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(A CONTRIBUIÇÃO DA PRODUÇÃO
ENXUTA PARA A FLEXIBILIDADE NA
PRODUÇÃO DE RESPIRADORES
ARTIFICIAIS: UM ESTUDO DE CASO)
Contribuições da Engenharia de Produção para
a Gestão de Operações Energéticas Sustentáveis
Juliano Endrigo Sordan (UFSCar)
julianosordan@yahoo.com.br
1. Introdução
O contexto organizacional vivenciado pelos gerentes de produção nos últimos anos tem gerado
uma variedade de opções para o aumento da flexibilidade na manufatura, cobrindo desde
Sistemas de Manufatura Flexíveis e robótica, até soluções focadas em pessoas, tais como
treinamento interfuncional e terceirização (FRIEDLI, 2006). Neste contexto, o paradigma da
Indústria 4.0 (i4.0) parece estar alinhado com as estratégias de flexibilização da manufatura,
visto que as tecnologias habilitadoras da i4.0 e as fábricas inteligentes (Smart Factories)
convergem para a customização em massa e para a elasticidade das programações.
Além das estratégias de manufatura digital, que muitas vezes requerem investimentos em
automação, tecnologias da informação e competências específicas, as estratégias de excelência
operacional oferecem um gama de técnicas, ferramentas e princípios para a promoção da
flexibilidade no chão de fábrica, incluindo Seis Sigma, Lean Manufacturing (LM), Teoria das
Restrições, entre outras.
De acordo com Slack (2002), o senso de flexibilidade remete à facilidade com que uma
operação pode se mover de um tipo de atividade produtiva para outra. Assim, um processo que
se ajusta rapidamente, suavemente e com baixo custo para fabricar um produto específico seria
mais flexível do que outro processo que somente pode responder às mudanças na operação com
grandes custos e perturbação organizacional. Atualmente, diversas empresas da indústria
manufatureira incluindo fabricantes de peças e equipamentos, alimentos e bens duráveis,
tiveram que redefinir seus processos com o propósito de atender às novas demandas para o
combate à pandemia do Coronavírus (Covid-19).
Exemplos recentes de estratégias de flexibilização dos recursos produtivos como resposta ao
enfrentamento à Covid-19 incluem o desenvolvimento e fabricação de respiradores artificiais e
construção de leitos hospitalares ou hospitais de campanha (DA SILVA et al., 2020;
NORONHA et al., 2021), assim como a produção de cilindros de oxigênio (ANVISA, 2021).
Embora a literatura especializada em gestão da produção e operações apresente diversos
frameworks a respeito da promoção de flexibilidade nos processos de manufatura, poucas
estruturas de análise fazem uma associação direta entre flexibilidade e LM (BOYLE;
SCHERRER‐RATHJE, 2009). Desta forma, dada a importância do tema frente aos desafios
estruturais, sociais e sanitários impostos pelo Covid-19 em todo o mundo, emerge a seguinte
questão de pesquisa: Como as práticas LM podem promover a flexibilidade das operações de
manufatura dedicadas à fabricação de produtos emergenciais no combate à pandemia do
coronavírus?
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Este artigo tem como objetivo analisar a contribuição das práticas LM para a promoção da
flexibilidade no processo de fabricação de produtos emergenciais para o combate do surto da
Covid-19. Para alcançar esse objetivo foi conduzido um estudo de caso em uma fábrica de
produtos médicos e odontológicos cujo processo de manufatura foi adaptado para a produção
de ventiladores mecânicos.
2. Referencial teórico
2.1 Flexibilidade na produção
Flexibilidade na produção se refere à capacidade de um sistema de manufatura ou de uma
organização industrial em efetivamente lidar com a incerteza associada a uma variedade de
fontes e produzir de forma eficiente uma variedade de produtos ou volumes de produtos nos
níveis aceitáveis de qualidade, custo e prazo de entrega (BOYLE; SCHERRER‐RATHJE,
2009). Esse conceito também pode ser interpretado como a habilidade de ajuste às mudanças
de um mercado no qual as inovações de projetos e os volumes apresentam grande flutuação
(HEIZER; RENDER, 2001).
