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Flexibilidade de sistemas de produção industrial: o que é? Flexibility of


industrial production systems: what is it? *

Article · October 2014


DOI: 10.13140/2.1.4229.8886

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Andre Ambrosio
Fundação Carlos Alberto Vanzolini
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Flexibilidade de sistemas de produção industrial: o que é?∗
Flexibility of industrial production systems: what is it?∗

André A. Abramczuk

Τσαγκάρης , δεν είναι πλέον ένα σανδάλι.

Resumo
Em decorrência do emprego amplo e vago do termo ‘flexibilidade’ em análises de sistemas
de produção industrial, Salerno(1) advoga a necessidade de “transformá-lo numa categoria
analítica que sirva para interpretar, analisar e intervir sobre os diversos aspectos produtivos
que apresentam diferentes necessidades de flexibilidade” (p. 4). Propõe, então, “conceituar
flexibilidade de uma forma abrangente, não restrita à gestão imediata da produção ou a um
problema específico” (p. 4). Esse artigo mostra que o objetivo visado por Salerno não foi
alcançado. Para comprová-lo, primeiramente esclarecem-se alguns termos e conceitos na
Seção 1, esclarecimentos estes necessários para a compreensão da crítica que se faz na
Seção 2 ao conceito proposto por Salerno.(1) Na Seção 3 apresenta-se, um conceito geral de
flexibilidade capaz de atender às necessidades apontadas por Salerno.(1). Na conclusão,
mostra-se que sob certas condições a flexibilidade – agora entendida de acordo com o
conceito geral posto na Seção 3 – é atributo essencial de determinados sistemas de
produção industrial.
Palavras-chave: Flexibilidade, sistema de produção industrial, custo, qualidade, tempo.
Abstract
This paper is about a proposal for a concept of flexibility that should give the word only
one and the same meaning when associated to different aspects of industrial production
systems undergoing technical/scientific studies. It is shown that the proposal does not reach
the aimed goal.
Key-words: Flexibility, industrial production system, cost, quality, time.


Draft: May 1998. Upload: Oct. 2014.
1. Dos termos e dos conceitos
Como a proposta de Salerno(1) é dar ao termo ‘flexibilidade’ o status de categoria analítica,
é importante, então, esclarecer a expressão ‘categoria analítica’.
O termo ‘categoria’ e o conceito original de categoria devem-se a Aristóteles.(2) O termo é
objeto de verbetes que ocupam várias páginas nos dicionários de Filosofia.(3), (4) Na
atualidade, o rigor filosófico é afrouxado a tal ponto que o termo é utilizado muitas vezes
como sinônimo de noção ou de conceito(5), uso este que não está isento de críticas.(6)
O termo ‘analítico’, como adjetivo, é usado para se referir a algo que se faz por meio de
análise.(7), (8) Nesse sentido, é oposto a sintético. Essas acepções atuais dos termos
remontam a Kant e à sua distinção entre “juízos analíticos” e “juízos sintéticos”.(8) O juízo
analítico é aquele que pertence necessariamente à essência ou definição do sujeito.(5), (8) A
expressão de um juízo analítico é uma proposição que pode ser validada ou invalidada sem
recurso à observação, embora não forneça informação sobre a realidade.(8)
2. Flexibilidade, segundo Salerno
Salerno relaciona vários motivos que tornam necessário um conceito de flexibilidade
menos vago do que as várias e diferentes noções em uso.(9). Ele formula, então, o seguinte
conceito de flexibilidade: “a habilidade de um sistema de assumir ou transitar entre
diversos estados sem deterioração significativa, presente ou futura, de custos, qualidade e
tempos, sendo uma variável de segunda ordem, não homogênea, definível a partir de
aspectos intra e extrafábrica.”(10).
Salerno especifica flexibilidade como ‘habilidade de um sistema’, restringindo assim o
conceito de flexibilidade a sistemas. O enunciado contém expressões que necessitam de
esclarecimento complementar (o que é ‘deterioração significativa’?), elementos de
categorização (tempo, qualidade, custo) e a afirmação final de que flexibilidade é uma
variável de segunda ordem, não homogênea, definível a partir de aspectos intra e
extrafábrica. Tudo isso implica que o conceito de flexibilidade enunciado por Salerno não
pode ser posto como determinando para ela uma categoria analítica; deve ser visto mais
apropriadamente como juízo sintético a posteriori, testável empiricamente para situações
específicas (no caso, somente para situações em que “aspectos intra e extrafábrica” sejam
relevantes).

