO ac aGTedilassemos ple de coppores, Estamos preoeupados em WA, & claro, que sabe que vai morrer . Esta aproveitando bem a vida, ¢ no fe aidiy Ber yjiessko de se Imporizr cam ela — mas isso shiv inceleciual, verbal. © afeto do temar est wih hit pensat nz 6 wna jhe. Ti pur reprimide.* Bi ‘O argumento da bidlogia ¢ da evolugao € basico e tem de ser levado a sério; ndo vejo coma pode ser deixado de fora em qualquer debate. Os aninais, para sobreviverem, réin tido de se proteger mediante red g6es de medo, em relagdo nfo apenas a outros animais, mas a propria Ratirezd. Tiveram que perceber a proporedo verdadeira das suas limi- tadas forcas diante do mundo perigoso em que estavam imersos. A Tea- lidade ¢ © medo andam juntos, naturalmente, Como o bebé humana S¢ encontra numa situapdo ainda mais exposia ¢ desamparada, é tolice presumir que a reagao animal ao medo teria desaparecidg numia espé- cie assim \do fraca ¢ sensivel. E mais razodvel pensar que essa reacdio de medo realmente foi ampliada, como pensavam alguns dos primei- ros darwinianos: o§ homens primitivos que mais tinham medo eram aqueles que eram 05 mais realistas em relagdo @ Sua situacdo na natu- Teza, ¢ lransmitiram @ seus descendentes um realismo que tinha um al- to valor para a sobrevivéncia.” O resultado foi o surgimento do homem tal coma o conhecemos; um animal hiperansioso que inventa cousiantemente razdes para a ansiedade, até mesma quando nda hd razao alguma. O argumento da psicandlise ¢ menos especulativo e deve ser levado ainda mais a sério, Ela nos mostrow algo a respeito do mundo interior da criancaem que nunca haviamos pensado: ou seja, que ele ¢ mais cheio de terror quanto mais a crianga é diferente das outros animais. Pode- rlamos dizer que o medo é programado, nos animais inferiores, por ins- lintos que ja vém prontos; mas wm animal que nda tenha instinros nao fem medos programados. Os temores da. homem sao formados cam ba- Se nay maneiras pelas quais ele percebe o mundo. Ora, o que é que ha de peculiar com relacdo & percepeo que a crianca tem do mundo? Em Pprimeiro lugar, a extrema confusdo das relagdes de causa e efeita; em segundo, a extrema irrealidade quanto aos limites de seus proprios po- defes, A crianga vive numa situagdo de extrema dependéncia; ¢ quando suas necessidades sao atendidas, deve parecer-lhe que tem podercs ma- sivas, verdadeira oniporéncia, Se cla sente dor, fome, ou desconfarto, tudo o que tem a fazer é gritar, e serd aliviada e acalentada por sons sua- ves, carinhosos. Ela éum magico ¢ unm telepata que 46 precisa balbuciar © imaginar, ¢ o mundo funciona segundo os seus desejos. Agora, porém, a penalidade por essas percepedes. Em um mundo magico no qual coisas fazem com que outras coisas acontegam por um simples pensamento ou por um olhar de insatisfacao, tudo pode aco: tecer a qualquer pessoa, Quando a crianga sente frustracGes inevit: Veis € reais por patte dos pais, dirige a eles Gdio © senlimentos dcstrutivos; ¢ nao icm meios de saber que os sentimentos malévolos nao podem ser arendidos pela mesma magica que atendeu a seus ou- tros desejos, Os psicanalistas acreditam que essa confusdo é uma cau- sa principal de culpa e desamparo na crianga, No seu muito bom ensaia, Wahl resumiu esse paradoxo: i .os processos de socializagdo, para todas as crianas, séo dolorasos € frustrantes ¢, por iss, nenhume crianga escapa de sentir desejos hostis de morte em relapo aos seus socializadores. Portanto, nenhuma delas escapa ao medo da morte pessoal, quer ma forma direta, quer na forma simbdlica. A repressdo €, em geral, (...) imediata e efctiva. A crianca é demasiado fruca para assumir a responsabilidad por todo esse sentimento destrutivo, ¢ nfo pode controlar a magi~4 execucio de seus desejos. E isso que entendemos por um ego imatu ~' acrianca nio tem a capacidade segura de organizar suas percepgdies ¢ 0

Você também pode gostar