Com base nessas afirmações, entende-se que a importância sobre o tema conduz a uma
discussão a respeito da flexibilidade para a agenda estratégica empresarial, tornando-a uma
prioridade competitiva. Contudo, a flexibilidade na produção permeia os níveis operacionais,
táticos e estratégicos de uma organização (RITZMAN; KRAJEWSKI, 2003), além de cobrir
uma série de decisões relacionadas ao volume e a variedade dos produtos e ao uso dos recursos
produtivos (máquinas e mão de obra), as quais podem ser mensuradas em termos de impacto
potencial, atual e requisitos (KOSTE; MALHOTRA, 1999).
Tais considerações mostram que o conceito a respeito da flexibilidade na produção é amplo e
merece uma explanação sobre algumas particularidades. Para Slack (2002), a flexibilidade pode
ser diferenciada a partir de duas dimensões: flexibilidade de faixa, que indica o quanto uma
operação pode ser mudada; e flexibilidade de resposta, referente à rapidez na qual a operação
pode der mudada. Além disso, o autor esclarece que tais dimensões de flexibilidade podem ser
melhor compreendidas quanto ao tipo de flexibilidade do sistema, tais como flexibilidade de
produto (habilidade de introduzir novos produtos ou modificar os produtos existentes),
flexibilidade de mix de novos produtos (variedade de itens), flexibilidade de volume ou
mudanças nas quantidades produzidas e flexibilidade de entrega (mudança na programação de
entrega). O Quadro 1 descreve as diferentes dimensões e tipos de flexibilidade na produção.
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Chauhan e Singh (2013) conduziram um estudo de caso em uma empresa do setor automotivo
na Índia para demonstrar a eficácia na implementação de práticas LM por meio da flexibilidade
na manufatura. Conforme apresentado no Quadro 2, o framework de pesquisa utilizado nesse
estudo reuniu 10 parâmetros associados à flexibilidade de mão de obra e 7 parâmetros
associados à flexibilidade de máquina.
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De acordo com Dennis (2009), além dos aspectos relacionados com a estabilidade da mão de
obra e das máquinas, a filosofia lean também preconiza a necessidade de estabilidade nos
materiais. Lucherini e Rapaccini (2017) conduziram uma pesquisa envolvendo simulação
computacional a fim de verificar os ganhos de flexibilidade por meio da aplicação de técnicas
LM e concluíram que o fornecimento just in time e a criação de células de manufatura são
capazes de atenuar a variabilidade dos níveis de inventário. Solke e Singh (2018) realizaram
um estudo de levantamento com aplicação de Modelagem de Equações Estruturais para medir
os constructos relacionados à flexibilidade, destacando os seguintes fatores: (i) disponibilidade
de recursos compartilhados; (ii) habilidade para ajustar rotas de abastecimento entre centros de
trabalho; (iii) habilidade para mudança de rotas no caso de indisponibilidade de alguma
máquina; (iv) habilidade de movimentação de materiais e ferramentas; e (v) estratégia para
gerenciar inventário em situação de flutuação da demanda.
Boyle e Scherrer‐Rathje (2009) conduziram uma pesquisa a fim de identificar práticas para o
aumento da flexibilidade na produção por meio da abordagem LM. Nesse estudo, a análise dos
dados fornecidos por 168 gerentes de produção revelou que o desenvolvimento de times
multifuncionais, fábrica focalizada (focused factory), redução de setup, kanban, manutenção
lean ou TPM (Total Productive Maintenance), eventos kaizen e relações com fornecedores, se
destacaram como práticas de manufatura enxuta mais citadas pelos respondentes.