3. Um conceito geral de flexibilidade?


Um conceito se caracteriza por uma extensão e por uma compreensão ou, mais
modernamente, pela díade intensão-extensão.(11), (12) Levando em conta os motivos
apontados por Salerno para a necessidade de um conceito abrangente de flexibilidade,
reconhece-se que ele impõe um domínio para esse conceito: os sistemas de produção
industrial.(13) Mas, levando em conta que sistemas de produção industrial nada mais são do
que uma categoria específica de sistemas dinâmicos, para eles vale o que vale para todos os
sistemas dinâmicos. Nestes, flexibilidade é um atributo que se manifesta na capacidade de
tais sistemas de assumir diferentes estados de equilíbrio homeostático. Esse conceito de
flexibilidade abrange os significados com que o termo é usado na biologia, nas ciências
exatas e na engenharia, ao mesmo tempo em que exclui a possibilidade de seu uso como
sinônimo de tolerância, complacência e, em especial, de “jeitinho”, e lhe preserva as
características de variável de segunda ordem que Salerno lhe atribui.
Particularizando a aplicação desse conceito a um sistema de produção industrial, dir-se-á
que a flexibilidade de tal sistema é sua capacidade de funcionar em diferentes condições de
estabilidade, determinadas por critérios de eficiência, racionalidade e economia. No âmbito
das atividades empresariais, os critérios de eficiência, racionalidade e economia são
determinantes de requisitos de tempo, qualidade e custo formulados em termos
mensuráveis. A flexibilidade de um sistema de produção industrial é, pois, definida em
função de seu impacto no resultado econômico-financeiro da atividade empresarial.
O desempenho de um sistema de produção industrial é medido, ao fim e ao cabo, em
termos de dinheiro. Como todo sistema de produção industrial deve em princípio ser
lucrativo, uma forma simples de lhe medir o desempenho é a clássica equação do lucro:
RECEITA – CUSTOS > 0 (A)
Um sistema de produção industrial é levado de um estado de funcionamento para outro
somente quando existe a certeza de que não será lucrativo mantê-lo funcionando no estado
atual. Por isso, ele deve ser lucrativo em qualquer estado de funcionamento, não
importando em qual dos estados ele seja mais lucrativo.
O valor aceitável da diferença receita – custos é determinado em geral por cálculos de
viabilidade econômica, servindo de referência para determinar a rentabilidade dos
investimentos necessários para instalar e operar o sistema.
Suponha-se um sistema de produção industrial que possa assumir dois estados de
funcionamento, mas que na transição de um estado para outro fica paralisado durante certo
tempo ∆ti (tempo de transição, tempo de preparação ou tempo de set-up). O intervalo de
tempo ∆ti é um intervalo de tempo em que o sistema não gera receita.
Suponha-se que os custos da transição de um estado para outro sejam C (medido em
unidades monetárias). Quando em funcionamento, o sistema apresenta um fluxo de
produção de receita f (unidades monetárias por unidade de tempo). Vai daí que durante o
tempo de transição do sistema entre dois estados ocorre uma perda de receita f.∆ti.
Uma vez preparado para funcionar num novo estado, o sistema gera uma receita de
operação R = f.∆top, em que ∆top é o tempo de operação do sistema.
Levando todas essas expressões à equação (A), tem-se que
f.∆top – (f.∆ti + C) > 0
Com os termos rearranjados, esta equação assume a forma
f.(∆top – ∆ti) – C > 0 (B)
Como f e C são grandezas positivas, a desigualdade acima se verifica somente se o fator
entre parênteses for positivo, isto é, ∆top > ∆ti. A primeira conclusão é, pois, acaciana: Um