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3. Método de pesquisa
O método escolhido para a pesquisa foi o estudo de caso único e longitudinal, por ser um
método adequado para pesquisas que buscam respostas a perguntas do tipo “como” e “por que”,
em fenômenos inseridos em um contexto da vida real (Yin, 2009). Conforme mostrado na
Figura 1, o procedimento metodológico seguiu 6 etapas. A primeira etapa consistiu na definição
do problema (conforme apresentado na seção introdutória) e mapeamento da literatura sobre os
temas “produção enxuta” e “flexibilidade”. Na segunda etapa elaborou-se um roteiro de
entrevista (Anexo 1) envolvendo os principais conceitos inerentes à flexibilidade na produção,
bem como as práticas LM que apoiam a flexibilização dos processos de manufatura.
A seleção da organização participante do estudo (etapa 3) foi por conveniência, por se tratar de
um caso excepcional na região metropolitana de Ribeirão Preto em que a produção de um item
emergencial foi estabelecida ad hoc. A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas
semiestruturadas envolvendo cinco colaboradores, que na época da pesquisa ocupavam os
seguintes cargos: Analista de Controle da Qualidade (ACQ); Coordenador de Melhoria
Contínua (CMC); Líder de Produção (LP); Especialista em Processos (EP); e Montadora do
Ventilador Mecânico (MVM).
Na quarta etapa do estudo, os pesquisadores fizeram uma transcrição das entrevistas e
procederam uma análise das lacunas entre as práticas observadas na literatura com as práticas
organizacionais evidenciadas, no intuito de tecer proposições de melhoria (etapa 5). Por fim, a
pesquisa foi encerrada com a validação dessas proposições por um colaborador responsável
pela implementação e manutenção das práticas lean na organização.
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4. Estudo de caso
4.1 Caracterização da empresa e análise sobre flexibilidade
A empresa participante deste estudo, doravante denominada por “Alpha S.A.”, está entre os
principais players na produção e comercialização de equipamentos odontológicos no país.
Localizada na região metropolitana de Ribeirão Preto - SP, a empresa emprega atualmente mais
de 900 colaboradores. Dentre a sua diversificada linha de produtos se destacam os consultórios
odontológicos, equipamentos de ultrassom e profilaxia, tomógrafos e raio x panorâmico,
bombas de vácuo, entre outros. Além de abastecer o mercado interno, parte desses produtos são
comercializados em mais de 140 países.
Considerando a sua capacidade instalada e o ambiente de manufatura no qual está inserida, a
Alpha S.A. enxergou uma grande oportunidade para a fabricação de respiradores artificiais
como estratégia de combate à pandemia do coronavírus no Brasil. De acordo com o LP:
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A flexibilidade de entrega para este novo produto abrange tanto o prazo exigido pelo mercado
(aproximadamente 5 dias), como o lead time para a fabricação e entrega final (30 dias). As
perguntas voltadas para a análise da flexibilidade da mão de obra revelaram os seguintes pontos:
(i) para desenvolver as habilidades dos operadores na linha de produção dos respiradores
artificiais, a empresa promoveu um curso de 20 horas, ministrado por uma equipe de
colaboradores da área de P&D e engenharia de processos. Tal curso foi estruturado em 4
módulos (caracterização do produto, funcionamento, operação/montagem e testes), com
certificação de habilidade condicionada a uma avaliação; (ii) ações de supervisão,
acompanhamento e double check de funcionamento do produto foram executadas a fim de
atenuar as diferenças de habilidades entre os operadores; (iii) a atitude observada dos
operadores na transição para esta nova linha foi classificada pelo LP como “proatividade e
atenção na execução das tarefas”; (iv) o nível de produtividade da mão de obra nessa linha,
quando comparada à linha tradicional, mostrou-se menor em função do número de checagem
em todas as etapas do processo; (v) os operadores “se adaptaram muito bem e entenderam a
real importância do equipamento para a sociedade” (LP).