sistema flexível de produção industrial será lucrativo somente se o tempo de operação num
estado for superior ao tempo de transição entre estados.
Um caso interessante é quando o sistema, após paralisado por certo tempo, retorna a
funcionar no mesmo estado anterior à paralisação. Nesse caso, em funcionamento o sistema
deve produzir uma receita adicional tal que o custo da paralisação seja compensado por um
faturamento, isto é, que C = f.∆ti. Nesse caso, paralisar o sistema e em seguida retornar ao
mesmo estado de funcionamento é economicamente viável somente se
f.(∆top – ∆ti) – f. ∆ti > 0
ou seja:
f.(∆top – 2.∆ti) > 0
Um exemplo que permite verificar a validade dessa equação é o das usinas açucareiras, que
operam a pleno vapor e ininterruptamente durante oito a nove meses (período de safra) e
em seguida paralisam as atividades na entressafra (essa paralisação varia de três a quatro
meses, durante a qual ocorre o desmonte da entressafra: todos os equipamentos de produção
são desmontados para reparos e reposição, em preparação para a safra seguinte).
4. Flexibilidade como objeto de políticas e ações de gestão empresarial
Em toda atividade empresarial existem três sonhos em conflito, que são os sonhos do
gerente de produção, do gerente de vendas e do gerente financeiro. O sonho do gerente de
produção é ter cada linha de produção programada uma única vez e produzindo
indefinidamente o mesmo produto; o sonho do gerente de vendas é ter em estoque a mais
ampla variedade de produtos para poder atender prontamente aos pedidos dos clientes; o
sonho do gerente financeiro é ter estoques de matérias-primas, materiais em processo e de
produtos acabados na menor quantidade possível e pelo menor tempo possível. Por isso a
necessidade de uma instância superior para conciliar esses sonhos conflitantes dentro de
uma estratégia empresarial. E o processo para elaborar essa conciliação deve levar em conta
as diferentes concepções de flexibilidade que pressionam a atividade empresarial. Vai daí
que as políticas e ações de gestão empresarial voltadas aos sistemas de produção industrial,
quando confrontadas com a questão da flexibilidade dos sistemas de produção industrial,
optam por ações destinadas a reduzir a necessidade de alterar o estado de funcionamento
dos sistemas de produção ou então reduzir o tempo de transição de um sistema de produção
entre dois estados de funcionamento. Não há meio termo. No primeiro caso o propósito é
prolongar o tempo de operação do sistema num estado e leva-lo a produzir com o máximo
fluxo de geração de receita possível. Salerno apresenta vários exemplos pertinentes de
opções com vistas a esse objetivo, das quais a mais disseminada é a estabilização do
volume de produção.(15) No segundo caso (reduzir o tempo de transição de um sistema
produtivo entre dois estados de funcionamento) o propósito nesses casos é tornar máxima a
flexibilidade do sistema. Uma forma de obter essa máxima flexibilidade é o emprego de
instalações do tipo general purpose. Um exemplo se encontra numa empresa no interior de
estado de São Paulo. Ela possui uma única esteira de montagem, ao longo da qual podem
ser montados até quarenta e seis modelos diferentes de motores de explosão interna, tanto
de ciclo Diesel quanto de ciclo Otto, durante um turno de trabalho de oito horas. Instalações
do tipo general purpose são utilizadas por indústrias químicas, fábricas de pequenas peças
em grande volume (como rolhas para garrafas de bebidas, embalagens flexíveis de
polipropileno ou polietileno para lojas de roupas, livrarias etc.). Nesse caso uma das
políticas mais visíveis é a determinação de fazer o maior número possível de coisas com o
menor número possível de máquinas e de pessoas.
5. Conclusões
Não é possível elaborar um conceito de flexibilidade como categoria analítica. Mais
adequado para os estudos técnicos e científicos de sistemas de produção industrial que
tenham necessidade de discutir flexibilidade é toma-la como operador conceitual, cabendo
a quem fizer uso do termo estabelecer um significado para ele e determinar de maneira
clara e inconfundível como irá utilizá-lo.
Na realidade das atividades econômicas, flexibilidade é um atributo de sistemas de sistemas
de produção definido por meio de juízos sintéticos a posteriori, isto é, aquilo que será
denominado ‘flexibilidade do sistema’ é determinado a partir de considerações da natureza
estratégica dos investimentos e de análises de viabilidade técnica e econômica de
alternativas de ação para a sua concretização na forma de máquinas, processos, qualificação
de pessoas etc. Isso corrobora tese de Salerno de que flexibilidade é uma variável de
segunda ordem.(16)
Quanto maior a necessidade de flexibilidade de um sistema de produção, menores devem
ser os tempos de transição de um estado de funcionamento para outro. Uma das
consequências disso é que tempos gastos com instruções de trabalho devem ser os menores
possíveis, o que implica algumas condições: (1) pessoal qualificado para efetuar as
mudanças de estado do sistema em pouco tempo; (2) pessoal qualificado para manter o
sistema em funcionamento normal em dado estado por todo o tempo previsto; (3) menor
margem possível para falhas, adaptações e correções. Disso decorre que, quanto maior a
flexibilidade do sistema, maior o teor prescritivo necessário para seu funcionamento
normal.
Mudanças podem ser vistas como elementos integrantes de uma cadeia causal, em que o
mesmo fenômeno pode ser simultaneamente causa de mudança num contexto e
consequência de mudanças ocorridas no mesmo ou em outro contexto. Desse modo, a
flexibilidade pode ser apontada como causa e consequência das mudanças apontadas por
Salerno.(14)
REFERÊNCIAS
(1)
SALERNO, M. S. FLEXIBILIDADE E ORGANIZAÇÃO PRODUTIVA: elementos
para transformar o termo flexibilidade numa categoria analítica; elementos para
análise da produção na indústria. Apresentado no XVI Encontro Anual da
ANPOCS, Caxambu (MG) - 20 a 23.10.1992.
(2)
REALE, G. História da Filosofia Antiga [Storia della filosofia antica, 1975-1980].
São Paulo: Edições Loyola, 1995. Vol. 5, p. 42.
(3)
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia [Dizionario di filosofia, 1971]. São Paulo,
Martins Fontes, 4ª. ed., 2000. Pp. 121-124.
(4)
MORA, J. F. Dicionário de Filosofia [Diccionario de Filosofía, 1994]. São Paulo:
Edições Loyola, 2000. Tomo I (A-D). pp. 416-422.
(5)
JAPIASSU, H.; MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1993.
(6)
BERNARDES, A. Quanto às categorias e aos conceitos. Revista Formação Online,
n. 18, volume 2, pp. 39-62 , jul./dez., 2011. Disponível em
<http://revista.fct.unesp.br/index.php/formacao/article/viewFile/602/1225>.
(7)
ABBAGNANO, N. op. cit., p. 54.
(8)
MORA, J. F. op. cit., Tomo I (A-D), pp. 121-7.
(9)
SALERNO, M. S. op. cit., pp. 5-8.
(10)
SALERNO, M. S. op. cit., p. 8.
(11)
ABBAGNANO, N. op. cit., p. 577.
(12)
MORA, J. F. op. cit., Tomo II (E-J), p. 980, p.1546.
(13)
SALERNO, M. S. op. cit., p. 3.
(14)
SALERNO, M. S. op. cit., p. 3, 17-19.
(15)
SALERNO, M. S. op. cit., p. 16-17.
(16)
SALERNO, M. S. op. cit., p. 6, 8, 16.

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