Com relação a análise da flexibilidade de máquinas, alguns participantes da pesquisa não
souberem responder se as máquinas instaladas na linha seriam multifuncionais. Contudo,
explicaram que a nova linha é totalmente dedicada à fabricação dos respiradores, sem requerer
setup. A análise a respeito da flexibilidade de material evidenciou que os materiais utilizados
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na linha são específicos, não sendo compartilhados por outras linhas. Segundo o CMC, os níveis
de inventário dos materiais utilizados nos ventiladores mecânicos são gerenciados por um
sistema ERP, com uma classificação dos itens críticos, que abrangem placas de acionamento,
sensores e baterias. Esses itens passam por um rígido controle de qualidade e os fornecedores
são selecionados com base nos requisitos regulamentares do produto.
de ciclagem da bateria e teste funcional, a redução de tempos de setup não é uma prioridade
nessa linha (EP). Por outro lado, verificou-se que a empresa não possui um plano estruturado
de TPM. As ações neste sentido, incluem apenas tarefas imediatas de limpeza e organização do
ambiente de trabalho. Cabe destacar que o desempenho da linha em termos de disponibilidade
de máquina é monitorado quanto as horas apontadas versus horas disponíveis.
A última prática LM investigada considerou a realização de eventos kaizen ou kaizen diário em
todo o chão de fábrica. Sob esse aspecto, foi observado que a Alpha não desenvolve ações
kaizen de modo estruturado e que os operadores não recebem treinamento em técnicas
específicas de melhoria contínua, tais como método A3, PDCA, Mapeamento de Fluxo de
Valor, entre outras. O nível de automação da linha também é baixo, com a maioria das
atividades sendo executada manualmente.
Com base nos conceitos-chave identificados na literatura, bem como na experiência
profissional dos pesquisadores, 5 proposições de melhoria foram elencadas com o intuito de
preencher as lacunas entre as práticas observadas na Alpha e as práticas e técnicas LM que
poderiam aumentar a flexibilidade do processo de fabricação de respiradores artificiais.
5. Considerações finais
A flexibilidade na produção é um tema a ser considerado na formulação de estratégias
organizacionais e sua importância é acentuada sob condições emergenciais, como por exemplo,
diante da necessidade de aumento da produção de ventiladores mecânicos para o enfrentamento
da pandemia do coronavírus. O presente artigo teve como objetivo analisar a contribuição das
práticas LM para a promoção da flexibilidade no processo de fabricação de respiradores
artificiais em uma fábrica de produtos odontológicos.
O roteiro de entrevistas foi elaborado a partir das práticas e conceitos extraídos do referencial
teórico incluindo, entre outros fatores, os tipos de flexibilidade na manufatura, bem como
algumas práticas e técnicas LM para apoiar a flexibilização das operações no chão de fábrica.
Os resultados da pesquisa permitiram a proposição de cinco ações de melhoria voltadas para a
criação de células de manufatura e balanceamento de linha, rotas de abastecimento, instruções
de trabalho (job instruction) alinhadas com a metodologia TWI, ações de manutenção lean e
sistematização de eventos kaizen.
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Cabe destacar que tais proposições foram consideradas legítimas pelo coordenador de melhoria
contínua (CMC). Embora as proposições apresentadas na seção anterior não tenham gerado
nenhuma mudança no processo analisado, elas serão adotadas como temas de workshop dentro
de um programa de formação Lean Practitioner implementado recentemente na Alpha.
Por priorizar a investigação das atividades realizadas no chão de fábrica, a principal limitação
deste estudo se refere a exclusão de técnicas e práticas específicas da abordagem Lean Product
Development. Contudo, estudos futuros poderão incluir essa e outras abordagens, como por
exemplo Lean Six Sigma ou Design for Six Sigma, como modelos de referência para a análise
da flexibilidade na produção de produtos emergenciais.
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